DOMINGO, 29 DE AGOSTO DE 2010 #126 REVISTA SEMANAL DO GRUPO A TARDE
A adoção transforma a vida de pessoas como Astrid Fontenelle e Gabriel
FILHO MEU
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An rev 202x266 e linda.indd 1 29/8/2010 SALVADOR DOMINGO 29/8/2010
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médico não fez muitos rodeios. Foi logo dizendo que Nívea tinha poucas chances de ser mãe. Ela não tinha nem dinheiro nem disposição para submeter-se a um tratamento para engravidar. Aos 36 anos, a pedagoga Nívea Bárbara Mota resolveu procurar o Juizado da Infância e Juventude para adotar uma criança. Lembra o dia como se fosse ontem: 18 de janeiro de 2007. A sua ficha destoava das dezenas que aguardavam no Juizado, indicando a preferência por meninas claras recém-nascidas. Nívea procurava um menino negro já crescido. “Queria alguém que tivesse tão poucas chances de ser filho como eu tinha de ser mãe“. Botou o nome de Edmilson na ideia que estava gestando. O garoto ganhou até comunidade no Orkut: “Esperando Edmilson chegar“. Nívea esperou pouco. Em maio, recebeu uma ligação do Juizado para conhecer Moisés, na época com 4 anos. Passou um mês visitando-o, período em que o menino também a observava. “Ele me chamava de mãe para as tias do abrigo, mas não pra mim“. Até que Nívea perguntou: “Quero ser sua mãe. Você quer ser meu filho?“. Moisés disse que sim. A irmã e o sobrinho prepararam uma festa para recebê-lo em casa, com bolo e balões coloridos. Mas Nívea estava tão nervosa que pediu para a família ir embora. “Ele não era um bebê que eu ia ficar assistindo dormir. Era o vamos ver“. As improbabilidades estavam reunidas, e a sós. Depois de conhecer a casa e já cansado de brincar, Moisés aquietou-se. Nívea ficou tão aflita que correu para o MSN para conversarcomumaamiga.“Oqueéqueagente faz quando o brinquedo acaba?“ Estava ainda aprendendo a ser mãe. Os dois foram, aos poucos, se entendendo.
Pais & FILHOS Novos tempos, novas regras. Cada vez mais, mulheres e homens, solteiros ou não, buscam a adoção como caminho para formar uma família
Texto TATIANA MENDONÇA tmendonca@grupoatarde.com.br Foto THIAGO TEIXEIRA ttxphoto@gmail.com
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Astrid e Gabriel A apresentadora e jornalista Astrid Fontenelle,49,tornou-semãedeGabriel, 2, quando ele tinha apenas 40 dias. Ao se habilitar para a adoção, não fez exigências de sexo ou cor. Disse apenas que queria um bebê saudável. “Muita gente se descreve na frente do juiz, buscando uma criança à sua imagem e semelhança. Tem gente que até monta o quartinhocor-de-rosaachandoquevaichegar a tal da menininha que ela escolheu no supermercado. Essas pessoas vão esperar muito na fila“. Astrid tem planos de escrever um livro para contar a sua história.
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Em 18 de julho, seis meses após se inscrever no Juizado, Nívea retirou a nova certidão do filho. Por mais de uma hora chorou ao vê-lo com seu sobrenome. ”Foi o dia mais emocionante da minha vida”. A razão que torna o encontro de Nívea e Moisés tão incomum é a mesma que, historicamente, separa pretendentes e crianças aptas a adoção. Em Salvador, 47 crianças e adolescentes esperam uma nova família ao mesmo tempo em que 138 candidatos buscam um filho na fila. ”Infelizmente, 80% das pessoas querem meninas recém-nascidas”, conta o juiz Salomão Resedá, que há 12 anos acompanha processos de adoção. A realidade dos abrigos soteropolitanos é bem outra. Das 47 crianças, 33 são meninos, 37 têm mais de 5 anos e 43 são pardas ou negras. No Brasil, essa preferência está mudando, e rápido. Dados do Cadastro Nacional de Adoção mostram que, em 2008, quando foi lançado, 70% dos 13 mil inscritos buscavam filhos brancos. Hoje, esse percentual é de 38,22% para 28.346 habilitados. Em relação à idade, uma minoria, 20,28%, quer crianças de até 1 ano.
MENINA DO SUPERMERCADO A apresentadora Astrid Fontenelle confessa que preferia adotar uma menina – para ter a quem ”deixar as bolsas da Channel” – mas ao juiz não fez exigências de sexo ou cor. Disse apenas que queria um bebê saudável. ”Tem gente que está na fila sonhando com uma criança que não vende na Vara, esperando chegar a tal da menininhaqueescolheunosupermercado.Essa pessoa vai esperar muito”. Aos 47 anos, quando se viu num relacionamento estável, Astrid resolveu engravidar e não conseguia. ”Fazia o tratamento, mas, sinceramente, sentia que aquilo não era para mim. A história da barriga, a
5.357 é o número que o Cadastro Nacional de Adoção possui de crianças aptas a ser adotadas no Brasil. São, ao todo, 28.346 pretendentes Na Bahia, são
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pretendentes para 74 crianças
197 crianças já foram adotadas pelo CNA em todo o Brasil desde a criação do cadastro, em 2008
essa altura do campeonato, seria um transtorno. Venceu o meu prazo de validade. Aí comecei a pensar em adotar”. Ela procurou uma Vara da Infância e Juventude em São Paulo e se assustou com a quantidade de documentos que precisava levar. ”Vai desde coisas óbvias, como atestado de antecedentes criminais, à fotografia da fachada da sua casa. Eu pensava: ‘Caraca, tenho fotos da minha casa na Caras, mas não tenho foto da porta do meu prédio (risos)”. Depois de quase seis meses, foi chamada para a primeira conversa com a psicóloga e assistente social. Elas sugeriram que Astrid procurasse o Juizado em Salvador, onde a fila era menor. Ela veio e, em pouco tempo, viu-se com Gabriel, de apenas 40 dias, no colo. “Fui ao Juizado levar uns papéis e aí no mesmo dia o juiz me mostrou o processo do Gabriel, que sinceramente nem vi. Eu só ficava falando: é meu filho, doutor, é meu filho“. Astrid passou um mês com Gabriel em Salvador e durante o estágio de convivência recebeu visitas-surpresa da assistente social. “Dei comida boa, roupa boa, logo ele reagiu“, ri. Gabriel está com 2 anos e vive com a mãe em São Paulo. Volta e meia, eles vêm passear aqui, já que Astrid é casada com o produtor baiano Fausto Franco. Ela até pensa em adotar outra criança, mas adia os planos quando lembra das estripulias do filho, que outro dia a fez perder o fôlego correndo pelo Mercado Modelo. “Ainda não tiro de letra, fisicamente, ter dois filhos... Ser mãe não é fácil. Tem que se dedicar e abrir mão de muita coisa“.
ENCONTRO CÁRMICO Vendo os meninos e meninas soltos pelas ruas de Salvador, com futuros que encurtam à medida que crescem, o empresário Paulo Borges, diretor da São Paulo Fashion Week, resolveu concretizar a antiga ideia de ser pai. Há três anos, procurou o Juizado para adotar um menino negro. “Queria com convicção que meu filho fosse um afro-baiano de fato“. Em apenas dois meses, Henrique, de 1 ano e 10 meses, já o tinha adotado, como ele gosta de dizer. “Foi um encontro cármico, predestinado. Henrique tem me dado a oportunidade de reaprender valores muitos simples, essenciais à vida. É difícil afirmar quem está ajudando quem“. Em muitas entrevistas, o empresário faz questão de dizer que não sofreu preconceito por ser homossexual. O juiz apenas perguntou o que ele responderia quando Henrique perguntasse por quenãotemmãe.Paulodissequehojeasfamíliassãoformadasde muitos jeitos, e o assunto foi resolvido. Outra pergunta que volta o meia o fazem é se o filho já foi vítima de racismo. “A minha condição profissional e social libera uma série de concessões. O Henrique é muito bonito, será um homem bonito, inteligente. Negro ARQUIVO PESSOAL / DIVULGAÇÃO
Paulo e Henrique O empresário paulista Paulo Borges, 46, levou apenas dois meses para adotar o baiano Henrique, na época com 1 ano e 10 meses. “Quando conto, as pessoas ficam espantadas. Em apenas cinco dias, ele me chamava de papai. Com 15 dias, passou a morar comigo com a guarda provisória, e tudo foi acontecendo de forma muito natural, muito linda. Tive o apoio de todos, tanto no Juizado como no abrigo. A freira responsável pela casa é uma santa. Sou grato a ela de forma eterna“. O garoto, que está com 4 anos, costuma acompanhar o pai pelas principais semanas de moda do País – tão lindo é que consegue roubar a cena até quando está ao lado da top Gisele Bündchen.
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Em 18 de julho, seis meses após se inscrever no Juizado, Nívea retirou a nova certidão do filho. Por mais de uma hora chorou ao vê-lo com seu sobrenome. ”Foi o dia mais emocionante da minha vida”. A razão que torna o encontro de Nívea e Moisés tão incomum é a mesma que, historicamente, separa pretendentes e crianças aptas a adoção. Em Salvador, 47 crianças e adolescentes esperam uma nova família ao mesmo tempo em que 138 candidatos buscam um filho na fila. ”Infelizmente, 80% das pessoas querem meninas recém-nascidas”, conta o juiz Salomão Resedá, que há 12 anos acompanha processos de adoção. A realidade dos abrigos soteropolitanos é bem outra. Das 47 crianças, 33 são meninos, 37 têm mais de 5 anos e 43 são pardas ou negras. No Brasil, essa preferência está mudando, e rápido. Dados do Cadastro Nacional de Adoção mostram que, em 2008, quando foi lançado, 70% dos 13 mil inscritos buscavam filhos brancos. Hoje, esse percentual é de 38,22% para 28.346 habilitados. Em relação à idade, uma minoria, 20,28%, quer crianças de até 1 ano.
MENINA DO SUPERMERCADO A apresentadora Astrid Fontenelle confessa que preferia adotar uma menina – para ter a quem ”deixar as bolsas da Channel” – mas ao juiz não fez exigências de sexo ou cor. Disse apenas que queria um bebê saudável. ”Tem gente que está na fila sonhando com uma criança que não vende na Vara, esperando chegar a tal da menininhaqueescolheunosupermercado.Essa pessoa vai esperar muito”. Aos 47 anos, quando se viu num relacionamento estável, Astrid resolveu engravidar e não conseguia. ”Fazia o tratamento, mas, sinceramente, sentia que aquilo não era para mim. A história da barriga, a
5.357 é o número que o Cadastro Nacional de Adoção possui de crianças aptas a ser adotadas no Brasil. São, ao todo, 28.346 pretendentes Na Bahia, são
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pretendentes para 74 crianças
197 crianças já foram adotadas pelo CNA em todo o Brasil desde a criação do cadastro, em 2008
essa altura do campeonato, seria um transtorno. Venceu o meu prazo de validade. Aí comecei a pensar em adotar”. Ela procurou uma Vara da Infância e Juventude em São Paulo e se assustou com a quantidade de documentos que precisava levar. ”Vai desde coisas óbvias, como atestado de antecedentes criminais, à fotografia da fachada da sua casa. Eu pensava: ‘Caraca, tenho fotos da minha casa na Caras, mas não tenho foto da porta do meu prédio (risos)”. Depois de quase seis meses, foi chamada para a primeira conversa com a psicóloga e assistente social. Elas sugeriram que Astrid procurasse o Juizado em Salvador, onde a fila era menor. Ela veio e, em pouco tempo, viu-se com Gabriel, de apenas 40 dias, no colo. “Fui ao Juizado levar uns papéis e aí no mesmo dia o juiz me mostrou o processo do Gabriel, que sinceramente nem vi. Eu só ficava falando: é meu filho, doutor, é meu filho“. Astrid passou um mês com Gabriel em Salvador e durante o estágio de convivência recebeu visitas-surpresa da assistente social. “Dei comida boa, roupa boa, logo ele reagiu“, ri. Gabriel está com 2 anos e vive com a mãe em São Paulo. Volta e meia, eles vêm passear aqui, já que Astrid é casada com o produtor baiano Fausto Franco. Ela até pensa em adotar outra criança, mas adia os planos quando lembra das estripulias do filho, que outro dia a fez perder o fôlego correndo pelo Mercado Modelo. “Ainda não tiro de letra, fisicamente, ter dois filhos... Ser mãe não é fácil. Tem que se dedicar e abrir mão de muita coisa“.
ENCONTRO CÁRMICO Vendo os meninos e meninas soltos pelas ruas de Salvador, com futuros que encurtam à medida que crescem, o empresário Paulo Borges, diretor da São Paulo Fashion Week, resolveu concretizar a antiga ideia de ser pai. Há três anos, procurou o Juizado para adotar um menino negro. “Queria com convicção que meu filho fosse um afro-baiano de fato“. Em apenas dois meses, Henrique, de 1 ano e 10 meses, já o tinha adotado, como ele gosta de dizer. “Foi um encontro cármico, predestinado. Henrique tem me dado a oportunidade de reaprender valores muitos simples, essenciais à vida. É difícil afirmar quem está ajudando quem“. Em muitas entrevistas, o empresário faz questão de dizer que não sofreu preconceito por ser homossexual. O juiz apenas perguntou o que ele responderia quando Henrique perguntasse por quenãotemmãe.Paulodissequehojeasfamíliassãoformadasde muitos jeitos, e o assunto foi resolvido. Outra pergunta que volta o meia o fazem é se o filho já foi vítima de racismo. “A minha condição profissional e social libera uma série de concessões. O Henrique é muito bonito, será um homem bonito, inteligente. Negro ARQUIVO PESSOAL / DIVULGAÇÃO
Paulo e Henrique O empresário paulista Paulo Borges, 46, levou apenas dois meses para adotar o baiano Henrique, na época com 1 ano e 10 meses. “Quando conto, as pessoas ficam espantadas. Em apenas cinco dias, ele me chamava de papai. Com 15 dias, passou a morar comigo com a guarda provisória, e tudo foi acontecendo de forma muito natural, muito linda. Tive o apoio de todos, tanto no Juizado como no abrigo. A freira responsável pela casa é uma santa. Sou grato a ela de forma eterna“. O garoto, que está com 4 anos, costuma acompanhar o pai pelas principais semanas de moda do País – tão lindo é que consegue roubar a cena até quando está ao lado da top Gisele Bündchen.
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38,22% somente aceitam crianças da raça branca, e 20,28% querem crianças até 1 ano de idade
84,87% desejam adotar apenas uma criança, e 82,95% não aceitam adotar irmãos
Liliana, José, Dara e Bruna A pedagoga Liliana Bahia e o auxiliar de enfermagem José Carlos Coelho tornaram-se os pais das irmãs Bruna e Dara quando elas tinham 4 e 3 anos. O processo de adoção demorou mais de um ano. É comum que o estágio de convivência com crianças maiores seja mais longo, já que o vínculo afetivo demora um pouco mais a se formar. Quando foram para casa, as meninas, hoje com 15 e 13 anos, passaram um tempo tendo acompanhamento psicológico e pedagógico, para se adaptar à nova vida e à nova escola. Além dos pais, elas ganharam uma família inteira. A avó costumava ver todas as apresentações das netas no colégio e a filha mais velha de José acabou virando a dinda de uma delas.
REGINALDO PEREIRA/ AG A TARDE
PERFIL
Divisão das 47 crianças e adolescentes aptos a adoção em Salvador sexo
14
33
Masculino
raça
4
29
14
Branca
faixa etária
Feminino
Parda
10
0a5
Negra
14
5 a 10
14
10 a 15
9
acima de 15
Fonte: Cadastro Nacional de Adoção / CNJ
sim, mas rico, e filho de artista. Isto dá a ele condições muito especiais. Os preconceitos nessa composição praticamente desaparecem. De resto, cada indivíduo deverá aprender a se defender“. Esperto que só, Henrique, 4, já sabe que é adotado. “Nós conversamos muito. Procuro contar sua história de uma forma lúdica, a partir do seu próprio estimulo. Tem dado certo. As crianças são muito mais atentas e abertas que nós, adultos“. Astrid também já disse várias vezes a Gabriel que ele é adotado. A primeira, logo depois de ele ter chegado em casa, ainda bebê. A tatuagem que fez no peito com o nome do filho a ajuda nessas horas. “Pego ele no colo e falo: ‘Onde o Gabriel nasceu? Foi do coração‘. Acho que o grande erro do passado é que as pessoas tinham isso como um segredo de família, como se fosse uma coisa feia ou proibida“. A psicóloga Monise Gusmão, que acompanha os casos de ado-
25
ção no Juizado, aconselha os pais a contarem “desde sempre“. “A família não precisa esperar a melhor hora para contar. Quanto mais tarde, pior. Mesmo porque a criança percebe, sempre“. A parte dolorosa da história é que pode ser omitida. “Não precisadizeraumacriançapequenaqueelafoiabandonadanalatado lixo. Ela ainda não está pronta para entender que não foi culpa dela. É melhor dizer que o outro pai, a outra mãe não puderam tomar conta dele. O que, por razões financeiras ou emocionais, é sempre uma verdade“. Monise também lembra que os pais não devem agir como quem está prestando um favor à criança. “Outro dia, conversava com um casal que adotou um menino, e aí o pai falou assim: ‘Ah, ele é muito mal agradecido‘, como se o garoto tivesse que lhe pagar uma dívida“.
AMOR INCONDICIONAL Quem adota crianças crescidas geralmente não tem que se preocupar em contar ao filho que ele é adotado. Quando foram morar com a pedagoga Liliana Bahia e o auxiliar de enfermagem José Carlos Coelho, as irmãs Bruna, 4, e Dara, 3, já sabiam por que viviam num abrigo. Foi preciso tempo, paciência e amor para curar as feridas que elas traziam. Hoje, a família desfruta a vida tranquila de Vila de Belém, pequeno distrito de Cachoeira. As meninas, com 15 e 13 anos, são a cara dos pais. Quem explica? “Elas caíram do céu. São a alegria da nossa vida“, derrama-se Liliana. A princípio, ela e o marido – que já tinha uma filha de 17 anos – queriamadotarapenasumacriança.QuandodescobriramqueDara tinhaoutrasduasirmãs,resolveramadotarastrês.“Muitagente dizia que eu tava maluco, mas fomos em frente“, conta José. Mas com a irmã mais velha, não houve afinidade. “Ela não me chamava de mãe e não me obedecia. Acabou adotada por uma outra família“, lembra Liliana. A Nova Lei de Adoção, sancionada há um ano, determina que os irmãossejamcolocadossobadoçãonamesmafamília–naprática, a medida já era adotada pela maioria dos juízes. Difícil mesmo é achar pretendentes dispostos a tanto. Dos inscritos no CNA, 82,95% não aceitam adotar irmãos. Se essa barreira é difícil de transpor, maior ainda é a que separa adolescentes abrigados de uma nova família. “É muito raro. E eles não deixam de ter esperança, nunca... Pra gente, seria como ganhar R$ 1 milhão no Big Brother“, diz Iraci Coimbra, há 11 anos à frente da casa de acolhimento Lar da Criança, em Brotas. Ela anda temerosa com a determinação da nova lei de que crianças e adolescentes devem permanecer no máximo dois anos nos abrigos.Depois,precisamvoltarparaafamíliadeorigem–medida
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84,87% desejam adotar apenas uma criança, e 82,95% não aceitam adotar irmãos
Liliana, José, Dara e Bruna A pedagoga Liliana Bahia e o auxiliar de enfermagem José Carlos Coelho tornaram-se os pais das irmãs Bruna e Dara quando elas tinham 4 e 3 anos. O processo de adoção demorou mais de um ano. É comum que o estágio de convivência com crianças maiores seja mais longo, já que o vínculo afetivo demora um pouco mais a se formar. Quando foram para casa, as meninas, hoje com 15 e 13 anos, passaram um tempo tendo acompanhamento psicológico e pedagógico, para se adaptar à nova vida e à nova escola. Além dos pais, elas ganharam uma família inteira. A avó costumava ver todas as apresentações das netas no colégio e a filha mais velha de José acabou virando a dinda de uma delas.
REGINALDO PEREIRA/ AG A TARDE
PERFIL
Divisão das 47 crianças e adolescentes aptos a adoção em Salvador sexo
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Masculino
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Feminino
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Negra
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acima de 15
Fonte: Cadastro Nacional de Adoção / CNJ
sim, mas rico, e filho de artista. Isto dá a ele condições muito especiais. Os preconceitos nessa composição praticamente desaparecem. De resto, cada indivíduo deverá aprender a se defender“. Esperto que só, Henrique, 4, já sabe que é adotado. “Nós conversamos muito. Procuro contar sua história de uma forma lúdica, a partir do seu próprio estimulo. Tem dado certo. As crianças são muito mais atentas e abertas que nós, adultos“. Astrid também já disse várias vezes a Gabriel que ele é adotado. A primeira, logo depois de ele ter chegado em casa, ainda bebê. A tatuagem que fez no peito com o nome do filho a ajuda nessas horas. “Pego ele no colo e falo: ‘Onde o Gabriel nasceu? Foi do coração‘. Acho que o grande erro do passado é que as pessoas tinham isso como um segredo de família, como se fosse uma coisa feia ou proibida“. A psicóloga Monise Gusmão, que acompanha os casos de ado-
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ção no Juizado, aconselha os pais a contarem “desde sempre“. “A família não precisa esperar a melhor hora para contar. Quanto mais tarde, pior. Mesmo porque a criança percebe, sempre“. A parte dolorosa da história é que pode ser omitida. “Não precisadizeraumacriançapequenaqueelafoiabandonadanalatado lixo. Ela ainda não está pronta para entender que não foi culpa dela. É melhor dizer que o outro pai, a outra mãe não puderam tomar conta dele. O que, por razões financeiras ou emocionais, é sempre uma verdade“. Monise também lembra que os pais não devem agir como quem está prestando um favor à criança. “Outro dia, conversava com um casal que adotou um menino, e aí o pai falou assim: ‘Ah, ele é muito mal agradecido‘, como se o garoto tivesse que lhe pagar uma dívida“.
AMOR INCONDICIONAL Quem adota crianças crescidas geralmente não tem que se preocupar em contar ao filho que ele é adotado. Quando foram morar com a pedagoga Liliana Bahia e o auxiliar de enfermagem José Carlos Coelho, as irmãs Bruna, 4, e Dara, 3, já sabiam por que viviam num abrigo. Foi preciso tempo, paciência e amor para curar as feridas que elas traziam. Hoje, a família desfruta a vida tranquila de Vila de Belém, pequeno distrito de Cachoeira. As meninas, com 15 e 13 anos, são a cara dos pais. Quem explica? “Elas caíram do céu. São a alegria da nossa vida“, derrama-se Liliana. A princípio, ela e o marido – que já tinha uma filha de 17 anos – queriamadotarapenasumacriança.QuandodescobriramqueDara tinhaoutrasduasirmãs,resolveramadotarastrês.“Muitagente dizia que eu tava maluco, mas fomos em frente“, conta José. Mas com a irmã mais velha, não houve afinidade. “Ela não me chamava de mãe e não me obedecia. Acabou adotada por uma outra família“, lembra Liliana. A Nova Lei de Adoção, sancionada há um ano, determina que os irmãossejamcolocadossobadoçãonamesmafamília–naprática, a medida já era adotada pela maioria dos juízes. Difícil mesmo é achar pretendentes dispostos a tanto. Dos inscritos no CNA, 82,95% não aceitam adotar irmãos. Se essa barreira é difícil de transpor, maior ainda é a que separa adolescentes abrigados de uma nova família. “É muito raro. E eles não deixam de ter esperança, nunca... Pra gente, seria como ganhar R$ 1 milhão no Big Brother“, diz Iraci Coimbra, há 11 anos à frente da casa de acolhimento Lar da Criança, em Brotas. Ela anda temerosa com a determinação da nova lei de que crianças e adolescentes devem permanecer no máximo dois anos nos abrigos.Depois,precisamvoltarparaafamíliadeorigem–medida
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Mulher
Nívea e Moisés
NÉCESSAIRE
Mães precisam ter habilidade de contorcionista para conseguir satisfazer, ao menos um pouquinho, todas as dúvidas dos filhos. Outro dia, Moisés, 7, perguntou à mãe se ele tinha pai. A pedagoga Nívea Bárbara Mota, 40, pensou bem antes de responder. “Comigo, não“. E eu posso ter um pai?, ele retrucou. “Quem sabe... Peça a papai do céu“, riu. De outra vez, não foi nada engraçado. Nívea se assustou quando o filho perguntou se ela gostava de meninos da sua cor. Respondeu logo que o escolheu justamente por causa disso. “Sua cor é linda, meu filho“. E Moisés passou a pintar todas as pessoas de preto.
Coisas fofas para levar na bolsa e dar um colorido especial ao dia
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Narciso adocicado e cheio de charme
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Cheirinho para fica bem o dia inteiro PERFUME SÓLIDO L´OCCITANE R$ 39
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WALTER CARVALHO / AG. A TARDE
que o juiz prioriza – ou ser acolhidas por uma família substituta. “Tenho medo de que eles continuem sofrendo maus-tratos na família ou voltem a viver nas ruas“. Resedá acredita que a determinação possa ser cumprida com a promoção de campanhas para que o filho que os pretendentes desejam se torne mais parecido com as crianças e jovens que esperam nos abrigos. ”O amor é incondicional. Não tem cor, idade ou sexo”. Outra medida que pode acelerar os processos das mais de 700 crianças e jovens abrigados em Salvador é que, agora, todos devem ter sua situação reavaliada a cada seis meses. ”Essa é uma inovação excepcional da nova lei, porque antes nós não tínhamos contato direto com a criança.
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Agora, a gente vai ao abrigo e vê uma por uma”. No dia em que esteve no Lar da Criança, o mutirão deu novo rumo a cinco das 25 pessoas que viviam ali. Quatro voltaram para suas famílias e uma delas foi adotada.
TREINAR ABRAÇO Os pequenos recebem os visitantes como quem está em casa. Mostram o quarto, pedem para brincar e para ajudar no dever da escola. ”Algumas chegam aqui sem saber o que é uma escova de dentes. Com outras, tem que treinar abraço”, conta Iraci, quesóconseguemanterolarporcausadas doações que recebe. Os repasses do governo e da prefeitura sempre atrasam. Ela mostra a foto de um menino quando
pergunto se já teve vontade de adotar uma criança. O garoto era um bebê prematuro quando chegou ao abrigo e os exames mostravam que ele era HIV positivo. Iraci já estava apegada ao menino quando recebeu uma ligação do Juizado dizendo que havia um casal interessado nele. Levou-o com o coração apertado. Como o casal queria um bebê ”100% saudável”, Iraci na mesma hora decidiu adotá-lo. Mas como falar às outras 24 crianças que ela só ia levar um deles para casa? Tomou coragem e foi, mas não precisou dizer muita coisa. Um dos meninos logo tomou-lhe a palavra: ’A gente sabe, tia, que você precisa cuidar dele’. Gabriel está com 2 anos, e os resultados dos exames mostram que há negativação do vírus. «
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