Potências do Saber

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Ministério da Cultura e TERMONORTE apresentam:

#535 / DOMINGO, 11 DE NOVEMBRO DE 2018 REVISTA SEMANAL DO GRUPO A TARDE

14 A 18 DE NOVEMBRO

Espetáculos Workshop Residência Bate-papos VI Fórum de Educadores de Dança

TEATRO CASTRO ALVES SALA DO CORO DO TEATRO CASTRO ALVES GOETHE-INSTITUT SALVADOR ESCOLA DE DANÇA DA UFBA ESPAÇOS PÚBLICOS www.jornadadedanca.com.br

facebook.com/JornadadeDancadaBahia

@jornadadedancaba

Potências do

SABER

O desempenho de professores e estudantes das melhores escolas públicas baianas do ensino fundamental


A

Pública e

escola de Maria da Silva, 69, foi a enxada. Gastou a infância na roça. Hoje, quando quer ler a Bíblia ou tirar alguma informaçãodeumpanfleto,pedeajuda ao neto que vive com ela num barraco de madeirite de um único cômodo. Josué, 11, atende sempre aos pedidos da avó e também ouve seus conselhos. Queria ser polícia, dona Maria o desencorajou lembrando dos tantos que morrem de bala. O melhor era ser advogado. Os quase 60 anos de vida que os separam são um retrato das mudanças na educação pública no Brasil. Mais crianças passaram a frequentar a escola – o acesso ao ensino fundamental está praticamente universalizado – e, a passos lentos, a qualidade do que aprendem por lá também está melhorando. A Escola Municipal João Francisco dos Santos, em Mata de São João, onde Josué aprendeu a ler, e, principalmente, a gostar de ler, é a melhor da Bahia. Nas últimas semanas, Muito percorreu mais de mil quilômetros para visitar três das quatro escolas que atingiram as melhores notas no Índice de DesenvolvimentodaEducaçãoBásica(Ideb),divulgadosemsetembro deste ano. O índice foi criado em 2007 para medir a qualidade do aprendizado no ensino básico e estabelecer metas de avanço. Os alunos respondem a cada dois anos provas de português e matemática. Além das avaliações, o Ideb também leva em conta a taxa de aprovação das escolas. O objetivo é que em 2022 todas os estabelecimentos de ensino brasileiros cheguem à nota 6. Na Bahia,

excelente Texto TATIANA MENDONÇA E ALINE LARANJEIRAS tmendonca@grupoatarde.com.br, aline.alves@grupoatarde.com.br Fotos ADILTON VENEGEROLES adilton@grupoatarde.com.br

Formação continuada para professores, monitoramento da aprendizagem e contato com a comunidade fazem a distinção das melhores escolas públicas da Bahia, avaliadas pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

ESCOLA MUNICIPAL JOÃO FRANCISCO DOS SANTOS Mata de São João

7,8

NOTAS DO IDEB NA BAHIA

Conheça o percentual das 3055 escolas baianas (do 1º ao 5º ano) de acordo com as notas atingidas 43,6 %

23,9

23,4

%

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0,06 %

1-1,9

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3,1

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3-3,9

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NOTAS Editoria de ARTE MUITO

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Pública e

escola de Maria da Silva, 69, foi a enxada. Gastou a infância na roça. Hoje, quando quer ler a Bíblia ou tirar alguma informaçãodeumpanfleto,pedeajuda ao neto que vive com ela num barraco de madeirite de um único cômodo. Josué, 11, atende sempre aos pedidos da avó e também ouve seus conselhos. Queria ser polícia, dona Maria o desencorajou lembrando dos tantos que morrem de bala. O melhor era ser advogado. Os quase 60 anos de vida que os separam são um retrato das mudanças na educação pública no Brasil. Mais crianças passaram a frequentar a escola – o acesso ao ensino fundamental está praticamente universalizado – e, a passos lentos, a qualidade do que aprendem por lá também está melhorando. A Escola Municipal João Francisco dos Santos, em Mata de São João, onde Josué aprendeu a ler, e, principalmente, a gostar de ler, é a melhor da Bahia. Nas últimas semanas, Muito percorreu mais de mil quilômetros para visitar três das quatro escolas que atingiram as melhores notas no Índice de DesenvolvimentodaEducaçãoBásica(Ideb),divulgadosemsetembro deste ano. O índice foi criado em 2007 para medir a qualidade do aprendizado no ensino básico e estabelecer metas de avanço. Os alunos respondem a cada dois anos provas de português e matemática. Além das avaliações, o Ideb também leva em conta a taxa de aprovação das escolas. O objetivo é que em 2022 todas os estabelecimentos de ensino brasileiros cheguem à nota 6. Na Bahia,

excelente Texto TATIANA MENDONÇA E ALINE LARANJEIRAS tmendonca@grupoatarde.com.br, aline.alves@grupoatarde.com.br Fotos ADILTON VENEGEROLES adilton@grupoatarde.com.br

Formação continuada para professores, monitoramento da aprendizagem e contato com a comunidade fazem a distinção das melhores escolas públicas da Bahia, avaliadas pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

ESCOLA MUNICIPAL JOÃO FRANCISCO DOS SANTOS Mata de São João

7,8

NOTAS DO IDEB NA BAHIA

Conheça o percentual das 3055 escolas baianas (do 1º ao 5º ano) de acordo com as notas atingidas 43,6 %

23,9

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NOTAS Editoria de ARTE MUITO

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que ficou com média 4,7 no Ideb para os anos iniciais do ensino fundamental, há um número pequeno de escolas (5,4%) que já alcançaram o 6 da meta global. Os locais que visitamos pertencem a um grupo ainda mais restrito – 0,5% atingiu nota 7 ou mais. Na escola de Mata de São João, a 80 km de Salvador, os corredores estão cheios de desenhos e as estantesestãocheiasdelivros.Oensinoéintegraldesde 2013. Pela manhã, os estudantes têm aulas regulares e à tarde participam de oficinas de arte, praticam esporte e, se for o caso, fazem atividades de reforço. A professora Maria Aparecida dos Santos tomou o resultado da escola, 7,8, como seu “maior presente”. Foi como um jeito de mostrar como valem a pena as viagens que faz de Mata de São João a Salvador, onde vivem o marido e os filhos, e principalmente foi como uma prova de que os meninos e meninas para quem ensina estão com mais meios de ganhar o mundo. “Todas as dificuldades que surgem, a gente tenta sanar de imediato. A gente olha sempre é para o potencial que cada um tem de aprender”. Partindo de uma realidade ali de perto, mais especificamente do Projeto Tamar, na Praia do Forte, onde pais de alunos seus trabalhavam, uma outra professora,DéboraGonçalves,resolveucriarumprojetopara que a turma avançasse na alfabetização. Quando ela chegou, recém-formada, para dar aulas para o 2º ano, apenas quatro dos 26 alunos sabiam ler e escrever. Resolveu dividir a sala em grupos e ficava como um “polvo”, embora falasse de tartarugas. Para quem já estava alfabetizado, as atividades eram de interpretação de textos sobre o lugar. Quem estava começando a escrever treinava com o nome das espécies. Quando foram, de fato, conhecer o Tamar, as criançasjáestavamdandoaulaparaosguias.E,nomeiodo ano letivo, Débora já tinha mais de 90% dos meninos alfabetizados. A atividade rendeu-lhe o Prêmio Educador Nota 10, da Fundação Victor Civita, em 2016.

FAMÍLIA PRESENTE No meio da rua, no centro de Ribeira do Pombal, a 290 km de Salvador, já dá para ouvir o barulho das crianças brincando na Escola Plácido Pita. É hora do recreio, e elas espalham-se pelo pátio, enquanto alguns ainda comem o bolo de chocolate do lanche. A escola foi criada há 30 anos por uma igreja adventista. Há 17, foi municipalizada. Não carrega mais a religião no nome, mas muitos na cidade ainda a conhecessem assim. Não à toa, Deus é a primeira palavra dita pela diretora Jodailza Almeida, à frente da Plácido Pita há 14 anos, para explicar os resultados alcançadospelaescolanoúltimoIdeb,7,6(amédiada

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Tempo de aprender para dona Maria da Silva e o neto, Josué


A professora Maria Aparecida com a turma de Mata de São João: “Melhor presente”

Professora Débora Gonçalves: nota 10

cidade foi 5,5). “A gente convida Deus para estar conosco. Não trabalhamos religião, mas valores”. Diz, logo depois, que a presença da família faz a diferença. Um dos projetos mantidos pela escola é o Família Também Conta História. Funciona assim: a criança leva um livro para casa numa maletinha e no dia combinado vai contá-la com os pais para toda a turma. Neste ano, quase 100% dos pais já compareceram. Quem fica com vergonha pode, ao invés de ler, fazer a receita de um prato. É uma maneira de os estudantes aprenderem sobre outro gênero de leitura. Os alunos também costumam fazer intercâmbios de histórias com estudantes de outras turmas. Ayrton Kevin, 8, já está tão à vontade com a prática que na hora de fazer a leitura dá uma paradinha a cada página para mostrar as imagens do livro aos colegas, como um pequeno professor. A fama da escola é tanta que na época da matrícula faz fila na porta por um, dois dias. Os estudantes entram lá apenas no 1º ano e ficam até o 5º. A professora do último ano do ensino fundamental 1, Edeni Marques, ficou superpreocupada quando recebeu pela primeira vez a missão de preparar os alunos para as provas do Ideb, em 2009. “Achei que era um bichinho de sete cabeças. Agora, já relaxei. Mesmo porque a nota não vem de um único ano, mas das sementes que foram plantadas ao longo de muito tempo”. Por ali, a regra é que nenhum professor passe problema de um ano para o outro. Quando qualquer dificuldade aparece, é preciso sentar com a coordenação pedagógica para buscar soluções e resolver as dificuldadesdeaprendizagem. Eseaescolanãoderconta, pode recorrer ainda ao Centro Multidisciplinar de Apoio Pedagógico e Psicossocial (Cemap), inauguradoemsetembropelaprefeitura,quereúnepsicólogos e psicopedagogos. OsalunosdeEdenihojegostamigualmentedeportuguês e de matemática, disciplina que lhe arrancava lágrimas quando era estudante. Queria ter aprendido afazercontadojeitoqueensina hoje.Comjogos,brincadeiras, encontros com a vida real. Outro dia, um aluno seu perguntou apressado que dia iriam aprender porcentagem. Ela pediu que esperasse, uma coisa de cada vez, mas o menino respondeu que iria se adiantar e ver alguns vídeos no YouTube. Nos últimos meses, Edeni, que dá aulas há 18 anos, afastou-se da escola para cuidar da saúde. Uma aluna a encontrou por acaso e foi logo dizendo: “Pró, você tá doente, precisa de cuidado. Eu vou levar você para a minha casa”. Ela chora contando o caso. “A principal peça disso tudo é o aluno. Eu sou uma leoa em relação a eles. Ano passado, me chamavam de fofis. Este ano,

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já sou mamis. Não tive filhos, mas sou mamis. Isso é meu orgulho maior”. Ela ainda está decidindo se vai conseguir cumprir o atestado. Outro dia, quando perambulava pela PlácidoPita,ouviuqueeraa“DisneyWorlddaescola”.No seu mundo mágico, ela escolheu acreditar sempre em todos os alunos. “Se o professor sai da zona de acreditar, não pode mais estar na sala de aula”.

AMOR DE ALGUÉM Na beira da estrada de um povoado da zona rural de Itatim, a 215 km de Salvador, fica a Escola Arlindo Moura Andrade. De longe, a casa azul parece pequena,depertomostra-seminúscula.Nãotembiblioteca, não tem cantina, não tem laboratório, não tem quadra. Há uma única sala de aula, de uma única turma, o 4º ano, que abriga 10 alunos. No ano passado, quando as provas que amparam o cálculo do Ideb foram realizadas, eram 12 crianças, no 5º ano. Demora atécasaraquelaimagemaosdadosqueacolocamem segundo lugar entre as melhores da Bahia. Quando os funcionários descobrem a razão da nossavisita,corremainformar que a“professoradoIdeb” não ensina mais por lá. É preciso seguir alguns bons

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ESCOLA MUNICIPAL ARLINDO MOURA Itatim

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metros por uma estradinha de terra para encontrá-la. Juscelina Oliveira está dando aulas em outra escola do campo, de novo para uma turma do 5º ano, que é a que responde às provasdo índice,eri meio sem jeitoao ouvir o título queagora carrega. “É árduo isso daí. A gente passa a ter um peso, um compromisso maior ainda”, diz, emendando que agora fica só pensando que a nota do Ideb não pode cair e sonhando em vê-la maior. Um oito, quem sabe. Nascidaalinomesmolugarondevivemosmeninosparaquemensina,Juscelina lembra que na sua época de estudante tinha que dividir a carteira com os colegas em turmas multisseriadas, sem muita liberdade para se expressar. “Existia essa ideia de que as crianças do campo não aprendiam. A escola estava ali quase que só para constar. E hoje a gente mostra que pode ter um ensino tão bom quanto o da cidade, ou até melhor”. Em Itatim, teve festa chique, com direito a tapete vermelho, para celebrar os resultados na educação. A cidade ficou em primeiro lugar entre todos os municípios baianos, com média de 7,1 no Ideb. Uma mostra de que o trabalho precisa ser coletivo, e não individual. Para Alessandra Santos, diretora de ensino da rede municipal, a formação continuada dos professores é um dos maiores explicadores para a nota campeã do ranking. “Eles reaprenderam a ensinar”. Pelo menos uma vez por mês, os professores participam de encontros para discutir os principais problemas de aprendizagem identificados na sala de aula e para planejar intervenções que superem as dificuldades, com apoio dos coordenadores pedagógicos. A carga horária anual das formações é de 80 horas. E para descobrir o que os meninos sabem, e o que ainda precisam aprender, os professores da rede realizam


ESCOLA MUNICIPAL PLÁCIDO PITA Ribeira do Pombal

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“Não tive filhos, mas sou mamis”, diz a professora Edeni Marques, abraçada por estudantes

testes mensais de monitoramento. Posteriormente, os dados são tabulados pela secretaria de educação. Os alunos que estão com mais dificuldades contam com apoio pedagógico no turno oposto ao da escola, para que toda a turma avance junto. Para evitar descontinuidade, há professores especialistas para cada ano, do 1º ao 5º. “Eles já conhecem o conteúdo e as dinâmicas. Nosso esforço é para que não haja rotatividade”, conta Alessandra. Chinneya Santos, orientadora de ensino das 17 escolas do campo de Itatim, explica que o atendimento aos professores pode ser individualizado ou em grupo, se calhar de as questões serem comuns a muitos profissionais. “Outro dia, estava falando sobre isso num seminário em Salvador e aí um colega comentou: ‘Ah, mas dá muito trabalho!’. E eu respondi: ‘Então mude de profissão, porque educação dá trabalho mesmo!’”, ri. “Falo muito com os professores para avançarem sempre. Se o aluno já domina aquela habilidade, vamos para outra”. E se o contato com os professores é próximo assim, imagine com os alunos. Alessandra explica que é de “umporum”.“Agentetemquepensarquecadacriança que está ali é o amor de alguém”. «

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