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#164 / DOMINGO, 22 DE MAIO DE 2011 REVISTA SEMANAL DO GRUPO A TARDE
ORDEP SERRA VINHOS IGREJAS FASHION ROCKS
JENIPAPO ORIGINAL TEATRO «
Torcida de
CRAQUES
Mesmo sem ganhar títulos há décadas, os times baianos Ypiranga e Galícia têm torcedores fiéis
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CLÁSSICO FUTEBOL
CLUBE
Mesmo sem ganhar títulos ou ter grande destaque nos noticiários, o Galícia e o Ypiranga mantêm torcidas fiéis, que não perdem um jogo e dedicam-se a defender seus times
Texto TATIANA MENDONÇA tmendonca@grupoatarde.com.br Fotos RAUL SPINASSÉ rspinassé@grupoatarde.com.br
S
«
ai daí, carniça!”. O grito estendeu-se claro por Pituaçu, menos cheio do que vazio, porque se não houver a profanação do time alheio, de que valeestarali?Aavalanchedeimpropérios seguiu inabalável, mesmo sendo apenas a preliminar, mas era Ba-Vi e era o jogo de ida da final do Campeonato Baiano Sub-20. Terminou a partida empatada, em 1 a 1, o que fez muitos dos já parcos torcedores abandonarem o estádio. Mas outros, de outras cores, foram chegando. E mesmo estando o mundo alheio a tal fato, ali estavam com o firme propósito de presenciar um clássico: Galícia x Ypiranga. Só mesmo o amor para explicar a presença dos 1.571 torcedores pagantes, porque, apesar da história e da tradição dos clubes,compreende-sequemacertaaltura
cansa de apenas cultivar memórias (próprias ou emprestadas). O último título importante do Galícia Esporte Clube fez aniversário de 43 anos, e o do Esporte Clube Ypiranga, redondas seis décadas. Apartidaépelasextarodadadadesprestigiadasegundadivisão do Campeonato Baiano. Em 1999, os dois times foram rebaixados e de lá não mais saíram. Quem sabe este ano. A final do torneio acontece no dia 3 de julho. O campeão e o vice sobem. Ypiranga e Galícia têm chances, já que eram, respectivamente, o primeiro e o terceiro colocados do Grupo 1 até o fechamento desta edição. Outro tradicional time soteropolitano, o Botafogo, também participa da competição, depois de 21 anos ausente. Sentados na arquibancada, Raul e Bernardo Improta, pai e filho, esperam o começo da partida vestidos com a camisa aurinegra. Aos pés, uma sacolinha plástica cheia de bandeiras do Ypiranga. Estão confiantes de que agora vai. Raul, 24, acompanha o time desde que se entende por gente, o mesmo sucedendo a Bernardo, 57, que também acompanhava o pai no estádio. Para eles, ser ypiranguense é, mais que escolha, aceitação do “DNA”. A todos os jogos vão e vibram, mesmo que esteja em campo o time infantil. A tristeza de ver o Mais Querido definhar na última
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Os times do Galícia e do Ypiranga entram em campo
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CLÁSSICO FUTEBOL
CLUBE
Mesmo sem ganhar títulos ou ter grande destaque nos noticiários, o Galícia e o Ypiranga mantêm torcidas fiéis, que não perdem um jogo e dedicam-se a defender seus times
Texto TATIANA MENDONÇA tmendonca@grupoatarde.com.br Fotos RAUL SPINASSÉ rspinassé@grupoatarde.com.br
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ai daí, carniça!”. O grito estendeu-se claro por Pituaçu, menos cheio do que vazio, porque se não houver a profanação do time alheio, de que valeestarali?Aavalanchedeimpropérios seguiu inabalável, mesmo sendo apenas a preliminar, mas era Ba-Vi e era o jogo de ida da final do Campeonato Baiano Sub-20. Terminou a partida empatada, em 1 a 1, o que fez muitos dos já parcos torcedores abandonarem o estádio. Mas outros, de outras cores, foram chegando. E mesmo estando o mundo alheio a tal fato, ali estavam com o firme propósito de presenciar um clássico: Galícia x Ypiranga. Só mesmo o amor para explicar a presença dos 1.571 torcedores pagantes, porque, apesar da história e da tradição dos clubes,compreende-sequemacertaaltura
cansa de apenas cultivar memórias (próprias ou emprestadas). O último título importante do Galícia Esporte Clube fez aniversário de 43 anos, e o do Esporte Clube Ypiranga, redondas seis décadas. Apartidaépelasextarodadadadesprestigiadasegundadivisão do Campeonato Baiano. Em 1999, os dois times foram rebaixados e de lá não mais saíram. Quem sabe este ano. A final do torneio acontece no dia 3 de julho. O campeão e o vice sobem. Ypiranga e Galícia têm chances, já que eram, respectivamente, o primeiro e o terceiro colocados do Grupo 1 até o fechamento desta edição. Outro tradicional time soteropolitano, o Botafogo, também participa da competição, depois de 21 anos ausente. Sentados na arquibancada, Raul e Bernardo Improta, pai e filho, esperam o começo da partida vestidos com a camisa aurinegra. Aos pés, uma sacolinha plástica cheia de bandeiras do Ypiranga. Estão confiantes de que agora vai. Raul, 24, acompanha o time desde que se entende por gente, o mesmo sucedendo a Bernardo, 57, que também acompanhava o pai no estádio. Para eles, ser ypiranguense é, mais que escolha, aceitação do “DNA”. A todos os jogos vão e vibram, mesmo que esteja em campo o time infantil. A tristeza de ver o Mais Querido definhar na última
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FERNANDO VIVAS / AG. A TARDE
Bernardo e Raul, pai e filho; e o casal Milton e Wanda Santarém
GALÍCIA ESPORTE CLUBE Fundado em 1º de janeiro de 1933 5 vezes campeão baiano: 1937, 1941, 1942, 1943 e 1968
ESPORTE CLUBE YPIRANGA Fundado em 7 de setembro de 1906 10 vezes campeão baiano: 1917, 1918,1920, 1921, 1925, 1928, 1929, 1932, 1939, 1951
década não abalou a crença no futuro do clube. “Nós sabíamos que não acabava ali. O Ypiranga só vai morrer quando seus torcedores morrerem. É uma estupidez que a Bahia tenha apenas dois grandes clubes”, diz Bernardo. O Galícia entra em campo, a torcida aurinegra vaia, quase ao mesmo tempo em que ele explicava que a rivalidade ali é pacífica, de sentar ao lado e não ter confusão. “Pessoal, não vamos vaiar! Se bem que é preciso saber quem é que tem história... Bora, Amarelinho!”. O jogo começa e a agonia faz com que acompanhem a partida em pé, na grade, para gritar com mais proximidade, aconselhando o técnico e incentivando os jogadores, a quem chamam pelo nome. Certeza de que a rouquidão durará muitos dias. Os ypiranguenses sentam-se juntos para torcer, com direito a bandeirão amarelo e preto e bolinhas de soprar, mas a torcida galiciana, mais miúda, prefere ficar espraiada pelo estádio. O gol do Ypiranga desespera os azulinos, mas logo o Galícia empata. O pedreiro Josafá Trindade, 52, comemora, eufórico. De pequeno, ia para a Fonte Nova torcer pelo Bahia, mas aos poucos o coração foi pegando amor pelo Galícia, e aí não teve mais jeito. Sem ter tido a sorte de alcançar a época áurea do time – primeiro tricampeão baiano –, já saiu muitas vezes injuriado dos jogos e em vão prometeu não voltar mais. “Abandonei um tempo, mas sou mulher de malandro, não tem jeito. Estou pedindo a Deus que o time suba. Se eu ganhasse na Quina ou na Mega Sena, comprava o Parque Santiago (sede do clube) e aí ia botar o torcedor feliz”. Ao seu lado estava o estudante Pedro Pinto, 18, descendente de espanhóis e azulino por herança familiar. “Lá em casa, ou era Ga-
lícia ou era Galícia”. Os amigos riem quando ele fala de sua opção futebolística, mas Pedro não liga e até acha graça. Há também os incréus, e para esses não precisa dizer nada, apenas mostrar a carteirinha de sócio-torcedor do clube, nº 25. “Contribuía com R$ 30, mas o cara que ia lá em casa buscar o dinheiro morreu”. Pedroseesgoelaapartidainteiraepede para que os torcedores também incentivem o time. A troco de nada, algum cínico diria, porque o Ypiranga vence por 3 a 1, fazendo os galicianos abandonarem o estádio mais cedo, na companhia de uma chuvinha fina. Em duas semanas, era a segunda vez que o Galícia, o Demolidor de Campeões, perdia do Ypiranga. No jogo de ida, o placar foi de 3 a 2. Antes mesmo do apito final, mas aproveitando a alegria pela vitória já certa, começa a circular pela torcida do Ypiranga uma urna para arrecadar contribuições e levar o time de volta “à elite do Futebol Baiano”, como diz um panfleto intitulado “ApeloYpiranguense”.Voltandoparacasa, um torcedor tinha planos mais elevados: “Ypiranga 2015 rumo a Tóquio”.
DE VOLTA O Campeonato Baiano de 1999 foi uma confusão só. Na final, o Bahia foi para a Fonte Nova; o Vitória, para o Barradão. Os dois times consideraram-se vitoriosos; por W.O., Ypiranga e Galícia caíram. A decisão foi parar na Justiça, que resolveu o caso em 2005. Nonato Reis, 49, presidente do Galícia, lembra que o regulamento dizia que o time que não comparecesse à partida perderia todos os pontos, sendo, portanto, rebaixado. “Quem seria, se Bahia ou Vitória, não cabe a mim dizer, um dos dois estaria na segunda divisão. Mas quem ia fazer cumprir o regulamento?”. A corda pendeu para o lado mais fraco, sendo Bahia e Vitória declarados campeões. Galícia e Ypiranga ficaram no obscurantismo, participando irregularmente da segunda divisão. Em 2006, Nonato resolveu tomar a frente da “coisa”, seguindo os passos do pai, que também já tinha presidido o time. “Vi o Galícia abandonado e resolvi assumir, ao lado de um grupo de amigos”. Venceu com candidatura única, sendo reeleito até 2012. Sem os holofotes, ainda que fraqui-
nhos, da primeira divisão, é difícil conseguir patrocínio. O Galícia tem apenas um, de um empreendimento imobiliário, que cobre a metade dos custos. “O restante, a gente corre atrás de diretores e amigos. No sacrifício, vai levando”. Fundado em 1933 por imigrantes espanhóis, o Galícia teve como primeiro presidente o alfaiate Eduardo Castro de la Iglesias, que certamente não imaginava que o time chegaria à primeira divisão do Brasileirão, o que aconteceu em 1981 e 1983. Tudo bem que os resultados não foram dos melhores, mas já é alguma coisa. Hoje, o Parque Santiago, em Brotas, não vive seus melhores dias. As arquibancadas estão tomadas pela grama, falta alambrado no estádio, as acomodações dos alojamentos para os jogadores são modestas. Hermógenes Neto, 50, que dirige a Associação Torcedores e Amigos do Galícia (Atag), conta que cerca de 150 torcedores contribuem com o clube. Mas nem sempre a taxa mensal, de R$ 10, é paga. “Quando o time está bem, a torcida procura. Acho que o Galícia precisa de uma administração mais moderna, para se aproximar do mun-
A bandeira do Ypiranga, time dez vezes campeão baiano
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Bernardo e Raul, pai e filho; e o casal Milton e Wanda Santarém
GALÍCIA ESPORTE CLUBE Fundado em 1º de janeiro de 1933 5 vezes campeão baiano: 1937, 1941, 1942, 1943 e 1968
ESPORTE CLUBE YPIRANGA Fundado em 7 de setembro de 1906 10 vezes campeão baiano: 1917, 1918,1920, 1921, 1925, 1928, 1929, 1932, 1939, 1951
década não abalou a crença no futuro do clube. “Nós sabíamos que não acabava ali. O Ypiranga só vai morrer quando seus torcedores morrerem. É uma estupidez que a Bahia tenha apenas dois grandes clubes”, diz Bernardo. O Galícia entra em campo, a torcida aurinegra vaia, quase ao mesmo tempo em que ele explicava que a rivalidade ali é pacífica, de sentar ao lado e não ter confusão. “Pessoal, não vamos vaiar! Se bem que é preciso saber quem é que tem história... Bora, Amarelinho!”. O jogo começa e a agonia faz com que acompanhem a partida em pé, na grade, para gritar com mais proximidade, aconselhando o técnico e incentivando os jogadores, a quem chamam pelo nome. Certeza de que a rouquidão durará muitos dias. Os ypiranguenses sentam-se juntos para torcer, com direito a bandeirão amarelo e preto e bolinhas de soprar, mas a torcida galiciana, mais miúda, prefere ficar espraiada pelo estádio. O gol do Ypiranga desespera os azulinos, mas logo o Galícia empata. O pedreiro Josafá Trindade, 52, comemora, eufórico. De pequeno, ia para a Fonte Nova torcer pelo Bahia, mas aos poucos o coração foi pegando amor pelo Galícia, e aí não teve mais jeito. Sem ter tido a sorte de alcançar a época áurea do time – primeiro tricampeão baiano –, já saiu muitas vezes injuriado dos jogos e em vão prometeu não voltar mais. “Abandonei um tempo, mas sou mulher de malandro, não tem jeito. Estou pedindo a Deus que o time suba. Se eu ganhasse na Quina ou na Mega Sena, comprava o Parque Santiago (sede do clube) e aí ia botar o torcedor feliz”. Ao seu lado estava o estudante Pedro Pinto, 18, descendente de espanhóis e azulino por herança familiar. “Lá em casa, ou era Ga-
lícia ou era Galícia”. Os amigos riem quando ele fala de sua opção futebolística, mas Pedro não liga e até acha graça. Há também os incréus, e para esses não precisa dizer nada, apenas mostrar a carteirinha de sócio-torcedor do clube, nº 25. “Contribuía com R$ 30, mas o cara que ia lá em casa buscar o dinheiro morreu”. Pedroseesgoelaapartidainteiraepede para que os torcedores também incentivem o time. A troco de nada, algum cínico diria, porque o Ypiranga vence por 3 a 1, fazendo os galicianos abandonarem o estádio mais cedo, na companhia de uma chuvinha fina. Em duas semanas, era a segunda vez que o Galícia, o Demolidor de Campeões, perdia do Ypiranga. No jogo de ida, o placar foi de 3 a 2. Antes mesmo do apito final, mas aproveitando a alegria pela vitória já certa, começa a circular pela torcida do Ypiranga uma urna para arrecadar contribuições e levar o time de volta “à elite do Futebol Baiano”, como diz um panfleto intitulado “ApeloYpiranguense”.Voltandoparacasa, um torcedor tinha planos mais elevados: “Ypiranga 2015 rumo a Tóquio”.
DE VOLTA O Campeonato Baiano de 1999 foi uma confusão só. Na final, o Bahia foi para a Fonte Nova; o Vitória, para o Barradão. Os dois times consideraram-se vitoriosos; por W.O., Ypiranga e Galícia caíram. A decisão foi parar na Justiça, que resolveu o caso em 2005. Nonato Reis, 49, presidente do Galícia, lembra que o regulamento dizia que o time que não comparecesse à partida perderia todos os pontos, sendo, portanto, rebaixado. “Quem seria, se Bahia ou Vitória, não cabe a mim dizer, um dos dois estaria na segunda divisão. Mas quem ia fazer cumprir o regulamento?”. A corda pendeu para o lado mais fraco, sendo Bahia e Vitória declarados campeões. Galícia e Ypiranga ficaram no obscurantismo, participando irregularmente da segunda divisão. Em 2006, Nonato resolveu tomar a frente da “coisa”, seguindo os passos do pai, que também já tinha presidido o time. “Vi o Galícia abandonado e resolvi assumir, ao lado de um grupo de amigos”. Venceu com candidatura única, sendo reeleito até 2012. Sem os holofotes, ainda que fraqui-
nhos, da primeira divisão, é difícil conseguir patrocínio. O Galícia tem apenas um, de um empreendimento imobiliário, que cobre a metade dos custos. “O restante, a gente corre atrás de diretores e amigos. No sacrifício, vai levando”. Fundado em 1933 por imigrantes espanhóis, o Galícia teve como primeiro presidente o alfaiate Eduardo Castro de la Iglesias, que certamente não imaginava que o time chegaria à primeira divisão do Brasileirão, o que aconteceu em 1981 e 1983. Tudo bem que os resultados não foram dos melhores, mas já é alguma coisa. Hoje, o Parque Santiago, em Brotas, não vive seus melhores dias. As arquibancadas estão tomadas pela grama, falta alambrado no estádio, as acomodações dos alojamentos para os jogadores são modestas. Hermógenes Neto, 50, que dirige a Associação Torcedores e Amigos do Galícia (Atag), conta que cerca de 150 torcedores contribuem com o clube. Mas nem sempre a taxa mensal, de R$ 10, é paga. “Quando o time está bem, a torcida procura. Acho que o Galícia precisa de uma administração mais moderna, para se aproximar do mun-
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do de negócios que o futebol é hoje”. Mesmocomo“sofrimento”,elesemantém fiel ao clube. Aos 8 anos, viu o Galícia ser Campeão Baiano. Estava com o pai no estádio e para sempre guardou a lembrança. “Quando a gente realmente gosta de um time, é o mesmo que estar na alma. Torcer para o Galícia é a segunda melhor coisa depois da minha família”.
RESISTÊNCIA “Um grêmio do quilate do Ypiranga não se entrega, não se vende, nem se dá”. A placa está escondida entre os troféus empoeirados do clube, na debilitada sede do Mais Querido, em Vila Canária. Torcedores galicianos e aurinegros repetem à exaustão que a decadência de seus times tem muito a ver com as “negociatas” que por certoperíodoenfearamofutebolbaiano,o que sempre pode ser lido como conversa de perdedor. E a história, bem se sabe, não costuma ser escrita por eles. Valdemar Filho, 55, pisou pela primeira vez na área do clube em 2006, para treinar o time infantil. Depois, afastou-se. No final de 2008, participou das reuniões convocadas para decidir o futuro de tudo ali; o Ypiranga, um abacaxi que ninguém queria
descascar. Motivado pela história “brilhante” do time e antevendo seu triste fim, lançou-se candidato a presidente. Concorrendo com ninguém, venceu. “Minha obrigação é não ser o último presidente do Ypiranga”. Militar aposentado, hoje passa os dias correndo de uma audiência a outra, a ver se resolve as dívidas trabalhistas do time. Quem também vem alavancando o clube é Emerson Ferretti, ex-ídolo do Bahia e do Vitória, que aderiu à causa depois de ouvir um “apelo” emocionado de Valdemar no rádio. Tornou-se vice-presidente. Com o prestígio do jogador, o time já conseguiu angariar apoios de empresas, mas mantém-se mesmo é com as contribuições de torcedores e dirigentes. O dinheiro, diz Valdemar, é suficiente para pagar os jogadores em dia, mas pouco para revitalizar a sede – como o campo não é gramado, os profissionais treinam fora dali. “Bahia de carteirinha”, ele só não sabe como vai ser se o Ypiranga subir e os dois times se enfrentarem na primeira divisão. Depois de muito pensar, responde: “Que vença o melhor”. Criado em 1906, o Sport Club Ypiranga ficou logo conhecido comoumtimedepobresenegros,emcontrasteaoselitistasVitória e Internacional. O último título do clube, em 1951, foi conquistado no Campo da Graça, apesar de a Fonte Nova ter sido inaugurada naquele ano. Os dois estádios ruíram, o Ypiranga persiste.
PRESENTE O acordo na família Santarém quando Galícia e Ypiranga enfrentavam-se no chamado Clássico de Ouro era claro: se Wanda, ypiranguense, perdesse, tinha que pagar a cerveja. Se o Galícia de Milton sucumbisse, era ele quem tinha que pagar a Coca-Cola. Assim, apesar de rivais, viveram apaziguados.
Pedro Pinto: a família toda é Galícia. Josafá Trindade e a esposa, que é tricolor
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do de negócios que o futebol é hoje”. Mesmocomo“sofrimento”,elesemantém fiel ao clube. Aos 8 anos, viu o Galícia ser Campeão Baiano. Estava com o pai no estádio e para sempre guardou a lembrança. “Quando a gente realmente gosta de um time, é o mesmo que estar na alma. Torcer para o Galícia é a segunda melhor coisa depois da minha família”.
RESISTÊNCIA “Um grêmio do quilate do Ypiranga não se entrega, não se vende, nem se dá”. A placa está escondida entre os troféus empoeirados do clube, na debilitada sede do Mais Querido, em Vila Canária. Torcedores galicianos e aurinegros repetem à exaustão que a decadência de seus times tem muito a ver com as “negociatas” que por certoperíodoenfearamofutebolbaiano,o que sempre pode ser lido como conversa de perdedor. E a história, bem se sabe, não costuma ser escrita por eles. Valdemar Filho, 55, pisou pela primeira vez na área do clube em 2006, para treinar o time infantil. Depois, afastou-se. No final de 2008, participou das reuniões convocadas para decidir o futuro de tudo ali; o Ypiranga, um abacaxi que ninguém queria
descascar. Motivado pela história “brilhante” do time e antevendo seu triste fim, lançou-se candidato a presidente. Concorrendo com ninguém, venceu. “Minha obrigação é não ser o último presidente do Ypiranga”. Militar aposentado, hoje passa os dias correndo de uma audiência a outra, a ver se resolve as dívidas trabalhistas do time. Quem também vem alavancando o clube é Emerson Ferretti, ex-ídolo do Bahia e do Vitória, que aderiu à causa depois de ouvir um “apelo” emocionado de Valdemar no rádio. Tornou-se vice-presidente. Com o prestígio do jogador, o time já conseguiu angariar apoios de empresas, mas mantém-se mesmo é com as contribuições de torcedores e dirigentes. O dinheiro, diz Valdemar, é suficiente para pagar os jogadores em dia, mas pouco para revitalizar a sede – como o campo não é gramado, os profissionais treinam fora dali. “Bahia de carteirinha”, ele só não sabe como vai ser se o Ypiranga subir e os dois times se enfrentarem na primeira divisão. Depois de muito pensar, responde: “Que vença o melhor”. Criado em 1906, o Sport Club Ypiranga ficou logo conhecido comoumtimedepobresenegros,emcontrasteaoselitistasVitória e Internacional. O último título do clube, em 1951, foi conquistado no Campo da Graça, apesar de a Fonte Nova ter sido inaugurada naquele ano. Os dois estádios ruíram, o Ypiranga persiste.
PRESENTE O acordo na família Santarém quando Galícia e Ypiranga enfrentavam-se no chamado Clássico de Ouro era claro: se Wanda, ypiranguense, perdesse, tinha que pagar a cerveja. Se o Galícia de Milton sucumbisse, era ele quem tinha que pagar a Coca-Cola. Assim, apesar de rivais, viveram apaziguados.
Pedro Pinto: a família toda é Galícia. Josafá Trindade e a esposa, que é tricolor
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FERNANDO VIVAS / AG. A TARDE
desenho em risco
apresenta
3 de maio a 19 de junho de 2011 caixa Cultural Salvador
Rua Carlos Gomes, 57 – Centro Tel. (71) 3421.4200 caixacultural.ba@caixa.gov.br www.caixa.gov.br/caixacultural
Terça a domingo, das 9h às 18h Tema: Artes Visuais
APOIO
PROJETO
ARTEAÇÃO
ARTEAÇÃO
PATROCÍNIO
E N T R A DA F R A N C A
Campo do Ypiranga, na Vila Canária (acima). Abaixo, detalhe do Estádio do Galícia, em Brotas
Milton Santarém diz que nasceu com sangue azul e branco, mas talvez a história não seja bem assim. É que o avô que o criou era “Bahia doente”, e ele, só para contrariar, resolveu ser Galícia. “Quando eu torcia contra ele, levava um puxavão de orelha”. Também Wanda e os irmãos contrariavam os pais, botafoguenses, e não perdiam um só jogo na Fonte Nova. “Tinha um primo que era gago e se o Ypiranga perdia, aí ele ficava mudo”. Na Rádio Excelsior, onde trabalhava como técnico, Milton conheceu Wanda, então “macaca de auditório” do programa Só para Mulheres, de Pacheco Filho. Logo começaram a namorar. Milton soube que a rádio estava promovendo um concurso para criar o hino do Ypiranga e resolveu participar. Aliou-se ao cunhado Walter Álvares e com ele venceu mais de 15 concorrentes. “O maior presente que dei a ela foi esse”. Wanda, sorrindo, assente. Casaram-se e tiveram 10 filhos, dos quais seis são galicianos e um é ypiranguense. Wanda, 79, está adoentada, sem poder ver seu time no estádio. Milton, 77, também não vai, para fazê-la companhia. De casa, eles torcem para que seus clubes sobrevivam. «
BIO JORGE VELLOSO
Lembranças que vêm do Recôncavo Texto RONALDO JACOBINA rjacobina@grupoatarde.com.br Foto FERNANDO VIVAS fvivas@grupoatarde.com.br
Desde os 2 anos, Jorge Velloso, 27, gostava de ver a avó, a escritora Mabel Velloso, escrever. Sentava-se ao seu lado e pedia-lhe que anotasse as palavras que saíam de sua cabeça, acreditando ser poesia. Aos 6 anos, publicou o primeiro livro. Aos 8, repetiu o feito. Calou por muitos anos até decidir fazer jornalismo. Apaixonado pelas palavras, saciava a inquietação de escritor produzindo textos para jornais. Quando teve que fazer o projeto de conclusão do curso, resolveu escrever um livro-reportagem. Como sempre esteve ligado às raízes de sua família, apesar de ter nascido em Salvador, o bisneto de dona Canô foi buscar na memória as lembranças das festas de Santo Amaro da Purificação, para onde era levado pelas mãos de Mabel. “O Bembé sempre me encantou, desde muito pequeno”, conta. Assim, mudou-se para a casa da bisavó e mergulhou no universo da celebração que é única no Brasil. O trabalho virou o livro Candomblé de Rua – O Bembé de Santo Amaro, editado pela Casa das Letras e lançado na semana passada em Salvador e em Santo Amaro. A obra conta a história da festa, que celebra a libertação dos negros, e vem pincelada por histórias que envolvem sua família e a relação dos Velloso com afesta.Comprefáciodesuatia-avó,MariaBethânia,edeclaraçõesdabisavóedotio-avôCaetanoVeloso,dequeméassessordeimprensa, Jorge mostra que a literatura é sua praia. Já Santo Amaro, apesar de morar no Rio de Janeiro, continua sendo a sua casa. «