Inimigo íntimo

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SALVADOR DOMINGO 28/9/2014

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Inimigo

ÍNTIMO Aparentemente inofensivos, pasta de dente, xampu, hidratante, batom e até protetor solar podem representar riscos à saúde Texto TATIANA MENDONÇA tatianam@gmail.com Ilustrações BRUNO AZIZ brunoaziz@gmail.com

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ERIGO!VIVERMATA!Dadooaviso,brusco,porémnecessário, vamos às letrinhas miúdas. Sabe quais são os efeitos de todas aquelas substâncias químicas que aparecem na composição da pasta de dente que você usa todo santo dia? E no xampu, hidratante, protetor solar, desodorante? Se sua resposta for um sonoro não, fique tranquilo, você não está só. Nem os pesquisadores sabem exatamente como nosso corpo vai responder, a longo prazo, ao uso contínuo e combinado dessas coisinhas todas. O professor Eduardo Silva, do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Biomonitoramento da Universidade Federal da Bahia, lembra que existem no mundo de 80 mil a 90 mil substâncias licenciadas. E, como você é capaz de imaginar, nenhuma delas se desinventa, não é? Ficam por aí no ar que a gente respira, na água que a gente bebe, nos produtos que a gente passa no corpo, nos alimentos e objetos que a gente consome. Issoestáparecendoconversadaqueleseuamigohippie?Vamos admitir, talvez ele tenha lá suas razões. “Nossa preocupação é muito grande para agroquímicos e metais pesados, mas eles não representam, quantitativamente, o maior número de substâncias a que estamos expostos. É um desvio de foco”. E volta a citar números, para dimensionar a questão. Aproximadamente mil pes-

ticidas são licenciados, contra cerca de oito mil cosméticos e cerca de três mil conservantes para alimentos, fora os 70 mil “e tantos” produtos químicos utilizados nas indústrias. E algumas coisinhas são bem pequenas mesmo, como as nanopartículas, presentes em milhares de produtos. “Elas têm propriedades totalmente diferentes das substâncias originais e também percorrem um outro caminho nas nossas células. Nós ainda não sabemos que caminho é esse”. Este ano, os Estados Unidos, baniram o uso do triclosan, antibactericida comum em sabonetes e pastas de dente. Os possíveis efeitos vão desde alterações hormonais até o crescimento de células cancerígenas.

É DOSE Mas, calma, não criemos pânico! O pesquisador José Antônio Menezes Filho, coordenador do Laboratório de Toxicologia da Faculdade de Farmácia da Ufba, acalma mentes e corações com uma máxima do famoso alquimista Paracelso: “Toda substância pode ser tóxica. O que diferencia o remédio do veneno é a dose”. Trocando em miúdos, o que interessa não é tanto a substância, mas a quantidade, a frequência e a duração dessa exposição. Em tese, os produtos que estão no mercado são seguros, porque passam por testes dos fabricantes e agências reguladoras. Alguns des-

ses testes são controversos, porque são realizados com animais. “Eles diluem, por exemplo, uma gota de xampu e pingam no olho do coelho, para ver se causa alguma irritação. É cruel, mas ao mesmo tempo é uma tentativa de proteger o usuário”. Outro problema é que esses testes medem reações a curto e a médio prazo. “Com o uso contínuo de algumas substâncias é que aparecem os efeitos a longo prazo. E aí, eventualmente, algumas delas são retiradas ou alteradas na formulação”. Lembra daquele antisséptico que ardia um bocado quando em contato com machucados diversos de quem estava de traquinagem? Pois, o Merthiolate mudou de fórmula justamente porque seu princípio ativo era o tiomersal, um composto orgânico do mercúrio, que é tóxico. “O curioso é que as vacinas no Brasil até hoje são conservadas com mercúrio. E aí o recém-nascido faz todo aquele programa de vacinação... Cada gotinha daquela tem uma quantidade de mercúrio. Isso sem contar o que ele já absorveu da mãe”. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que segue recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e que “as empresas detentoras de registro já estão desenvolvendo novas formulações sem conservantes”, seguindo recomendação da própria OMS. No Ministério do Meio Ambiente, o entendimento é outro. Documento do Grupo de Trabalho sobre

Mercúrio afirma que este “pode produzir uma gama de efeitos adversos à saúde humana, incluindo danos permanentes no sistema nervoso, afetando principalmente o seu desenvolvimento, além de ser transferido da mãe para o feto durante toda a gestação. Em face de todos esses efeitos adversos, bebês, crianças e mulheres em idade fértil são considerados populações vulneráveis”.

SE ORIENTE Aí mesmo na sua casa você mantém outros hábitos perigosos, como o uso da naftalina, aquelas bolinhas que servem para conversar as roupas ou afastar traças e baratas. “A Vigilância Sanitária e a Organização Mundial da Saúde já alertaram para o risco toxicológico de câncer dessa substância. Mas, ainda assim, ela continua à venda nos mercados, e as pessoas manipulam aquilo. Criança, então, põe até na boca”, diz José Antônio. E no trabalho, você pega aquele copinho de plástico para tomar café sem pestanejar? Vale pensar melhor. É que eles são feitos de PVC, o policloreto de vinila, que é “extremamente hepatotóxico”, ou seja, pode causar lesões no fígado. “E uma exposição de longo prazo pode causar câncer”. O uso adequado do produto – leia-se não esquentar tomando aquele cafezinho -– minimiza os efeitos. Aindanosetor“plásticos”,éprecisoestaratentoparaapresença


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