Lázaro Ramos

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Um dos melhores intérpretes da sua geração, Lázaro Ramos dispensa rótulos

ATOR POR EXCELÊNCIA

DOMINGO, 30 DE AGOSTO DE 2009 #74 REVISTA SEMANAL DO GRUPO A TARDE

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ABRE ASPAS LÁZARO RAMOS ATOR

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TATUAGEM nomeu CORPO» Texto TATIANA MENDONÇA tmendonca@grupoatarde.com.br Fotos THIAGO TEIXEIRA ttxphoto@gmail.com Produção de foto MARCO GRAMACHO marco.gramacho@grupoatarde.com.br

O teatro está vazio. A luz baixinha cairia bem numa cena melancólica ou dramática, mas não é disso que se trata. Lázaro Ramos, 30, começa a falar com seus grandes olhos e mãos. Mas talvez de nada valha dizer isso, o mínimo que se pede de um ator é que seja expressivo. Então é preciso registrar que ele não demonstra a afetação ou estrelismo que, vá lá, poderia ter acumulado em 15 anos de bem-sucedida carreira. Em bom baianês, não tem a arrogância de quem “se acha”. Isso talvez por saber, “desde pequenininho, que não há sucesso nem fracasso permanente”. É o que o faz político e centrado. Lázaro está morando no Rio de Janeiro e voltou a pisar as ladeiras do Pelourinho para gravar a segunda temporada de Ó Paí, Ó, que será exibida em novembro na Globo. Também voltou ao Teatro Vila Velha, onde descobriu o Bando de Teatro Olodum, para homenagear os 45 anos do TVV e conversar com Muito, basicamente sobre tudo: teatro, cinema, televisão, Barack Obama, o projeto Ler é Poder (que espalha bibliotecas por Salvador) e o posto de embaixador do Unicef, que assumiu em julho. Só não perguntamos se ele voltou a namorar a atriz Taís Araújo, que aí já é demais. A sessão de fotos aconteceu no Pestana Convento do Carmo, onde o ator ficou hospedado.

O que você ainda leva do Bando de Teatro Olodum? Muito da minha formação artística, de personalidade e de valores. Já fazia teatro no Anísio Teixeira, com o professor Albérico, mas quando entrei no Bando de Teatro Olodum, aos 15 anos, encontrei um novo mundo, uma nova maneira de pensar teatro. Sou muito Bando de Teatro Olodum quando estou atuando. Os valores todos que aprendi com o Bando ficaram como tatuagem no meu corpo. Soube aproveitar aquilo que de experiência profissional o Bando me


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proporcionou, como as leituras dramáticas que fiz aqui no Vila Velha e as aulas de teatro, dança, canto, música. E aprendi a conviver com as diferenças também. Grupo de teatro é isso. Li você dizendo como foi importante se reconhecer no Bando, não só fisicamente, mas também em termos de ideias e propostas. Como foi a passagem para a televisão? Essa identificação não foi tão imediata, imagino. Continua sendo o Bando também, aprender a lidar com o diferente. Outros valores acabaram entrando na minha vida. A convivência com João Falcão, por exemplo, me deu o aprendizado do universo lúdico, que é uma coisa que eu não tinha exercitado. A própria televisão é o reflexo da realidade artística do País, é importante saber lidar com ela. Se você consegue usá-la em benefício daquilo que você acredita, é muito útil. Não teria a confiança de um canal, como o Canal Brasil, para ter um programa que dirijo e proponho se não fosse a visibilidade e credibilidade que construí com a minha carreira. E digo que começada mais até no cinema que na televisão. A televisão veio depois. O cinema já é diferente do teatro, é outra convivência, outro exercício. Você aprendeu a transitar bem por essas linguagens? Até hoje fico mais confortável no teatro. De vez em quando, tenho a sensação de que o que eu sei fazer mesmo é teatro; o resto, estou enrolando as pessoas (risos). Fico muito mais nervoso quando vou fazer um filme ou fazer televisão, são mecanismos que não tenho muito controle. No palco, tem o conforto de estar compartilhando com as pessoas. Mas acabei tendo de aprender a lidar... É como sexo. Sexo para ser bom não precisa ser igual todo dia. Cada um tem uma dinâmica, um tempo diferente, uma posição diferente (risos). É aprender a lidar com os prazeres distintos. A televisão era um lugar que


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eu achava que nunca teria prazer. Sempre tive medo desse processo industrializado, de fazer rápido, ‘tem de render, só vai passar uma vez, então se ficou mais ou menos, já tá bom’. Eu pensava isso. Mas na verdade dá para encontrar prazer em acelerar o processo de criação e dá para fazer bem também. Houve alguma resistência em levar Ó Paí, Ó para a televisão? As pessoas não falam esse tipo de coisa comigo, porque sempre falo do Bando com muita paixão. Mas acho natural que critiquem. A grande vantagem de trabalhar com arte é que você não precisa defender uma verdade absoluta. É bom criar debate. Imagine fazer um trabalho e as pessoas só falarem ‘ah, legal, parabéns’, e isso não criar uma reflexão. E é importante a gente se avaliar também. E como você avaliou a primeira temporada de Ó Paí, Ó? O mais importante foi mostrar esses atores que eu tanto admiro num veículo popular como a TV. Ver as pessoas elogiando os atores do Bando. Pela primeira vez na história da televisão brasileira um grupo de teatro que não é do eixo Rio-São Paulo foi para a televisão com uma obra baseada na sua obra de teatro. Isso é sensacional. Mais uma coisa: a gente poucas vezes vê um elenco todo de negros contando uma história na TV. Em relação à dramaturgia, algumas histórias saíram das discussões habituais do Bando. O primeiro episódio discutia pirataria, por exemplo... Mas isso vem das parcerias

«De vez em quando, tenho a sensação de que o que sei fazer é teatro; o resto, estou enrolando as pessoas (risos)» que aparecem e são necessárias para viabilizar o projeto. Você já disse que quer dirigir um filme. Acredita que essa retomada do cinema brasileiro já tem uma identidade? É uma identidade em formação. Principalmente porque o público dá umas rasteiras na gente, né? Se você for ver, começou com Carlota Joaquina, e aí veio um monte de filme histórico. Depois foi violência urbana. Cidade de Deus, Quase Dois Irmãos... Daqui a pouco, biografia. Cazuza, Dois Filhos de Francisco. Agora é comédia. Se eu Fosse Você 2, A Mulher Invisível... Mas o mais positivo é que não foram só os medalhões que continuaram a fazer cinema. Apareceu uma geração nova, como Karim Aïnouz (Madame Satã), Sérgio Machado (Cidade Baixa), Marcelo Gomes (Cinema, Aspirinas e Urubus). E que cinema você quer fazer? Não sei, é difícil... Por eu ter uma formação tão diversa como ator, acho

que meu cinema seria diverso. O primeiro filme não teria nada a ver com o segundo, que não teria nada a ver com o terceiro... Já tem o roteiro? As filmagens serão aqui em Salvador? Comecei um roteiro, desisti, deixei para ser o segundo filme, aí comecei a trabalhar um monte como ator e agora está quieto (risos). Recebi alguns convites para atuar que foram mais sedutores e possíveis no momento. Mas penso em filmar aqui, sim. Todas as histórias que penso passam-se aqui em Salvador. Esses convites que você recebeu são para novela, cinema? Foi assim: acabei Duas Caras e aí Ó Paí, Ó foi para a TV. Tinha de fazer. Depois passei dois meses só estudando. Aí teve o (filme) Amanhã Nunca Mais, que gravei em fevereiro e março. Em maio, comecei a gravar Decamerão, que é com o parceiro Jorge Furtado. Tudo que ele faz eu faço (risos). Outro dia ele falou no jornal que eu sou o ator-fetiche dele. Na verdade, sou o alter-ego, ele sou eu (risos). E agora de novo Ó Paí Ó. Novela, por enquanto, não vou fazer. Acertei de deixar as pessoas sentirem saudade de mim. Você se envergonha de algum trabalho que fez? Consegue se assistir? Tenho muito orgulho dos trabalhos que fiz. Mas sempre que me assisto vejo todos os meus defeitos. Penso: ‘Ah, por que falei assim?’, ‘Por que construí o personagem dessa maneira?’. Ao mesmo tempo, meus defeitos e falhas fazem tão parte de


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mim, do meu trabalho, que não chega a ser um grande incômodo. Claro que penso sempre que posso fazer melhor, mas mostrar minha falibilidade também é muito bom. No começo deste ano, você foi estudar em Nova York. Pensa em seguir carreira internacional? Cheguei a ter um agente lá fora, mas comecei a achar que meu país estava me tratando melhor (risos). Não me identifiquei com os personagens que me convidaram para fazer. Se uma trajetória internacional vier de uma maneira digna, claro que quero. Mas me interesso bem mais pelo

cinema feito na América Latina. Sou fascinado pelos filmes argentinos. E qual é o seu critério para escolher personagens? Nenhum. O critério é o do momento, do sentimento. Geralmente sei o que não quero fazer, ou então digo: ‘Ah, mas isso aqui dá para fazer, é importante passar por isso agora’. É muito subjetivo... Por exemplo, deixei meu amigo Sérgio Machado na mão, não participei de Quincas, porque foi na mesma época do Amanhã Nunca Mais. Trabalhar com Sérgio seria um prazer, é uma história que eu vejo ele construindo há muito

tempo, mas achei que era mais importante exercitar o Amanhã Nunca Mais, que era uma história que eu nunca tinha contado, com um personagem mais urbano. E não tem projetos para teatro? A saudade do teatro é eterna e constante. Mas não tenho nenhum plano imediato. Como é sua relação com a crítica? Você costuma receber retornos tão elogiosos dos seus trabalhos... Todo mundo fica feliz de receber um estímulo, um elogio, mas procuro não me deslumbrar. Aprendi desde

NO APIPEMA OU NA BARRA, O IMPORTANTE É TER O SABOR CASEIRO. Estas duas lojinhas de produtos regionais disputam uma clientela que valoriza uma comidinha simples, mas de boa qualidade e de sabor caseiro. Que tal deliciar-se, sem ter que ir à cozinha, com um bolo de farinha de trigo, aipim ou milho verde, feitos artesanalmente? Ou ainda, saborear um pão caseiro integral ou de farinha especial sem conservantes e muito saboroso? Poder levar para casa mingau, sopa, canjica de milho verde, pamonha, banana frita, sequilhos, enfim, todas as gulosei-

Armazém Apipema: Rua Professor Sabino Silva, 32, Jd. Apipema, 71 3203-7853 / 3332-4323 Abre de segunda a sexta das 9:00 as 20:00 e sábado das 09:00 as 19:00

mas regionais, deliciosamente caseiras, sem ter que se preocupar em fazer é no mínimo uma comodidade! Sem perder sua característica principal de sabor caseiro, o Armazém está sempre inovando, trazendo novas iguarias. As últimas novidades são a coalhada fresquinha; o pão tipo australiano feito com farinha integral e melaço de cana, o chimango e o cuscuz de milho feito na hora e servido quentinho e que pode ser degustado na própria loja acompanhado de um cafezinho.

Armazém Barra: Alameda Antunes, 20, Barra, 71 3264-6731 Abre de segunda a sexta das 8:00 as 19:00 e sábado das 08:00 as 15:00


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pequenininho que não há sucesso nem fracasso permanente. Então, é bom estar consciente dos seus defeitos e de que essa é uma carreira muito difícil. Há espaço para poucos e os talentos são muitos. Então, o trabalho não acaba quando sai a crítica. Seu personagem da novela Duas Caras acabou se envolvendo com política. Esse é um assunto que te interessa? Política partidária, não. Mesmo porque a fidelidade partidária nem existe, né? As pessoas vão mudando de lado de acordo com conveniências... Já recebi convites para participar de campanhas políticas e nunca aceitei. Agora a política do pensar a sociedade, os valores, me interessa, claro. Mas acredita que ator deve se posicionar sobre tudo? No ano passado, você escreveu um artigo para A TARDE falando sobre a violência na Federação. Acho que é algo totalmente individual. Primeiro que ator não é especialista em tudo. Tem esse equívoco... Às vezes me ligam para falar do cabelo de não sei quem (risos). Por estar nessa posição de destaque, você se sente obrigado a falar sobre determinados temas? Não há obrigação externa, nem me obrigo a isso. Só falo o que quero e quando acho que posso ser útil. Claro que por vir de uma realidade como a que eu venho, de um bairro de classe média-baixa, e de um grupo como o Bando, que tem um pensamento político associado a um pensamento artístico, procuro me envolver em coisas que acredito. Aceitar ser embaixador do Unicef vem

«Se você for pensar, sou fruto de uma cota, que é o Bando de Teatro Olodum. Potencializei meu talento aqui» um pouco disso. Há dois anos e meio estou me relacionando com o Unicef e sempre recebo relatórios mostrando a situação de crianças e adolescentes. E aí você vai vendo o tamanho do problema. Se você vir a quantidade de jovens que sofrem violência em casa e se imaginar que muitos casos nem chegam a ser denunciados, dá um certo desespero, porque de alguma maneira represento esse órgão para alertar a sociedade. No artigo, você falava sobre o toque de recolher na Federação. Qual foi sua sensação agora na volta? Lá no meu bairro não está acontecendo mais isso. Uma coisa que tem me preocupado muito agora, e que de alguma maneira passa pela violência, é o consumo do crack. Andando no Pelourinho, toda hora chega alguém pra falar comigo, inclusive consumidores de crack. Eles falam: ‘Me ajuda a sair’. Imagine... Eu digo: ‘Mas por que você está usando isso?’ E eles dizem que não conseguem largar. Fiz agora uma campanha em Porto Alegre chamada Crack nem pensar. É uma droga barata, que vi-

cia muito rápido... No Rio não tem tanto. Para os traficantes, é melhor vender cocaína, que é mais cara. Muita gente acredita que uma das maneiras de reduzir a violência seria liberar a venda de drogas. Você é a favor? Taí uma coisa que eu não sei responder (risos). O que sei é que não adianta ter uma medida isolada. Ter isso e não ter um aumento do acesso à educação, um maior número de empregos, acesso ao lazer... Mas ficarei atento a essa questão. Já recebeu convite para levar Espelho, seu programa no Canal Brasil, para a TV aberta? Adoraria levar! O Espelho tem um formato muito interessante. Fazemos um programa comprometido com a discussão do valor da diversidade e conseguimos fazer isso de uma maneira que une reflexão e entretenimento. Seria muito legal ir para a TV aberta. Mas ao mesmo tempo, por ser no Canal Brasil, tenho mais liberdade e não tenho uma expectativa tão grande de audiência. Ainda assim, o Espelho pode se gabar de ser uma das maiores audiências do canal. Você esteve na posse de Obama. Depois dessa comoção inicial, acredita que ele vá marcar diferença politicamente? Já está marcando. Já foi uma grande diferença um país como os Estados Unidos ter um homem desse no poder. Não só pela cor dele, mas pelos seus posicionamentos, pelo exemplo de família que ele tem. Claro que pode ser que ele erre, em algum momento vai errar, é natural.


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NR.: O ATOR LÁZARO RAMOS VESTE OSKLEN NESTE ENSAIO FOTOGRÁFICO

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Daí é inevitável perguntar sua opinião sobre políticas afirmativas, cotas... Sou a favor, em parceria com outras medidas, como melhorar a educação básica. O País precisa potencializar seus talentos. Se você for pensar, de alguma maneira, eu sou fruto de uma cota, que é o Bando de Teatro Olodum. Potencializei meu talento aqui. E aí depois as pessoas admiram, elogiam... Acho que é importante tornar a universidade mais colorida (risos). Até para a gente discutir a questão da raça, do que é ser negro. A única verdade absoluta que existe nessa história é que educação tem de ser prioridade. Tem de me-

lhorar a qualidade da educação, estimular a leitura. O seu projeto, Ler é Poder, cria bibliotecas públicas em bairros populares de Salvador. Dá para acompanhar do Rio? A tendência é que eu me afaste, porque quero que outras pessoas abracem a causa. Não quero que seja ‘o projeto do Lázaro Ramos’. Acompanho, na medida do possível, minha prima é quem coordena. Hoje o projeto não se resume à questão das bibliotecas, porque várias pessoas procuraram a gente dizendo ‘olha, Salvador tem mais de 100 bibliotecas comunitárias’. Precisamos esti-

mular as pessoas a frequentarem esses espaços e mostrar como ler é importante para adquirir conhecimento e dar independência às pessoas. Você tem religião? Tem uma parte da minha família que é de candomblé, e gosto muito, mas ao mesmo tempo fiz primeira comunhão, tenho uma relação com o catolicismo também. Tem umas coisas do budismo que admiro... Minha religião é o respeito à religião dos outros, pronto. Onde é sua casa? Sua Passárgada? Caramba... O mundo (risos). «


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