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#394 / DOMINGO, 10 DE JANEIRO DE 2016 REVISTA SEMANAL DO GRUPO A TARDE
SANDRA STRAUSS SOUDAM VINHOS BÚ ARAÚJO
VERÃO DOS PATINS COTIDIANO «
Afeto e
ANGÚSTIA Crescimento de casos de microcefalia relacionados ao Zika vírus inquieta pais e mães
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Enquanto o Ministério da Saúde investiga quase três mil casos de microcefalia no país, a Bahia segue como o terceiro estado mais afetado: no momento, há 312 bebês com suspeita da anomalia. Pesadelo que ronda futuros pais e mães Texto TATIANA MENDONÇA tatianam@gmail.com Ilustrações BRUNO AZIZ brunoaziz@gmail.com
O
s ventiladores não davam conta de afugentar o calor na sala de espera da Clínica da Criança, no Largo de Roma. Era tarde de quarta-feira, dia escolhido pelo Hospital Santo Antônio, das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), para atender bebês com cabeças miúdas e seus pais aflitos. Eles começaram à chegar às dezenas, num cenário de epidemia inédito no mundo. Num único dia de novembro, a equipe coordenada pela neuropediatra Janeusa Primo atendeu 18 casos de microcefalia.Ummêsdepois,noseuconsultório, ela folheava uma pasta rosa na qual reunia as fichas com o nome e dados dos pacientes, escritos à caneta. Para muitas perguntas que a fazem, Janeusa não tem certezas a dar. Ninguém tem. No dia 7 de dezembro passado, o Ministério da Saúde lançou o Plano Nacional de Enfrentamento à Microcefalia, numa tentativa de responder de maneira prática ao
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EFEITO
SURPRESA surto, após a confirmação de que os casos tinham mesmo relação com o Zika vírus, que chegou ao Brasil no começo do ano passado com todo o jeito de uma vermelhidão quase inofensiva. “A gente dizia que era só uma coceirinha”, lembra Ita de Cácia, superintendente de Vigilância e Proteção da Saúde da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab). Na barriga de centenas, talvez milhares de mulheres que gestavam tranquilamente seus bebês, a “coceirinha” fazia com que os cérebros das crianças crescesse menos do que devia, uma condição que vai afetá-las por toda a vida. Até o fechamento desta reportagem, o Brasil investigava 2.975 casos de microcefalia, de acordo com o Ministério da Saúde. A Bahia, terceiro estado mais afetado, contava 312 bebês com suspeita de terem a anomalia, pela conta da Sesab. Além de identificar e acompanhar todas essas crianças, as preocupações voltam-se para o verão,períododoanoemqueainfestaçãodo
Aedes aegypti (transmissor do Zika, dengue e Chikungunya) é mais intensa, por conta do aumento da temperatura e intensificação das chuvas, cenário ideal para a eclosão dos ovos do mosquito.
DADOS E BOATOS Ultimamente,ficoumaisdifícilouvirque algum conhecido seu estivesse com Zika, mas isso pode voltar a acontecer por esses meses, se a curva do ano passado se repetir. Na Bahia, as notificações de casos suspeitos de Zika apareceram pela primeira vez na terceira semana de janeiro de 2015 e foram crescendo até chegar ao pico na última semana de abril, quando foram estimados 37 casos por 100 mil habitantes. A maioria das notificações (64%) foi de mulheres. Ita diz que há duas explicações paraisso:elasprocurammaisoserviçomédicoepassammaistempoemcasa,noconvívio com o mosquito. O verão e o começo do outono são particularmente apreensivos para aquelas mulheres que estejam no
início da gestação, já que o primeiro trimestre da gravidez é o período no qual há maior risco de malformação congênita, como a causada pelo Zika vírus. O médico Manoel Sarno, especialista em medicina fetal, prevê um horizonte menos sombrio. “Quando um vírus chega numa população sem imunidade, ele acaba atingindo em torno de 40% a 60% das pessoas. Então, a gente acredita que para este ano, muitas gestantes já serão imunizadas para o vírus da Zika. A microcefalia será um problema menor em 2016”. Isso,claro,senãohouvermutações.Sarno explica que, até o momento, só foi descrito um único tipo de vírus do Zika, ao contrário da dengue, que é causada por quatro tipos diferentes. Para tentar transformar um mundo de boatos, suspeitas e hipóteses em dados científicos, Sarno criou com outros sete colegas um grupo de pesquisa na Universidade Federal da Bahia para entender como o Zika se relaciona de fato com a microce-
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Enquanto o Ministério da Saúde investiga quase três mil casos de microcefalia no país, a Bahia segue como o terceiro estado mais afetado: no momento, há 312 bebês com suspeita da anomalia. Pesadelo que ronda futuros pais e mães Texto TATIANA MENDONÇA tatianam@gmail.com Ilustrações BRUNO AZIZ brunoaziz@gmail.com
O
s ventiladores não davam conta de afugentar o calor na sala de espera da Clínica da Criança, no Largo de Roma. Era tarde de quarta-feira, dia escolhido pelo Hospital Santo Antônio, das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid), para atender bebês com cabeças miúdas e seus pais aflitos. Eles começaram à chegar às dezenas, num cenário de epidemia inédito no mundo. Num único dia de novembro, a equipe coordenada pela neuropediatra Janeusa Primo atendeu 18 casos de microcefalia.Ummêsdepois,noseuconsultório, ela folheava uma pasta rosa na qual reunia as fichas com o nome e dados dos pacientes, escritos à caneta. Para muitas perguntas que a fazem, Janeusa não tem certezas a dar. Ninguém tem. No dia 7 de dezembro passado, o Ministério da Saúde lançou o Plano Nacional de Enfrentamento à Microcefalia, numa tentativa de responder de maneira prática ao
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EFEITO
SURPRESA surto, após a confirmação de que os casos tinham mesmo relação com o Zika vírus, que chegou ao Brasil no começo do ano passado com todo o jeito de uma vermelhidão quase inofensiva. “A gente dizia que era só uma coceirinha”, lembra Ita de Cácia, superintendente de Vigilância e Proteção da Saúde da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab). Na barriga de centenas, talvez milhares de mulheres que gestavam tranquilamente seus bebês, a “coceirinha” fazia com que os cérebros das crianças crescesse menos do que devia, uma condição que vai afetá-las por toda a vida. Até o fechamento desta reportagem, o Brasil investigava 2.975 casos de microcefalia, de acordo com o Ministério da Saúde. A Bahia, terceiro estado mais afetado, contava 312 bebês com suspeita de terem a anomalia, pela conta da Sesab. Além de identificar e acompanhar todas essas crianças, as preocupações voltam-se para o verão,períododoanoemqueainfestaçãodo
Aedes aegypti (transmissor do Zika, dengue e Chikungunya) é mais intensa, por conta do aumento da temperatura e intensificação das chuvas, cenário ideal para a eclosão dos ovos do mosquito.
DADOS E BOATOS Ultimamente,ficoumaisdifícilouvirque algum conhecido seu estivesse com Zika, mas isso pode voltar a acontecer por esses meses, se a curva do ano passado se repetir. Na Bahia, as notificações de casos suspeitos de Zika apareceram pela primeira vez na terceira semana de janeiro de 2015 e foram crescendo até chegar ao pico na última semana de abril, quando foram estimados 37 casos por 100 mil habitantes. A maioria das notificações (64%) foi de mulheres. Ita diz que há duas explicações paraisso:elasprocurammaisoserviçomédicoepassammaistempoemcasa,noconvívio com o mosquito. O verão e o começo do outono são particularmente apreensivos para aquelas mulheres que estejam no
início da gestação, já que o primeiro trimestre da gravidez é o período no qual há maior risco de malformação congênita, como a causada pelo Zika vírus. O médico Manoel Sarno, especialista em medicina fetal, prevê um horizonte menos sombrio. “Quando um vírus chega numa população sem imunidade, ele acaba atingindo em torno de 40% a 60% das pessoas. Então, a gente acredita que para este ano, muitas gestantes já serão imunizadas para o vírus da Zika. A microcefalia será um problema menor em 2016”. Isso,claro,senãohouvermutações.Sarno explica que, até o momento, só foi descrito um único tipo de vírus do Zika, ao contrário da dengue, que é causada por quatro tipos diferentes. Para tentar transformar um mundo de boatos, suspeitas e hipóteses em dados científicos, Sarno criou com outros sete colegas um grupo de pesquisa na Universidade Federal da Bahia para entender como o Zika se relaciona de fato com a microce-
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ZIKA E MICROCEFALIA A Bahia teve em 2015
62 mil
casos suspeitos de Zika,
número superior ao da dengue (49 mil) e da Chikungunya (19 mil). O maior número de casos ocorreu na última semana de abril, quando a incidência chegou a 37 casos por 100 mil habitantes
64%
dos casos foram notificados em mulheres Até o dia 26/12, o Brasil tinha registrado
2.975 casos suspeitos de microcefalia
em mais de 600 cidades de 20 estados, segundo dados do Ministério da Saúde. A anomalia teria provocado a morte de 40 bebês Na Bahia, a Sesab notificou
312
casos suspeitos em 69 cidades
A maioria deles (55%) foi registrada em Salvador, que teve 173 notificações. Em segundo lugar ficou Lauro de Freitas, com 12 casos. Fontes: Ministério da Saúde / Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (até 29/12)
falia. É um campo tão novo que se pode começar de qualquer lugar. “Inicialmente,vamosdescreverosachados. Além da microcefalia, estamos encontrando outras má-formações associadas, como calcificação cardíaca. Depois, vamos comparar esse grupo de bebês com outros sem alterações, o chamado grupo-controle, e analisar as diferenças nas histórias clínicas de Zika, por exemplo, com histórias de exposição a agrotóxico e vacinas, de que as pessoas falam tanto”, diz Sarno. A confusão em torno da epidemia de microcefalia – que fez com que o governo federal decretasse pela primeira vez estado de emergência nacional em saúde pública desde que o mecanismo foi criado, em 2011 – vai além das causas e circunstâncias.Atéosnúmeros,essesseresconcretos, são pouco conclusivos. Dos 2.975 casos suspeitos registrados no boletim epidemiológico até o final de dezembro, apenas 134 foram confirmados, de fato, e outros 102 foram descartados – entre esses, também há casos de microcefalia, mas sem relação direta com o Zika vírus. Na Bahia, até o momento, nenhum (repare bem, nenhum) caso de microcefalia causado pelo Zika foi confirmado pelo Ministério da Saúde. Há dois cenários para que isso aconteça, explica a médica Janeusa Primo. O primeiro é que o vírus Zika seja identificado em amostras do bebê ou da mãe, durante a gestação. O segundo é excluir todas as outras possíveis causas conhecidas da microcefalia, como rubéola e uso de drogas durante a gravidez. A identificação do Zika vírus pelas amostras ainda é complexa e precisa ser realizada por laboratórios especializados (hoje são 16 unidades em todo o país, incluindo a Bahia). Além disso, o vírus só pode ser identificado num período bem curto de
tempo: o exame deve ser feito, preferencialmente, nos primeiros cinco dias de manifestação dos sintomas. E, veja só, há outro problema adicional: cerca de 80% dos casos de Zika são assintomáticos. Com tanta dificuldade, você pode estar pensando como o Brasil conseguiu confirmar, pela primeira vez na ciência mundial, a relação entre o vírus e a microcefalia. É que o Zika foi encontrado no líquido amniótico de duas gestantes da Paraíba, em novembro passado, quando as mães nem estavam mais doentes. Já a centena restante de casos confirmados corresponde a pacientes que estavam na fase aguda da infecção.
FORA DOS PLANOS Antes da correlação com o Zika vírus, a Bahiaeraoestadonordestinocommaiscasos de microcefalia. Foram 53 entre 2010 e 2014. O número não fez soar nenhum alarme porque estava dentro do que previa a literatura científica – um a dois casos para cada mil partos. Hoje, são 173 casos suspeitos apenas em Salvador. “Diferente do observado nas outras causas de infecções congênitas que traziam sinais típicos no cérebro da criança, os casos atuais de microcefalia têm se apresentado com uma diversidade de alterações”, conta Janeusa. Esses bebês precisam de cuidados especiais e estão sendo atendidos em três centros de referência em Salvador, que recebem pacientes da capital e do interior: o ambulatório de Infectologia Pediátrica do HospitalUniversitárioProfessorEdgarSantos (Hupes); o ambulatório de Neuropediatria do Hospital Roberto Santos e a Clínica da Criança, no Hospital Santo Antônio. Lá encontramos o motorista Josilan Rocha de Souza, 26, que segurava nos braços seu primeiro filho, Moisés, nascido há menos de quinze dias.
No oitavo mês de gestação, os pais de Moisés souberam que ele tinha o perímetro cefálico menor que o normal. Podia nascer de parto normal ou cesárea, tanto fazia, mas teria um retardo neurológico que precisaria ser acompanhado com exames específicos, por conta da microcefalia. Josilan fala usando essas palavras de médico. Até outro dia, não sabia o que era nada disso. “Foi uma surpresa. Não estava nos planos”. Ele veio cedo de Camaçari, onde mora, para a primeira consulta do menino. A mãe de Moisés, que teve Zika no terceiro mês de gestação,estámorandonointerior.Josilan não encomprida os motivos de ela ter se separado do filho. Sua expressão oscila entre o abatimento e a confiança, que o faz repetir o que muitos ali dizem. “Meu filho é normal. Vai ficar bem, com fé em Deus”. Afora a cabeça diminuta, os bebês microcefálicos se parecem com qualquer outro, com peso adequado e sem alterações aparentes naquela vidinha boa de comer e dormir. A recomendação, no entanto, é que sejam acompanhados por neuropediatras, fonoaudiólogos e fisioterapeutas logo que cheguem ao mundo, para diminuir o atraso no desenvolvimento intelectual, motor e de fala. Alguns pais vêm angustiados do interior procurar os serviços antes mesmo de registrar seus filhos. Na Osid, após as consultas, eles vão para o Centro Especializado em Reabilitação. Enquanto as crianças choram irritadiças nas primeiras sessões de fisioterapia, os pais desabafam com a psicóloga os meandros de um sonho mudado. “A gente trabalha a ressignificação, para que eles possamolharseusfilhosparaalémdadeficiência”, conta a assistente-social Rosinei Souza, diretora do Centro. O lugar já atendia com lista de espera antes de surgirem esses casos. Com o au-
mento da demanda, mais um fisioterapeuta foi contratado, mas ainda assim é difícil gerenciar prioridades. A situação se repete em outros centros de reabilitação do país, cuja rede é deficitária. “A longo prazo, é uma situação preocupante”, diz Rosinei.
SEM DESÂNIMO Ainda assim, não dá para desanimar, repete a neonatologista Lícia Moreira a todo casal preocupado que encontra pela frente. Ela coordena o ambulatório de Infectologia Pediátrica no Hupes e lembra que além desses cuidados mais profissionais, é importante que os pais alimentem bem os seus bebês e fiquem atentos ao calendário devacinação.“Agentetemqueutilizaresse cérebro da melhor maneira possível, nutrindo adequadamente e evitando infecções. O sistema imunológico das crianças que têm comprometimento neurológico normalmente não responde tão bem”, explica Lícia. Apesar de reconhecer o “impacto terrível na nossa população” com o aumento dos casos de microcefalia, a médica acalenta o lado esperançoso de ser tudo tão novo. “O cérebro até os dois anos de vida tem uma plasticidade muito grande. E é uma doença tão nova que a gente não pode dizer que vai ter tais e tais sequelas. De repente, nem tem tanto...”. Uma das poucas certezas que se tem agora é, na verdade, antiga. É preciso combater o mosquito Ae-
«A gente trabalha a ressignificação, para que eles possam olhar seus filhos para além da deficiência» Rosinei Souza, diretora do Centro de Reabilitação da Osid
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ZIKA E MICROCEFALIA A Bahia teve em 2015
62 mil
casos suspeitos de Zika,
número superior ao da dengue (49 mil) e da Chikungunya (19 mil). O maior número de casos ocorreu na última semana de abril, quando a incidência chegou a 37 casos por 100 mil habitantes
64%
dos casos foram notificados em mulheres Até o dia 26/12, o Brasil tinha registrado
2.975 casos suspeitos de microcefalia
em mais de 600 cidades de 20 estados, segundo dados do Ministério da Saúde. A anomalia teria provocado a morte de 40 bebês Na Bahia, a Sesab notificou
312
casos suspeitos em 69 cidades
A maioria deles (55%) foi registrada em Salvador, que teve 173 notificações. Em segundo lugar ficou Lauro de Freitas, com 12 casos. Fontes: Ministério da Saúde / Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (até 29/12)
falia. É um campo tão novo que se pode começar de qualquer lugar. “Inicialmente,vamosdescreverosachados. Além da microcefalia, estamos encontrando outras má-formações associadas, como calcificação cardíaca. Depois, vamos comparar esse grupo de bebês com outros sem alterações, o chamado grupo-controle, e analisar as diferenças nas histórias clínicas de Zika, por exemplo, com histórias de exposição a agrotóxico e vacinas, de que as pessoas falam tanto”, diz Sarno. A confusão em torno da epidemia de microcefalia – que fez com que o governo federal decretasse pela primeira vez estado de emergência nacional em saúde pública desde que o mecanismo foi criado, em 2011 – vai além das causas e circunstâncias.Atéosnúmeros,essesseresconcretos, são pouco conclusivos. Dos 2.975 casos suspeitos registrados no boletim epidemiológico até o final de dezembro, apenas 134 foram confirmados, de fato, e outros 102 foram descartados – entre esses, também há casos de microcefalia, mas sem relação direta com o Zika vírus. Na Bahia, até o momento, nenhum (repare bem, nenhum) caso de microcefalia causado pelo Zika foi confirmado pelo Ministério da Saúde. Há dois cenários para que isso aconteça, explica a médica Janeusa Primo. O primeiro é que o vírus Zika seja identificado em amostras do bebê ou da mãe, durante a gestação. O segundo é excluir todas as outras possíveis causas conhecidas da microcefalia, como rubéola e uso de drogas durante a gravidez. A identificação do Zika vírus pelas amostras ainda é complexa e precisa ser realizada por laboratórios especializados (hoje são 16 unidades em todo o país, incluindo a Bahia). Além disso, o vírus só pode ser identificado num período bem curto de
tempo: o exame deve ser feito, preferencialmente, nos primeiros cinco dias de manifestação dos sintomas. E, veja só, há outro problema adicional: cerca de 80% dos casos de Zika são assintomáticos. Com tanta dificuldade, você pode estar pensando como o Brasil conseguiu confirmar, pela primeira vez na ciência mundial, a relação entre o vírus e a microcefalia. É que o Zika foi encontrado no líquido amniótico de duas gestantes da Paraíba, em novembro passado, quando as mães nem estavam mais doentes. Já a centena restante de casos confirmados corresponde a pacientes que estavam na fase aguda da infecção.
FORA DOS PLANOS Antes da correlação com o Zika vírus, a Bahiaeraoestadonordestinocommaiscasos de microcefalia. Foram 53 entre 2010 e 2014. O número não fez soar nenhum alarme porque estava dentro do que previa a literatura científica – um a dois casos para cada mil partos. Hoje, são 173 casos suspeitos apenas em Salvador. “Diferente do observado nas outras causas de infecções congênitas que traziam sinais típicos no cérebro da criança, os casos atuais de microcefalia têm se apresentado com uma diversidade de alterações”, conta Janeusa. Esses bebês precisam de cuidados especiais e estão sendo atendidos em três centros de referência em Salvador, que recebem pacientes da capital e do interior: o ambulatório de Infectologia Pediátrica do HospitalUniversitárioProfessorEdgarSantos (Hupes); o ambulatório de Neuropediatria do Hospital Roberto Santos e a Clínica da Criança, no Hospital Santo Antônio. Lá encontramos o motorista Josilan Rocha de Souza, 26, que segurava nos braços seu primeiro filho, Moisés, nascido há menos de quinze dias.
No oitavo mês de gestação, os pais de Moisés souberam que ele tinha o perímetro cefálico menor que o normal. Podia nascer de parto normal ou cesárea, tanto fazia, mas teria um retardo neurológico que precisaria ser acompanhado com exames específicos, por conta da microcefalia. Josilan fala usando essas palavras de médico. Até outro dia, não sabia o que era nada disso. “Foi uma surpresa. Não estava nos planos”. Ele veio cedo de Camaçari, onde mora, para a primeira consulta do menino. A mãe de Moisés, que teve Zika no terceiro mês de gestação,estámorandonointerior.Josilan não encomprida os motivos de ela ter se separado do filho. Sua expressão oscila entre o abatimento e a confiança, que o faz repetir o que muitos ali dizem. “Meu filho é normal. Vai ficar bem, com fé em Deus”. Afora a cabeça diminuta, os bebês microcefálicos se parecem com qualquer outro, com peso adequado e sem alterações aparentes naquela vidinha boa de comer e dormir. A recomendação, no entanto, é que sejam acompanhados por neuropediatras, fonoaudiólogos e fisioterapeutas logo que cheguem ao mundo, para diminuir o atraso no desenvolvimento intelectual, motor e de fala. Alguns pais vêm angustiados do interior procurar os serviços antes mesmo de registrar seus filhos. Na Osid, após as consultas, eles vão para o Centro Especializado em Reabilitação. Enquanto as crianças choram irritadiças nas primeiras sessões de fisioterapia, os pais desabafam com a psicóloga os meandros de um sonho mudado. “A gente trabalha a ressignificação, para que eles possamolharseusfilhosparaalémdadeficiência”, conta a assistente-social Rosinei Souza, diretora do Centro. O lugar já atendia com lista de espera antes de surgirem esses casos. Com o au-
mento da demanda, mais um fisioterapeuta foi contratado, mas ainda assim é difícil gerenciar prioridades. A situação se repete em outros centros de reabilitação do país, cuja rede é deficitária. “A longo prazo, é uma situação preocupante”, diz Rosinei.
SEM DESÂNIMO Ainda assim, não dá para desanimar, repete a neonatologista Lícia Moreira a todo casal preocupado que encontra pela frente. Ela coordena o ambulatório de Infectologia Pediátrica no Hupes e lembra que além desses cuidados mais profissionais, é importante que os pais alimentem bem os seus bebês e fiquem atentos ao calendário devacinação.“Agentetemqueutilizaresse cérebro da melhor maneira possível, nutrindo adequadamente e evitando infecções. O sistema imunológico das crianças que têm comprometimento neurológico normalmente não responde tão bem”, explica Lícia. Apesar de reconhecer o “impacto terrível na nossa população” com o aumento dos casos de microcefalia, a médica acalenta o lado esperançoso de ser tudo tão novo. “O cérebro até os dois anos de vida tem uma plasticidade muito grande. E é uma doença tão nova que a gente não pode dizer que vai ter tais e tais sequelas. De repente, nem tem tanto...”. Uma das poucas certezas que se tem agora é, na verdade, antiga. É preciso combater o mosquito Ae-
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Anuncie:(71) 3033-2905/99121-6871/3340-8731/3340-8757
«Para este ano, muitas gestantes já serão imunizadas para o vírus. A microcefalia será um problema menor» Manoel Sarno, especialista em medicina fetal
des aegypti, essa tarefa a qual temos continuadamente falhado. No mês passado, o governo estadual inaugurou o Centro de Operações de Emergências em Saúde (COES), que além de dar conta de atender a uma geração de meninos com microcefalia, também tem como missão impedir que novos bebês nasçam com a anomalia neste ano que começa. Uma das frentes de batalha do COES é o Aedes transgênico, com o qual a Sesab espera reduzir em mais de 80% a população de mosquitos. Uma fábrica em Juazeiro está produzindo os mosquitos geneticamente modificados e testes estão sendo realizados em Jacobina. O plano é que as fê-
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CAROL NUNES / DIVULGAÇÃO
meas do Aedes aegypti cruzem com os transgênicos machos, gerando mosquitos estéreis ou que morram antes de chegar à fase adulta. O projeto começou em 2011 e tem um custo anual de 1,2 milhão.
FORÇA-TAREFA Agora vem aquela história que a gente já ouviu mil vezes, mas a que nem sempre dá atenção. Cada um precisa fazer a sua parte para acabar com os criadouros do Aedes aegypti, esse inimigo íntimo que cresce dentro de casa. A operadora de telemarketing Vânia Santana, 44, tem tanto entojo do mosquito que se preocupa até quando vê água parada na pia ou esquecida ali no finalzinho de um inocente copo. No quarto mês de gestação, ela ouviu do obstetra que seu filho tinha microcefalia. O médico perguntou se Vânia tinha tido rubéola ou catapora, ela respondeu que não. “Todo mundo lá em casa teve foi Zika”. Naquela hora da notícia foi um susto, um desespero. “É um baque horrível”. Agora, passados vinte dias do nascimento de Aija, que aguardava a consulta no hospital com um laçarote rosa na cabeça, Vânia diz que está “conformada”. O pai, o marinheiro Clóvis Santana, 48, balançou a cabeça para compartilhar do sentimento. “No começo, a gente ficou assustado, porque achou que ela ia precisar de cirurgia. Agora é acompanhar”. Entre uma reza e outra, Vânia, que já é mãe de um menino de 14 anos, se pergunta por que nenhum outro país que registrou casos de Zika viu nascer essa quantidade de crianças de cabeça pequena. “Por que logo aqui teve?” E por que logo com uma filha sua? Vânia chora pedindo respostas e soluções. Do poder público, dos seus vizinhos todos. “A gente não teve preocupação com o mosquito e agora é isso. Quem sofre é a criança e os pais”. «
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BIO BU ARAÚJO
Soteropolitana, com certeza Texto RONALDO JACOBINA ronaldojacobina@grupoatarde.com.br O sotaque carioca pode enganar. Mas, logo que começa a falar, a dúvida dá lugar a uma certeza: Bu Araújo, 21, é soteropolitana. A menina, que se mudou para o Rio de Janeiro com a mãe, a cantora e atriz Emanuelle Araújo, aos 11 anos, se adaptou bem à nova morada, mas manteve firme suas referências baianas. "Amos os ritmos afrobrasileiros que escutava na minha infância em Salvador e também a musicialidade de grupos locais mais antigos como Os Tincoâs", diz. Prestes a concluir a faculdade de Psicologia, na UFRJ, ela diz que o diploma foi uma exigência da mãe. “Acho que vai ficar lá em casa pendurado”, ri. Até porque, a carreira que escolheu foi a mesma da mãe, a de artista. Bruna, que compõe desde os 12 anos, diz que a psicologia ajuda muito nas reflexões que resultam em canções. Dez delas estarão no seu álbum de estreia, O Ar Que Tenho Em Mim, que está em processo de gravação. Todas de sua autoria. Antes mesmo de o disco ficar pronto, a cantora já comemora os primeiros shows. O primeiro está marcado para o próximo dia 20, no Solar de Botafogo. Depois tem o Bar Godofredo (13/2) e, mais uma vez, no Solar Botafogo (9/3), todos no Rio de Janeiro. A Bahia, diz ela, ainda está no campo dos sonhos. “É o que mais quero poder tocar na cidade onde nasci, mas vai chegar a hora”. Enquanto não vem, os conterrâneos podem conferir o primeiro single, O Ar, que pode ser ouvido nas mídias digitais como spotify, deezer etc. «