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SALVADOR DOMINGO 16/10/2011
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#185 / DOMINGO, 16 DE OUTUBRO DE 2011 REVISTA SEMANAL DO GRUPO A TARDE
JUANA ELBEIN DOS SANTOS CAPITÃES DA AREIA
Pagode na
BERLINDA Projeto que proíbe letras ofensivas às mulheres, com votação prevista para 26/10, suscita debates na cidade
GOYA LOPES BRICELETS «
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a peleJa DA DEPUTADA coNtra o DIABO do MACHISMO
Projeto da deputada Luiza Maia, do PT, o “PL Antibaixaria” quer proibir o uso de recursos públicos para contratação de artistas que desvalorizem, incentivem a violência ou exponham as mulheres. A iniciativa tem provocado polêmica Texto TATIANA MENDONÇA tmendonca@grupoatarde.com.br Foto FERNANDO VIVAS fvivas@grupoatarde.com.br
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Do alto das suas sandálias de salto, elas orgulhosamente movimentam microshorts e microvestidos como se não houvesse amanhã. Também não se fazem de rogadas quando a nova canção do grupo é apresentada:
O
cantor da banda de axé se esforça, bate palminha, pede coro, rebola. Em vão. Só uma mocinha muito animada responde aos seus apelos. Talvez para salvar a noite, resolve, por fim, tocar uns pagodes, mesmo admitindo não sabê-los direito. É quando se dá a transformação. Repentinamente, o público acorda como de um sono profundo. A empolgação persiste com os funks libidinosos que ocupam o tempo enquanto a apoteose não vem. Passa da uma da manhã de uma sexta-feira qualquer quando a Saiddy Bamba enfim sobe ao palco da The Best Beach, na Ribeira, para delírio dos fãs – melhor, das mulheres, absoluta maioria. Alex Max abre o show cantando o hit da banda, Sim, Sim, Sim, Não, Não, Não:
Esse é o novo jeito das mulheres responderem sim ou não. Oh, preste atenção, não é com a mão. Responda com o seu popozão
Você machuca o meu sentimento. Eu te machuco de fora pra dentro, de fora pra dentro, de fora pra dentro A coreografia, os leitores podem imaginar. No arremate, Alex diz que “machucada de amor não dói”. O público aplaude. Se cairnogostodopovo,amúsicairájuntar-se a outras pérolas do pagode baiano, como Patinha (“me dá, me dá patinha/ me dá, sua cachorrinha”) e Mulher é igual a lata (”mulher é igual a lata/ Um chuta e o outro cata”), ambas da Black Style, pródiga em versos de igual quilate. Em março, numa sessão especial na Assembleia Legislativa em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, a deputada Luiza Maia (PT) apresentou pela primeira vez a ideia de proibir o uso de recursos públicos para a contratação de artistas que “desvalorizem, incentivem a violência ou exponham as mulheres a situação de cons-
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a peleJa DA DEPUTADA coNtra o DIABO do MACHISMO
Projeto da deputada Luiza Maia, do PT, o “PL Antibaixaria” quer proibir o uso de recursos públicos para contratação de artistas que desvalorizem, incentivem a violência ou exponham as mulheres. A iniciativa tem provocado polêmica Texto TATIANA MENDONÇA tmendonca@grupoatarde.com.br Foto FERNANDO VIVAS fvivas@grupoatarde.com.br
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Do alto das suas sandálias de salto, elas orgulhosamente movimentam microshorts e microvestidos como se não houvesse amanhã. Também não se fazem de rogadas quando a nova canção do grupo é apresentada:
O
cantor da banda de axé se esforça, bate palminha, pede coro, rebola. Em vão. Só uma mocinha muito animada responde aos seus apelos. Talvez para salvar a noite, resolve, por fim, tocar uns pagodes, mesmo admitindo não sabê-los direito. É quando se dá a transformação. Repentinamente, o público acorda como de um sono profundo. A empolgação persiste com os funks libidinosos que ocupam o tempo enquanto a apoteose não vem. Passa da uma da manhã de uma sexta-feira qualquer quando a Saiddy Bamba enfim sobe ao palco da The Best Beach, na Ribeira, para delírio dos fãs – melhor, das mulheres, absoluta maioria. Alex Max abre o show cantando o hit da banda, Sim, Sim, Sim, Não, Não, Não:
Esse é o novo jeito das mulheres responderem sim ou não. Oh, preste atenção, não é com a mão. Responda com o seu popozão
Você machuca o meu sentimento. Eu te machuco de fora pra dentro, de fora pra dentro, de fora pra dentro A coreografia, os leitores podem imaginar. No arremate, Alex diz que “machucada de amor não dói”. O público aplaude. Se cairnogostodopovo,amúsicairájuntar-se a outras pérolas do pagode baiano, como Patinha (“me dá, me dá patinha/ me dá, sua cachorrinha”) e Mulher é igual a lata (”mulher é igual a lata/ Um chuta e o outro cata”), ambas da Black Style, pródiga em versos de igual quilate. Em março, numa sessão especial na Assembleia Legislativa em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, a deputada Luiza Maia (PT) apresentou pela primeira vez a ideia de proibir o uso de recursos públicos para a contratação de artistas que “desvalorizem, incentivem a violência ou exponham as mulheres a situação de cons-
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trangimento”, o que acabou virando projeto de lei, batizado de PL Antibaixaria. Luiza, 59, casada com o prefeito de Camaçari, Luiz Caetano, aparece no seu gabinete na Assembleia carregando uma estrelinha dourada com o número 13 no pescoço e só começa a falar depois de passar hidratante nas mãos. Proclama-se feminista desde os 13 anos e diz que o projeto faz parte desta ideologia. “A violência não é só a porrada, o estupro. Há também a violência simbólica, que é mais difícil de abordar. Há uma campanha de dizer que nós somos objetos, que somos iguais a cadelas. Isso reforça uma situação de inferioridade em que a sociedade historicamente nos colocou. O primeiro passo é que o dinheiro público não financie essa desqualificação”. Pelo projeto, a Secretaria Estadual de Políticas para a Mulher apresentaria anualmente uma lista com os nomes dos artistas atentatórios, mas, para facilitar a fiscalização, Luiza sugere que os gestores públicos, no momento de contratação das bandas, estabeleçam cláusulas no contrato que proíbam a execução das tais canções ofensivas – que, a deputada lembra, abundam também no forró, vide Bomba no Cabaré, da Mastruz com Leite:
Jogaram uma bomba no cabaré... Voou pra todo canto pedaço de mulher. Foi tanto caco de puta voando pra todo lado. Dava pra apanhar de pá, de enxada e de colher! A votação do projeto de lei está prevista para o dia 26 deste mês, mas o resultado é imprevisível. Luiza diz estar sofrendo um
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verdadeiro “bombardeio” na Casa. “Foi muita chacota, muita piadinha de todos os lados”. De alguns parlamentares ouviu que o projeto era inconstitucional, de outros, que se tratava de censura. A resposta, para ambos os argumentos, ela tem na pontadalíngua.“Essaleiregulamentariao capítulo dos Direitos das Mulheres presente na Constituição baiana, que está aí há 20 anos para inglês ver. Lá está dito que o Estado deve impedir a veiculação de imagens que atentem contra a dignidade da mulher. E sobre essa questão da censura, fala-semuitonaliberdadedeexpressão,mas o direito individual não pode estar acima do coletivo”. Saindo dos corredores da Assembleia, o projeto virou acalorada discussão de botequim. Os cantores e compositores de pagode logo disseram-se vítimas de preconceito, e a deputada, como não seria difícil prever, acabou virando letra de... pagode. A música, batizada Vem pro meu mundo, é fruto da parceria entre Robsão, do Black Style, e Márcio Brasil, da banda O Troco:
A deputada quer barrar um gosto popular, mas não vai conseguir. Porque o povo não vai deixar (...). Vem pro meu mundo. Barrar o pagode é um absurdo. Eu disse ia, ia, eu sou fiel à putaria. Ia, ia, o meu pagode é alegria. Cadê a saúde?
Cadê a educação? Cadê a segurança? Quer barrar meu pagodão? Eu disse ia, ia, sou fiel à putaria Clebemilton Nascimento nunca foi pagodeiro, mas também diz ter sido discriminado desde que encasquetou de estudar o gênero.Osolharestortosvieramdemuitos de seus pares na universidade. “Não há muitos espaços acadêmicos que se abrem para acolher discussões como essa. As pessoas achavam o projeto interessante, mas nunca tinha ninguém para me orientar”. Acabou encontrando um lar no Neim (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher), da Ufba. Lá, tornou-se mestre no ano passado com a dissertação Entrelaçando Corpos e Letras: representações de gênero nos pagodes baianos. Estava interessado em descobrir por que a presença das mulheres é tão forte como temática das letras (foram objeto de mais de 75% das músicas estudadas) e qual era, afinal, a representação que advinha daí. Concluiu que, se “o panorama do pagode na Bahia é eminentemente heterogêneo, musicalmente falando, a investida sobre a mulher, sobre seu comportamento, é, na maioria das letras, desqualificadora, exigindo uma atitude submissa e demonizando as conquistas feministas, o que, como uma onda, vai penetrando nas camadas populares”. Em entrevista à Muito, Clebemilton rechaça a crença de alguns de que os fãs de pagode não estão ligando para o que está sendo dito na música. A prova maior é que o corpo sempre reproduz o que diz a letra. “Nenhum discurso é ideologicamente neutro. Embora o pagode seja um produto direcionado ao entretenimento, não está
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imune a isso. Há um sistema de opressão que se dá a partir dessas letras, e a linguagem verbal acaba, de alguma forma, legitimando a violência física”. Para o professor, a “objetificação do corpo” da mulher no pagode é tão intensa que não sobra espaço para outras representações. “O mais incrível é que o pagode nasce do povo, da periferia, mas, quando consegue penetrar num espaço mais dominante, não vai entrar como faziam os blocos afro, que tinham um discurso de afirmação da identidade étnico-racial. Eles vão entrar com um discurso extremamente conservador, machista”. Posto deste modo, é bastante previsível sua opinião sobre o PL Antibaixaria. “Sou favorável. Está se passando uma imagem de que o projeto está tentando censurar, e não é isso. O que se pretende é que o recurso público seja investido em bandas que não desqualifiquem a mulher”. Sua única preocupação é o que poderia acontecer depois da aprovação da lei. “Esses artistas teriam que passar por um julgamento, o que é sempre muito subjetivo. É um filtro muito complicado de resolver”. Outra questão que intriga o professor, e igualmente persiste sem resposta, é a razão que faz as mulheres se empenharem tanto nos shows em “encenar a própria desqualificação”. “A gente julga, mas não sabemos o que elas efetivamente pensam. Quando elas dançam como cachorras, talvezestejamdesconstruindoanormadominante, que as coloca no espaço do privado, do casamento, da maternidade. Então talvez ali seja um espaço de subversão”. E aí vem o conflito entre a cultura mais burguesa, “que censura esta mulher”, e a cultura afro-baiana, que a “acolhe, por não ver a sexualidade como um tabu”. Não é, então, uma postura paternalista doEstadoprotegermulherescrescidasein-
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trangimento”, o que acabou virando projeto de lei, batizado de PL Antibaixaria. Luiza, 59, casada com o prefeito de Camaçari, Luiz Caetano, aparece no seu gabinete na Assembleia carregando uma estrelinha dourada com o número 13 no pescoço e só começa a falar depois de passar hidratante nas mãos. Proclama-se feminista desde os 13 anos e diz que o projeto faz parte desta ideologia. “A violência não é só a porrada, o estupro. Há também a violência simbólica, que é mais difícil de abordar. Há uma campanha de dizer que nós somos objetos, que somos iguais a cadelas. Isso reforça uma situação de inferioridade em que a sociedade historicamente nos colocou. O primeiro passo é que o dinheiro público não financie essa desqualificação”. Pelo projeto, a Secretaria Estadual de Políticas para a Mulher apresentaria anualmente uma lista com os nomes dos artistas atentatórios, mas, para facilitar a fiscalização, Luiza sugere que os gestores públicos, no momento de contratação das bandas, estabeleçam cláusulas no contrato que proíbam a execução das tais canções ofensivas – que, a deputada lembra, abundam também no forró, vide Bomba no Cabaré, da Mastruz com Leite:
Jogaram uma bomba no cabaré... Voou pra todo canto pedaço de mulher. Foi tanto caco de puta voando pra todo lado. Dava pra apanhar de pá, de enxada e de colher! A votação do projeto de lei está prevista para o dia 26 deste mês, mas o resultado é imprevisível. Luiza diz estar sofrendo um
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verdadeiro “bombardeio” na Casa. “Foi muita chacota, muita piadinha de todos os lados”. De alguns parlamentares ouviu que o projeto era inconstitucional, de outros, que se tratava de censura. A resposta, para ambos os argumentos, ela tem na pontadalíngua.“Essaleiregulamentariao capítulo dos Direitos das Mulheres presente na Constituição baiana, que está aí há 20 anos para inglês ver. Lá está dito que o Estado deve impedir a veiculação de imagens que atentem contra a dignidade da mulher. E sobre essa questão da censura, fala-semuitonaliberdadedeexpressão,mas o direito individual não pode estar acima do coletivo”. Saindo dos corredores da Assembleia, o projeto virou acalorada discussão de botequim. Os cantores e compositores de pagode logo disseram-se vítimas de preconceito, e a deputada, como não seria difícil prever, acabou virando letra de... pagode. A música, batizada Vem pro meu mundo, é fruto da parceria entre Robsão, do Black Style, e Márcio Brasil, da banda O Troco:
A deputada quer barrar um gosto popular, mas não vai conseguir. Porque o povo não vai deixar (...). Vem pro meu mundo. Barrar o pagode é um absurdo. Eu disse ia, ia, eu sou fiel à putaria. Ia, ia, o meu pagode é alegria. Cadê a saúde?
Cadê a educação? Cadê a segurança? Quer barrar meu pagodão? Eu disse ia, ia, sou fiel à putaria Clebemilton Nascimento nunca foi pagodeiro, mas também diz ter sido discriminado desde que encasquetou de estudar o gênero.Osolharestortosvieramdemuitos de seus pares na universidade. “Não há muitos espaços acadêmicos que se abrem para acolher discussões como essa. As pessoas achavam o projeto interessante, mas nunca tinha ninguém para me orientar”. Acabou encontrando um lar no Neim (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher), da Ufba. Lá, tornou-se mestre no ano passado com a dissertação Entrelaçando Corpos e Letras: representações de gênero nos pagodes baianos. Estava interessado em descobrir por que a presença das mulheres é tão forte como temática das letras (foram objeto de mais de 75% das músicas estudadas) e qual era, afinal, a representação que advinha daí. Concluiu que, se “o panorama do pagode na Bahia é eminentemente heterogêneo, musicalmente falando, a investida sobre a mulher, sobre seu comportamento, é, na maioria das letras, desqualificadora, exigindo uma atitude submissa e demonizando as conquistas feministas, o que, como uma onda, vai penetrando nas camadas populares”. Em entrevista à Muito, Clebemilton rechaça a crença de alguns de que os fãs de pagode não estão ligando para o que está sendo dito na música. A prova maior é que o corpo sempre reproduz o que diz a letra. “Nenhum discurso é ideologicamente neutro. Embora o pagode seja um produto direcionado ao entretenimento, não está
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imune a isso. Há um sistema de opressão que se dá a partir dessas letras, e a linguagem verbal acaba, de alguma forma, legitimando a violência física”. Para o professor, a “objetificação do corpo” da mulher no pagode é tão intensa que não sobra espaço para outras representações. “O mais incrível é que o pagode nasce do povo, da periferia, mas, quando consegue penetrar num espaço mais dominante, não vai entrar como faziam os blocos afro, que tinham um discurso de afirmação da identidade étnico-racial. Eles vão entrar com um discurso extremamente conservador, machista”. Posto deste modo, é bastante previsível sua opinião sobre o PL Antibaixaria. “Sou favorável. Está se passando uma imagem de que o projeto está tentando censurar, e não é isso. O que se pretende é que o recurso público seja investido em bandas que não desqualifiquem a mulher”. Sua única preocupação é o que poderia acontecer depois da aprovação da lei. “Esses artistas teriam que passar por um julgamento, o que é sempre muito subjetivo. É um filtro muito complicado de resolver”. Outra questão que intriga o professor, e igualmente persiste sem resposta, é a razão que faz as mulheres se empenharem tanto nos shows em “encenar a própria desqualificação”. “A gente julga, mas não sabemos o que elas efetivamente pensam. Quando elas dançam como cachorras, talvezestejamdesconstruindoanormadominante, que as coloca no espaço do privado, do casamento, da maternidade. Então talvez ali seja um espaço de subversão”. E aí vem o conflito entre a cultura mais burguesa, “que censura esta mulher”, e a cultura afro-baiana, que a “acolhe, por não ver a sexualidade como um tabu”. Não é, então, uma postura paternalista doEstadoprotegermulherescrescidasein-
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Ginástica
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mulheres que querem
dependentes que estão pouco ou nada ofendidas com tais canções? “É uma questão que se coloca. Tenho certeza de que essas mulheres não ligam para isso. Quem se preocupa é parte do movimento feminista. Mas o importante é pensar nos efeitos para nossa cultura de manter a mulher nesse espaço de objetificação. E aí a lei cabe como medida protetiva”. A jornalista argentina Graciela Natansohn, professora da Faculdade de Comunicação da Ufba e que pesquisa relações de gênero, concorda. “O espírito do projeto é apenas ser coerente com políticas estatais de proteção à mulher. Se o Estado gasta dinheiro para desenvolver projetos de atendimento especializado, nada mais natural do que esse mesmo governo tome medidas culturais no sentido de reprimir manifestações de violência contra a mulher”. Apesar de não acompanhar de perto a cena do pagode na cidade – tirando as inevitáveis audiências públicas –, Graciela tem explicação para a participação das mulheres nos shows. “O machismo é uma ideologia que não tem sexo. Há mulheres e homens machistas. Nós temos a obrigação de discutir isso”.
FASCINANTE O maestro Fred Dantas é um entusiasta do pagode baiano. Ritmicamente, considera-o “fascinante”. “É a música mais viva, mais real. O axé está morrendo por falta de renovação, de ousadia. Parou no ai-ai-ai, ui-ui-ui. Os empresários não deixaram que aquela linha mais progressista que Daniela Mercury inaugurou com Feijão com Arroz evoluísse. Com o pagode, é o con-
trário. Está, cada dia mais, incorporando novas informações, sonoridades, soluções”. Ao ouvir distante a música A Revolta, de Raghatoni, teve uma visão. “É o nosso jazz, nosso blues, é a voz baiana”. Quando Fred começou a decifrar a letra, veio o “horror” diante de uma história “nada edificante”:
Aí, a sacanagem lá rolava, Fiquei maluco com tanta piriguete. O som do “ragha” que rolava. Uma subia, outra descia, o pau comia. E eu comendo minha água. Encontrei mais uns parceiros, torrei meu dinheiro e a hora passava... Olha que onda da zorra. Eu estava ali e a cabeça em casa, querendo logo chegar pra pegar minha negona e dar minha “porrada” Por essas e outras, acredita que o projeto da deputada Luiza Maia é bem-vindo. “Ela não pretende, como uma espécie de Hitler, proibir que se toque o pagode. Só quer impedir que as verbas dos nossos impostos sejam usadas para promover esse tipo
de coisa”. Fred acredita que tais composições se mantêm por conta de um imbricado “sistema mercantilista” que inclui empresários, radialistas e, claro, o gosto das pessoas. “Não há música que ganhe corpo sem a cumplicidade da população. Se, nos anos 1940, progrediu aquela coisa da dor de cotovelo, de Maysa, de chora para lá, chora para cá, é porque a população estava romântica. E a população de Salvador está se comportando como uma letra de pagode. Está ocupando as calçadas com churrasquinho de um real na jante, tomando cerveja, comendo rango de um real, suco e hambúrguer. A vida em Salvador está na promoção, por R$ 1,99”. E, se é assim, é até natural que o duplo sentido – tradição que acompanhaamúsicapopularbrasileiradesdequeosambaésamba – esteja dando lugar a uma linguagem cada vez mais direta, com referências explícitas à sexualidade. “É como diz Gerônimo. Um passo adiante vai ser simplesmente a prática de sexo no palco, ao vivo, com as pessoas aplaudindo embaixo. Além da coisa da sexualidade, há também uma apologia às drogas. Porque o camarada diz assim: ‘Pega o prato, faz a linha/ dá um tiro na farinha’ (da banda Klak-Bumm). Isso é apologia explícita ao uso de cocaína”. O maestro não considera que a discussão em torno do PL revive o eterno embate entre alta e baixa cultura. “Em comparação a isso, o samba de roda de Santo Amaro, o maculelê, qualquer atividade tradicional pode ser considerada alta cultura. O que há é uma sociedade que vive com uma perspectiva de vida muito curta, onde as pessoas são assassinadas e nada é apurado, onde a vida parece extremamente provisória... Embalando essa coisa toda tem a proliferaçãodasigrejasquepregamarealizaçãododesejoali,emcima da bucha. Você vai no pagode, realiza explicitamente todas aque-
surpreender.
Regina Racco estará ministrando em Salvador seu curso de sucesso absoluto em todo o Brasil.
As fotos desta matéria foram feitas durante show do grupo Saiddy Bamba, na casa de espetáculos The Best Beach, na Ribeira
Não perca a chance de aprender com a professora das estrelas, o melhor da ginástica íntima. CURSO DE GINÁSTICA ÍNTIMA COM AS TÉCNICAS DO POMPOARISMO
23/10 Pituba Plaza Hotel.
ÚNICA DATA
Promoção! Para este evento escolha seu Passaporte. Simples: 3x de R$ 33,00 Plus+: 3x de R$ 83,33
Contatos: (21)2447-2421/8477-2421 e-mail: pompoar@pompoarte.com.br
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dependentes que estão pouco ou nada ofendidas com tais canções? “É uma questão que se coloca. Tenho certeza de que essas mulheres não ligam para isso. Quem se preocupa é parte do movimento feminista. Mas o importante é pensar nos efeitos para nossa cultura de manter a mulher nesse espaço de objetificação. E aí a lei cabe como medida protetiva”. A jornalista argentina Graciela Natansohn, professora da Faculdade de Comunicação da Ufba e que pesquisa relações de gênero, concorda. “O espírito do projeto é apenas ser coerente com políticas estatais de proteção à mulher. Se o Estado gasta dinheiro para desenvolver projetos de atendimento especializado, nada mais natural do que esse mesmo governo tome medidas culturais no sentido de reprimir manifestações de violência contra a mulher”. Apesar de não acompanhar de perto a cena do pagode na cidade – tirando as inevitáveis audiências públicas –, Graciela tem explicação para a participação das mulheres nos shows. “O machismo é uma ideologia que não tem sexo. Há mulheres e homens machistas. Nós temos a obrigação de discutir isso”.
FASCINANTE O maestro Fred Dantas é um entusiasta do pagode baiano. Ritmicamente, considera-o “fascinante”. “É a música mais viva, mais real. O axé está morrendo por falta de renovação, de ousadia. Parou no ai-ai-ai, ui-ui-ui. Os empresários não deixaram que aquela linha mais progressista que Daniela Mercury inaugurou com Feijão com Arroz evoluísse. Com o pagode, é o con-
trário. Está, cada dia mais, incorporando novas informações, sonoridades, soluções”. Ao ouvir distante a música A Revolta, de Raghatoni, teve uma visão. “É o nosso jazz, nosso blues, é a voz baiana”. Quando Fred começou a decifrar a letra, veio o “horror” diante de uma história “nada edificante”:
Aí, a sacanagem lá rolava, Fiquei maluco com tanta piriguete. O som do “ragha” que rolava. Uma subia, outra descia, o pau comia. E eu comendo minha água. Encontrei mais uns parceiros, torrei meu dinheiro e a hora passava... Olha que onda da zorra. Eu estava ali e a cabeça em casa, querendo logo chegar pra pegar minha negona e dar minha “porrada” Por essas e outras, acredita que o projeto da deputada Luiza Maia é bem-vindo. “Ela não pretende, como uma espécie de Hitler, proibir que se toque o pagode. Só quer impedir que as verbas dos nossos impostos sejam usadas para promover esse tipo
de coisa”. Fred acredita que tais composições se mantêm por conta de um imbricado “sistema mercantilista” que inclui empresários, radialistas e, claro, o gosto das pessoas. “Não há música que ganhe corpo sem a cumplicidade da população. Se, nos anos 1940, progrediu aquela coisa da dor de cotovelo, de Maysa, de chora para lá, chora para cá, é porque a população estava romântica. E a população de Salvador está se comportando como uma letra de pagode. Está ocupando as calçadas com churrasquinho de um real na jante, tomando cerveja, comendo rango de um real, suco e hambúrguer. A vida em Salvador está na promoção, por R$ 1,99”. E, se é assim, é até natural que o duplo sentido – tradição que acompanhaamúsicapopularbrasileiradesdequeosambaésamba – esteja dando lugar a uma linguagem cada vez mais direta, com referências explícitas à sexualidade. “É como diz Gerônimo. Um passo adiante vai ser simplesmente a prática de sexo no palco, ao vivo, com as pessoas aplaudindo embaixo. Além da coisa da sexualidade, há também uma apologia às drogas. Porque o camarada diz assim: ‘Pega o prato, faz a linha/ dá um tiro na farinha’ (da banda Klak-Bumm). Isso é apologia explícita ao uso de cocaína”. O maestro não considera que a discussão em torno do PL revive o eterno embate entre alta e baixa cultura. “Em comparação a isso, o samba de roda de Santo Amaro, o maculelê, qualquer atividade tradicional pode ser considerada alta cultura. O que há é uma sociedade que vive com uma perspectiva de vida muito curta, onde as pessoas são assassinadas e nada é apurado, onde a vida parece extremamente provisória... Embalando essa coisa toda tem a proliferaçãodasigrejasquepregamarealizaçãododesejoali,emcima da bucha. Você vai no pagode, realiza explicitamente todas aque-
surpreender.
Regina Racco estará ministrando em Salvador seu curso de sucesso absoluto em todo o Brasil.
As fotos desta matéria foram feitas durante show do grupo Saiddy Bamba, na casa de espetáculos The Best Beach, na Ribeira
Não perca a chance de aprender com a professora das estrelas, o melhor da ginástica íntima. CURSO DE GINÁSTICA ÍNTIMA COM AS TÉCNICAS DO POMPOARISMO
23/10 Pituba Plaza Hotel.
ÚNICA DATA
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Contatos: (21)2447-2421/8477-2421 e-mail: pompoar@pompoarte.com.br
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las aberrações e depois dá um pulinho ali, dá 50 contos ao pastor e pronto. É a loteria da fé”. Contrário ao projeto de lei, o cantor e compositor Márcio Victor, do Psirico, defende a liberdade de expressão e também a de escolha. “Não precisa ter uma lei que proíba, porque isso lembra a ditadura, é um pensamento arcaico. Quem gosta de pagode, escolha as músicas que não têm esse apelo. Cada um ouve o que quer. Lá nos Estados Unidos, os rappers já cantam coisas muito piores”. Para ele, os políticos deveriam estar preocupados com outras questões. “A gente devia refazer todas as leis de assistência à mulher. Veja o Iperba, sempre lotado. É preciso respeitar as mulheres. Nem todo mundo no pagode aceita essa de ofender”. Apesar do discurso, Márcio admite que vez por outra canta as tais músicas ofensivas nosshows.“Tocosóalgumas,porqueopovo gosta. É a linguagem do povo”. Em entrevista por e-mail, Léo Santana, da banda Parangolé, que ganhou destaque nacional com as inocentes Rebolation e Tchubirabirom, não esclareceu se é a favor ou contra o PL Antibaixaria. “Tem gente que curte a dancinha, tem gente que curte o duplo sentido, tem gente que curte o axé. Tem gosto para tudo e espaço para todos, respeito e defendo o movimento do pagode. O Parangolé não canta duplo sentido, canto as músicas, mas mudo a letra. As mulheres merecem todo respeito e carinho. Sou um grande admirador das mulheres, porém Carnaval sem duplo sentido não será o mesmo”.
DANÇA DO BUMBUM Filhote tardio da chula e do samba de roda do Recôncavo, o pagode começou a ganhar força na Bahia com o grupo Gera Samba,rebatizado,nadécadade90,como
É o Tchan. Músicas como o megassucesso Dança do Bumbum, que instava as mulheres a balançarem “a poupancinha”, parecem hoje coisa de criança perto de Perereca Pisca, do Black Style:
Quando chego na boate Ela se excita, levanta a garrafa de uísque, a perereca dela Pisca, pisca, pisca, pisca, pisca Como lembra o pesquisador Clebemilton, se as décadas de 1960 e 1970 foram marcadas por “discursos contestatórios” – o que se refletia na produção musical dos tropicalistas e, posteriormente, no surgimento dos blocos afro, com maior expressão para o Ilê Aiyê –, hoje esse movimento está sendo esvaziado. O poeta e compositor José Carlos Capinan, militante do Centro Popular de Cultura da UNE, em sua época de estudante de direito da Ufba, lembra que é do tempo do “proibido proibir” e, portanto, tem certos receios em relação ao PL Antibaixaria. Não concorda com “censuras estéticas”, mas tampoucoapoiaqualquertipodeincentivo à violência. Há mais de dez anos lutando para ver nascer o Museu Nacional da Cultura Afro-brasileira, a verdade é que Capinan não encontra razão para o projeto ter-se cercado de tanto alvoroço. “Precisamos consagrar aquilo que trabalha para mudar esse contexto, para não ficar uma perseguição moralista, puritana. A gente precisa decretar mais escolas e educar pela arte, pela música, pela poesia. E aí vencer o negativo por essas afirmações”. «
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