Riachão

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SALVADOR DOMINGO 20/2/2011

VITÓRIA PITUBA MAGALHÃESNETO VILAS

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novaUNIDADEno

#151 / DOMINGO, 20 DE FEVEREIRO DE 2011 REVISTA SEMANAL DO GRUPO A TARDE

@acbeu

DECORAÇÃO GASTRONOMIA TECNOLOGIA MODA

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São70anossemnuncadeixardeseratual.Look: aquia metodologiadeensinorespeitaasindividualidadesepreparaoaluno parasecomunicarcomomundo.It’sgreat!Vocênãoaprende só oidioma,masentraemcontatocomacultura.OK,masnãoésóisso. Amelhorestruturaeosprofessoresmaispreparadostambémestão aqui.Got it?ÉporissoquequemfalabeminglêsfezACBEU, equemfazACBEUfalabeminglês.Come and see.

Senhor

SAMBA Riachão: nove décadas de vida e mais de meio século de música

LOJAS ALTERNATIVAS VINHOS «


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SALVADOR DOMINGO 20/2/2011

Retrato fiel da Bahia

SALVADOR DOMINGO 20/2/2011

Em novembro, Riachão faz 90 anos. Nem parece. Cantando pelas ruas da cidade, ele vai deixando suas dores para trás e seguindo sempre em frente Texto TATIANA MENDONÇA tmendonca@grupoatarde.com.br Fotos FERNANDO VIVAS fvivas@grupoatarde.com.br

N

os arredores do Teatro Castro Alves, no Campo Grande, um homem aguarda no ponto de ônibus. A bem dizer, está quase no meio da rua. Gasta o tempo da espera assoviando e cantando, com trejeitos de quem está no palco. Quem nada soubesse da Bahia, nem de samba, nem nunca tivesse ouvido falar de Riachão,aindaassimsaberiaquealiestava um artista. Boina na cabeça, toalhinha no pescoço, camisa estampada, calça social, anéis, colares, Clementino Rodrigues é um personagem de si mesmo. Jura que só anda assim arrumado quando está fazendo algo para o “lado artístico”, mas como não consegue separar Riachão de Clementino, a elegância e a malandragem não lhe escapamnemquandosaipararesolverchatices no banco. – É essa minha vida agora. Canto pela rua toda. O ônibus virou a rádio, meu programa agora é lá. Onde estou, estão me ouvindo, escutando e apreciando. É uma felicidade. Ali na Rua Chile, então, quando passo, as garotas batem foto, só vendo.

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Retrato fiel da Bahia

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Em novembro, Riachão faz 90 anos. Nem parece. Cantando pelas ruas da cidade, ele vai deixando suas dores para trás e seguindo sempre em frente Texto TATIANA MENDONÇA tmendonca@grupoatarde.com.br Fotos FERNANDO VIVAS fvivas@grupoatarde.com.br

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os arredores do Teatro Castro Alves, no Campo Grande, um homem aguarda no ponto de ônibus. A bem dizer, está quase no meio da rua. Gasta o tempo da espera assoviando e cantando, com trejeitos de quem está no palco. Quem nada soubesse da Bahia, nem de samba, nem nunca tivesse ouvido falar de Riachão,aindaassimsaberiaquealiestava um artista. Boina na cabeça, toalhinha no pescoço, camisa estampada, calça social, anéis, colares, Clementino Rodrigues é um personagem de si mesmo. Jura que só anda assim arrumado quando está fazendo algo para o “lado artístico”, mas como não consegue separar Riachão de Clementino, a elegância e a malandragem não lhe escapamnemquandosaipararesolverchatices no banco. – É essa minha vida agora. Canto pela rua toda. O ônibus virou a rádio, meu programa agora é lá. Onde estou, estão me ouvindo, escutando e apreciando. É uma felicidade. Ali na Rua Chile, então, quando passo, as garotas batem foto, só vendo.

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Em 14 de novembro, Riachão completa 90 anos. Olhando de perto, não dá nunca para acreditar, nem pela vitalidade, nem pela aparência. Só uma ou outra falha na memória cobram a idade. Na sua grande casa, no Garcia, os assovios de um samba antecedem sua presença. Tem por princípio cumprimentar primeiro as mulheres – a quem oferece balinhas trazidas numa folha de caderno amassada, “para adoçar a vida” – e só depois os homens. Sem shows ou programas que não os da rua – e sem as farras memoráveis que o arrastavam pelas madrugadas – passa o dia cuidando da roça no quintal de casa, onde cria galinhas e planta banana, quiabo, aipim. Se fosse escolher entre uma atividade e outra, era capaz de o samba perder. Desce de manhã, às 9h, e só retorna às 17h.

“HOMEM SOLTEIRO” O apreço por lavorar a terra vem de longe, desde os tempos do seu pai. Na sala, onde conversamos, era onde plantavam aipim. Também adorava ajudar a mãe, lavadeira, na lida. Como sempre faltava água, nem esperava ouvir o pedido para correr para a bica. Era a forma que tinha de “perambular sem levar carão”, e já aproveitava para cantar e batucar na lata. De uma foto na mesa de cabeceira do quarto, a mãe olha sempre por ele, ladeada por troféus, perfumes, remédios. O lamento de Riachão é não ter conseguido uma imagem do pai. – Procurei muito, fui até a Santo Amaro, onde ele nasceu, pra ver se encontrava, e nada. Quando novo não tive esse interesse, agora busco e não acho. Pede desculpas pela desorganização, avisa que ali agora é quarto de “homem solteiro”. Ao lado da cama fica uma televisãozinha, que diz que não assiste, um

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ventilador, as mesas de cabeceira e o guarda-roupa. Num outro canto, guarda as frutas que tira da roça, o que dá um aroma peculiar ao ambiente. Osambistavirouhomemsolteiroaos86 anos, quando perdeu sua estrela Dalva num acidente de trânsito no Rio de Janeiro, que também vitimou dois filhos, uma nora e um genro. A tristeza derrubou Riachão. Na Cantina da Lua, Clarindo Silva, amigo do cantor há 45 anos, lembra da angústia de vê-lo prostrado na cama. Foi visitá-lo e procurou meios de animá-lo: – Irmão, levanta essa cabeça! Nas conversas, pedia para que tentasse ver o lado bom da situação, a “bênção”: Riachão estaria na viagem, de última hora desistiu. Se tivesse vocação para sofrimento, talvez sucumbisse, mas não foi o caso. Jackson Paim, sobrinho e empresário do cantor,acreditaqueaserenidadequeaidade traz o tenha ajudado a superar a tragédia mais rapidamente. – Pensei que esse processo do meu tio fosse até mais demorado, mas talvez o fato de já ter acumulado tantas perdas fez com que ele superasse. Mas foi um golpe, e ele ainda sente. Ele e tia Dalva eram muito cúmplices. Ela só saía quando deixava tudo pronto para ele. O café, o almoço... Hoje, é a cunhada de Riachão e Jackson (a quem considera um filho) que cuidam das compras e dos afazeres domésticos. Por isso Riachão faz questão de avisá-lo: – Olhe, não estou tomando mais Coca-Cola, viu? Só Guaraná e Fanta. O sambista, cachaceiro assumido de outros tempos, agora só bebe refrigerante. Lembrar de Dalva e do acidente que o roubou “meia família” ainda o faz chorar, e ele sem motivo pede desculpas. – Ah, Dalvinha... Dona Dalvinha é um negócio sério (chora). Não repare não. Todo dia penso nela. E quando eu começo a

«É essa minha vida agora. Canto pela rua toda. O ônibus virou a rádio, meu programa agora é lá. Onde estou, estão me ouvindo, escutando e apreciando. É uma felicidade. Ali na Rua Chile, então, quando passo, as garotas batem foto, só vendo» Riachão

cantar, então... Tem uma que eu canto: Eu gosto dela / Amigo pode crer/ Amo bastante / Tenho o maior prazer / Não amo outra / Sei que estou com a razão / Meu coração faz tudo para não lhe perder / Eu gosto dela demais / Ela faz tudo para mim / Mulher assim desse jeitim / Nunca devia ter fim / Eu agradeço a meu Deus, o que ele arranjou pra mim / Mandou uma rosa tão linda / Pra enfeitar o meu jardim.

ÍCONE POP Numa cena do documentário Samba Riachão, de Jorge Alfredo – que em 2001 ganhou o prêmio de melhor filme no 34º Festival de Brasília – o sambista diz que “jovenzinho” gostava de ficar olhando para o céu, procurando qual seria a sua estrela: – Então tinham estrelas bonitas, da ma-

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O sambista diz que só se arruma assim para eventos do “lado artístico”


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Em 14 de novembro, Riachão completa 90 anos. Olhando de perto, não dá nunca para acreditar, nem pela vitalidade, nem pela aparência. Só uma ou outra falha na memória cobram a idade. Na sua grande casa, no Garcia, os assovios de um samba antecedem sua presença. Tem por princípio cumprimentar primeiro as mulheres – a quem oferece balinhas trazidas numa folha de caderno amassada, “para adoçar a vida” – e só depois os homens. Sem shows ou programas que não os da rua – e sem as farras memoráveis que o arrastavam pelas madrugadas – passa o dia cuidando da roça no quintal de casa, onde cria galinhas e planta banana, quiabo, aipim. Se fosse escolher entre uma atividade e outra, era capaz de o samba perder. Desce de manhã, às 9h, e só retorna às 17h.

“HOMEM SOLTEIRO” O apreço por lavorar a terra vem de longe, desde os tempos do seu pai. Na sala, onde conversamos, era onde plantavam aipim. Também adorava ajudar a mãe, lavadeira, na lida. Como sempre faltava água, nem esperava ouvir o pedido para correr para a bica. Era a forma que tinha de “perambular sem levar carão”, e já aproveitava para cantar e batucar na lata. De uma foto na mesa de cabeceira do quarto, a mãe olha sempre por ele, ladeada por troféus, perfumes, remédios. O lamento de Riachão é não ter conseguido uma imagem do pai. – Procurei muito, fui até a Santo Amaro, onde ele nasceu, pra ver se encontrava, e nada. Quando novo não tive esse interesse, agora busco e não acho. Pede desculpas pela desorganização, avisa que ali agora é quarto de “homem solteiro”. Ao lado da cama fica uma televisãozinha, que diz que não assiste, um

SALVADOR DOMINGO 20/2/2011

ventilador, as mesas de cabeceira e o guarda-roupa. Num outro canto, guarda as frutas que tira da roça, o que dá um aroma peculiar ao ambiente. Osambistavirouhomemsolteiroaos86 anos, quando perdeu sua estrela Dalva num acidente de trânsito no Rio de Janeiro, que também vitimou dois filhos, uma nora e um genro. A tristeza derrubou Riachão. Na Cantina da Lua, Clarindo Silva, amigo do cantor há 45 anos, lembra da angústia de vê-lo prostrado na cama. Foi visitá-lo e procurou meios de animá-lo: – Irmão, levanta essa cabeça! Nas conversas, pedia para que tentasse ver o lado bom da situação, a “bênção”: Riachão estaria na viagem, de última hora desistiu. Se tivesse vocação para sofrimento, talvez sucumbisse, mas não foi o caso. Jackson Paim, sobrinho e empresário do cantor,acreditaqueaserenidadequeaidade traz o tenha ajudado a superar a tragédia mais rapidamente. – Pensei que esse processo do meu tio fosse até mais demorado, mas talvez o fato de já ter acumulado tantas perdas fez com que ele superasse. Mas foi um golpe, e ele ainda sente. Ele e tia Dalva eram muito cúmplices. Ela só saía quando deixava tudo pronto para ele. O café, o almoço... Hoje, é a cunhada de Riachão e Jackson (a quem considera um filho) que cuidam das compras e dos afazeres domésticos. Por isso Riachão faz questão de avisá-lo: – Olhe, não estou tomando mais Coca-Cola, viu? Só Guaraná e Fanta. O sambista, cachaceiro assumido de outros tempos, agora só bebe refrigerante. Lembrar de Dalva e do acidente que o roubou “meia família” ainda o faz chorar, e ele sem motivo pede desculpas. – Ah, Dalvinha... Dona Dalvinha é um negócio sério (chora). Não repare não. Todo dia penso nela. E quando eu começo a

«É essa minha vida agora. Canto pela rua toda. O ônibus virou a rádio, meu programa agora é lá. Onde estou, estão me ouvindo, escutando e apreciando. É uma felicidade. Ali na Rua Chile, então, quando passo, as garotas batem foto, só vendo» Riachão

cantar, então... Tem uma que eu canto: Eu gosto dela / Amigo pode crer/ Amo bastante / Tenho o maior prazer / Não amo outra / Sei que estou com a razão / Meu coração faz tudo para não lhe perder / Eu gosto dela demais / Ela faz tudo para mim / Mulher assim desse jeitim / Nunca devia ter fim / Eu agradeço a meu Deus, o que ele arranjou pra mim / Mandou uma rosa tão linda / Pra enfeitar o meu jardim.

ÍCONE POP Numa cena do documentário Samba Riachão, de Jorge Alfredo – que em 2001 ganhou o prêmio de melhor filme no 34º Festival de Brasília – o sambista diz que “jovenzinho” gostava de ficar olhando para o céu, procurando qual seria a sua estrela: – Então tinham estrelas bonitas, da ma-

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O sambista diz que só se arruma assim para eventos do “lado artístico”


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OTTO TERRA / DIVULGAÇÃO

ARQUIVO A TARDE

«A cidade também mudou, virou metrópole, não admite mais um cronista como ele. Riachão pertence a uma cidade que é de outro tempo»

Na portaria do Desenbanco, funcionário. Com dona Ivone Lara; e levando um sambinha com dona Canô e Edite do Prato

– Ele fez um bilhete para eu ir na casa de Caetano e Gil, que era lánoRioVermelho,pertinhodaigreja.Estavamlácomumaequipe do Rio de Janeiro. Isso ele me deu na segunda-feira, quando foi no sábado eu me enchi de cachaça e fui pra lá (gargalha). Os meninos já me conheciam, disseram que foram macaco de auditório de Riachão na rádio. Cantei vários sambas, mas quando eu fiz Xô xuá / Cada macaco no seu galho / Xô xuá / Eu não me canso de falar / Xô xuá/ O meu galho é na Bahia / Xô xuá / O seu é em outro lugar... Menina, quando eu tô cantando só vejo um monte de dedão pra cima. Mas teve uma hora que eles não aguentaram mais e gritaram: ‘É essa, malandro, é essa!’

SORA MAIA / DIVULGAÇÃO

OTTO TERRA / DIVULGAÇÃO

Tuzé de Abreu, músico

drugada, a estrela Dalva, até chegar aquela que estava apagando e acendendo. Essa era a que eu mais ficava olhando. E dizia: será que essa é a minha? Sua trajetória acompanhou as estrelas que via no céu. O último acendimento luminoso foi esse, ser aplaudido de pé no Festival de Brasília, e o lançamento, no mesmo ano, do precioso CD Humanenochum (produzido pelos músicos Paquito e J. Velloso), com participações de Caetano Veloso, Carlinhos Brown, Tom Zé e Dona Ivone Lara, dentre outros. Em 2001, Riachão também cansou de aparecer na televisão ao lado de Cássia Eller, na gravação do Acústico MTV, em que ambos mandavam a nega ir morar com o diabo, que é imortal. Virou ícone pop. A movimentação em torno de Riachão interrompeu um ostracismo de quase três décadas, período em que trabalhou como contínuonoDesenbanco,depoisdofimdaRádioSociedade,em1971. Foiquandoseviufamoso,reconhecidoedesempregado.Ojeitofoi pedir ajuda ao amigo Antonio Carlos Magalhães, que já conhecia dos Diários Associados. – Quando a rádio acabou foi muito triste, mas aí eu achei Deus e ele, que fez uma carta e me mandou para o Desenbanco. Quando cheguei lá, as recepcionistas já foram dizendo (faz uma voz estridente): ‘Ele é o homem da baleia, canta pra gente’. Só vendo que alegria. Aí eu cantei Umbigão da Baleia, galinha assada (é sua forma de dizer ‘coisa e tal’). Gostava demais de trabalhar lá. Era uma união, um amor. Ia levar uns documentos e já chegava cantando. Ah, era uma festa. Otrabalhonobancorendeuoutrasalegrias,comooLPSonhode Malandro, de 1973, patrocinado pela empresa, e a gravação do sucesso Cada macaco no seu galho por Gilberto Gil e Caetano Veloso. Em 1972, eles voltaram do exílio e estavam à procura de um compositor baiano. Foi o “doutor Gadelha”, chefe de Riachão no banco e na época sogro dos músicos, quem deu o recado ao sambista e o aconselhou a procurar os rapazes.

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ABC Riachãonasceunumafamíliapobre.Opaieracarroceiro,amãe, como já se disse, lavadeira. Tiveram sete filhos, Clementino era o mais novo entre os homens. Quando passava pela Rua Chile, via os brinquedos que não podia comprar. As aulas na casa da vizinha, onde aprendeu o “ABC, uma coisinha boba”, foram sua escola. – A pobreza era tamanha, mas era tudo amor, fofinha, tudo amor. Quando o repórter me pergunta qual é a diferença do meu tempo para o de hoje eu digo: falta de amor no coração das pessoas. É a única resposta que eu tenho. Ganhou o apelido porque tinha fama de brigador. Tamanha era a valentia que o perguntavam: ‘Você é algum riachão que não se possa atravessar?’. Começou a trabalhar como aprendiz de alfaiate aos 12 anos, no Comércio, mas antes disso, aos 9, já cantava nos ternos de Reis, festas e funerais. Conta que deu para fazer samba (todosenviadosporJesus,seu“parceiro”)quandoofendeu-secom um jornal em que se lia: “Se o Rio não escrever, a Bahia não canta”. Pois fez mais de “500 músicas”, mas como não anota, muitas já se perderam na memória. Aos 20, apresentou-se na Rádio Sociedade, em busca de uma chance. Juntou-se a um companheiro e foi lá cantar música sertaneja. O diretor não aceitou, disse que estavam precisando de uma mulher. Para Riachão, a justificativa foi “machucante”. Mas ele voltou, e como o diretor já era outro, conseguiu ser empregado. Por conta das farras dos companheiros, que muitas vezes faltavam às apresentações, Riachão passou a cantar só. Fez sucesso com músicas inspiradas em acontecimentos marcantes de Salvador, ganhando a alcunha de Cronista Musical da Cidade. Um dos episódios que mais felicidade lhe deu foi a chegada, em 1959, de uma baleia à Praça da Sé. Estava saindo da Carlos Gomes, ondenaépocafuncionavaarádio,quandodelongeviuamultidão. Era por causa da tal baleia trazida por um americano. Para ver o

No palco, vigor de menino e visual estudado de malandro


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OTTO TERRA / DIVULGAÇÃO

ARQUIVO A TARDE

«A cidade também mudou, virou metrópole, não admite mais um cronista como ele. Riachão pertence a uma cidade que é de outro tempo»

Na portaria do Desenbanco, funcionário. Com dona Ivone Lara; e levando um sambinha com dona Canô e Edite do Prato

– Ele fez um bilhete para eu ir na casa de Caetano e Gil, que era lánoRioVermelho,pertinhodaigreja.Estavamlácomumaequipe do Rio de Janeiro. Isso ele me deu na segunda-feira, quando foi no sábado eu me enchi de cachaça e fui pra lá (gargalha). Os meninos já me conheciam, disseram que foram macaco de auditório de Riachão na rádio. Cantei vários sambas, mas quando eu fiz Xô xuá / Cada macaco no seu galho / Xô xuá / Eu não me canso de falar / Xô xuá/ O meu galho é na Bahia / Xô xuá / O seu é em outro lugar... Menina, quando eu tô cantando só vejo um monte de dedão pra cima. Mas teve uma hora que eles não aguentaram mais e gritaram: ‘É essa, malandro, é essa!’

SORA MAIA / DIVULGAÇÃO

OTTO TERRA / DIVULGAÇÃO

Tuzé de Abreu, músico

drugada, a estrela Dalva, até chegar aquela que estava apagando e acendendo. Essa era a que eu mais ficava olhando. E dizia: será que essa é a minha? Sua trajetória acompanhou as estrelas que via no céu. O último acendimento luminoso foi esse, ser aplaudido de pé no Festival de Brasília, e o lançamento, no mesmo ano, do precioso CD Humanenochum (produzido pelos músicos Paquito e J. Velloso), com participações de Caetano Veloso, Carlinhos Brown, Tom Zé e Dona Ivone Lara, dentre outros. Em 2001, Riachão também cansou de aparecer na televisão ao lado de Cássia Eller, na gravação do Acústico MTV, em que ambos mandavam a nega ir morar com o diabo, que é imortal. Virou ícone pop. A movimentação em torno de Riachão interrompeu um ostracismo de quase três décadas, período em que trabalhou como contínuonoDesenbanco,depoisdofimdaRádioSociedade,em1971. Foiquandoseviufamoso,reconhecidoedesempregado.Ojeitofoi pedir ajuda ao amigo Antonio Carlos Magalhães, que já conhecia dos Diários Associados. – Quando a rádio acabou foi muito triste, mas aí eu achei Deus e ele, que fez uma carta e me mandou para o Desenbanco. Quando cheguei lá, as recepcionistas já foram dizendo (faz uma voz estridente): ‘Ele é o homem da baleia, canta pra gente’. Só vendo que alegria. Aí eu cantei Umbigão da Baleia, galinha assada (é sua forma de dizer ‘coisa e tal’). Gostava demais de trabalhar lá. Era uma união, um amor. Ia levar uns documentos e já chegava cantando. Ah, era uma festa. Otrabalhonobancorendeuoutrasalegrias,comooLPSonhode Malandro, de 1973, patrocinado pela empresa, e a gravação do sucesso Cada macaco no seu galho por Gilberto Gil e Caetano Veloso. Em 1972, eles voltaram do exílio e estavam à procura de um compositor baiano. Foi o “doutor Gadelha”, chefe de Riachão no banco e na época sogro dos músicos, quem deu o recado ao sambista e o aconselhou a procurar os rapazes.

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ABC Riachãonasceunumafamíliapobre.Opaieracarroceiro,amãe, como já se disse, lavadeira. Tiveram sete filhos, Clementino era o mais novo entre os homens. Quando passava pela Rua Chile, via os brinquedos que não podia comprar. As aulas na casa da vizinha, onde aprendeu o “ABC, uma coisinha boba”, foram sua escola. – A pobreza era tamanha, mas era tudo amor, fofinha, tudo amor. Quando o repórter me pergunta qual é a diferença do meu tempo para o de hoje eu digo: falta de amor no coração das pessoas. É a única resposta que eu tenho. Ganhou o apelido porque tinha fama de brigador. Tamanha era a valentia que o perguntavam: ‘Você é algum riachão que não se possa atravessar?’. Começou a trabalhar como aprendiz de alfaiate aos 12 anos, no Comércio, mas antes disso, aos 9, já cantava nos ternos de Reis, festas e funerais. Conta que deu para fazer samba (todosenviadosporJesus,seu“parceiro”)quandoofendeu-secom um jornal em que se lia: “Se o Rio não escrever, a Bahia não canta”. Pois fez mais de “500 músicas”, mas como não anota, muitas já se perderam na memória. Aos 20, apresentou-se na Rádio Sociedade, em busca de uma chance. Juntou-se a um companheiro e foi lá cantar música sertaneja. O diretor não aceitou, disse que estavam precisando de uma mulher. Para Riachão, a justificativa foi “machucante”. Mas ele voltou, e como o diretor já era outro, conseguiu ser empregado. Por conta das farras dos companheiros, que muitas vezes faltavam às apresentações, Riachão passou a cantar só. Fez sucesso com músicas inspiradas em acontecimentos marcantes de Salvador, ganhando a alcunha de Cronista Musical da Cidade. Um dos episódios que mais felicidade lhe deu foi a chegada, em 1959, de uma baleia à Praça da Sé. Estava saindo da Carlos Gomes, ondenaépocafuncionavaarádio,quandodelongeviuamultidão. Era por causa da tal baleia trazida por um americano. Para ver o

No palco, vigor de menino e visual estudado de malandro


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SALVADOR DOMINGO 20/2/2011

SALVADOR DOMINGO 20/2/2011

«Suas músicas são antológicas. Se fosse autoridade, erguia uma estátua em homenagem a Riachão. É graças à resistência de figuras como ele que o samba sobrevive»

Solidão: “Se não fosse a beleza do sol e do céu, não sei o que seria de mim”

Clarindo Silva, dono da Cantina da Lua

bicho, disse a um soldado que era da imprensa. Ao avistar aquela imensidão de peixe, ficou assombrado. – Daqui a pouco a música estava pronta no juízo. E eu falei para os companheiros: ‘Amigos, está chegando a música para a baleia’. E era assim: Olha eu fui para cidade despreocupado / Quando cheguei na serra vi um povoado / Oi minha gente fiz um perguntado / Responderam que a baleia que tinha chegado / Eu vi o caminhão da baleia /Tambémviocabeçãodabaleia/Olhaeuvi o barrigão da baleia / Eu também vi umbigão da baleia / Mas eu vi foi o rabão da baleia / Eu só não vi aquela coisa (vixi) da baleia. As crianças caíram apaixonadas, choravam em casa para ver o “homem da baleia”. Riachão conta que por três programas os pais sucumbiram às súplicas dos filhos, mas ele só apareceu no último. – Quando eu cheguei e vi aquela multidão na porta – porque ficou todo mundo com medo de entrar no auditório, e eu não aparecer – mas só você vendo... Foi um tal de beijar criança, abraçar criança. E eu cantando... Ô minha fofa, que alegria! Também fez música quando a rainha Elizabeth II visitou Salvador, em 1968; quando um incêndio destruiu o Mercado Modelo, no ano seguinte; quando um pinguim chegou à praia e quando uma onça fugiu do zoológico, dentre muitos outros causos

que acabaram em samba. O músico Tuzé de Abreu, que conhece Riachão há mais de 40 anos, acredita que ninguém ocupou seu lugar de cronista. – Talvez o pessoal do rock faça um pouco isso, Tom Zé também, mas como Riachão fazia,nãotemninguém.Oqueaconteceué que a cidade também mudou, virou uma metrópole, não admite mais um cronista como ele. Riachão pertence a uma cidade que não é esta, é de outro tempo. TuzécostumavaouvirRiachãonorádioe nas festas da mocidade. Nas serestas que fazia na ilha, cansava de cantar Umbigão da Baleia. Era um de seus sucessos. Depois, profissionalmente, tocou com o sambista inúmeras vezes. – Ele é um ator, um personagem 24h por dia. Riachão é um clichê dele mesmo. Para Tuzé, Riachão ocupa um lugar “singular” na história do samba baiano: –Oestilodecompordeleémuitoespontâneo. Para quem é mais sofisticado, suas composições podem parecer ingênuas, mas ele é um elo importantíssimo na história do samba da Bahia. Riachão é singular, não parece ter influência de ninguém. Você reconhece as referências quando ouve Edil Pacheco, Nelson Rufino, Roque Ferreira, mas Riachão, não. Falando com você agora me veio que talvez uma influência que a gente possa apontar nele é o das marchinhas de Carnaval cariocas.

A cantora Mariene de Castro, que volta e meia convida Riachão para os seus shows e ensaios, o tem como mestre. – Ele vai e é sempre um arraso. É um artista espetacular, nato. Está sempre arrumado, cantando e batendo na caixinha de fósforo... Ele devia ser mais falado, mais homenageado em vida, porque o samba da Bahia deve muito a Riachão.

SENSIBILIDADE Com o fim da Rádio Sociedade, parte da fama de Riachão se foi. Apagou-se a estrela. Ele não se adaptou aos programas de televisão, ou a televisão foi quem não quis saber dele. Depois da temporada no Desenbanco e da retomada da carreira em 2001, Riachão fez shows pelo Brasil e alguns no exterior. Foi para a Alemanha, Paris, Cuba (amou a ilha, “Ave Maria”). O último show de Riachão foi em setembro do ano passado, quando foi cantar na Cantina da Lua, onde, por homenagem do amigo Clarindo, é até nome de rua: – Suas músicas são antológicas, daqui a 500 anos alguém vai cantá-las. Se fosse autoridade, erguia uma estátua em homenagem a Riachão. É graças à resistência de figuras como ele que o samba sobrevive. Clarindo diz que Riachão é uma pessoa de difícil convívio, por conta do seu temperamento “muito sensível”, mas se orgulha de nunca ter brigado com ele.

A amiga e sambista Claudete Macedo, que conheceu Riachão na Rádio Sociedade, já se desentendeu com ele por causa de uma paquera que ela declinou, mas isso ficou no passado. Hoje são bons parceiros. – Gosto de todas as músicas dele. Para o que precisar, estamos aí. Estou sempre colada com Riacha. Riacha é minha vida. Na copa de casa, o sambista insiste que se aceite o lanche: bananas da sua roça e refrigerantes. Nesse momento, Riachão vai abandonando Clementino. A mão de quem trabalha na terra treme ao segurar o copo de vidro, os sambas alegres vão se sumindo. Lembra das agruras que inevitavelmente se acumulam em quase 90 anos de vida. Entre os dissabores não parece ter mais dinheiro, ou ser mais famoso. – Com a música não se ganha dinheiro. Quando você sai para fazer um show é que se ganha melhor... Na rádio era só um salário que se pagava, mas de qualquer maneira servia. Ficava contente. Sempre me conformei com tudo. Deus me ajudou, e o pouco se tornava muito. Riachão fala sempre em Deus, mas não vai mais em igreja. Hoje diz que sua religião é a terra, o céu, a lua e as estrelas. – A religião tem os homens que são as cabeças. E a gente vê certas coisas no meio deles... Se faltar amor e consciência, faltou Deus. Se não fosse a beleza do sol e do céu, não sei o que seria de mim. «

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«Suas músicas são antológicas. Se fosse autoridade, erguia uma estátua em homenagem a Riachão. É graças à resistência de figuras como ele que o samba sobrevive»

Solidão: “Se não fosse a beleza do sol e do céu, não sei o que seria de mim”

Clarindo Silva, dono da Cantina da Lua

bicho, disse a um soldado que era da imprensa. Ao avistar aquela imensidão de peixe, ficou assombrado. – Daqui a pouco a música estava pronta no juízo. E eu falei para os companheiros: ‘Amigos, está chegando a música para a baleia’. E era assim: Olha eu fui para cidade despreocupado / Quando cheguei na serra vi um povoado / Oi minha gente fiz um perguntado / Responderam que a baleia que tinha chegado / Eu vi o caminhão da baleia /Tambémviocabeçãodabaleia/Olhaeuvi o barrigão da baleia / Eu também vi umbigão da baleia / Mas eu vi foi o rabão da baleia / Eu só não vi aquela coisa (vixi) da baleia. As crianças caíram apaixonadas, choravam em casa para ver o “homem da baleia”. Riachão conta que por três programas os pais sucumbiram às súplicas dos filhos, mas ele só apareceu no último. – Quando eu cheguei e vi aquela multidão na porta – porque ficou todo mundo com medo de entrar no auditório, e eu não aparecer – mas só você vendo... Foi um tal de beijar criança, abraçar criança. E eu cantando... Ô minha fofa, que alegria! Também fez música quando a rainha Elizabeth II visitou Salvador, em 1968; quando um incêndio destruiu o Mercado Modelo, no ano seguinte; quando um pinguim chegou à praia e quando uma onça fugiu do zoológico, dentre muitos outros causos

que acabaram em samba. O músico Tuzé de Abreu, que conhece Riachão há mais de 40 anos, acredita que ninguém ocupou seu lugar de cronista. – Talvez o pessoal do rock faça um pouco isso, Tom Zé também, mas como Riachão fazia,nãotemninguém.Oqueaconteceué que a cidade também mudou, virou uma metrópole, não admite mais um cronista como ele. Riachão pertence a uma cidade que não é esta, é de outro tempo. TuzécostumavaouvirRiachãonorádioe nas festas da mocidade. Nas serestas que fazia na ilha, cansava de cantar Umbigão da Baleia. Era um de seus sucessos. Depois, profissionalmente, tocou com o sambista inúmeras vezes. – Ele é um ator, um personagem 24h por dia. Riachão é um clichê dele mesmo. Para Tuzé, Riachão ocupa um lugar “singular” na história do samba baiano: –Oestilodecompordeleémuitoespontâneo. Para quem é mais sofisticado, suas composições podem parecer ingênuas, mas ele é um elo importantíssimo na história do samba da Bahia. Riachão é singular, não parece ter influência de ninguém. Você reconhece as referências quando ouve Edil Pacheco, Nelson Rufino, Roque Ferreira, mas Riachão, não. Falando com você agora me veio que talvez uma influência que a gente possa apontar nele é o das marchinhas de Carnaval cariocas.

A cantora Mariene de Castro, que volta e meia convida Riachão para os seus shows e ensaios, o tem como mestre. – Ele vai e é sempre um arraso. É um artista espetacular, nato. Está sempre arrumado, cantando e batendo na caixinha de fósforo... Ele devia ser mais falado, mais homenageado em vida, porque o samba da Bahia deve muito a Riachão.

SENSIBILIDADE Com o fim da Rádio Sociedade, parte da fama de Riachão se foi. Apagou-se a estrela. Ele não se adaptou aos programas de televisão, ou a televisão foi quem não quis saber dele. Depois da temporada no Desenbanco e da retomada da carreira em 2001, Riachão fez shows pelo Brasil e alguns no exterior. Foi para a Alemanha, Paris, Cuba (amou a ilha, “Ave Maria”). O último show de Riachão foi em setembro do ano passado, quando foi cantar na Cantina da Lua, onde, por homenagem do amigo Clarindo, é até nome de rua: – Suas músicas são antológicas, daqui a 500 anos alguém vai cantá-las. Se fosse autoridade, erguia uma estátua em homenagem a Riachão. É graças à resistência de figuras como ele que o samba sobrevive. Clarindo diz que Riachão é uma pessoa de difícil convívio, por conta do seu temperamento “muito sensível”, mas se orgulha de nunca ter brigado com ele.

A amiga e sambista Claudete Macedo, que conheceu Riachão na Rádio Sociedade, já se desentendeu com ele por causa de uma paquera que ela declinou, mas isso ficou no passado. Hoje são bons parceiros. – Gosto de todas as músicas dele. Para o que precisar, estamos aí. Estou sempre colada com Riacha. Riacha é minha vida. Na copa de casa, o sambista insiste que se aceite o lanche: bananas da sua roça e refrigerantes. Nesse momento, Riachão vai abandonando Clementino. A mão de quem trabalha na terra treme ao segurar o copo de vidro, os sambas alegres vão se sumindo. Lembra das agruras que inevitavelmente se acumulam em quase 90 anos de vida. Entre os dissabores não parece ter mais dinheiro, ou ser mais famoso. – Com a música não se ganha dinheiro. Quando você sai para fazer um show é que se ganha melhor... Na rádio era só um salário que se pagava, mas de qualquer maneira servia. Ficava contente. Sempre me conformei com tudo. Deus me ajudou, e o pouco se tornava muito. Riachão fala sempre em Deus, mas não vai mais em igreja. Hoje diz que sua religião é a terra, o céu, a lua e as estrelas. – A religião tem os homens que são as cabeças. E a gente vê certas coisas no meio deles... Se faltar amor e consciência, faltou Deus. Se não fosse a beleza do sol e do céu, não sei o que seria de mim. «

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