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SALVADOR DOMINGO 3/4/2016
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Salve,
Deus Vestidos bordados, luvas e véus no ritual do Turigano
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Texto TATIANA MENDONÇA tatianam@gmail.com Fotos LÚCIO TÁVORA luciotavora@gmail.com
Com referências que vão de entidades egípcias a seres extraterrestres, a doutrina do Vale do Amanhecer tem 800 templos no mundo, 28 deles na Bahia
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Salve,
Deus Vestidos bordados, luvas e véus no ritual do Turigano
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Texto TATIANA MENDONÇA tatianam@gmail.com Fotos LÚCIO TÁVORA luciotavora@gmail.com
Com referências que vão de entidades egípcias a seres extraterrestres, a doutrina do Vale do Amanhecer tem 800 templos no mundo, 28 deles na Bahia
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esde que o mundo é mundo, os homens buscam alento. Um jeito de se apaziguar é tentar contato com os que estiveram aqui antes, para que assim estejamos todos um pouco salvos da dor e da morte. No Vale do Amanhecer, doutrina criada em 1969 pela sergipana Neiva Chaves Zelaya, as ajudas vêm de espíritos “veteranos” que andam pela Terra há pelo menos 19 encarnações. É tanto tempo que, ao pisar pela primeira vez num templo da religião, o olhar é de estranheza. As mulheres usam longos vestidos cheios de bordados, com direito a luvas e véus. Os homens vestem calças e camisas sociais, coletes e, eventualmente, capas. O colorido acompanha todos os cantos do templo. Uma grande estrela recebe quem chega, ao verso da qual se lê: “Filhos! O homem que tentar fugir de sua meta cármica ou juras transcendentais será devorado ou se perderá como um pássaro que tenta voar na escuridão da noite”. Aos não iniciados, é fácil perder-se nas múltiplas referências do Vale. Há representações de pretos velhos, caboclos, orixás, ciganas, entidades egípcias e orientais. Em destaque, imagens de tia Neiva, que morreu em 1985 e teria sido Cleópatra em outra encarnação; de pai Seta Branca, ali representado como um cacique inca, mas que antes esteve na Terra como Francisco de Assis; e de
Turigano, cerimônia que recria episódio espartano
Jesus Cristo, este que dispensa apresentações, altivo em versão “Caminheiro”. “Não cultuamos o Jesus crucificado para não inspirar olhares de pena”, diz Manuel Silva, 76. Foi ele o responsável por trazer a doutrina, fundada em Brasília, para a Bahia. O potiguar veio para cá em 1980, seguindo uma orientação de tia Neiva, com quem conviveu de maneira próxima. “Ela dizia que queria falar comigo e me deixava lá no pé dela, vendo os atendimentos. Quando eu fazia que ia embora, ela pedia para eu esperar um pouco mais. Na verdade, não queria me dizer nada, era só para eu ficar ali observando”. ManuelabriuoprimeirotemploemBarreiras em 1980. Três anos depois, veio para Salvador, onde fundou o Templo Jurumê do Amanhecer, que fica em Areia Branca. No final de março, ele viaja para a Itália, para tomar as últimas providências na abertura do templo de lá. A Itália será o sé-
timo país para onde a doutrina genuinamente brasileira irá se expandir. Ao todo, são cerca de 800 templos, 28 deles na Bahia, cinco em Salvador. O Vale do Amanhecer define-se como uma doutrina espiritualista cristã, mas abarca pitadas de um tudo, passando até por extraterrestres. Para seus seguidores, o “relacionamento interplanetário” é coisa “natural”. Chamam de Capela o conjunto planetáriodeondeviemoseparaondevoltaremos. Mestre Manuel não gosta muito de render este tema e prefere falar em planos evolutivos. “O que importa mesmo é amar uns aos outros e fazer o bem, aconteça o que acontecer”. Nos arredores do Jurumê vivem muitos adeptos da doutrina, que cumprimentam-se com a frase “Salve, Deus”. Ali ainda há uma lanchonete para alimentar o corpo e uma oficina de costura, onde são feitas as roupas usadas no templo. Tem vestido que
Estrela do tempo; tronos onde são realizadas consultas espirituais; e mestre Manuel Silva, 76, que trouxe a doutrina para a Bahia
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chega a custar R$ 880. Ângela Maria Lima, 60, é a responsável pelo serviço. Segue à risca às orientações espirituais de como as peças devem ser feitas. Ela conheceu a religião como muitos ali, numa história que se repete como se fosse ensaiada – algo dói sem que bastem os confortos usuais. Seu filho é esquizofrênico, Ângela não achava que os tratamentos médicos estavam dando jeito. Diz que hoje ele está melhor. “Não existe cura espiritual mais completa do que essa aqui do Vale”.
PRONTO-SOCORRO A arquiteta Dária Gueblas, 35, integra a doutrina há oito anos. Estava passando por problemas no casamento e resolveu aceitar o convite de uma amiga para ir até o templo. Mal chegou, já quis ir embora. “No primeiro impacto, você não consegue absorver tanta coisa”. No dia seguinte, sentiu uma energia boa que a fez voltar. “Já acordei em paz”. Para ela, o Vale é como um “pronto-socorro espiritual”.Aosdomingos,amédiumpõeseuvestidopretoenfeitado para participar do ritual do Turigano. A cerimônia recria um pretenso episódio espartano. Ela segurava um iPhone para marcar o tempo que seus irmãos de fé ficavam na “cabala”, espécie de cabine de incorporação. A que ela guarda é onde incorporam mãe Iemanjá. Cada um tinha 15 minutos. Para permanecer na doutri-
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esde que o mundo é mundo, os homens buscam alento. Um jeito de se apaziguar é tentar contato com os que estiveram aqui antes, para que assim estejamos todos um pouco salvos da dor e da morte. No Vale do Amanhecer, doutrina criada em 1969 pela sergipana Neiva Chaves Zelaya, as ajudas vêm de espíritos “veteranos” que andam pela Terra há pelo menos 19 encarnações. É tanto tempo que, ao pisar pela primeira vez num templo da religião, o olhar é de estranheza. As mulheres usam longos vestidos cheios de bordados, com direito a luvas e véus. Os homens vestem calças e camisas sociais, coletes e, eventualmente, capas. O colorido acompanha todos os cantos do templo. Uma grande estrela recebe quem chega, ao verso da qual se lê: “Filhos! O homem que tentar fugir de sua meta cármica ou juras transcendentais será devorado ou se perderá como um pássaro que tenta voar na escuridão da noite”. Aos não iniciados, é fácil perder-se nas múltiplas referências do Vale. Há representações de pretos velhos, caboclos, orixás, ciganas, entidades egípcias e orientais. Em destaque, imagens de tia Neiva, que morreu em 1985 e teria sido Cleópatra em outra encarnação; de pai Seta Branca, ali representado como um cacique inca, mas que antes esteve na Terra como Francisco de Assis; e de
Turigano, cerimônia que recria episódio espartano
Jesus Cristo, este que dispensa apresentações, altivo em versão “Caminheiro”. “Não cultuamos o Jesus crucificado para não inspirar olhares de pena”, diz Manuel Silva, 76. Foi ele o responsável por trazer a doutrina, fundada em Brasília, para a Bahia. O potiguar veio para cá em 1980, seguindo uma orientação de tia Neiva, com quem conviveu de maneira próxima. “Ela dizia que queria falar comigo e me deixava lá no pé dela, vendo os atendimentos. Quando eu fazia que ia embora, ela pedia para eu esperar um pouco mais. Na verdade, não queria me dizer nada, era só para eu ficar ali observando”. ManuelabriuoprimeirotemploemBarreiras em 1980. Três anos depois, veio para Salvador, onde fundou o Templo Jurumê do Amanhecer, que fica em Areia Branca. No final de março, ele viaja para a Itália, para tomar as últimas providências na abertura do templo de lá. A Itália será o sé-
timo país para onde a doutrina genuinamente brasileira irá se expandir. Ao todo, são cerca de 800 templos, 28 deles na Bahia, cinco em Salvador. O Vale do Amanhecer define-se como uma doutrina espiritualista cristã, mas abarca pitadas de um tudo, passando até por extraterrestres. Para seus seguidores, o “relacionamento interplanetário” é coisa “natural”. Chamam de Capela o conjunto planetáriodeondeviemoseparaondevoltaremos. Mestre Manuel não gosta muito de render este tema e prefere falar em planos evolutivos. “O que importa mesmo é amar uns aos outros e fazer o bem, aconteça o que acontecer”. Nos arredores do Jurumê vivem muitos adeptos da doutrina, que cumprimentam-se com a frase “Salve, Deus”. Ali ainda há uma lanchonete para alimentar o corpo e uma oficina de costura, onde são feitas as roupas usadas no templo. Tem vestido que
Estrela do tempo; tronos onde são realizadas consultas espirituais; e mestre Manuel Silva, 76, que trouxe a doutrina para a Bahia
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chega a custar R$ 880. Ângela Maria Lima, 60, é a responsável pelo serviço. Segue à risca às orientações espirituais de como as peças devem ser feitas. Ela conheceu a religião como muitos ali, numa história que se repete como se fosse ensaiada – algo dói sem que bastem os confortos usuais. Seu filho é esquizofrênico, Ângela não achava que os tratamentos médicos estavam dando jeito. Diz que hoje ele está melhor. “Não existe cura espiritual mais completa do que essa aqui do Vale”.
PRONTO-SOCORRO A arquiteta Dária Gueblas, 35, integra a doutrina há oito anos. Estava passando por problemas no casamento e resolveu aceitar o convite de uma amiga para ir até o templo. Mal chegou, já quis ir embora. “No primeiro impacto, você não consegue absorver tanta coisa”. No dia seguinte, sentiu uma energia boa que a fez voltar. “Já acordei em paz”. Para ela, o Vale é como um “pronto-socorro espiritual”.Aosdomingos,amédiumpõeseuvestidopretoenfeitado para participar do ritual do Turigano. A cerimônia recria um pretenso episódio espartano. Ela segurava um iPhone para marcar o tempo que seus irmãos de fé ficavam na “cabala”, espécie de cabine de incorporação. A que ela guarda é onde incorporam mãe Iemanjá. Cada um tinha 15 minutos. Para permanecer na doutri-
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outros que aconselham com a voz normalzinha mesmo. Para uma criança, uma entidade recomendou que fosse obediente, para uma mulher, que levantasse a cabeça e buscasse seu caminho. A dona de casa Estelina Silva, 50, está sempre no Jurumê. Passava por uma “situação desagradável” e resolveu atender aos insistentes pedidos da filha, que é da doutrina, para ir ao Vale. “Vim e gostei. Tira as energias negativas, sabe? É uma paz. Vá também! Você vai ficar maravilhosa”. Minha intenção era ficar quietinha anotando,masacabeimeconvencendodeque ir serviria para isso daqui. Diga seu nome completo e sua idade. O médium se apresenta e começa a disparar aconselhamen-
na, Dária aceitou o conselho de parar de beber. “Foi a melhor escolha que fiz. Aqui encontrei equilíbrio para caminhar”. No livro doutrinário Instruções Práticas para os Médiuns, há uma breve explicação sobre mediunização, se você por acaso ainda estiver um pouco perdido. “Procure nos seguir com sua imaginação. Um dia, na Eternidade, seu espírito foi criado por Deus. É como se Deus fosse uma nuvem muito grande, uma dessas nuvens de chuva e seu espírito fosse uma das gotas de chuva que caiu da Nuvem-Deus. É lógico que essa gota de água-chuva é feita da mesma substância da Água-Nuvem-Deus. Só que uma gota de água é água, mas não é a água. Entendeu? A gota é água, mas não é toda a água. A gota é um pouco de água individualizada”. O atendimento ao público no Vale acontece às quartas, sábados e domingos e é gratuito. “Como é que a pessoa vai dar um bode, uma galinha, se não tem nem uma coxinha dessas para comer?”, ri mestre Manuel, sem estender a polêmica. “Tem quedardegraçaaquiloquerecebeudegraça”. O templo é mantido com recursos dos próprios médiuns. “É como uma família. Quem tem, põe. Quem não tem, tira”.
tos genéricos de maneira afetuosa, no nível de “tudo tem seu tempo”. Não é por ser clichê que deixa de ser verdade. De repente,eleparadefalarecomeçaasecontorcer. O doutrinador pede que eu recolha as mãos e parte para encaminhar aquele espírito sofredor que se meteu na conversa – que ele estava num lugar de luz, que aproveitasse a oportunidade, etc.
PODERES Há o momento das perguntas, mas sem queoencontroganhetonsdeprevisõespara o futuro. Por fim, os pacientes são encaminhados para outros trabalhos. Uns vão para a cura (sessões coletivas para colocar o corpo em harmonia com a aura), e
outros, como eu, passam por novos tronos – não sei bem qual era a gravidade da minha situação, mas tive que ir em três. Espero que tenha ficado maravilhosa. Tambémfuiaconselhadaafazerumareza para o pai Seta Branca, grande mentor espiritual da doutrina. Sua imagem fica envolta por um véu transparente. A seus pés, flores azuis, bilhetes rogando bênçãos, refletores sempre acesos. Olho para ele, ele olha para mim, e paro pensando na valia de tentar um pedido qualquer, para não perder a oportunidade caso fosse poderoso mesmo. Só depois, já longe, me dei conta da besteira da dúvida. Pouco importa se for poderoso no futuro, já o é suficientemente no presente. Amanhece no Vale. «
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BÔNUS-HORAS Pelos trabalhos que realizam, os médiuns ganham “bônus-horas”. São “créditos espirituais” para saldar dívidas de outras encarnações. No templo, os “pacientes” são facilmente identificados por suas roupas mundanas. Eles se sentam nos bancos coloridos e esperam o chamado da recepcionista. Aos sábados costuma aparecer mais gente – 50, 60 pessoas. As consultas acontecem em mesinhas vermelhas e amarelas chamadas de tronos. Cada acolhimento é feito por uma dupla de médiuns: o “doutrinador”, que
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Homem reza para o mentor espiritual pai Seta Branca
orienta os trabalhos, e o “apará”, que incorpora as entidades. Um rapaz passa com um defumador, enchendo o ambiente com uma névoa branca de cheiro forte. Antes de atender os pacientes, os médiuns fazem orações, emitem muitos “Louvado Seja o Nosso Senhor Jesus Cristo”, estalam os dedos, erguem as mãos. Alguns vibram emboladamente o corpo, como as cenas de transe que a gente vê nos filmes. Só quando os “pretos velhos” e “vovós” já tomaram forma de gente é que as consultas começam, várias ao mesmo tempo, obrigando a todos a apurar os ouvidos. Quem se senta no trono estende as mãos para estabelecer a “conexão” com a entidade. Há os médiuns que falam com vozes de velhos – “o que minha filha tá pensando aí nesse cucurute?” – e
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