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SALVADOR DOMINGO 13/3/2016
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LANÇAMENTO NACIONAL
TEATRO SESC-SENAC PELOURINHO #402 / DOMINGO, 13 DE MARÇO DE 2016 REVISTA SEMANAL DO GRUPO A TARDE
Foto: A
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LAURENTINO GOMES VINHOS LEONARDO SANTOS
WHY THE HORSE? (SP)
Foto: Sa
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arandu ei
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16 DE MARÇO • 19H30
17 DE MARÇO • 19H30
YI OCRE (AM)
CONFIRA A PROGRAMAÇÃO www.sesc.com.br/palcogiratorio Teatro Sesc-Senac Pelourinho @teatrosescpelourinho
Foto: Paulo Fuga
Em sua 19ª edição, o circuito leva á 728 apresentações artísticas e 11.325 horas de oficinas a 145 cidades , de abril a novembro.
Cidadania na
BENEDITA (BA)
18 DE MARÇO • 19H30
PRÁTICA
Universidades, mercado de trabalho e entidades de classe abrem espaço aos transexuais
INSTANTÂNEO MUITÍSSIMO «
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Thomas Mota: de Pojuca a Salvador em busca de trabalho, tratamento médico e respeito
Mercado em
TRANSIÇÃO Censos não os levam em conta, dificultando a elaboração de programas específicos. Ainda assim, progressos têm sido feitos para que, finalmente, transexuais possam resgatar a cidadania e inserir-se no mercado de trabalho e na vida acadêmica
Texto TATIANA MENDONÇA tatianam@gmail.com Fotos LÚCIO TÁVORA luciotavora@gmail.com
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Thomas Mota: de Pojuca a Salvador em busca de trabalho, tratamento médico e respeito
Mercado em
TRANSIÇÃO Censos não os levam em conta, dificultando a elaboração de programas específicos. Ainda assim, progressos têm sido feitos para que, finalmente, transexuais possam resgatar a cidadania e inserir-se no mercado de trabalho e na vida acadêmica
Texto TATIANA MENDONÇA tatianam@gmail.com Fotos LÚCIO TÁVORA luciotavora@gmail.com
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N
ão quer ser homem? Tem que pegar peso, o irmão dizia para ele. Do porta-malas do carro, João Hugo Cerqueira, 22, ia e voltava carregando caixas para abastecer o mercadinho da família, numesforçosilenciosoesuarento.Cerveja, refrigerante, arroz, iogurte. Alguém chegou procurando pelo preço de um produto ao gerente, de lá mesmo de onde estava João gritou: “Amor, pode me ajudar?”. No caixa, Sellena Ramos, 23, os atendeu prontamente, com sua voz baixa e pausada. Juntos, eles dão conta de quase tudo por ali, sem passar recibos inúteis da singularidade que carregam. João e Sellena são transexuais. “Sou a mulher que a família dele queria que ele fosse. Ele é o homem que minha família queria que eu fosse”, ri Sellena. Casados e trabalhando, eles estão com a vida assentada e fazem planos para o futuro breve. Sellena não sabe ainda se volta para o curso de licenciatura em química ou tenta teatro, João quer estudar jornalismo. Tempestades precederam a calmaria. Sabe o que é a coragem de se olhar no espelho, não se ver no próprio corpo, não se ouvir pelo próprio nome, e ir atrás do que se é de verdade? Pois, essa coragem. João começou sua “adequação” há dois anoseestáfazendoumavaquinhaparapagar a mastectomia que irá livrá-lo do desconforto e do calor da faixa que usa para comprimir os seios. Sellena faz a “transição” há sete anos. O emprego ali veio a calhar. João diz que evita buscar trabalho formal porque teria que mostrar uma documentação com um nome que não é mais seu. Já entrou na Justiça para mudar isso. Sellena ainda espera para tomar essa providência. Na Universidade Federal do Recôncavo, onde estuda-
TRANSEXUAL
Pessoa cuja identidade de gênero não corresponde ao sexo biológico. Pode optar ou não pela cirurgia de redesignação sexual (conhecida popularmente como mudança de sexo).
NOME SOCIAL
Nome pelo qual os transexuais e travestis se reconhecem e preferem ser chamados, enquanto ainda não alteraram seus documentos civis, como a carteira de identidade.
TRANSGÊNERO
Pessoa que cruza as fronteiras entre os gêneros. Pode ser um transexual ou uma travesti, por exemplo (traveco é considerado um termo ofensivo).
va, ela foi a primeira pessoa a se matricular com o nome social, mas vem adiando a mudança definitiva. “Para mim, seria difícil ter mudado meu nome e não ser lida como mulher, não ter essa possibilidade”. Ressente-se de que João seja visto como homem e de que os pescoços ainda entortem para ela. “Eu é que sofro a violência de ser chamada de traveco”. Nas pesquisas e censos feitos no Brasil, os transexuais também não são “lidos”. Ninguém sabe direito quantos eles são, e muito menos do que vivem. A Articulação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) estima que 90% das pessoas trans trabalhem como profissionais do sexo, percentual que relaciona-se mais ao universo das travestis e mulheres trans e carece de contornos científicos.
QUASE INVISÍVEIS De modo vagaroso, mas persistente, essa situação vem mudando. Tanto que hoje os indicadores mais confiáveis para olhar para a população transgênera no Brasil são as inscrições pelo nome social no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), como explica o professor da Universidade Federal da Bahia Felipe Fernandes, que pesquisa identidade e gênero. “Só assim eles se tornam minimamente visíveis, ainda que haja desconhecimento dessa possibilidade e, portanto, subnotificação”. No Enem de 2014, 102 se inscreveram para tentar uma vaga nas universidades. No ano passado, o número saltou para 278, um crescimento de 172%. Saindo da esfera da educação para a do trabalho, algumas instituições também vêm se adaptando para um tratamento mais digno à população trans, por pressão das organizações vinculados à causa LGBT. Entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil e o Conselho Federal de Psi-
cologia já baixaram resoluções determinando que seus filiados sejam identificados como desejarem. Nos órgãos públicos, portarias asseguram que os servidores travestis e transexuais utilizem o nome social nos seus crachás e e-mails corporativos. Há um ano, Millena Passos, 37, percorre os corredores da Secretaria de Política para as Mulheres com seus longos cabelos pretos. Ela ajuda a organizar as reuniões do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher (CDDM). Antes, ganhava a vida como cabeleireira e também trabalhou “nas ruas”. “Deixe assim para não aumentar o estigma. Sou uma sobrevivente”. Resistiu lutando. Tornou-se uma militante reconhecida nacionalmente.
Seus colegas a tratam de maneira afetuosa, mas houve uma ou outra feminista que achou esquisita essa história de vê-la na secretaria, como se Millena não fosse mulher de verdade. Ela se entristece de ouvir isso. Porque se tem uma coisa que Millena sempre sentiu é que é uma mulher de verdade. Há cerca de cinco anos, espera a cirurgia que irá adequar a realidade ao seu pensamento. Também quer fazer faculdade, de psicologia ou direito. “Estou parecendo criança transitando por essas profissões, sonhando... É algo que nunca tinha me permitido antes”.
OPORTUNIDADES Não há dinheiro no mundo que pague essa sensação de dar a volta por cima. Tuka Perez, “3.2”, adora tirar onda com os irmãos que a perturbavam para que agisse feito homem. “Hoje eu sou assessora da Câmara, e vocês estão onde mesmo?”. Do alto do seu salto, ela ri muito, com uma simpatia que vai minando resistências. Não há quem não a cumprimente enquanto caminha pela Câmara
Millena Passos, das ruas para as lutas na Secretaria de Política para as Mulheres
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ão quer ser homem? Tem que pegar peso, o irmão dizia para ele. Do porta-malas do carro, João Hugo Cerqueira, 22, ia e voltava carregando caixas para abastecer o mercadinho da família, numesforçosilenciosoesuarento.Cerveja, refrigerante, arroz, iogurte. Alguém chegou procurando pelo preço de um produto ao gerente, de lá mesmo de onde estava João gritou: “Amor, pode me ajudar?”. No caixa, Sellena Ramos, 23, os atendeu prontamente, com sua voz baixa e pausada. Juntos, eles dão conta de quase tudo por ali, sem passar recibos inúteis da singularidade que carregam. João e Sellena são transexuais. “Sou a mulher que a família dele queria que ele fosse. Ele é o homem que minha família queria que eu fosse”, ri Sellena. Casados e trabalhando, eles estão com a vida assentada e fazem planos para o futuro breve. Sellena não sabe ainda se volta para o curso de licenciatura em química ou tenta teatro, João quer estudar jornalismo. Tempestades precederam a calmaria. Sabe o que é a coragem de se olhar no espelho, não se ver no próprio corpo, não se ouvir pelo próprio nome, e ir atrás do que se é de verdade? Pois, essa coragem. João começou sua “adequação” há dois anoseestáfazendoumavaquinhaparapagar a mastectomia que irá livrá-lo do desconforto e do calor da faixa que usa para comprimir os seios. Sellena faz a “transição” há sete anos. O emprego ali veio a calhar. João diz que evita buscar trabalho formal porque teria que mostrar uma documentação com um nome que não é mais seu. Já entrou na Justiça para mudar isso. Sellena ainda espera para tomar essa providência. Na Universidade Federal do Recôncavo, onde estuda-
TRANSEXUAL
Pessoa cuja identidade de gênero não corresponde ao sexo biológico. Pode optar ou não pela cirurgia de redesignação sexual (conhecida popularmente como mudança de sexo).
NOME SOCIAL
Nome pelo qual os transexuais e travestis se reconhecem e preferem ser chamados, enquanto ainda não alteraram seus documentos civis, como a carteira de identidade.
TRANSGÊNERO
Pessoa que cruza as fronteiras entre os gêneros. Pode ser um transexual ou uma travesti, por exemplo (traveco é considerado um termo ofensivo).
va, ela foi a primeira pessoa a se matricular com o nome social, mas vem adiando a mudança definitiva. “Para mim, seria difícil ter mudado meu nome e não ser lida como mulher, não ter essa possibilidade”. Ressente-se de que João seja visto como homem e de que os pescoços ainda entortem para ela. “Eu é que sofro a violência de ser chamada de traveco”. Nas pesquisas e censos feitos no Brasil, os transexuais também não são “lidos”. Ninguém sabe direito quantos eles são, e muito menos do que vivem. A Articulação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) estima que 90% das pessoas trans trabalhem como profissionais do sexo, percentual que relaciona-se mais ao universo das travestis e mulheres trans e carece de contornos científicos.
QUASE INVISÍVEIS De modo vagaroso, mas persistente, essa situação vem mudando. Tanto que hoje os indicadores mais confiáveis para olhar para a população transgênera no Brasil são as inscrições pelo nome social no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), como explica o professor da Universidade Federal da Bahia Felipe Fernandes, que pesquisa identidade e gênero. “Só assim eles se tornam minimamente visíveis, ainda que haja desconhecimento dessa possibilidade e, portanto, subnotificação”. No Enem de 2014, 102 se inscreveram para tentar uma vaga nas universidades. No ano passado, o número saltou para 278, um crescimento de 172%. Saindo da esfera da educação para a do trabalho, algumas instituições também vêm se adaptando para um tratamento mais digno à população trans, por pressão das organizações vinculados à causa LGBT. Entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil e o Conselho Federal de Psi-
cologia já baixaram resoluções determinando que seus filiados sejam identificados como desejarem. Nos órgãos públicos, portarias asseguram que os servidores travestis e transexuais utilizem o nome social nos seus crachás e e-mails corporativos. Há um ano, Millena Passos, 37, percorre os corredores da Secretaria de Política para as Mulheres com seus longos cabelos pretos. Ela ajuda a organizar as reuniões do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher (CDDM). Antes, ganhava a vida como cabeleireira e também trabalhou “nas ruas”. “Deixe assim para não aumentar o estigma. Sou uma sobrevivente”. Resistiu lutando. Tornou-se uma militante reconhecida nacionalmente.
Seus colegas a tratam de maneira afetuosa, mas houve uma ou outra feminista que achou esquisita essa história de vê-la na secretaria, como se Millena não fosse mulher de verdade. Ela se entristece de ouvir isso. Porque se tem uma coisa que Millena sempre sentiu é que é uma mulher de verdade. Há cerca de cinco anos, espera a cirurgia que irá adequar a realidade ao seu pensamento. Também quer fazer faculdade, de psicologia ou direito. “Estou parecendo criança transitando por essas profissões, sonhando... É algo que nunca tinha me permitido antes”.
OPORTUNIDADES Não há dinheiro no mundo que pague essa sensação de dar a volta por cima. Tuka Perez, “3.2”, adora tirar onda com os irmãos que a perturbavam para que agisse feito homem. “Hoje eu sou assessora da Câmara, e vocês estão onde mesmo?”. Do alto do seu salto, ela ri muito, com uma simpatia que vai minando resistências. Não há quem não a cumprimente enquanto caminha pela Câmara
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de Vereadores, onde trabalha há três anos. Antes, ela tinha um salão de beleza, e já havia participado de muitas entrevistas de emprego. “Às vezes, sabia que tinha ido bem, mas eles nunca ligavam de volta. Agora,estoutendoumaoportunidadeúnica de mostrar do que sou capaz”. Quando chegou à Câmara, ela ficava na recepção do gabinete do vereador Suíca (PT), dando os bons-dias, posso ajudar? Vez e outra ouvia uns rumores ou os imaginava pela forma como a olhavam, investigando se era mulher ou travesti ou o quê. “Nunca me alterei por causa disso, sempre deixeipassar.Cadaumtemsuamaneirade pensar. Bem ou mal, falem de mim!”. Abrigaqueelaencaroufoinafaculdade, quando o professor queria chamá-la pelo “nome do finado”. Não aceitou que o preconceito viesse de um educador. Com a situação resolvida, formou-se em serviço social. Seu sonho é ter uma ONG em Pernambués, onde mora, para dar oportunidades a jovens LGBT. Ela mesma volta e meia participa de cursos inclusivos. Ao lado de 28 travestis e mulheres trans, assistiu às aulas para auxiliares administrativos promovidos pela SineBahia em parceria com o Núcleo de Defesa dos Direitos da População LGBT, da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH). Paulette Furação, primeira trans a ocupar umcargonoestado,coordenavaonúcleoà época. “O trabalho é a melhor porta de entrada para dignificar as pessoas, sair da invisibilidade”, defende Paulette. Foram três cursos como esse em três anos, com cerca de 30 vagas cada. Difícil foi inserir as participantes no mercado de trabalho. Nenhuma das colegas de Tuka conseguiram emprego, nas outras turmas não foi muito diferente. Algumas “meninas”, como Paulette as chama, continuaram trabalhando como profissionais do sexo.
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Vinícius Alves, que agora ocupa o lugar de Paulette na renomeada Coordenação do Núcleo LGBT, diz que o grande desafio é promover a mediação desta mão de obra. Na última sexta, ele participou do Encontro de Inserção de Pessoas LGBT no Mundo do Trabalho, uma das atividades da III Conferência Estadual LGBT, que termina hoje. “Além de estabelecer esse diálogo com o empresariado,também queremosestimular o empreendedorismo e a participação em editais de socioativismo, que a população trans não costuma acessar”.
TRANSFOBIA Há também a meta de implantar quatro Centros de Promoção e Defesa dos Direitos LGBT até 2019, com orçamento previsto de R$ 267 mil (para um único equipamento). Hoje, não há nenhum centro do tipo em funcionamento, nem por parte do governo estadual, nem da prefeitura. Em maio de 2014, na véspera do Dia Internacional de Luta contra a Homofobia, o prefeito ACM Neto anunciou que Salvador ganharia um Centro Municipal de Referência LGBT, que até hoje não saiu do papel. Querdizer,saiu.Asinstalaçõesdocentro já existem há cerca de um ano, há uma placa de identificação no local, mas o espaço nuncafoiinaugurado.Aprefeituranãoquis informar o valor pago pelo aluguel. A secretária Municipal de Reparação, Ivete Sacramento, responsável pelo Centro Municipal deReferênciaLGBT,não quis falar com a Muito. Por meio da assessoria de imprensa da Semur, informou que a estrutura do local está completa, mas que a inauguração esbarra em questões burocráticas de contratação de pessoal. Sobre as possíveis atividades que serão desenvolvidas no centro, apenas um sonoro “nada a declarar”. Em janeiro, a fotógrafa Andréa Magno-
«A gente tem um sistema educacional que é hostil a quem desvia das perspectivas hegemônicas de gênero» Felipe Fernandes, professor e pesquisador de identidade e gênero
ni promoveu uma oficina de fotografia para dez trans e travestis, por meio de um edital da Fundação Gregório de Mattos, órgão da prefeitura. Eles tiveram que pensar em um tema para uma exposição e escolheram a solidão. TRANSformando o Olhar – Solidões Trans e Travestis está em cartaz até o dia 31 no Teatro Gamboa Nova. Para Andréa, não é por falta de capacitação que as pessoas trans não ocupam o mercado de trabalho como poderiam. “É um caso de transfobia nu e cru”. Ela lembra de um participante da oficina que poderia estar agora dando aulas de história, mas
não consegue achar emprego. Preconceito que, muitas vezes, passa também pela escola, e, portanto, por qualificação, num ciclo para lá de perverso. “A gente tem um sistema educacional que é hostilaquemdesviadasperspectivashegemônicasdegênero”,diz o pesquisador Felipe. Uma conquista recente é a possibilidade de usar o nome social em qualquer estabelecimento de ensino, garantida no ano passado por uma resolução do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais (CNCD-LGBT). Para quem deixou os bancos escolares por bullying, há iniciativas como o Transviando o Enem, curso preparatório gratuito para o exame, direcionado a transexuais e travestis. Para Felipe, é preciso uma “mudança geral simbólica em relação ao gênero”, para entendê-lo como uma “construção” e um “direito humano”. Ele
João Hugo e Sellena, um casal trans que divide a vida, o cotidiano e o trabalho
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de Vereadores, onde trabalha há três anos. Antes, ela tinha um salão de beleza, e já havia participado de muitas entrevistas de emprego. “Às vezes, sabia que tinha ido bem, mas eles nunca ligavam de volta. Agora,estoutendoumaoportunidadeúnica de mostrar do que sou capaz”. Quando chegou à Câmara, ela ficava na recepção do gabinete do vereador Suíca (PT), dando os bons-dias, posso ajudar? Vez e outra ouvia uns rumores ou os imaginava pela forma como a olhavam, investigando se era mulher ou travesti ou o quê. “Nunca me alterei por causa disso, sempre deixeipassar.Cadaumtemsuamaneirade pensar. Bem ou mal, falem de mim!”. Abrigaqueelaencaroufoinafaculdade, quando o professor queria chamá-la pelo “nome do finado”. Não aceitou que o preconceito viesse de um educador. Com a situação resolvida, formou-se em serviço social. Seu sonho é ter uma ONG em Pernambués, onde mora, para dar oportunidades a jovens LGBT. Ela mesma volta e meia participa de cursos inclusivos. Ao lado de 28 travestis e mulheres trans, assistiu às aulas para auxiliares administrativos promovidos pela SineBahia em parceria com o Núcleo de Defesa dos Direitos da População LGBT, da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH). Paulette Furação, primeira trans a ocupar umcargonoestado,coordenavaonúcleoà época. “O trabalho é a melhor porta de entrada para dignificar as pessoas, sair da invisibilidade”, defende Paulette. Foram três cursos como esse em três anos, com cerca de 30 vagas cada. Difícil foi inserir as participantes no mercado de trabalho. Nenhuma das colegas de Tuka conseguiram emprego, nas outras turmas não foi muito diferente. Algumas “meninas”, como Paulette as chama, continuaram trabalhando como profissionais do sexo.
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Vinícius Alves, que agora ocupa o lugar de Paulette na renomeada Coordenação do Núcleo LGBT, diz que o grande desafio é promover a mediação desta mão de obra. Na última sexta, ele participou do Encontro de Inserção de Pessoas LGBT no Mundo do Trabalho, uma das atividades da III Conferência Estadual LGBT, que termina hoje. “Além de estabelecer esse diálogo com o empresariado,também queremosestimular o empreendedorismo e a participação em editais de socioativismo, que a população trans não costuma acessar”.
TRANSFOBIA Há também a meta de implantar quatro Centros de Promoção e Defesa dos Direitos LGBT até 2019, com orçamento previsto de R$ 267 mil (para um único equipamento). Hoje, não há nenhum centro do tipo em funcionamento, nem por parte do governo estadual, nem da prefeitura. Em maio de 2014, na véspera do Dia Internacional de Luta contra a Homofobia, o prefeito ACM Neto anunciou que Salvador ganharia um Centro Municipal de Referência LGBT, que até hoje não saiu do papel. Querdizer,saiu.Asinstalaçõesdocentro já existem há cerca de um ano, há uma placa de identificação no local, mas o espaço nuncafoiinaugurado.Aprefeituranãoquis informar o valor pago pelo aluguel. A secretária Municipal de Reparação, Ivete Sacramento, responsável pelo Centro Municipal deReferênciaLGBT,não quis falar com a Muito. Por meio da assessoria de imprensa da Semur, informou que a estrutura do local está completa, mas que a inauguração esbarra em questões burocráticas de contratação de pessoal. Sobre as possíveis atividades que serão desenvolvidas no centro, apenas um sonoro “nada a declarar”. Em janeiro, a fotógrafa Andréa Magno-
«A gente tem um sistema educacional que é hostil a quem desvia das perspectivas hegemônicas de gênero» Felipe Fernandes, professor e pesquisador de identidade e gênero
ni promoveu uma oficina de fotografia para dez trans e travestis, por meio de um edital da Fundação Gregório de Mattos, órgão da prefeitura. Eles tiveram que pensar em um tema para uma exposição e escolheram a solidão. TRANSformando o Olhar – Solidões Trans e Travestis está em cartaz até o dia 31 no Teatro Gamboa Nova. Para Andréa, não é por falta de capacitação que as pessoas trans não ocupam o mercado de trabalho como poderiam. “É um caso de transfobia nu e cru”. Ela lembra de um participante da oficina que poderia estar agora dando aulas de história, mas
não consegue achar emprego. Preconceito que, muitas vezes, passa também pela escola, e, portanto, por qualificação, num ciclo para lá de perverso. “A gente tem um sistema educacional que é hostilaquemdesviadasperspectivashegemônicasdegênero”,diz o pesquisador Felipe. Uma conquista recente é a possibilidade de usar o nome social em qualquer estabelecimento de ensino, garantida no ano passado por uma resolução do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoções dos Direitos de Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais (CNCD-LGBT). Para quem deixou os bancos escolares por bullying, há iniciativas como o Transviando o Enem, curso preparatório gratuito para o exame, direcionado a transexuais e travestis. Para Felipe, é preciso uma “mudança geral simbólica em relação ao gênero”, para entendê-lo como uma “construção” e um “direito humano”. Ele
João Hugo e Sellena, um casal trans que divide a vida, o cotidiano e o trabalho
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também defende que todas as políticas públicas levem em conta a transversalidade de gênero, para além de ações isoladas. Thomas Mota, 23, terminou o ensino médio, fez cursos de informática e há dois anos saiu de Pojuca, onde morava, para Salvador. Não veio propriamente em busca de emprego, mas de “tratamento”. Aqui, podia ver-se melhor no espelho. Está se consultando com uma psicóloga e uma endocrinologista, que lhe prescreveu hormônios. Para pagar as contas, virou operador de telemarketing, mas está processando a empresa por transfobia. “Eu tinha que usar o banheiro feminino e era chamado por meu nome feminino no meio dos outros colaboradores”.
DE MUDANÇA Tom ficou um ano desempregado, fazendo bicos. No final do mês passado, foi contratado com carteira assinada por uma casa de frios. Ficou tenso na hora de se apresentar ao novo patrão, mas ele não levou sua condição em conta. Disse que não ia deixar de empregá-lo por conta disso. Está gostando do trabalho como atendente. Diverte-se com os colegas, para quem ainda não contou que é trans. “Não me incomodo de falar, mas algumas pessoas não reagem bem. Melhor deixar quieto”. Às vezes, zombam da sua voz nada grave, mas ele diz que não liga. “Prefiro que achem que sou um homem gay do que pensem que sou mulher”. Desde pequeno,
ele se sentia esquisito, imerso naquela tentativa vã de gostar de maquiagem, de roupa enfeitada, de namorar meninos. Andava de maneira tão fechada que ganhou o apelido de Robocop Gay. Passouarasparocabelo,usarblusasfolgadas,reivindicarsuaverdade.Opaiparou de falar com ele. A mãe tenta entender e aceitar, mas ainda o chama de filha. A irmã mais velha desmaiou quando o viu de bigode. Mas pergunte para Tom se ele não está feliz, agora, mais do que nunca. Quer entrar na academia para ganhar músculos, quer cada vez mais ver desaparecer todo e qualquer traço feminino que ainda carregue, quer viver a maravilhosa sensação de andar pela rua e passar despercebido. «
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BIO LEONARDO SANTOS
Com a precisão de um bisturi Texto TATIANA MENDONÇA tatianam@gmail.com Foto LÚCIO TÁVORA luciotavora@gmail.com
A cabeça de Leonardo Santos estava implorando por um descanso daquela maratona de estudos para o vestibular. Ele ia tentar medicina, sabe como é. Começou a rabiscar uns desenhos no fundo do caderno, foi gostando do que via. Nesse meio-tempo, notou que o produtor Rogério Big Bross Brito estava organizando o Festival Bigbands de 2014 e se ofereceu, sem conhecê-lo, para desenhar um dos cartazes do evento.Odiálogofoirápidoeprático:“Querofazer”,disseum.“Entãofaça”,disseooutro.RogériogostoudoqueviueLeonardonãoparou mais.Tornou-seconhecido nacenadorock baiano ecalculaquejádeve ter feitouns100 pôsteres.Amaioria,maisde 90%, na“brodagem”. Geralmente, há uma conjunção astral de que os trabalhos pagos são os de bandas que ele não gosta muito. “Aí enrolo um pouco pra fazer”, confessa. O ápice, para ele, foi quando fez o flyer para o show de lançamento do segundo EP da Hao. Também de forma “aleatória”, como diz, Leonardo, 20, começou a fazer humor. Viu que o concurso Rolê Cartum estava com inscrições abertas e mandou um desenho. No júri, alguns dos melhores cartunistas brasileiros: André Dahmer, Angeli, Arnaldo Branco, Laerte Coutinho e Leonardo. Foram 45 trabalhos inscritos, cinco premiados, entre eles o primeiro cartum que Leonardo fez na vida. Ganhou R$ 1 mil e a chance de participar de uma oficina com Laerte. Ele quer continuar investindo nestes caminhos além, é claro, de estudar para as provas do curso de medicina. «