CAMINHOS daFENEARTE
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FENEARTE 2012
texto moema luna
EXPEDIENTE DIRETOR DE REDAÇÃO Ivanildo Sampaio (sampaio@jc.com.br) DIRETOR-ADJUNTO Laurindo Ferreira (laurindo@jc.com.br) EDITORA-EXECUTIVA Maria Luiza Borges (marialuizaborges@jc.com.br) DIRETORA COMERCIAL Roseane Gonçalves (roseane@jc.com.br) EDITORAS Cláudia Santos (csilva@jc.com.br) e Moema Luna (mluna@jc.com.br) REPORTAGEM Juliana Godoy (jgodoy@jc.com.br) e Rafael Dantas (rdantas@jc.com.br) Cláudia Santos e Moema Luna DIAGRAMAÇÃO e ILUSTRAÇÃO Isadora Melo e Tomaz Alencar FOTOGRAFIA Michele Souza FOTO DA CAPA Michele Souza TRATAMENTO DE IMAGEM Alexandre Lopes, Claudio Coutinho e Jair Teixeira
Para percorrer os 29 mil m² da maior feira de artesanato da América Latina, os visitantes passam, em média, três horas. E há quem faça esse caminho durante todos os dez dias do evento. Essa deliciosa maratona, chamada Fenearte, começa no próximo dia 6 e vai até o dia 15, no Centro de Convenções de Pernambuco, Olinda. São cerca de 295 mil pessoas, entre compradores e colecionadores do País todo. Bem organizada, mas muito disputada, a 13ª edição vem cheia de novidades no ano do centenário do cantor e compositor Luiz Gonzaga, pernambucano de Exu. A partir de hoje o Jornal do Commercio publica uma série de quatro fascículos, um a cada dia consecutivo, sobre o evento que possibilita ao visitante uma experiência gastronômica e cultural pelo mundo, em meio a cinco mil expositores. É como fazer uma volta ao mundo sem sair do lugar.
Fotos Michele Souza
Nos bastidores da Fenearte as equipes dão duro dia e noite para deixar tudo pronto para os dias de feira
nato, é um grande evento com mais de 60 shows que acontecem durante dez dias, com artistas locais. Ela se une a outros elementos como a gastronomia. Assim que se encerra uma Fenearte, já começamos a trabalhar a próxima”, conta o coordenador da feira, Roberto Lessa, ao dizer do trabalho que é fazer com que tudo funcione com organização. A Fenearte é uma realização do Programa do Artesanato de Pernambuco (Pape), coordenado pela Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (AD Diper), da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Governo do Estado.
“Assim que se encerra uma Fenearte, já começamos a trabalhar a próxima” Roberto Lessa, Coordenador da Fenearte
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Também foi criada uma nova rua, a dos Artistas Populares de Pernambuco, com 15 estandes e seis metros de largura. É a primeira rua depois da Alameda dos Mestres, que aliás contava com 36 mestres e passou a ter 41. E a ampliação da Casa de Janete Costa, espaço que mostra a utilização do artesanato na decoração, cuja curadoria é das arquitetas Bete Paes e Roberta Borsoi (filha de Janete). Dentro da casa os conceituados designers Adélia Borges (SP), Renato Imbroisi (RJ) e Heloísa Crocco (RS) darão palestras sobre design, nos dias 9, 10 e 11, sempre às 16h. “A Fenearte é mais do que uma feira de artesa-
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O leitor terá o mapa da feira, informações sobre Luiz Gonzaga, a estrutura da feira, mestres e artesãos, a importância do artesanato como alternativa de emprego e renda, design, e as diversas tipologias como couro, madeira, cerâmica, tramas, tecidos, renda e reciclados. Para quem gosta de conhecer culturas diferentes, a principal novidade é a ampliação do número de expositores. No ano passado eram 38 países, este ano serão 40, com países estreantes: Áustria, Camboja, Catar, Congo, Líbia e Turcomenistão (situado na Ásia Central, fazia parte da República Soviética).
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FENEARTE 2012
texto moema luna
TRIBUTO AO VELHO LUA
fotos arquivo
De acordo com o crítico musical José Telles, a importância de Luiz Gonzaga na história da
mente”. De acordo com a arquiteta Ana Maria Pedroza, colaboradora do escritório de Carlos Augusto Lira, na montagem do Espaço de Tributo Luiz Gonzaga foram usadas peças do Museu Luiz Gonzaga da Prefeitura do Recife, que fica no Pátio de São Pedro, Bairro de São José. Os arquitetos também contaram com parte do acervo do colecionador Paulo Wanderley. Foram usadas a réplica de um gibão e um chapéu de couro (o mesmo artesão que faz para Luiz Gonzaga, Aprígio de Ouricuri), que está na capa do long play (LP) Danado de Bom (1984) e Forrobodó Cigano (1989). Paulo Wanderley também cedeu a sanfona de 120 baixos que foi do mestre Lua. O ambiente terá seis estações de áudio e cura-
doria de José Mauro Alencar, gerente do Museu Luiz Gonzaga, com seis dos seus melhores long plays. Em cada estação duas pessoas poderão usufruir do mesmo som, sentadas em banquinhos com headphones. Também estarão disponíveis letras das músicas e mini cineminha. Ana Maria diz que o teto do Espaço Luiz Gonzaga faz alusão ao fole da sanfona, a partir de tubos de madeira, dispostas de um canto a outro do espaço. No palco da Fenearte, artistas como Joquinha Gonzaga, Joãozinho do Exu, Jorge de Altinho e Santana cantarão músicas do Rei do Baião, lembrando os clássicos que marcaram a história da música brasileira. E assim começa a 13ª Fenearte, sob a égide do centenário do Velho Lua.
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MPB é imensa
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Luiz Gonzaga foi uma indicação natural na definição do homenageado desta 13ª Fenearte, já que o ano é marcado pelo centenário do Rei do Baião. Para criar o clima de homenagem ao Seu Lua, o escritório de arquitetura de Carlos Augusto Lira, responsável pela planta e pela cenografia da feira, usou elementos típicos da estética que ficou na história da Música Popular Brasileira como marca registrada do artista. No mezanino, um espaço de 120 m² foi criado com referências ao cantor e compositor que chamou a atenção do País para a riqueza e para a pobreza do Nordeste. Cantou sua terra natal, Exu, denunciou os dramas da seca e enalteceu as bravuras de um personagem mítico no Sertão nordestino, o vaqueiro. Cantou ainda dramas familiares, como a saída da casa dos pais, e fez graça com os costumes da região. De acordo com o crítico musical José Telles, a importância de Luiz Gonzaga na história da MPB é imensa. “A influência dele está em praticamente todos os artistas brasileiros, direta ou indireta-
texto juliana godoy
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FENEARTE 2012
Inspirado nas canções de Gonzagão, escolas de moda e designers preparavam coleções que vão estar na passarela da Fenearte
Entre os acordes da sanfona de Luiz Gonzaga está a inspiração para a edição 2012 da Passarela Fenearte. Inspirados nas canções do Mestre Lua, escolas de moda de Pernambuco e designers já consagrados preparam desfiles cheios de couro, bordados e fuxicos, que fazem alusão, também, ao artesanato e cultura pernambucanas de maneira geral. O público poderá conferir as criações durante os dias da feira (exceto o primeiro e o último), sempre a partir das 18h e 19h no mezanino do Centro de Convenções de Pernambuco. Os cursos de moda do Estado tiveram como principal ferramenta de trabalho as músicas do Rei do Baião. Cada faculdade ficou com uma composição para a partir dela montar seu desfile. A Faculdade Senac, uma das participantes, usou
a música Xote Ecológico. Com foco no combate da poluição e contra a destruição da natureza, os estudantes trabalharam em cima da sustentabilidade. “Usamos retalhos do couro natural e sintético nas roupas e algumas roupas estão manchadas como sinal da poluição. A equipe de alunos responsável pelo styling também fez acessórios de cabeça com material de descarte de confecções”, explica Danielle Simões, coordenadora do curso. Assim como o Senac, outras instituições estão se utilizando do couro como base nas suas produções. De acordo com Andrea Tom, coordenadora da Passarela Fenearte, o material terá destaque este ano. “O desfile com o couro é uma maneira de homenagear Luiz Gonzaga e o modo como o vaqueiro se veste. Teremos, ainda réplicas de gibões
dele, que foram emprestados pelo colecionador Paulo Wanderley e por outros acervos”, explica Andrea. Para homenagear um dos maiores sucessos de Luiz Gonzaga, o estilista Ricardo de Castro construiu sua coleção em cima da música Asa Branca. Para ele, o importante é mostrar justamente o lado multicultural do Rei do Baião. “Procurei utilizar tudo que remetesse também ao artesanato pernambucano. Estou com roupas que têm renda, fuxicos, tudo com um toque de alta costura”, afirma Castro, que encerra sua mostra com uma noiva Maria Bonita. “No vestido utilizamos cerca de 800 fuxicos na produção”, adianta o estilista T E N E R I F E Uma das apostas de sucesso neste ano é o
desfile da Teneart. Composta por quinze artesãs da Associação Sócio Cultural dos Artesões da Mangueira, de Paudalho, a marca fechou parceria com a Universidade Rural de Pernambuco e traz para a passarela uma inovação: tenerife, um tipo de bordado delicado, unido ao couro. “O que estamos fazendo é um resgate da cultura desse tipo de bordado e como o tema da feira é Luiz Gonzaga, resolvemos inovar. Conseguimos produzir da vestimenta ao acessório com tecido e couro”, explica Tereza Valentim, presidente da associação. Ainda estarão presentes na mostra nomes como os Ativistas da Moda, o Ateliê Moda Recife, a marca Menina dos Olhos, a Secretaria da Mulher e os jovens estilistas Manu e Paulo Medeiros, além de todos os cursos de moda do Estado.
p r o g r a m a ç ã o SÁBADO 7 de julho 18h Teneart 19h Couro Homenagem a luiz gonzaga DOMINGO 8 de julho 18h FBV 19h Menina dos Olhos SEGUNDA 9 de julho 18h Uninassau 19h Secretaria da Mulher TERÇA 10 de julho 18h Faculdade Senac 19h Ateliê Moda Recife QUARTA 11 de julho 18h UFPE 19h Manu e Paulo Medeiros QUINTA 12 de julho 18h Secretaria da Mulher 19h Secretaria da Mulher SEXTA 13 de julho 18h Fadire 19h Senai Caruaru SÁBADO 14 de julho 18h Ativistas da Moda 19h Ricardo de Castro
divulgação
Melodia também para os olhos
Do curtume ao design texto moema luna
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Segundo a coordenadora do Programa do Artesanato Brasileiro em Pernambuco (PAB), Célia Novaes, uma novidade que desponta nessa tipologia é Floresta. “A cidade está com uma grande coleção de couro de bode e carneiro, curtido no próprio município, com designers tradicionais e novos”, conta. De um modo geral, esse material em relação a outras tipologias tem um valor de mercado um pouco mais alto, em função do processo de produção, que passa pelo transporte, curtição da pele do animal, coloração e aperfeiçoamento da pele. Depois de tudo isso o material é transformado em sola (couro bruto), até o trabalho final, feito pelas mãos do artesão. Assim, quando você pensar em avaliar um trabalho sobre o ponto de vista do caro ou do barato, vale a pena levar tudo isso em consideração.
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da num artesanato fino e muito bem aceito no mercado consumidor. Na Região Metropolitana do Recife, comunidades ligadas à colônia de pescadores têm se destacado na produção de flores e acessórios femininos. Já em Belo Jardim e em Altinho é da tilápia que as comunidades usam o couro. Enquanto que a cidade de Cachoeirinha é referência no trabalho de selaria em couro e fundição, na cidade de Pombos a produção é feita a partir do couro do bode, também vendida por uma grande rede de móveis e artigos de decoração. O artesanato da cidade ganhou o prêmio Top 100, concedido pelo Sebrae. De acordo com a artista plástica e uma das curadoras da 13ª Fenearte, Patrícia Lessa, uma característica desse trabalho é a intervenção feita com o recapeamento de cerâmica e raspas de couro. Ela explica que as raspas usadas são resultado do descarte, das sobras do material.
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to é capaz de modificar a vida e a autoestima das comunidades que vivem no meio rural. Ana Veloso conta que mulheres que antes ganhavam R$ 2 por semana, hoje, depois de se apropriarem das suas competências, têm outra estrutura de vida com casa, banheiro, água, celular, tanquinho, geladeira e até parabólica. “Na feira do ano passado, uma mestra saiu da Fenearte com R$ 15 mil, dinheiro que ela nunca pensou em ganhar na vida, em apenas dez dias de feira”, conta. Em Salgueiro, a iniciativa de criar o Memorial do Couro, mostra a importância da matéria-prima para a cultura e reconhecimento dessa produção na identidade pernambucana. Em meio ao cheiro forte e ao trabalho pesado dos curtumes, o produto final do fabrico do couro de cabras, bodes e gado resulta em peças valorizadas e consideradas nobres. Até a pele do peixe tem sido utiliza-
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No meu Sertão ♫ Armadura é gibão de couro ♫ O forte gibão ♫ Pro vaqueiro, seu tesouro. O couro é o ícone mais expressivo do espírito sertanejo: valentia, força, resistência. Na Bahia, guias para fechar o corpo; em Pernambuco, o manto de couro dos vaqueiros e as rezas das mulheres. Nas letras de Luiz Gonzaga, como a que abre o texto, essa relação é muito clara. E no artesanato, o couro saiu dos arreios, chapéus, gibões, botas e embornais para ganhar flexibilidade no design de peças mais delicadas. De acordo com a artista plástica Ana Veloso, que faz capacitação para comunidades em Altinho e Pombos, o couro de Pernambuco não deve nada a nenhum outro Estado. Tem personalidade e tradição. Ana também trabalha com artesãos de Serra dos Ventos, em Belo Jardim, onde localizam-se 11 curtumes. Lá a experiência é um exemplo de como o artesana-
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