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Mecanismos Incorporadores Saco (elogios)

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PERSONA(GENS) URBANA(S)

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alter-ego; alter-ego; incorporação; incorporação; o outro o outro urbano. urbano.

mecanismos mecanismos incorporadores incorporadores saco saco (elogios) (elogios)

PERSONA(GENS) PERSONA(GENS) URBANA(S) URBANA(S)


1. Um museu de cera Caminhar por dentre tantos estudiosos, teóricos, especuladores, experimentadores de diversas maneiras distintas (mas às vezes bastante semelhantes) de encarar as construções de narrativas urbanas, me fez conhecer e visualizar figuras heroicas. Figuras concebidas alegoricamente, apresentadas como “instrumento” de constituição, experimentação, validação, personificação das questões que tais estudiosos pretendiam manipular. Figuras, que com o passar do tempo (demasiado ou então quase instantâneo), foram se consolidando perante minhas investidas aos outros textos, outros autores, à Cidade. Figuras que foram ganhando forma, corpo, alma; informação, incorporação, animação. Figuras que me acompanham, me solicitam, me convidam. Convidam a ser como eles, pensar como eles, atuar e escrutinar a cidade e a multidão como eles... com eles. Tais figuras são generosas, como seus “criadores”, e se colocam disponíveis para a apropriação. Ao olhar mais atento, elas são ocas, possibilitam seu uso, sua vestimenta: são corpos ocos, carcaças, armaduras, máscaras. Itens colecionáveis. A cada novo encontro, uma incorporação, uma apropriação, um experimentar a cidade a partir dessa “vestimenta” e suas específicas características, uma acumulação em direção a uma coleção. Coleção de armaduras, maneiras de se apresentar perante e experimentar a cidade, espécies de máscaras intensificadoras. Um baú de coleção, um gabinete de aficionado, um museu de cera: um campo onde disponho as várias possibilidades de “metamorfose provisória” dos “corpos” interessados nas narrativas urbanas: são minhas “personas” urbanas. 2. Persona Persona, que poderia ser considerada também alter-ego, é conceito basilar na compreensão da psique social do ser humano, principalmente o ser moderno, dentro dos discursos junguianos. Para o psicanalista suíço, A palavra persona é realmente uma expressão muito apropriada, porquanto designava originalmente a máscara usada pelo ator, significando o papel que ia desempenhar. Como seu nome revela, ela é uma simples máscara da psique coletiva, máscara que aparenta uma individualidade, procurando convencer aos outros e a si mesma que é uma individualidade quando, na realidade, não passa de um papel, no qual fala a psique coletiva.” (JUNG, 2008, p. 121)

A persona é um complicado sistema de relação entre a consciência individual e a sociedade; é uma espécie de máscara destinada, por um lado, a produzir um determinado efeito sobre os outros e por outro lado a ocultar a verdadeira natureza do indivíduo. Só quem estiver totalmente identificado com a sua persona até o ponto de não conhecer-se a si mesmo, poderá considerar supérflua essa natureza mais profunda. No entanto, só negará a necessidade da persona quem desconhecer a verdadeira natureza de seus semelhantes. A

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Persona, personificação provisória de um estado não-próprio, im-pessoal, outro. Ação sobre, e perante, uma situação alter-ada, externa, in-controlável: uma maneira de ocultar e proteger a “propriedade fundamental” do homem diante do ambiente “hostil” da cidade. Uma máscara que fornece algo que não é íntimo, de dentro, como alternativa a um enfrentamento desconhecido, estranho, “público”. Mas uma regalia presenteada que deve ser usufruída com parcimônia:


sociedade espera e tem que esperar de todo indivíduo o melhor desempenho possível da tarefa a ele conferida; assim, um sacerdote não só deve executar, obviamente, as funções do seu cargo, como também desempenhá-las, sem vacilar, a qualquer hora e em todas as circunstâncias. (JUNG, 2008, p. 186)

Um museu de cera que permite a especulação do que se deseja (neste caso, as narrativas urbanas preocupadas com a inutilidade), com a segurança de uma incorporação provisória e passível de interrupção nos momentos de incômodo extremo, ou de identificação extrema. Segura pela própria presença da coleção de personas, da consciência do colecionador. Um ato que permite aproximar ao corpo do “vestidor” as características e especificidades daquela persona e, com tal caráter, a viabilização de experiências que só tinham lugar na imaginação daquele “vestidor”, do colecionador/curador do dito museu de cera de personas interessadas nas narrativas urbanas. 3. Algumas espécimes Ao visitar tal acervo de personas, algumas poderiam se destacar diante de outras, possivelmente por afinidade, adequação e ajuste do “preenchimento” corporal, envolvimentos mais próximos com seus formuladores-descobridores etc. A escolha está atrelada ao interesse particular do colecionador de personas, do leitor e escritor da Cidade. Neste museu de cera das figuras incorporadas, das personas urbanas, poderíamos encontrar: • O Etnógrafo Urbano e suas estratégias de leitura e interpretação dos territórios sociais e antropológicos muito enraizadas na entrega e incorporação íntima do corpo do pesquisador ao seu campo de estudo, fazendo com que, muitas vezes, aquele corpo estrangeiro incorporado como nativo consiga criar laços suficientes que ressaltam/ reforçam as investigações realizadas por essa persona, que pode ser vista “em ação” no fragmento dos “Errantes de Paola”; • O Trapeiro, persona hipótese, força gravitacional dessa tese, para onde as forças intelectuais, conceituais, argumentativas, experimentais se voltam. Ela está por toda parte; • O Flanêur e sua ociosa paixão pelo incógnito e pela multidão, seu despertar para os elementos ordinários, cotidianos, insignificantes aos olhos e ouvidos desavisados... Persona que poderá ser apropriadamente conhecida nas bandas dos “Errantes de Paola” e “Há uma flâneuse?”; • O Cronofotógrafo que permanece parado na cidade, observando e registrando a passagem inesgotável do tempo e do cotidiano. Figura presente nas “Cronofotografias de rua”;

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• O Jogador, que ganha o nome de Homo Ludens em algumas ocasiões, principalmente quando busca na cidade, pela cidade, uma maneira mais sincera, menos espetacular e homogeneizadora das relações humanas e sociais com os espaços urbanos. Persona que se vê sempre próxima da “Psicogeografia”, mas tende a se levar para caminhos desconhecidos e improváveis, por sua própria natureza constitutiva lúdica e “situacionista”; • O Colecionador, infindavelmente, buscando novos elementos para seu relicário, onde irá remover toda e qualquer funcionalidade original fornecida pelo proprietário profano. Persona útil e convidativa para ser sobreposta a outras figuras dessa lista, conferindo-lhes uma postura intensificada e interessada perante a investigação e coleta dos elementos


para as narrativas propostas. O fragmento “Colecionar” é o local mais indicado para vêlo em sua essência, sem as interferências das outras personas normalmente aproximadas. • O Fisiognomista, persona inquieta, está sempre observando a cidade e a multidão, em busca de detalhes peculiares em traços e gestos ordinários, esgotando-os na forma de caricaturas e anedotas ácidas e cômicas. • Outras tantas personas possíveis figuram entre os itens integrantes desse museu de cera: o Errante adquirido de Paola Berenstein Jacques (2012), o Homem lento emprestado de Milton Santos (2014), o Estrábico inventado por Francesco Careri (2016), o Zappeur adquirido de Bastos (2007), o Blasé de Simmel (1973), o Detetive de Poe (2003), o Corpo sem órgãos de Deleuze e Guattari (2004) etc. etc. 4. O Fisiognomista Persona respeitada nesse museu de cera, o Fisiognomista tem lugar de destaque nas experimentações e nas narrativas urbanas, principalmente durante o nascimento da cidade moderna, onde tudo ainda era “novo” e inesperado. Charles Baudelaire (2011) incorporou essa persona em seus “Tableuax parisiens” [Quadros parisienses de As Flores do Mal], um livro de iniciação na literatura urbana, e “se transformaria num dos mais renomados fisionomistas da imagem urbana.” (FERRARA, 1999, p. 203). Esse mesmo Baudelaire percebeu a incorporação do Fisiognomista também em Edgar Allan Poe, Um observador que sabe farejar rastros, descobrir correspondências, identificar criminosos a partir dos indícios mais microscópicos, como um apache que lê, num galho quebrado, coisas e ações invisíveis à percepção civilizada (...). Esse moicano sabe lar traços, também no rosto das pessoas, é o grande fisionomista da multidão. (Baudelaire in PECHMAN, 2002, p. 267-8)

Máscara também experimentada exaustivamente pelos fotógrafos de rua, desde Eugène Atget até Peter Funch, passando por Berenice Abbott e Garry Winogrand – para mencionar apenas alguns. E até mesmo Walter Benjamin, um dos nossos figurões, já foi visto sob a persona do Fisiognomista: para Bolle (2000, p. 42) a “fisiognomia benjaminiana [realizada principalmente no texto “Rua de mão única”, ou “contra-mão”] é uma espécie de <especulação> das imagens: um exame minucioso de imagens prenhes de história”, pois como indicava o próprio Benjamin, “Escrever a história significa atribuir aos anos a sua fisionomia” (in BOLLE, 2000, p.40). Portanto, figura heroica e especial dentro de nosso museu de cera das personas urbanas, o Fisiognomista merece um elogio nesta tese, entendendo que “só aquele que conhece as ruas, que se enfia na multidão e detém a <chave da rua> pode dominar a <ciência da observação>.” (PECHMAN, 2002, p. 267). Ciência que recebe o nome de “fisiognomia” (...) neologismo introduzido aqui para expressar um vaivém entre o objeto estudado, a “fisionomia” da cidade, e o olhar do “fisiognomonista” - é uma técnica de leitura da cultura e da sociedade que remonta a uma tradição fundamentada por Johann Kaspar Lavater (1741-1801), com seus fragmentos fisiognomônicos. (BOLLE, 2000, p. 18)

A fisiognomia é a ciência de conhecer o caráter (não os destinos aleatórios) de

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Para Lavater, em seu livro “Physiognomische Fragmente zur Beförderung der Menschenkenntnis und Menschenliebe” [Fragmentos fisiognômicos para o fomento do conhecimento e do amor entre os homens], de 1775-8,


um ser humano lato sensu a partir de seus traços exteriores; a fisiognomia lato sensu seria, portanto, todos os traços exteriores do corpo e dos movimentos de um ser humano, na medida em que, a partir daí, é possível conhecer algo do seu caráter. (in BOLLE, 2000, p. 41)

Ou seja, a fisiognomia, e junto dela o Fisiognomista, se configura como um primeiro contato e estudo do outro – no nosso caso, o outro urbano. Pois, já que “a praça é a cena na qual todos são atores e espectadores ao mesmo tempo” (FERRARA, 1999, p. 211) e é ela, a praça, nosso lugar primordial do contato com o outro, nada mais evidente que elogiar e explorar a persona do Fisiognomista. A fisiologia nos introduz na grande questão ligada à entrada em cena das multidões: a da identidade. Ela nos introduz nos mistérios da cidade. (...) O fisiologista [herdeiro dos fisiognomonistas] cumpre, portanto, dois papéis: o de observador da cena urbana e o de apaziguador de conflitos, na medida em que suas observações (as fisiologias) funcionam como abafadoras do confronto de todos contra todos.” (PECHMAN, 2002, p. 268)

5. Imagens na memória Dificilmente, uma história do cotidiano da modernidade poderá prescindir das descobertas desses fisiognomistas urbanos que, perseguindo rastros e detalhes “aparentemente irrelevantes”, desmascaram feições e feitos da modernidade. (BOLLE, 2000, p. 19)

O Fisiognomista urbano, ao caminhar e presenciar a vida na cidade, “(...) aprendeu a ver a cidade como um corpo humano e a usar a técnica de superposição que faz com que, miticamente, a percepção da cidade e a do próprio corpo se confundam” (BOLLE, 2000, p. 43) e, desse aprendizado, ele estabelece o primeiro campo, a superfície, das investigações pertinentes à compreensão da cidade que habita: as imagens da cidade. Além das explicações socioeconômicas do urbano, estão as imagens da cidade que assinalam uma robusta realização humana, uma forma distinta de civilização. Nessas imagens estão as representações, a linguagem urbana através da qual não apreendemos as explicações abstratas, mas aquelas constantes que atingem e modelam o nosso cotidiano. As imagens urbanas despertam a nossa percepção na medida em que marcam o cenário cultural da nossa rotina e a identificam como urbana: o movimento, os adensamentos humanos, os transportes, o barulho, o tráfego, a verticalização, a vida fervilhante. (...) As transformações econômicas e sociais deixam, na cidade, marcas ou sinais que contam uma história não verbal pontilhada de imagens, de máscaras. Que têm como significado o conjunto de valores, usos, hábitos, desejos e crenças que nutriam, através dos tempos, o cotidiano dos homens. (FERRARA, 1999, p. 201-2)

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As imagens que interessam ao Fisiognomista são as mais puras e arcaicas representações concretas da vida urbana, deixando de lado interpretações e considerações mais abstratas, preferindo a captação e manipulação crua do que se passa perante seu corpo. Ele faz fisiologias urbanas, percebe as imagens e as grava na memória, num diálogo entre conhecimentos científico e poético, como se ela, a fisiognomia, “fosse a constelação que define sua identidade”, onde “rosto e corpo [do Fisiognomista] se assemelham mimeticamente à cidade que ele habita” (BOLLE, 2000, p. 43). Nessa identificação com as imagens da cidade, o Fisiognomista as registra e coleciona,


menos preocupado em enfeitar a memória, mas sim em gravá-las na própria memória e, consequentemente, na memória da cidade. Mas “como se procede para <gravar imagens na memória>? (...) Temos pela frente uma densa paisagem de imagens e fragmentos urbanos, uma <floresta de símbolos à atravessar>” (BOLLE, 2000, p. 44). E ao atravessar tal paisagem, o Fisiognomista elabora e executa uma constelação de retratos urbanos, uma coleção, um álbum de imagens ordinárias que identificam e evidenciam o cotidiano urbano de seu tempo. 6. Constelação de retratos urbanos A história da imagem urbana é aquela que culmina com o relato sensível das formas de ver a cidade; não é descrição física, mas os instantâneos culturais que a focalizam como organismo vivo, mutante e ágil para agasalhar as relações sociais que a caracterizam. (FERRARA, 1999, p. 203)

Como anunciado anteriormente, as fisiologias executadas pelo Fisiognomista são, muitas vezes, representações miméticas do seu próprio corpo no espaço urbano e servem de definição de parte de sua identidade, as imagens de cidade registradas por ele são também retratos de outros corpos vivendo o espaço urbano: menos emblemáticos e heroicos que as personas urbanas, o que vemos são os seres anônimos que povoam e atuam nos espaços da vida cotidiana: as personagens urbanas. Partindo da superfície, da epiderme de sua época, ele [o Fisiognomista] atribui à fisiognomia das cidades, à cultura do cotidiano, às imagens do desejo e fantasmagorias, aos resíduos e materiais aparentemente insignificantes a mesma importância que às “grandes ideias” e às obras de arte consagradas. (BOLLE, 2000, p. 43)

Assunto predileto dentre as representações executadas pelo Fisiognomista, as personagens urbanas constituem um campo fértil e “prenhe de história”, como quer Benjamin, onde podemos encontrar os primeiros indícios de uma narrativa urbana que poderá ser, enfim, aprofundada e especificada por todas as outras personas colecionadas. A seguir são apresentados alguns desses momentos de registro e coleção das personagens urbanas, mas antes uma recomendação e alerta tomadas emprestadas da professora Lucrécia Ferrara (1999),

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Dadas as dimensões do assunto, é óbvio que não se pretende nenhum tipo de cobertura abrangente, mas apenas fixar algumas imagens urbanas no decorrer da história, tendo em vista estabelecer as categorias de sua manifestação. (...) Embora correndo o risco de uma indiscutível tendência à simplificação, a tentativa desse esboço é sedutora pelo exercício de detida observação e esforço interpretativo. (p. 202-3)


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• Fisiognomistas “pré-históricos” anônimos representaram, entre os séculos XIII e XVIII, em pequenos cartões ou em painéis e tabuletas de madeira os “Les Cris de Paris” [Os gritos/lamentos de Paris], personagens urbanas ambulantes que vendiam produtos e serviços aos gritos rimados e ritmados pelas ruas das cidades:


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• Edmé Bouchardon (1698-1762), publica em 1737, à pedido do rei, uma série de ilustrações, gravadas e impressas pelo Conde de Caylus (1692-1765), chamada “Études prises dans le bas Peuple où les Cris de Paris” [Estudos realizados sobre as Pessoas mais simples a partir dos Gritos de Paris], apresentando várias personagens urbanas de forma detalhada e realista, indicando um caminho preciso para as investigações futuras dos Fisiognomistas urbanos.


• Os primeiros Fisiognomistas foram aqueles que registraram o panorama da vida na Paris do começo do século XIX, em fascículos de bolso vendidos na rua e que descreviam, na forma ácida e cômica das caricaturas, os tipos urbanos que se encontravam por toda a cidade. Tais fascículos eram chamados de “Les Physiologies parisiennes” [Fisiologias parisienses] e abrangiam uma enorme gama de personagens urbanas, das mais insignificantes às mais “ilustres”, e seguiam duas principais vertentes: uma pitoresca/ idílica/inócua (os fascículos vendidos a 1 franco ao público urbano recém instruído) e outra mais crítica urbana (representado pelos autores literários e suas publicações mais elaboradas): – Louis-Sébastien Mercier (1781) - “Tableau de Paris” [Representação de Paris]; – Jean Anthelme Brillat-Savarin (1826) – “Physiologie du Goût” [Fisiologia do Gosto]; – Honoré de Balzac (1829) – “Physiologie du Mariage” [Fisiologia do Casamento]; – Pierre-François Ladvocat (1831-4) – “Paris ou le livre des cent-et-un” [Paris ou o livro dos cento e um], uma publicação em 15 volumes periódicos; – Léon Curmer (1840-1842) – 423 edições periódicas do encarte “Les français peint par euxmêmes” [Os franceses pintados por eles mesmos], com textos de Balzac, Nerval, Chares Nodier, Théophile Gautier, Dumas etc. e ilustrações de Monnier, Gavarni, Toni Johannot etc.; – Louis Huart (1841), editor e redator dos humorísticos “La Caricature” e “Charivari” – “Muséum parisien, historie physiologique, pittoresque et grotesque de toutes les dêtes curieuses de Paris et de sa banlieue” [Museu parisiense, história fisiológica, pitoresca e grotesca de todas as bestas curiosas de Paris e seus arredores]. Ilustrado por Grandville;

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– Pierre-Jules Hetzel (1845-6) – “Le diable à Paris: Paris et les parisiens: moeurs et costumes” [O diabo em Paris: Paris e os parisienses: costumes e figurinos].


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• “London Labour - London Poor” [O trabalho de Londres – A pobreza de Londres] de Henry Mayhew (1851-65).

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• Cartes-de-visite de Christiano Junior no Rio de Janeiro em 1865. Fotografias com 9,5 x 6,0 cm de negros-escravos ampliadas em albumina e coladas em papel cartão, registrados e comercializados nas ruas como lembranças exóticas e objetos de troca entre as pessoas, principalmente ao voltar para o continente europeu após visita ao “novo mundo”.


• “London Street Life” [A vida nas ruas londrinas] de John Thomson (1887-8).

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• “Os Ambulantes” de Marc Ferrez no Rio de Janeiro (1895).


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• Álbum “Petits Métiers de Paris” de Eugène Atget (1898-1900).


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• Cartes Postales de petits métiers de Paris / Costumes portuguezes / Cartões Postais (1900-10)


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• Vistas urbanas de Vincenzo Pastore em São Paulo (1910): “No giro das suas lentes, entramos na outra face de um mundo que mudava (...)” (Antonio Arnoni Prado, in PASTORE, 2009, p. 07).


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• “Ambulantes” de Francis Alÿs (1992).


PERSONAGENS URBANAS RETRATADAS (sempre da esq. p/ dir. e cima p/ baixo) “Les Cris de Paris”...: Vendedor de guarda-chuva; Amolador; Vendedora de ostras; Vendedora de jogos; Vidraceiro; Ladrilhador; Vendedora de tecidos; Vendedora de flores; Vendedor de infusões; Vendedor de cestas e colheres; Vendedora de peixe; Vendedora de ervilha; Vendedor de roupas; Vendedor de legumes; Vendedora de ovos; Vendedora de amêndoas. “Études prises dans le bas Peuple où les Cris de Paris” de Edmé Bouchardon: Vendedor de facas, pentes e tesouras; Vendedora de ostras; Lanterna Mágica; Vendedor de cata-vento; Mendigo; Vendedor de laços; Vendedor de ratoeiras; Realejo; Vendedor de lanternas. “Les Physiologies parisiennes”...: “Porta de bonde”; “O velho rapaz”; “A Prostituta”; “O Poeta”; “O Apaixonado”; “A Concubina”; “O Homem com cem mil coroas”; “O Empregado”; “O provincial em Paris”; “O Carteirista”; “O Flâneur”; “O Trapeiro”. “London Labour - London Poor” de Henry Mayhew: Vendedor de ninhos; Vendedor de letras de música; Vendedor de raladores de nozmoscada.

Cartes-de-visite de Christiano Junior:

Vendedora de frutas; Barbeiro; Balaieiro; Vendedora de verduras; Vendedor de cadeiras.

“London Street Life” de John Thomson:

Homem-sanduíche; Vendedor de chaves, correntes e cadeados; Limpador de chaminés.

“Os Ambulantes” de Marc Ferrez:

Vendedor de pães doces; Vendedor de tecidos e panos; Garrafeiros; Amolador; Vendedora de miudezas.

Álbum “Petits Métiers de Paris” de Eugène Atget:

Padeiro; Trapeiro; Pavimentador; Limpador de vitrines; Vendedor de abajur; Carteiro.

Cartes Postales de petits métiers de Paris...:

Vendedor de alcachofras; Camelô (vendedor de roupas); Cantora de pátios; Colador de cartazes; Varredor de rua; Homem-sanduíche; Vendedor de vassouras e espanadores; Padeiro; Amolador de facas.

Vistas urbanas de Vincenzo Pastore:

Carroça de coleta de lixo; Vendedor de frutas; Garotos engraxates; Pequenos prestadores de serviço; Vendedor de vassouras; Vendedora de galinhas. “Ambulantes” de Francis Alÿs:

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Catador de ferro-velho; Carregador de tecidos; Carregador.


Mas, para findar, ou pelo menos estabelecer um ponto de parada dentro do museu de cera que se apresentou acima, juntamente com uma pequena parte da constelação de retratos urbanos típica da persona fisiognomista, o que se pretende aqui, insisto, é uma particularização e realce da persona hipótese, o Trapeiro. É sobre ele que pretende-se lançar uma compreensão mais aprofundada. É sobre ele que espera-se recaiam características evidentes, suficientes para um perceber e incorporar mais apropriado. Entretanto, tais características acabam sendo apresentadas de forma pulverizada dentre todo discurso estabelecido nessa tese. São vários os fragmentos que indicam uma ou outra característica do Trapeiro, mas em nenhum momento se fez tal enunciação com a devida “exclusividade”. Nada mais adequado, por isso, que tal “demonstração” seja feita justamente aqui neste fragmento, nesse espaço-museu de cera, onde a luz e o clima do ambiente parecem ser bastante propícios. Ao voltar-se para o Trapeiro que está ali no meio do ambiente, vislumbrá-lo e analisá-lo para estabelecer uma espécie de lista de características, numa ação enciclopédica aos modos de Aristóteles, não se chegaria a muitas revelações. O corpo do Trapeiro está inteiro, se vê uma unidade. O que não significa que aquele corpo seja necessariamente uma unidade. O Trapeiro, na verdade, é uma personagem constituída de incorporações de pedaços de diversos outras personas. Ele é feito dos vários pedaços, restos e fragmentos que lhe são mais interessantes. Como já dito em outro fragmento da tese, o Trapeiro é o que ele coleciona. E, importante relembrar, o Trapeiro não está atrás apenas de objetos e coisas para resgatar, colecionar e resignificar. A nossa persona está também colecionando pedaços e partes de características de outros companheiros seus. Companheiros de rua, de Cidade, de inquietações. No corpo do Trapeiro vemos pedaços do Flâneur, trapos do Etnógrafo, fragmentos do Jogador, lascas do Errante, vestígios do Homem Lento, etc.

Enfim, o que se apresentará a seguir é um possível congelamento de um instante de um também possível corpo de um Trapeiro, com seus pedaços indicados e que poderiam estar naquele lugar, mas também poderiam estar em outro.

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Mas o corpo do Trapeiro, feito de pedaços de outros, não se assemelha ao corpo do Frankenstein (já mencionado também na tese). Diferente desse, que tem partes de outros aproximadas e costuradas como uma colcha de retalhos, os pedaços que constituem o corpo do Trapeiro são aproximados e, muitas vezes, sobrepostos em alguns trechos. Não existe uma divisão clara e visível (linha de costura) de onde um pedaço acaba e outro começa. Os limites de um pedaço e outro se confundem, ficam borrados. E este estado “borrado” o torna complexo e de difícil identificação fracionada. Seu corpo não é um quebra-cabeça montado, onde as peças se encaixam perfeitamente. Não é possível ver onde acaba o pedaço resgatado do Flâneur e onde começa o pedaço colecionado do Fisiognomista. Não é possível estabelecer um “mapa” das partes constitutivas do Trapeiro – mapa semelhante àqueles infográficos bovinos e suínos dos “cortes” das respectivas carnes. O que se pode perceber é uma cartografia nebulosa, informe e instável. Manchas sem bordas definidas compondo, quase randomicamente, o corpo do Trapeiro. Nebuloso e randômico pois a posição dos pedaços neste corpo não é estável, determinada, condicionada (por exemplo, parte da maneira de enxergar a cidade do Trapeiro é sempre advinda da maneira típica do Flâneur). A posição dos pedaços são variáveis, nem sempre estão naquela parte do corpo, podem variar. Pois variam também os pedaços colecionados, os momentos colecionados, as resignificações realizadas, os humores momentâneos.


Flâneur Estrábico Jogador

Etnógrafo

Errante Cronofotógrafo Colecionador Fisiognomista

Flâneur

Homem Lento Errante Detetive

Colecionador

Fisiognomista

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Cronofotógrafo

Flâneur



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