TREVL 14 "Outono-Inverno 2017" — amostra

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Editorial

O lugar vazio

A

primeira TREVL que saíu para as bancas há três anos falava de teimosia — era essa a característica que a nossa equipa assumia quando insistia num formato impresso numa altura em que tudo apontaria para o digital.

Esta 14.ª TREVL vai para a gráfica perto do anúncio do final da revista Motociclismo portuguesa, que terminou junto com muitos mais títulos do mesmo grupo editorial. É uma revista que, no mundo das motos, nos habituámos a ver por perto, em concessionários e oficinas, mas também na casa dos amigos, sobre as mesmas mesas onde começámos a ver outras coisas, como tablets. Estes — não sendo os únicos responsáveis — simbolizam os tempos actuais onde a indústria de conteúdos ganhou dimensões diferentes.

É discutível se a Motociclismo seria uma concorrente da TREVL, ainda que a edição anual «Motociclismo Viagens» servisse o mesmo público. O fim desta publicação está longe de ser algo bom para nós, porque é na força enquanto comunidade que ganhamos todos. Nem sempre é bom quando a nossa concorrência desaparece, porque esta na realidade anda em palcos distintos. Hoje nas bancas, como na cadeira vazia da mesa posta de uma família que chora quem se perdeu, há um espaço onde estava alguém para onde nos habituámos a olhar procurando uma referência num dado momento da nossa vida. Um espaço que agora vemos vazio. E, como nas famílias, celebramos a memória de quem nos deixa continuando com força e determinação José Bragança Pinheiro Director — jbpinheiro@trevl.pt

Moura-Baucau

Got 2 Go

2nk

UM ALENTEJANO EM TIMOR

VOLTA AO MUNDO NO FEMININO

CABO NORTE E EUROPA

Capa Dois tigres nas dunas. ESCANDINÁVIA — IRÃO — CAXEMIRA — SIQUIM — TURQUIA 4,50€ (Continente) IVA Inc.

Outono-Inverno 2017

TREVL#14 | Outono - Inverno 2017 — Quadrimestral

Foto Lea Rieck («Got2Go»)

Escandiávia • Irão • Caxemira • Siquim • Turquia

cover14.indd 1 13/11/17 15:54

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do acotarescrita Director e Revisão José Bragança Pinheiro jbpinheiro@trevl.pt

Viajantes e colaboradores António Rosado Arnaldo Guedes Gonçalo Franco Hugo Ramos Lea Rieck Robin Thomas Tiago Sousa Lopes

página

Revis uguês. t em por ÃO foi , o Log N acordo do o adopta ráfico. or tog 85

Os dois amigos Gonçalo Franco e Arnaldo Guedes contam-nos a aventura «2NK» ligando os cabos Norte e da Roca. Escandinávia (“AsViagens.com”)

Editor Geral Hugo Ramos

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Arte Rita Pereira José Bragança Pinheiro Publicidade António Albuquerque

antonio.albuquerque@fast-lane.pt

Telefone: (+351) 939 551 559

O António Rosado ligou Moura, Alentejo, a Baucau em Timor. Neste número conta-nos histórias da Turquia e Irão. Moura-Baucau («Out off the Box»)

A viajante Lea Rieck esteve em Portugal, pouco antes de terminar a sua volta ao mundo. Deixou-nos uma história passada no Nordeste da Índia, na remota região de Siquim. Siquim, Índia («Got2Go»)

O Tiago Sousa Lopes organizou uma viagem até uma das mais altas estradas do mundo, em Khardung La. Norte da Índia («NorthRoad»)

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Assinaturas: assinaturas@trevl.pt

BMW G 310 GS por Hugo Ramos

20 30

Proprietário e editor

FAST LANE - Media e Eventos, Lda.

Administração, Redacção e Publicidade:

BMW R1200 GS «Rallye»

por Hugo Ramos

Av. Infante D. Henrique, Ed. Beira Rio, Fracção T 1950-408 Lisboa Telefone: (+351) 218 650 244

Depósito Legal: 357231/13 ISSN: 2182-8911

BMW R1200 nineT Urban G/S por José Bragança Pinheiro

16 24

BMW R80 G/S

75

BMW R850 GS

Impressão e acabamento:

@Avis, por José Bragança Pinheiro

@Moura-Baucau, por António Rosado («Out off the Box»)

LGS Impressores, Lda Rua Alfredo da Silva, 12 2600-016 Alfragide

Distribuição:

VASP – Distribuidora de Publicações, Lda. Quinta do Grajal – Venda Seca 2739-511 Agualva-Cacém

Royal Enfield 500

@Norte da Índia, por Tiago Sousa Lopes

Periodicidade Quadrimestral (3x por ano)

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Todos os direitos reservados de reprodução fotográfica ou escrita para todos os países. Estatuto Editorial TREVL é uma revista lúdica e informativa sobre a temática do motociclismo nas suas vertentes de lazer, mobilidade e transporte, desportiva, cultural e, especialmente, turística. TREVL dará especial relevo ao rigor da escrita e à componente artística do desenho gráfico e da fotografia. TREVL empenhar-se-á num jornalismo apaixonado e comprometido com a temática que é seu objecto. TREVL é independente do poder político, económico e de quaisquer grupos de pressão. TREVL defende e respeita o pluralismo de opinião sem prejuízo de assumir as suas próprias posições. TREVL assumirá uma postura formativa. TREVL respeita os direitos e deveres constitucionais da liberdade de expressão e de informação e cumpre a Lei de Imprensa.

Yamaha «Super Téneré» XTZ1200

@Europa, por Arnaldo Guedes e Gonçalo Franco

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Triumph «Tiger» 800XCA

@Siquim, por Lea Rieck «Got2Go»


Khardung La

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«La em Leh»

@Norte da Índia, por Tiago Sousa Lopes («NorthRoad»)

«Em Leh, a notícia da nossa subida até Khardung La usando motos próprias havia se espalhado. — Não podemos liderar o grupo hoje — dizia-me Ali. A nossa equipa indiana temia represálias dos locais, recusando encabeçar a comitiva.»

Deli

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«As Escolhas de Robin»

por Robin Thomas («Following the Front Wheel»)

Siquim

«Vermelho Got2Go»

por José Bragança Pinheiro

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Birmânia

«Jóia»

@Siquim, Índia, por Lea Rieck «Got2Go» 90 «Uma jóia preciosa ainda se esconde, à espera de ser descoberta no extremo oriental da Índia, encaixada entre o Nepal, Butão, Bangladeche e Burma —a região de Siquim.» Cabo Norte

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«Beemers»

por José Bragança Pinheiro

«2NK — 18 000 km pela Europa»

@Escandinávia e leste europeu, por Gonçalo Franco e Arnaldo Guedes

«O relógio tomamo-lo por mentiroso ou avariado — marca noventa minutos passados da meia-noite, mas pela luz parece ser meio da tarde — e não era noite desde a Estrada Atlântica.»

Cabo da Roca

Istanbul

«Moura-Baucau»

@Turquia e Irão, por António Rosado («Out off the Box»)

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«Chegados ao "Homem do Chá", nada me podia ter preparado para o que me era dado ver ali, na pequena Sanandaj, uma vila de montanha no Curdistão iraniano, pela mão dos humildes Arman e Naseh. Era surreal.»

Índice de Destinos

Bandar Abbas

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5 página


Raio-X

Old’s Cool Uma cápsula do tempo é algo que guardamos numa caixa durante muito tempo. Até que um dia... José Bragança Pinheiro

O

relógio mantém-se suspenso. Não está parado, pois os que param estão certos pelo menos duas vezes por dia. Este marca uma hora impossível. O ponteiro dos minutos escolheu o zero para repousar, direito que nem um fuso, ao passo que o das horas é o indeciso da família, ali preso entre as nove e as dez. Como em qualquer máquina do tempo que se preze há uma consola de botões e mostradores, onde um se destaca dos demais. É um contador de números que vão passando onde, a cada volta, se viaja um ano. Este contador ficou congelado no ano improvável de 8055, como se tivesse aventurado num futuro longínquo ou num passado jurássico.

Frida Apronta-se para o baile Neste bem conseguido vídeo, o Carlos Azevedo revela os bastidores da «Operação Frida». Aprecia.

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A sua presença não passa desapercebida numa multidão. Frida estremece — e nós com ela — ao carregar do pequeno botão vermelho, o qual ele mesmo é um avanço para o seu tempo, quando então muitas das demais só arrancavam a toque de patada. Mas Frida não — Frida é uma senhora, e as senhoras não se tratam assim. Foi criada para viver no campo, mas educada para não destoar entre a aristocracia. Por isso não se nega a carregar um saco pesado às costas, nem se arrepia de pensar numa noite ao relento junto a uma tenda montada à beira do lago de Montargil. Resulta natural para ela um passeio na picada de terra ou

até no lavradio. Mas, apesar de na sua cabeça ainda se sentir jovem, o corpo pesa-lhe e já não lhe respondem as pernas como dantes. Sente-se pesada e lenta em cada ressalto da estrada que lhe castiga as molas. Um dos grandes prazeres de se viajar com uma senhora é o ritmo pausado das conversas, onde cada palavra é dita com segurança, firmeza e determinação. Não finge saber tudo e recusa-se falar do que não sabe — como aquelas lambisgóias de hoje —, diz-nos, notando-lhe o embaraço no momento de codrilhice que deixa escapar. Conta-nos que o mundo não lhe é estranho, enquanto nos revela onde tatuara as palavras «Paris» e «Dakar» — num local reservado — assegura-nos. Paris, cidade de cultura, arte e paixão, parece relembrar que há uma fineza no seu trato, uma fragância floral. Dakar fala-lhe ao coração de viajante aventureira, como se fora feita na costa de África num bar escuro das docas de Dakhla, com cheiro de rum e cerveja. Levou-nos a passear nas planícies do Alentejo, o qual a faz ficar nostálgica e pensativa, lembrando-lhe África, por vezes. Mostrou-nos alguns segredos como uma cascata inimaginável onde lhe roubaram um beijo às escondidas, ali para os lados da Ribeira da Seda. Pede-nos que não contemos a ninguém onde fica este seu segredo e assim faremos, aproveitando para mais um mergulho nas águas frescas entre as árvores e juncos.

próxima pág. A paisagem faz lembrar África, talvez porque o Alentejo num Verão demasiado quente não seja assim tão diferente. (@Ribeira da Seda)

pág. seguinte Um momento para descansar os pulsos da massagem que a Frida administra quando a levamos para fora da estrada. (@Avis)


Raio-X «BMW R80 G/S "Frida"»

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Raio-X «BMW R nineT Urban G/S»

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pág. Actual Topo esquerda Final de dia nas estradas russas. (@São Petersburgo, Rússia) Topo direita Lago gelado a caminho dos «trolls». (@Trollstigen, Noruega) Base Refúgio a meio da subida, numa paragem para apreciar a vista. (@Col du Sommelier, Alpes)

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cada um convencido que esse era o desejo do outro. Já no quarto pago para a noite e percorridos 200 km para o efeito, apercebemo-nos que nenhum queria na verdade ter ali ficado a dormir. Talvez para nos redimirmos, essa foi a última noite que pagámos para dormir em 10 dias. No dia seguinte, o couchsurfer Christian acolheu-nos em Rostock, depois de uma paragem a meio em Berlim. À chegada aguardava-nos à porta do seu hostel, o qual ia funcionar como balneário, visto a casa dele onde dormiríamos estar em obras, sem casa de banho, nem água canalizada. A manhã seguinte começaria a contra-relógio até ao porto de Rostock, onde embarcaríamos para nos estrearmos nos países nórdicos.

Nórdicos

Foi a nossa primeira travessia de barco e uma nova sensação de estar realmente longe de casa, com as nossas motas. Entrámos na Dinamarca por Gedser e fomos direito a Møns Klint, palco para as fantásticas falésias de calcário, coleccionando imagens em filme das belas paisagens pelo caminho. Percorremos as zonas mais famosas de Copenhaga, antes de apanharmos o segundo barco que nos transportaria até Helsingborg, na Suécia, onde tentaríamos dormir o mais perto possível de Estocolmo, encontrando acampamento na floresta, a 100 km da capital. Permitimo-nos uma visita rápida a Estocolmo, sem comprometer chegarmos nesse mesmo dia


Raio-X Yamaha «Super Téneré» XT1200Z (2017) — edição «2NK» — 9

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4

3 8

6 10 1 4 6 5

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13

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1 Protecção lateral do motor Barras laterais da Givi. 2 Protecção de carter Protecção de carter da Givi. 3 punhos Protecções de mãos SW-Motech Kobra e extensores personalizados para aumentar a cobertura do vento e chuva, com punhos aquecidos Oxford. 4 Malas rígidas As três malas da Givi, modelo Trekker Outback, com suportes personalizados para câmaras de acção nas barras das malas laterais.

XT para ti, XT para mim

5 Mala de ferramentas Mala de ferramenta Givi adaptada nos ferros das malas laterais, do lado de dentro.

9 Alimentação de periféricos Carregador embutido na mota, com cabo dedicado para os telemóveis, em X-Grip no guiador.

6 Iluminação Faróis auxiliares adaptados a médios e barra de «led» adaptada a máximos, todos da Fourheka.

10 Combustível e ginja Dois jerricãs «Givi» 2,5 L em cada moto com suportes adaptados — um para gasolina, outro com ginja «Vila das Rainhas».

7 Navegação GPS Garmin Montana 600 A e Garmin Zumo 595 G , ambos com suportes Touratech.

11 Protecção de iluminação Protecções de oculares da DS e da Touratech A .

8 Saco de depósito As malas de depósito são «Enduristan 4H» com anel «Givi» («Quick Lock» adaptado), com alimentação de energia «Optimate».

Trocámos de motas em Fevereiro de 2017 — as fiéis Honda Transalp e Suzuki V-Strom deram lugar a duas Yamaha Super Téneré XT1200Z, uma feia outra bonita, sem que cheguemos a acordo qual é qual. Sendo uma das minhas motas de eleição, depois de vários ensaios e testes a vários modelos, ambos queríamos mudar e concordámos que seria a melhor mota para a viagem. Comprámos as motas, cada uma delas usada e em semanas diferentes, adicionámos os acessórios, criámos algumas peças personalizadas e adaptámos tudo o que achámos necessário ao longo dos meses.

G

12 cruise-control «Throttle Lock KAOKO». 13 Pneus Pneus «Mitas E-07 Dakar, um jogo único. para toda a viagem e ainda foram a Avis.

Fizemos as nossas próprias revisões completas e escolhemos pneus que durassem todo o percurso além de nos permitirem algumas incursões fora de estrada. Duas, três, quatro, cinco vezes por semana os nossos serões foram passados na Arny’s Garage, a nossa «oficina», muitas vezes rodeados de amigos, muitas vezes sozinhos, sempre com algo para montar, desmontar ou inventar. Na nossa análise das motos, sempre que algum aspecto seja apenas respeitante a uma delas, distinguimos incluindo para a moto do Arnaldo, A e G para — adivinharam — a do Gonçalo. Escandinávia e Leste Europeu («2NK»)

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Escolhemos que o ano seria 2017 e Julho o mês, o melhor entre os seus pares para esta demanda.

Uma rota única O «Mais Grande»

Há uma certa discussão sobre qual é na realidade a estrada circulável mais alta do mundo, título para o qual Khardung La concorre. Asseguram que o é as gentes locais e todas as placas de sinalização (até o «Livro de Recordes do Guiness» o diz) , prometendo 5602 m de altitude. Mas os GPS dizem que não, que são apenas 5359 m e, se assim for (como o artigo abaixo elabora), é destronado para um 7.º lugar, bem atrás de Dungri La (5610 m) e isto é sem contar com a América do Sul, porque na Bolívia há uma estrada «ciclável» a 5768 m de altitude num passo chamado Uturuncu. Marcamos no mapa ( ) onde ficam os cinco mais altos que Khardung La, uma equipa de excepção, polémicas aparte.

pág. Anterior Rodopiando, os dançarinos faziam as delícias das crianças boquiabertas, ao som das trombetas que vão ecoando no vale. (@Mosteiro de Key, Langza)

Do trabalho de investigação e preparação que nos é familiar com a nossa equipa de apoio na Índia, depressa concluímos que a rota mais comum não nos servia — teria de ser única e especial também nesse sentido. Rumaríamos desviando-nos para nascente, procurando o inóspito vale de Spiti, recolhido no isolamento meditativo que a fronteira com o Tibete oferece. Com esta opção aumentava o isolamento e a distância por estradas não pavimentadas. A dureza subia, reforçando o tom de desafio também na condução na esperança que a bravura não fraquejasse aos nossos clientes, aliciando com a possibilidade de chegar aos sítios mais intocados e isolados do mundo, e fazê-lo como adoramos — de moto.

Um grito e um apito

Um grito e um apito libertam o comboio da estação de Nova Deli. A confusão permanente instalada na plataforma ganhava distância, ficando mais e mais pequena vislumbrada por entre as persianas metálicas das janelas empoeiradas. Já sem as de madeiras em guilhotina de outrora, o comboio hoje faz-se de linhas modernas, mas mantém o ar cansado. As persianas abrem-se na tentativa desesperada para circular algum ar no interior da carruagem. Naquele momento — em pleno Julho, dia 15 — essa imagem romântica, de uma Índia colonial de um comboio derelicto que se move lento, falha. Mas nada disso parece incomodar aquele grupo de seis portugueses, um francês e um canadiano. Vestem-se de roupas estranhas, casacos robustos pejados de bolsos e fechos, botas pesadas — todo o conjunto denuncia não serem dali. Vive-se o entusiasmo especial das primeiras horas das grandes viagens, altura para sentir a Índia e conhecer os companheiros de aventura, enxotando o cansaço dos vôos longos. Até se imobilizar em Chandigarh, o comboio percorreria as longas rectas que fazem os 250 quilómetros, demorando apenas seis horas antes de chegar aos contrafortes da majestosa cordilheira dos Himalaias.

Royal Enfim

Harsha e Rohit, da nossa equipa indiana, esperavam-nos na estação ao final da

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disputas territoriais A coexistência indiana com os seus vizinhos está longe de ser amigável, com inúmeras frentes de conflito abertas reclamando controlo de territórios, sendo a mais conhecida e mediática aquela com o Paquistão na região de Caxemira, resolvidas que estão as disputas com o Bangladeche, Butão, Sri Lanka. 1 Jammu e CaXemira Jammu e Srinagar são as capitais de Inverno e Verão deste território de 222 mil km2 (onde Portugal cabe 2,4 vezes), o único estado muçulmano administrado pela Índia. Reclamado pelo Paquistão, tem sido o motivo principal para três guerras entre ambos. Ladakh — conhecido por «Pequeno Tibete» — é famoso pela beleza das montanhas e reduto da cultura budista. É neste contexto que esta viagem também tem lugar — beleza e tensão de mãos dadas. 2 caXemira Livre Azad («livre» em Urdu) Kashmir é um território de área pouco maior que Portugal (13,3 km2) hoje ocupado pelo Paquistão, mas reclamado pela Índia, resultante da cisão de Caxemira com a 1.ª Guerra de Caxemira em 1947. 3 Trans-Karakoram De ambos os lados do rio Shaksgam estende-se uma área de 5800 km2 controlada pela China, território agora reclamado pela Índia, depois de resolvida a disputa chinesa com o Paquistão em 1963. 4 Glaciar de Siachen Com 70 km de extensão, este glaciar é o 2.º maior do mundo em regiões não-polares, num pequeno território de limites mal definidos, hoje controlado pela Índia, apesar de reclamada pelo Paquistão. 5 Aksai Chin Incluindo as Planícies de Depsang, este território ocupado pela China é reclamado pela Índia, tendo sido palco da (curta) Guerra Sino-Indiana em 1962. 6 Kalapani Este pequeno território de 400 km2 é administrado pela Índia e reclamado pelo Nepal, sendo uma disputa relacionada com indefinições na localização da foz do rio que dá nome ao território, o qual terá servido em 1816 para a Índia Britânica definir a fronteira. 7 Arunachal pradesh Administrado pela Índia, este terrtório é reclamado pela China como parte do Tibete do Sul, sendo a sua fronteira a norte parte de um tratado entre o Reino Unido e o governo tibetano em 1914, nunca reconhecido pela China, ou sequer pelo Tibete.


5 Tajiquistão

China

4 3 2

Afeganistão

5

5

Khardung La (5359 m) Srinagar

Marsimik La (3.º—5582 m) Ladakh Kaksang La (6.º—5438 m)

Leh

1

4 Jispa

Jammu McLeod Ganj

1

Paquistão

3 Kaza

(Tibete)

Photi La (4.º—5524 m) Kinnaur Kailash (6050 m)

Shoja Kalpa

Chandra Taal No planalto de Samudra Tapu chega-se ao «Lago da Lua», cujo nome se deve à forma de crescente desenhada pelas suas margens. Estas cobrem-se de flores durante a Primavera, um local de excepção para se acampar na envolvência de montanhas de cumes nevados.

2

Nako

2

3

Visto para «La» Para percorrer a estrada Leh-Khardung La é necessário obter um visto emitido pela Associação de Motociclistas em Leh, não sendo permitida a circulação de motos de outros estados que não Jammu-Caxemira.

Dungri La (2.º—5610 m)

Chandigar 6

Vale de Spiti Também chamado de «Middle Land» por estar entre a Índia e o Tibete, este vale é uma área desértica de montanha, reduto budista Vajrayana onde se encontram vários mosteiros, locais de culto emblemáticos, entre eles alguns dos favoritos do Dalai Lama. Centenas de pastores semi-nómadas de ovelhas num raio até 250 km encontram aqui a sua «casa» de Verão. 7

Nepal

Nova Deli

Dongkha La (5.º—5500 m) Butão

Índia

4

La La Land Ao passos de montanha chamam-lhes «La» por estas bandas. E não são poucos, numa sucessão crescente de altitude, cada um mais deslumbrante que o anterior. Kunzum La 4590 m Nakee La 4739 m Baralacha La 4915 m Lachulung La 5070 m Tanglang La 5350 m Khardung La 5359 m

1 Great Himalayan National Park Classificado Património Mundial pela UNESCO desde 2014 , este é um habitat preservado de espécies protegidas como o Leopardo das Neves, o Carneiro-Azul ou o Urso Pardo dos Himalaias.

Bangladeche

Baía de Bengala

Mar Arábico Royal Enfield 500 E como é conduzir esta «Royal Enfield» em viagem? Ao raio-X, na página 67.

Mar das Laquedivas

Indra

As divindades hindus não se limitam a ter um «pelouro», como Indra será a deusa do Relâmpago, Trovão, Chuva e Rios — há todo um enredo digno de um filme de Bollywood associado a cada divindade. Indra é um bom exemplo de uma peça em três actos. No 1.º acto derrotou Vritra — símbolo de todo o Mal — e para celebrar trouxe a luz e as chuvas para ajudar a Humanidade. No 2.º acto revela-se um anti-herói — alcóolico hedonista e adúltero — que atormenta os monges. Termina ridicularizado como quem não só experencia a reencarnação, como também a «re-morte».

Sri Lanka Norte da Índia

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Sófia

Anjos da Guarda I, II e III

Bulgária

Istambul, Turquia — 14 de Setembro

Quando saí de Sófia na Bulgária, acreditei que o dia me ia sorrir — o Sol brilhava, as temperaturas subiam e à minha frente uma longa recta de 600 km. A estrada monótona lembra–me o meu Alentejo, em terreno quase plano, meio dobrado e plantações semelhantes às nossas — girassol e cereal a perder de vista. Nas duas horas — relativamente rápido — que demorei a passar a fronteira com a Turquia encontro os dois campeões portugueses de balões de ar quente, Nuno Pereira e Tiago Moreira, a caminho de defenderem as nossas cores no «RedBull Sea to Sky». Chega-se rápido daí a Istambul, num mar de camiões, trânsito cerrado que se arrasta lento. Entrei logo em modo local boy pois há muito que aprendi que as regras só servem na Europa — cumpri-las aqui significa arriscar um toque. E assim foi, «vá de furar». Perdido na cidade de 20 milhões à conta das inconstâncias do meu GPS, dou por mim cansado e suado numa bomba de gasolina à procura do hotel que me escapava. O caixa oferece-me uma garrafa de água fresca antes de se agarrar ao seu telefone para me ajudar a encontrar o hotel, perguntando a um e outro. — O hotel fica a 23 km — revelou um anjo da guarda que entretanto se juntara para me tentar ajudar, depois de procurar no seu telefone. — Com este trânsito demoramos 75 minutos — completou. Cedeu-me internet e eu lá pus o meu navegador do telemóvel a funcionar. — Segue-me — disse-me com um gesto. E assim fiz. Depois de nem ele dar com o dito, zigues para cá, zagues para lá, e travagens bruscas, a história acabou à porta do hotel, depois de rodarmos por ruas cheias de gente fechadas ao trânsito. No final, apenas me pediu uma coisa — uma foto para provar à mulher que tinha mesmo estado a ajudar alguém. Deitado na cama a olhar para roupa a secar estendida no quarto, dou por mim a pensar — Abençoado! E busca canita, que amanhã há mais. O GPS decidiu preguiçar e não contaria com ele para sair da cidade na manhã seguinte. Sabia que tinha quase mil quilómetros até Sivas, mas contentar-me-ia em chegar a Ancara. A paisagem florestal montanhosa vai dando lugar a outra semi-desértica com montes, de rala vegetação expondo a maior parte do solo à erosão. Cheguei à capital turca para lá da hora de almoço. Dei a volta ao redondel e decidi continuar para leste para ganhar um dia que me poderia fazer falta em Bandar Abbas, no Irão. Apesar de ter optado pela auto-estrada, cruzo-me com rebanhos, tractores e trânsito em contra-mão. Entro em Sivas já de noite e com o GPS em condições (passou-lhe a birra). Repito a receita do dia anterior, perguntando pelo hotel numa bomba de gasolina. Do nada surge um rapaz de scooter, chamado pelos empregados que me rodeavam a quem dão ordens para me conduzir ao hotel. Onde é que eu já vi isto? Abençoada gente prestável e amistosa.

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1 Istambul Grécia

Turquia

Mar Mediterrâneo

Líbia Egipto 1 Uma foto para provar à mulher que estivera a ajudar alguém, nada mais pedia depois de se oferecer a levar-me ao hotel durante 2 horas.

Línguas de gato...

Como me avisara o Artur Brito, raro é o dia que não vejo uma boa dúzia de agentes da autoridade empunhando uma pistolinha-radar. Apanhado três vezes, safei-me com línguas de gato. Eu explico — trouxe comigo uns pacotes de línguas de gato que vou comendo ao longo do dia. — «Tens um problema. Velocidade! Radar!» — dizem-me, mal páro ao comando deles. — «Bom dia. Portugal. Ronaldo. Futebol. Moto. Austrália», respondo, sempre com uma excitação enorme, enquanto puxo das línguas de gato. Digo-lhes que foi a minha mãe quem as fez (não percebem, mas dá-me gozo dizer — já agora, são compradas no supermercado). Confio que fiquem baralhados. Ainda tentam voltar à conversa do radar, mas eu, qual feirante, não me calo com a conversa da viagem e do Ronaldo, da moto, dos dois jogos de pneus, do povo amigo do Irão... No final, em três vezes, não cheguei a saber de que valor as multas eram.


2 Sem GPS, volta a entrar em cena um pequeno anjo da guarda que me guia ao destino.

Mar Negro

Rússia

Usbequistão

Cazaquistão

Georgia

Baku 2 Ancara

3 Sivas

Arménia

Erzurum

Gürbulak

Azerbeijão

Bazargan

Turquemenistão

4 Mar Cáspio

Turquia

4 5 6

Haverá sempre um aldrabão, algures à nossa espera, como este, cuja missão era vender-me um seguro para circular no Irão por 240 euros.

Teerão

Sanandaj Chipre Síria Líbano

Bagdade

Irão

6 O «Homem-do-Chá» será dos episódios que ficarão comigo para sempre.

Iraque

Isfahan 7 Ali, em Bandar Abbas, é ele quem controla tudo — Chamam-lhe «El Cobra».

Israel Jordânia

Arábia Saudita Shiraz

Kuwait

Bandar Abbas

3

Mar Vermelho

Erdal decide ajudar-me, mesmo quando não precisava, guiando-me por Sivas para encontrarmos forma de ter dinheiro vivo para cruzar o Irão.

7

Golfo Pérsico 5 Como num episódio d’«Os Três Duques», testemunho uma acrobacia numa estrada no meio do deserto iraniano, um lugar onde se espera não vê-las.

Sabia que, por causa do embargo, precisaria de dinheiro vivo para andar no Irão, o qual não tinha em quantidade suficiente para atravessar o país a caminho do Dubai. Sem a noção do tempo ignorava ser Sábado, altura em que nenhuma casa de câmbio e banco estavam abertos. Descia comigo no elevador uma família turca a quem atirei um «Bom dia!» — assim mesmo, na nossa língua —, rindo-me para eles, que me devolveram outro, mesmo sem saberem o que estavam a dizer. Disse-lhes de onde vinha, para onde ia e o que significava «Bom dia». Com o pequeno-almoço tomado, levei a tralha para a moto, decidido a ir mesmo assim, sabendo ser inviável ir sem o dinheiro necessário. — Não há de ser nada — pensei. — Hei-de-me safar.

Qatar

Dubai

Golfo de Omã

EAU

Começo a aparelhar a mula quando o mesmo senhor do elevador aparece. — Posso ajudá-lo em algo? — perguntou-me. — Não — respondi, quase por instinto. Mas, logo a seguir, acabei a contar-lhe o meu problema. Depois de me ouvir atentamente, disponibiliza-se de imediato para me ajudar. — És um homem de sorte — sorriu, revelando que tinha consigo euros. Erdal mandou a mulher e o filho guardarem-me as coisas resguardadas dos 45° C e convidam-me a entrar no carro consigo para partir em busca de uma caixa multibanco em Sivas. Fomos conversando, contando-me que tinham trazido Atalay, o filho, para estudar engenharia na universidade. Fez-me lembrar dos meus — distantes —, trazendo um turbilhão de emoções

Turquia e Irão («Out off the Box»)

71


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A cor da vida

No pequeno templo de Badrinath Dham, o vermelho do vestido de Lea recusa passar despercebido, juntando-se à festa de cor, num quadro que parece irreal. (@Uttarakhand, Índia)

Prefácio

José Bragança Pinheiro

U

ma fila de supermercado em Munique é um local insuspeito como candidato para começo de uma grande aventura à volta do mundo de moto. Contudo, foi aí que Lea sentiu que era a altura, que não queria adiar mais partir. Não tinha nenhum simbologismo para ela aquele local, para lá de lhe lembrar que gastamos a vida nas rotinas de cada dia, onde o último é apenas igual ao seguinte, e ao próximo, e ao que lhe segue... Recusando o estado de hipnotismo entorpecedor que essa cadência traz, olhou para Cleo, a sua moto e nela viu o mesmo que muitos — uma saída. Praticante de kitesurf, o vento na cara tem para si o valor imensurável da liberdade, como quando levanta a viseira do capacete na moto só para sentir na cara as gotas do nevoeiro da Columbia Britânica.

Vendeu tudo e abandonou o seu trabalho como editora de uma revista de arquitectura e design. Das prateleiras dos seus armários e guarda-fato pensou bem sobre o que levar, pois essas seriam todas as suas posses doravante. Enquanto encosta a si o seu vestido vermelho preferido frente ao espelho, Lea pondera. Numa era onde no Ocidente se promove a igualdade entre géneros, Lea saberia bem que não seria assim em todo o mundo. Deu um último aperto ao vestido sentindo-lhe o tecido suave, como quem se despede. Mas, num fraquejo derradeiro, escolhe um cantinho da mala da moto para ele — abraçava assim a feminilidade como algo incontornável da sua viagem pessoal. Foi aprendendo que, afinal, lhe permitiria uma visão mais profunda das sociedades e culturas muçulmanas patriarcais. Viu-se convidada para os círculos restritos às mulheres e o estatuto de estrangeira concedeu-lhe aceitação nos dos homens. Hoje, quando a viagem se aproxima do fim, à conversa comigo na nova loja da Triumph em Lisboa, vemos nas fotos sobre a mesa aquela pequena, mas orgulhosa, mancha vermelha, uma túnica carmim que ora ondula ao vento das montanhas do Hindu Kush, ora esvoaça livre nos repelões tempestuosos das rajadas da Patagonia — uma bandeira de uma nação global de mulheres fortes, determinadas. As imagens que Lea criou são únicas, como se soubesse a força que cada uma encerra, libertando-a em cada disparo da sua máquina fotográfica, escolhendo em quais posar e quando as prefere recordar como vista pelos próprios olhos. Como as histórias que conta, deixa-nos sentir o que sentiu e as pessoas que conheceu. Sempre que regresso às suas fotografias, vejo o vermelho de um vestido imponderável — uma bofetada de cor para me acordar do torpor dos dias indistintos acinzentados. A esta cor chamei «Vermelho Got2Go»

Got2Go.de

As aventuras da Lea Rieck davam um livro. E vão dar. Mantém-te atento, seguindo a sua página e as redes sociais («instagram» e «facebook»).

Diwali festival

A TREVL desafiou Lea a partilhar connosco uma história sua inédita e exclusiva, seleccionando um episódio da sua volta ao mundo de moto. A acção das próximas páginas — escritas por ela — tem lugar num local especial, pouco visitado pelos turistas na Índia.

Volta ao Mundo — «Got2Go»

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Destinos

África

3 9 África do Sul 4 9 Angola 1 Argélia 3 Botswana 9 10 Congo (R. D.) 9 Egipto 9 Etiópia 9 Gâmbia 4 Malawi 6 10 14 10 13 Marrocos 1 2 14 9 Mauritânia 4 9 Moçambique 3 4 Namíbia 4 9 Quénia 9 10 Ruanda 1 14 9 Sahara Ocidental 5 São Tomé e Príncipe 2 9 Senegal (Dakar) 2 9 Sudão 10 Sri Lanka 9 Tanzânia 3 4 «Victoria Falls» 4 Zâmbia

Ásia

Arménia Azerbeijão Burma (Myanmar) Camboja China Georgia 3 Índia Indonésia Irão Iraque Japão Laos Malásia Mongólia Nepal Paquistão Quirguistão Tailândia Tajiquistão Timor-Leste Turquemenistão Usbequistão Vietname

7 8 9

8 8 9 13 7 8 14 12 14 9 9 13 9 11 11 9 11

8 9 9 9 9 7

9 9 14 11 11 13

7

6 7 9 11 9 7 8 9 11

5 7 8 4

Oceânia Austrália

7

Conheça aqui quais os destinos de viagem de moto sobre os quais já publicámos, tanto na TREVL, como na REV.

Nesta edição

Os destinos incluídos nesta edição estão destacados com um fundo amarelo.

Edições passadas

Cada entrada nas tabelas seguintes tem a indicação de qual o número onde foi publicada (a amarelo na TREVL, a azul na REV).

Interactivo

Para uma experiência mais interactiva com visualização sobre o mapa-mundo, sugerimos visitar o nosso site na secção «TREVL no Mundo».

98

Albânia Alpes «Balcãs» Bielorússia Bósnia e Herzegovina Bulgária Córsega Croácia Dinamarca 1 Espanha 1 Escócia Eslovénia Gales Grécia Inglaterra Irlanda Islândia Itália Letónia Kosovo Montenegro 1 Noruega «Pirenéus» Polónia 3 7 Rússia Sérvia Suécia 2 7 8 Turquia

13 7 4 11 4 4 4

6

5 4 6 4

5 11 10 11 12 5 7 11 12 6 7 8 5 10 11 12 5 7 8 5 8 5 8 4 7 5 7 12 2 5 8 12 5 8 5 8 6 11 7 11 12 7 10 11 4 8

7 10 11 1 2 3 7 9 7 7 1 7 8 14 4 5 7 5 6 12 7 2 7 11 2 6 2 1 3

11

5 7 9 2 7 7 13 14 5 7 9 14 11 14 2 7 14 12 14

Açores Alto Alentejo Alta Estremadura Alto Douro Beira Baixa Serra Algarvia Serra da Arrábida S. de Aires e Candeeiros Tejo dos Castelinhos

12 7 13 3 2 10 13 1 1 7 10 1

Portugal

América

«Alasca» (EUA) Argentina 4 6 Belize Bolívia Brasil Canadá Chile Colômbia Costa Rica El Salvador Equador E. U. da América Guatemala México Nicarágua Panamá Paraguai 6 Peru Uruguai Venezuela

Europa

Espanha

Deserto de Bardenas Galiza Picos de Europa Ruta de la Plata Sierra Norte

8 1 8

5 12 1 5 4 7 7


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