TREVL 18 "Primavera 2019" — sample/amostra

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4,50€ (Continente) IVA Inc.

TREVL#18 | Primavera 2019 — Quadrimestral

Aoteaora

Volta a Portugal

Karakoram

Rita Rita Romão Romão

Eunice Eunice on on aa Royal Royal

Tiago Tiago Garrido Garrido

África • Nova Zelândia • Paquistão • Portugal


Destinos

África

3 9 África do Sul Angola Argélia 3 Botsuana Congo (R. D.) Egipto Etiópia Gâmbia Malaui 6 10 14 10 13 Marrocos 1 2 14 Mauritânia 4 9 15 Moçambique 3 4 Namíbia 4 Quénia Ruanda Sahara Ocidental 1 14 São Tomé e Príncipe 2 Senegal (Dakar) 2 Sudão Sri Lanka 9 Tanzânia 3 4 Zâmbia

15 17 4 9 1 15 17 9 10 9 18 9 18 9 17 4 15 16 17 9 17 17 18 15 17 9 18 9 10 9 17 5 9 17 9 18 10 15 18 15 17

Ásia

Arménia Azerbeijão Burma (Myanmar) Camboja China Geórgia 3 Índia Indonésia Irão Iraque Japão Laos Malásia Mongólia Nepal Paquistão Quirguistão Tailândia Tajiquistão Timor-Leste Turquemenistão Usbequistão Vietname

Oceânia

Austrália Nova Zelândia

América

Conhece aqui quais os destinos de viagem de moto sobre os quais já publicámos, tanto na TREVL, como na REV.

Nesta edição

Os destinos incluídos nesta edição estão destacados com um fundo amarelo.

Edições passadas

Cada entrada nas tabelas seguintes tem a indicação de qual o número onde foi publicada (a amarelo na TREVL, a azul na REV).

Interactivo

Para uma experiência mais interactiva com visualização sobre o mapa-mundo, sugerimos visitar o nosso site na secção «Destinos».

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«Alasca» (EUA) Argentina Belize Bolívia 4 6 Brasil Canadá Chile Colômbia Costa Rica El Salvador Equador 6 EUA Guatemala México Nicarágua Panamá Paraguai 6 Peru 6 4 Uruguai Venezuela

7 8 15 16 6 7 9 11 9 12 15 16 7 8 9 11

5 7 8 4 9 7 8 9 8 9 14 15 9 9 9 7

8 8 9 13 7 17 14 17 14 9 9 13 9 11 11 18 11 9 9 16 11 11 13

7 18

5 11 4 6 13 7 10 11 12 17 18 5 4 11 7 11 12 7 8 16 17 18 5 4 10 11 12 17 4 5 7 8 5 8 17 5 8 17 4 7 17 5 7 12 15 16 2 5 8 17 12 16 17 5 8 17 5 8 17 6 11 5 4 7 11 12 7 10 11 17 18 4 8

Europa

7 Albânia Alpes 3 Balcãs Bielorússia Bósnia e Herzegovina Bulgária Córsega Croácia Dinamarca 1 Espanha 1 Escócia Eslovénia Gales Grécia Georgia Inglaterra Irlanda Islândia Itália Letónia Kosovo Moldávia Montenegro 1 Noruega Pirenéus Polónia Roménia 3 7 Rússia Sérvia Suécia 2 7 8 11 Turquia

Portugal

10 11 15 1 2 17 7 15 17 9 7 15 7 1 7 8 14 4 5 7 5 6 12 7 2 7 11 17 2 6 2 1 3 5 7 9 2 7 15 17 7 15 8 13 14 1 5 7 9 14 16 17 8 11 14 2 7 15 14 12 14 17

Açores Alto Alentejo Alta Estremadura Alto Douro Beira Baixa Madeira (ilha da) Serra Algarvia Serra da Arrábida S. de Aires e Candeeiros Tejo dos Castelinhos

Espanha

Deserto de Bardenas Galiza Picos de Europa Ruta de la Plata Sierra Norte

12 7 13 3 2 10 13 17 1 1 7 10 1

5 12 1 5 4 7 7


Editorial

Adeus

A

deus… esta é uma das palavras que estará sempre ligada à viagem.

Um Adeus tem sabor de final, de algo que termina, temperado com sal escorrido pela face, numa gota que parece hesitar ao chegar à maçã do rosto, apenas para depois se precipitar e acelerar até lá abaixo, num ímpeto de coragem. Porque é preciso coragem para partir — mais será exigida a quem fica, dirão —, um Adeus é um acto de força. É com ela — Adeus — que muitas viagens começam, num aceno que vai ficando cada vez menor no espelho da moto, indiferente às palavras nele escritas — «Things may look closer than in reality». Escolhemos acreditar nisso, que teremos perto de nós essas pessoas que acenam, que pedem a algo maior que nos proteja, que nada de mal nos aconteça. Atormentam-se no que desconhecem e, como na Fé, confiam a-Deus o destino de quem amam. E ainda que seja o grito de partida, Adeus é o fim de muita coisa para o viajante de moto. É o fim de uma rotina vivida em volta das mesmas coisas. Secretamente, no nosso capacete ao longo das horas infindas em que estamos apenas connosco mesmos, desejamos que ao regressarmos tudo esteja como quando partimos,

Aoteaora

Volta a Portugal

Karakoram

RITA ROMÃO

EUNICE ON A ROYAL

TIAGO GARRIDO

movidos a nostalgia e saudade. Que aquela nossa caneca de café esteja arrumada no mesmo sítio, junto à máquina sofisticada que tira cappuccinos e faz espuma de leite. Terá apenas mais algum pó por cima. «Nada que um sopro, não resolva», pensamos. Mas a maior angústia que este Adeus — fim e começo num só — encerra, é o das relações humanas que não voltarão a ser as mesmas. O pai, mãe, filha, amante — o mesmo que se recusara a dizer Adeus, trocando-o por um teimoso «Até já» — estarão iguais, como a caneca de café. O problema é que nós mudámos. Bebemos demasiados cafés simples, feitos ao calor da pequena fogueira protegida pela tenda, ou com a água do riacho gelado que nos embalou na noite anterior. Aquele café simples, sem espuma de leite, sem sofisticação alguma — apenas café. E assim apercebemo-nos que tudo o que vimos, todas as pessoas que conhecemos e as novas perspectivas que ganhámos com elas, os medos que enfrentámos, o pouco com o qual vivemos — tudo — nos mudou. A nós, que pedíramos a-Deus que tudo ficasse igual para nos aconchegar no regresso. E porque as orações de cada Adeus foram atendidas, nada voltará a ser o mesmo, porque tudo ficou na mesma — menos nós e logo nós, de quem não podemos fugir. Por isto tudo, Adeus José Bragança Pinheiro Director — jbpinheiro@trevl.pt

Capa Laya na cidade de partida e chegada da Volta a Portugal da Eunice.

ÁFRICA — NOVA ZELÂNDIA — PAQUISTÃO — PORTUGAL TREVL#18 | Primavera 2019 — Quadrimestral

Primavera 2019

4,50€ (Continente) IVA Inc.

Foto Jorge Matos

África • Nova Zelândia • Paquistão • Portugal

3


página

Director e Revisão José Bragança Pinheiro jbpinheiro@trevl.pt

Viajantes e colaboradores André Sousa Afonso Magalhães Diogo Alexandre Domingos Janeiro Eunice Pinto João Sousa Miguel Leónidas Rocha Paulo Amado Pedro Martins Rita Romão Tiago Garrido

A Eunice Pinto decidiu mudar algo na vida e encontrou nas viagens de moto um novo alento, ao longo das estradas de Portugal. Portugal

78

38

O Diogo percorre o itinerário do «Adventure Country Track» nacional. Portugal

70

48

Editor Geral Hugo Ramos Arte Rita Pereira José Bragança Pinheiro Publicidade António Albuquerque

A Rita Romão conta-nos sobre a viagem pela Nova Zelândia, bem lá nas antípodas. Nova Zelândia

O Afonso, Pedro e Paulo ligaram Maputo a Amarante, subindo África ao longo do Índico. África, Maputo — Amarante

58

O João Sousa partilha a sua viagem junto aos Grandes Lagos Africanos. África («JoaoAroundTheWorld»)

88

30

antonio.albuquerque@fast-lane.pt

Telefone: (+351) 939 551 559

O André Sousa na América do Sul na sua 125. América do Sul

O Tiago Garrido regressa à TREVL para nos contar a viagem pela mais alta estrada do mundo. Karakoram, Paquistão

Assinaturas: assinaturas@trevl.pt

Proprietário e editor

FAST LANE - Media e Eventos, Lda.

Administração, Redacção e Publicidade: Av. Infante D. Henrique, Ed. Beira Rio, Fracção T 1950-408 Lisboa Telefone: (+351) 218 650 244

BMW F800 GS

por Diogo Alexandre 70

Depósito Legal: 357231/13 ISSN: 2182-8911

48

Impressão e acabamento: LGS Impressores, Lda Rua Alfredo da Silva, 12 2600-016 Alfragide

BMW F650GS por João Sousa

Honda 125

por André Sousa

88

Distribuição:

VASP – Distribuidora de Publicações, Lda. Quinta do Grajal – Venda Seca 2739-511 Agualva-Cacém

Periodicidade Trimestral (4x por ano)

30

BMW R1200 GS Adventure

por Afonso, Pedro e Paulo

38

Estatuto Editorial

Royal Enfield «Himalayan»

por Eunice Pinto

por Tiago Garrido

58

Todos os direitos reservados de reprodução fotográfica ou escrita para todos os países. TREVL é uma revista lúdica e informativa sobre a temática do motociclismo nas suas vertentes de lazer, mobilidade e transporte, desportiva, cultural e, especialmente, turística. TREVL dará especial relevo ao rigor da escrita e à componente artística do desenho gráfico e da fotografia. TREVL empenhar-se-á num jornalismo apaixonado e comprometido com a temática que é seu objecto. TREVL é independente do poder político, económico e de quaisquer grupos de pressão. TREVL defende e respeita o pluralismo de opinião sem prejuízo de assumir as suas próprias posições. TREVL assumirá uma postura formativa. TREVL respeita os direitos e deveres constitucionais da liberdade de expressão e de informação e cumpre a Lei de Imprensa.

Suzuki GS 150

78

Harley-Davidson «Ultra Electra Glide» por Miguel Leónidas Rocha e Rita Romão


«Eunice on a Royal»

@Portugal, por Eunice Pinto 78 «E ali aprendi que na aldeia de Pailobo já só vive o senhor Luís com o seu gato, mas que perduram muitas memórias de quem lá passou e um património único, repartido por duas capelas e um cruzeiro que um dia lhes tentaram levar, mas que voltou para a penha onde afincadamente pertencia.»

Porto

«Adventure Country Portugal»

@Portugal, por Diogo Alexandre 70

«O ACT é uma experiência incrivelmente intensa de condução, de contacto com a natureza e locais remotos, na presença e companhia de amigos a valer e de redescoberta do nosso lindíssimo Portugal.»

«América do Sul de 125»

@América do Sul, por André Sousa

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«Foram 120 dias, num total de 24.250 km, com passagem pelo Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana e regresso ao Brasil.»

do acotarescrita

Alexandria

Revis uguês. t em por ÃO foi , Logo N acordo do o adopta ráfico. o t r o g 58

«Offtrack African Challenge»

@Maputo a Amarante, por Paulo Amado, Pedro Martins, Afonso Magalhães

«Mais uma manhã à procura de gasolina que culminou comigo a solicitar uma requisição camarária numa cidade próxima para poder abastecer com prioridade. Uma operação que nos fez perder cerca de duas horas, mas que se revelou a única possível para obter 60 litros de combustível.»

88

«Grandes Lagos de África»

@Tanzânia e Quénia, por João Sousa

«E, já agora, um conselho de amigo — Nunca confiem quando vos dizem «The road is all good, my friend!», pois vão acabar com a mesma facilidade nas piores e melhores estradas do mundo.»

Auckland Maputo

«Aotearoa»

@Nova Zelândia, por Rita Romão e Miguel Leónidas Rocha 38 «Não há estrada que não seja verde e com curvas. Estou mesmo em crer que, quem quer que tenha desenhado as estradas na Nova Zelândia, sempre que possível, desenhou curvas em claro detrimento das rectas.»

«Karakoram»

@Paquistão, por Tiago Garrido

30

«Com a desculpa perfeita de um casamento em Lahore — a segunda cidade do país e a mais rica culturalmente — partimos para duas semanas intensas de viagem.»

Queenstown

Índice de Destinos

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5 página


Em viagem

Karakoram Na mais alta estrada do mundo, são muitos os perigos para quem a decide fazer de moto. Tiago Garrido

H

á muito que sonhávamos percorrer a mítica Karakoram Highway (KKH), no Paquistão, uma das estradas mais altas do mundo — o ponto mais alto está a 4714 m acima do nível do mar —, já classificada como a «oitava maravilha do mundo».

A Karakoram percorre parte da antiga Rota das Sedas, oferecendo paisagens de cortar a respiração — o acesso a algumas das montanhas mais altas do mundo faz-se a partir dela — e a oportunidade de beber chá e comer roti com povos milenares das mais variadas origens e tradições.

KKH

A mais alta estrada pavimentada no mundo — este é o nobre título que a Karakoram Highway ostenta com orgulho, do alto dos seus 4693 m no passo de Khunjerab. Apesar dos chineses a chamarem de «estrada da amizade», percorre territórios que não a conhecem, perdida em confrontos armados ao longo dos seus 1300 km que ligam a chinesa Kashgar à capital paquistanesa, Islamabad, talvez assombrada pelos fantasmas dos trabalhadores que perderam a vida — um por cada quilómetro, diz-se.

30

Hoje, viajar para o Paquistão não é tarefa fácil. Desde a incerteza do visto à dificuldade de obter informação fidedigna — a melhor fonte revelou ser um dinâmico grupo no facebook para turistas no Paquistão —, passando pelos olhares de incompreensão, presságios negativos e incerteza sobre o nosso regresso vindos, não só dos mais próximos, como também dos próprios paquistaneses. É verdade que, especialmente depois do 11 de Setembro, o Paquistão tem sido palco de grande tumulto político e confrontos étnicos violentos que todos os anos tiram a vida a centenas de civis e que, por diversas vezes, atingem turistas. Mas é também verdade que o Paquistão é um país de grande riqueza histórica e diversidade cultural e o seu povo, de sorriso permanente e sincero, faz o estrangeiro sentir-se verdadeiramente em casa. Não é raro ouvirmos uma palavra de agradecimento por visitarmos o seu país, de que tanto se orgulham, invariavelmente acompanhado de um pedido de amizade no facebook, uma fotografia de grupo e um convite para chá. Com a desculpa perfeita de um casamento em Lahore — a segunda cidade do país e a mais rica culturalmente — partimos para duas semanas intensas de viagem. Depois de quatro dias de verdadeira festa e boa comida e, apesar de todas as contra-indicações e avisos de que iríamos ser raptados, na melhor das hipóteses, partimos para norte montados numa Suzuki GS 150 — surpreendentemente fiável e confortável —alugada aos Karakoram Bikers, um grupo composto por três paquistaneses e uma australiana, para além de uns verdadeiros anfitriões com um elevado espírito de


Quirguistão

Kashgar

O «multibanco» mais alto do mundo

É no território do leopardo-das-neves em vias de extinção que se situa a máquina ATM mais alta do mundo, no Khunjerab Pass, fronteira entre o Paquistão e a China, onde o trânsito que circula pela esquerda vindo de sul encontra os que circulam pela direita vindos de norte.

7

Passu

Aldeia das pontes suspensas, pão de milho e gente acolhedora.

Tajiquistão

Khorog Khunjerab Pass (4693 m)

Whakan corridor

6

Karimabad

Sost

Vale do paraíso rodeado de montanhas e fortes milenares.

Passu

7

Karimabad

China

6

Gilgit 4

Chilas

4

Aqui dorme-se debaixo de escolta policial armada.

Afeganistão

5

Jaglot

Chilas

5

Jaglot

Na confluência das três impressionantes cordilheiras de Hindu Kush, Himalaias e Karakoram.

Caxemira

Kabul 3

Abbottabad Jammu

Srinagar 3

Abbottabad

Islamabad

A cidade onde Bin Laden se escondeu e onde acabou por ser capturado pelos norte-americanos dos EUA.

2

2

Islamabad A Brasília paquistanesa.

Paquistão Himachal Pradesh

Gujranwala

Índia

Territórios disputados

A cada linha castanho-clara corresponde uma fronteira indefinida entre estes três países — Paquistão, Índia, e China — criando zonas de alta tensão com movimentações militares constantes, sendo Caxemira a mais mediática de todas.

1 Lahore

1

Lahore

Esta saída da cidade de mota foi a viagem mais assustadora.

Suzuki GS 150

Acessórios

Elásticos para as mochilas, capacete, joelheiras e caneleiras, fornecidos pelos «Karakoram Bikers», os quais estão familiarizados com os perigos das estradas paquistanesas.

Este é um modelo comum no sub-continente asiático. O facto de ser uma mota comum garantia apoio mecânico fácil, o qual acabou por não ser necessário — a Suzuki, mesmo tratando-se de uma 150 cc, é robusta, estável, até com duas pessoas e outras tantas mochilas. Mostrou-se suficientemente potente para subir as estradas de montanha e até confortável nas muitas zonas de gravilha e terra que tivemos de atravessar. Mesmo numa mota local, uma mulher turista chama a curiosidade dos locais. A explicação é simples — as mulheres no Paquistão circulam sempre sentadas de lado.

Os problemas não foram com a mota, mas sim com as estradas e os condutores. Andar de mota no Paquistão é uma aventura, seja na selva urbana de Lahore (10 milhões de habitantes), onde camiões, animais e tuque-tuques buzinam e embatem a todo o momento, ou nas estradas onde a circulação se faz de forma perfeitamente aleatória e os obstáculos — derrocadas, camiões parados no meio da estrada, ou atravessamentos inesperados de peões e animais se sucedem. Queixas da moto, só uma — a contra-intuitiva caixa de velocidades invertida, com a 1.ª para cima e as demais para baixo. Os pregos foram o prato do dia. Karakoram, Paquistão

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Abertura Lago e montanha tornam-se um só. (@Milford Sounds)

pág. Actual Topo esquerda (@Wai-O-tapu) Topo direita (@Hobbiton) Base esquerda Sempre pela esquerda. (@Highway 5) Base direita Baía de Whaketete. (@Coramandel Loop)

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Avisados, fazemo-nos à estrada e iniciamos a visita na ilha norte com o Loop de Coromandel. Na prática são dois laços — norte e sul — que perfazem cerca de 320 km de uma estrada costeira e alcatrão irregular. Curvas muito apertadas para compensar as largas vistas quer para o estuário do Thames, quer para as diferentes reservas naturais que se atravessam — Tapapakanga, Miranda Hot Springs, floresta de Coromandel e mata de Waiau. Passamos a noite em Tairua, num turismo de habitação de um casal inglês radicado na Nova Zelândia há tempo suficiente para a considerarem pátria, e temos o primeiro contacto com o conceito, amplamente desenvolvido neste país — hot tub. Traduzido à letra, é mesmo isso, uma cuba com água acima dos 30° C. Apesar do sol, a temperatura exterior não sobe acima dos 18° C e o banho quente ao ar livre é revigorante.

Rotorua Dia 2 — Princes’ Gate Hotel

Hobbiton Movie Set é o ponto alto da visita deste dia, a escolha de Sir Peter Jackson para encarnar a «Terra Média» e, desde 2003 quando foi lançado o primeiro filme, mudou completamente o turismo na Nova Zelândia. Não somos especiais amantes da trilogia de Tolkien, mas é difícil passar ao lado do sucesso mundial do «Senhor dos Anéis». E, mesmo para um não seguidor da perigosa jornada de Mordor, à medida que vamos conhecendo a ilha, sentimo-nos cada vez mais no país dos elfos, anões e outros seres fantásticos, a travar com eles a guerra do anel. Em Hobbiton Movie Set, o cenário é de total tranquilidade, com o grande carvalho

— Bag End — a dar o mote e a enquadrar as tocas dos hobbits de diferentes cores, tamanhos e adereços. Até à paragem dessa noite no lago de Rotorua, seguimos pela estrada do vale do rio Waikato, por entre extensas fazendas de criadores de cavalos de corrida. Rotorua é a cidade berço da cultura maori e é conhecida pela sua actividade geotermal. O cheiro a enxofre não deixa passar desapercebido este último aspecto. Decidimos passar ao lado do banquete hangi, jantar cozinhado na terra em enxofre nas recriações de aldeias maori, por parecer demasiado turístico. Eu estava particularmente surpreendida pela fisionomia deste novo povo — baixo, encorpado, de tez escura e cabelo preto.

Taupo Dia 3 - Hilton Lake Taupo

Seguimos de lago em lago. É um percurso pequeno de apenas 82 km mas que demoram 5 horas a fazer. Vamos parando na floresta Whakarewarewa, no vale vulcânico de Waimangu, no parque geotermal de Waiotapu, com os seus imensos gêiseres e crateras colapsadas — waiotapu significa «águas sagradas» em maori—, nas cataratas de água de Huka e na cratera vulcânica da lua. Taupo é uma cidade pequena, ainda assim maior e bem mais desenvolvida que Rotorua. A chegada a Taupo é feita através de uma estrada em declive que permite alcançar os mais de 40 km do lago, enquadrados pela cadeia montanhosa do parque


1

2

O Loop de Coromandel são na realidade dois laços — norte e sul — 320 km de estrada costeira e alcatrão irregular, feitos de curvas apertadas e amplas vistas do estuário do Thames e das reservas naturais de Tapapakanga, Miranda Hot Springs, floresta de Coromandel e mata de Waiau.

Rotorua é a cidade berço da cultura maori e é conhecida pela sua actividade geotermal. O cheiro a enxofre não deixa passar desapercebido este último aspecto. 1 Auckland

Tairua

3 «Hobbiton Movie Set» é o ponto alto da visita deste dia, a escolha de Sir Peter Jackson para encarnar a «Terra Média» e, desde 2003 quando foi lançado o primeiro filme, mudou o turismo na Nova Zelândia.

2 4 Numa região conhecida pela produção de vinho, Napier é a capital da Art Deco do novo mundo, uma cidade peculiar reerguida após o terremoto de 1930, hoje feita de edifícios baixos, pintados em cores pastel.

3 North ISland Napier 4

MAR DE TASMAN

Nova Zelândia

5

Kaiteriteri

A ligação de três horas e meia entre as duas ilhas é feita por ferry, partindo de Wellington para Picton, com cerca de 7 saídas diárias, entre as duas operadoras por um valor de 120 euros para duas pessoas e uma moto.

Wellington

8

5 Chegados a Wanaka, há duas estradas possíveis para Queenstown. Uma via Highway 6, a outra via Cardrona — a qual seguimos por sugestão de Henry Cole, do programa de TV do Travel Channel, «World’s Greatest Motorcycle Rides».

Punakaiki South ISland

Aoraki Mount Cook Village

Christchurch

6

6

7

Christchurch foi palco de dois ataques sangrentos na mesquita de Al Noor e centro islâmico de Linwood, durante as orações de 15 de Março. Morreram 50 pessoas e outras tantas ficaram feridas no massacre mais sangrento da história deste pacífico país.

8 Oceano Pacífico Sul

Milford Sound Queenstown

7 O frio aperta — a cada 100 km mais para sul a temperatura desce 1ºC — levando-me a optar por seguir num carro atrás do Miguel.

Invercargil

de Tongarino ao longe e por várias árvores repletas de botões de flores em anunciação da Primavera que, apesar do frio que ainda se faz sentir, teima em ficar. Jantamos num restaurante local, na única rua de comércio merecedora desse título, e marcado pela Alison da Bularangi. À distância do chat do facebook, a Alison vai-nos dando recomendações e indicações, tendo-se revelado durante toda a viagem uma

fiel seguidora do nosso percurso.

Napier Dia 4 — Art Deco Masonic Hotel

É mais um dia atípico, reservado para a descoberta de uma cidade e não do percurso até ela. 150 km de estradas planas, desta feita ladeadas por grandes sebes de árvores que escondem as vastas plantações de vinhas da Baía de Hawke. A região é mundialmente conhecida

pela produção de vinho e Napier, a cidade, por ser a capital da Art Deco do novo mundo. É uma cidade peculiar que, destruída em 1930 por um terremoto, foi totalmente reerguida ao gosto da época. Edifícios baixos, com um máximo de quatro andares, de cores pastel e formatos geométricos. Vêem-se frequentemente carros antigos a passear, quais guias turísticos. O mar enquadra toda a zona do centro, onde duas ruas Nova Zelândia

41


48


Em viagem

Viagem

Recordista Das pistas de velocidades para as estradas da América do Sul, André é o primeiro a percorrer o sub-continente numa 125 cc. Esta é a primeira de três partes. André Sousa

E

sta viagem teve por base a realização de um objectivo pessoal— de ser o primeiro motociclista no mundo percorrer todo o sub-continente sul-americano numa moto de baixa cilindrada, mais concretamente uma 125 cc. Foram 120 dias, num total de 24 250 km, com passagem pelo Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana e regresso ao Brasil. O «Cristas»— como é conhecido no meio das duas rodas—atravessou todos os países por via terrestre, desde o deserto mais árido do mundo, passando pelas cordilheiras mais compridas, o maior salar, o pulmão do mundo, a «Estrada da Morte», e o incontornável Machu Pichu, entre muitos outros locais míticos do do sub-continente sul-americano.

Os objectivos

pág. Anterior Deserto do Atacama. (@Chile)

Um dos maiores desafios para esta aventura foi precisamente o de ser feita aos comandos de uma moto de cilindrada tão baixa, uma pequena Honda CG 125i Fan, com grande parte do percurso a ter de ser feito por estradas de terra batida. Outro desafio foi conseguir erguer esta aventura com um orçamento muito baixo, aumentando a dureza e dificuldades desta iniciativa. Mas como vivemos num mundo globalizado, a

partilha desta minha aventura nas redes sociais fez com que grande parte dos motociclistas da América do Sul ficassem a conhecer a minha ambição e tentativa de recorde e me tivessem ajudado durante praticamente toda a viagem, oferecendo-me refeições e sítios para dormir. Nas zonas onde não havia cidades grandes, fiz campismo selvagem e, normalmente, montava a tenda em lugares com paisagens inesquecíveis. Esta viagem teve muitos imprevistos, muita cultura e aventura, tudo para tentar alcançar algo que nunca ninguém tinha realizado e deixar, uma vez mais, o nome de um português ligado a um feito histórico. Com esta viagem quis também mudar o meu olhar sobre a vida, inspirar outras pessoas a enfrentarem o desconhecido e partilhar bons momentos com que me ia cruzando. O mais importante não era chegar, mas sim aproveitar o caminho. Sair da tenda com o desejo de aproveitar cada instante, de aprender com cada obstáculo que surgia e vivenciar cada quilómetro passado como se fosse o último. Assim, chegar ao destino final não foi o grande objectivo, mas sim uma das etapas da minha jornada.

Começa a viagem Dia 1 – Início do Projecto The Lost Mohican Adventure

Estou de partida para o meu projecto de ser o primeiro no mundo a dar a volta à América do Sul de moto, a bordo América do Sul

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Abertura O dia mais duro.. de Mueda a Negomane. 17 horas de martírio no Norte de Moçambique. (@Moçambique)

De seguida foi tomar a estrada até ao destino do dia, Pemba, magnífica estância balnear onde nos esperava mais um português, o Cazé, que gere uma organização que ajuda as muitas crianças necessitadas do Norte do território. A Helpo ofereceu as suas instalações para pernoitarmos, não antes de jantar num restaurante de mais um português que tinha abandonado o negócio imobiliário em Lisboa para se instalar neste belo local.

Pemba — Mueda

Mueda — Fronteira Tanzânia Dia 7 — 192 km

Descobre aqui a banda sonora sugerida pelos viajantes para leres as suas histórias.

Foi sem dúvida a etapa mais violenta de toda a viagem para homens e máquinas. A cada quilómetro que passava as minhas costelas queixavam-se da queda do dia anterior. Como se não bastasse, a mota continuava a recusar-se a pegar e fizemos uma troca de baterias entre a minha mota e a do Pedro e que, miraculosamente, foi resultando durante um dia em que as quedas se foram sucedendo, pois as motas com aquele peso todo tornavam-se praticamente inguiáveis naquele terreno traiçoeiro de areias e lamas sem fim. A noite acabou mesmo por cair sem termos atingido o objectivo. A uma dada altura fomos ajudados durante os últimos 25 km por dois rapazitos que — imagine-se — àquela hora se faziam transportar em duas bicicletas naquele caminho infernal. Assim, a muito custo lá chegamos a Negomane, completamente extenuados e não havendo qualquer sítio para dormir abrigados, foi mesmo em cima das motas que tivemos que pernoitar. Uma dura experiência, após aquela estrada do outro mundo.

Negomane — Masasi, Tanzânia Dia 8 — 140 km

As formalidades nesta primeira fronteira

60

Masasi — Dar Es Salaam Dia 9 —597 km

Dia 6 — 360 km

Dia difícil este, com a minha mota a recusar-se a pegar após alguns quilómetros, obrigando o Pedro a rebocar-me, e que culminou numa violenta queda minha, da qual saí aparentemente com algumas costelas bem maltratadas tendo decidido então parar em Mueda, terra tristemente célebre por massacres perpetrados durante a Guerra Colonial. Comprámos uma bateria nova, certos porém que o problema não ficaria resolvido por aí o que acabou por se revelar verdadeiro no dia seguinte. Após alguns analgésicos já me sentia melhor e era tempo de descansar para preparar o dia seguinte.

Banda Sonora

correram bastante bem e, tanto do lado moçambicano como do tanzaniano, ninguém nos causou problemas. Como o cansaço era muito, ficamos logo na primeira localidade, Masasi, onde pudemos encontrar um multibanco, um hotelzito de gente simpático, lavar as roupas e as motas e tentar esquecer aquele inferno do dia anterior e, claro colocar a primeira bandeira nas mala das motas.

Dia magnífico sem percalços, com boas estradas a conduzir-nos por entre extensos palmeirais e com oportunidade também para revermos o oceano Índico. Estradas cheias de gente com destaque para as coloridas vestes das mulheres tanzanianas. A nossa estadia na capital foi muito boa, pois tivemos ajuda de um amigo, o Manecas, que em muito ajudou e que nos levou a jantar a uma magnífica esplanada junto ao mar num puro ambiente de noite tropical.

Dar Es Salaam — Arusha Dia 10 — 642 km

A saída das capitais africanas nunca se revelou muito fácil e Dar Es Salaam não foi excepção, mas lá conseguimos encontrar o caminho e seguimos por boas estradas rodeadas de plantações de ananás e montanhas incríveis como pano de fundo até ladearmos o famoso Kilimanjaro com as suas neves eternas, antes de atingir Arusha, onde reinava uma enorme confusão de trânsito. Aí, mais uma vez, tivemos ajuda de um primo de um contacto meu tanzaniano, o Shabbir, um simpático muçulmano que inclusive fez questão de nos pagar o hotel.

Arusha — Nairobi, Quénia Dia 11 — 273 km

Arrancamos bem cedo, pois, para além das formalidades que desconhecíamos na fronteira com o Quénia, ainda queríamos ter oportunidade de vislumbrar e fotografar o gigante da savana — o monte Kilimanjaro — do lado norte, o que se revelou impossível devido ao intenso nevoeiro. A fronteira com o Quénia não foi muito difícil de transpor. Apresentava um edifício moderno e a sensação de estarmos num país bem mais desenvolvido do que os que tínhamos passado até então. E assim continuou com uma belíssima estrada a ligar a fronteira a Nairobi, onde no fim do almoço numa estação de serviço, provamos um café delicioso, fazendo jus à fama mundial que o assiste.


7

Mar Mediterrâneo

7 Sendo impossível utilizar o túnel de Suez, a ligação a Israel e Jordânia, optamos por embarcar as motos para a Grécia, voando nós até lá.

Alexandria Israel

Cairo Líbia

6

5

6

5 O Afonso encurta a viagem por exigências profissionais, voando de volta a Moçambique, enquanto o resto da equipa continua para a Europa.

Ao tentar passar o túnel do Suez para entrar no Sinai, fomos impedidos de o fazer com base numa regulamentação militar que não permite a entrada de veículos de duas rodas no referido território.

Egipto

Wadi Halfa Arábia Saudita

Mar Vermelho

Cartum

Eritreia

Sudão 4

Golfo da Arábia

Gallabat

4

Sem «carnet», vimo-nos forçados a esperar quatro dias na aldeia de Galabat à entrada do Sudão.

Iémen

Sudão do Sul

Etiópia

3

Moyale Somália

Quénia

Uganda

3

Nairobi

Numa zona de conflitos entre algumas tribos locais e que não raramente têm resultados trágicos e imprevisíveis, Moyale é uma povoação assustadora

Ruanda Congo

Monte Kilimanjaro

Burundi Tanzânia

Dar Es Salaam

2 Nova falha na moto dá direito a reboque e mais uma queda, com direito a costelas magoadas.

Oceano Atlântico

2

Angola

Nampula

Zâmbia

Oceano Índico

Pemba Ilha de Moçambique Madagáscar

Moçambique Zimbabué Gorongosa Namíbia

Botswana

1 Maputo 1 África do Sul

Lesoto

Depois de uma bateria nova, arrancamos.

Maputo — Cairo — Amarante

61


Em Viagem

A

ssim será também a próxima aventura – prometemos a nós próprios. Depois de uma inesquecível viagem a Marrocos com grandes amigos, fiquei com a certeza que mais aventuras épicas como essa

70

estariam para vir. Só temos de as fazer acontecer! Estávamos algures a meio de 2018, um ano que para mim se revelou de altos e baixos. Numa conversa casual de dois amigos surge a ideia concreta de se fazer o Adventure Country Tracks — ACT —, Portugal. Falou-se numa

data e o «Sim» saiu da minha boca sem sequer saber se conseguia ter esses dias de férias, coordenar-me com a minha Inês, a pequena Maria e... ir. Sabia que tinha de ir. Ponto. Era a oportunidade de ouro com a minha rapaziada destas aventuras. Não podia ser de outra maneira. Desde 2015 que o ACT é uma espécie


ACT

Portugal Diogo Alexandre

Portugal de norte a sul, pelo melhor caminho. 1250 km, muito «off-road», 5 amigos, 5 dias e muitas histórias para contar.

de música para os meus ouvidos. Ouvia falar com frequência do trajecto, do projecto, vi o brilho nos olhos de jornalistas referências mundiais, quando falavam, participei em parte dos reconhecimentos e, com o passar do tempo, fui almejando a minha própria aventura. O tempo ia-se aproximando e a preparação progredindo. A rapaziada

era a mesma do costume. Eu, o Andrés, o Laurêncio, o Michael e também o Ventosa. Viajamos assim. Malta de absoluta e inteira confiança, amigos, e com um nível de respeito entre todos, assinalável. No meio disto, muita diversão e palhaçada, mas sabemos, mesmo antes do dia 0, tudo com o que podemos contar.

Primeiro contratempo — o arranque até Bragança estava planeado para o dia 4 de Outubro tendo em conta que seria previsível arrancar a meio da tarde, quando sei da visita do Wayne Gardner, antigo campeão mundial de 500 cc e MotoGP. Não poderia de todo perder. Eis que surge então o verdadeiro Portugal

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Abertura — «Eu vou, mesmo em bicos de pés.» Foto: Jorge Matos (@Porto)

Banda Sonora Descobre aqui a banda sonora que a Eunice sugere para leres as suas histórias.

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percorrer e guardei todas as ideias e recomendações nos meus apontamentos, como uma aluna atenta e bem-comportada de partida para a sua primeira viagem. O meu objectivo era seguir apenas por estradas secundárias, encontrar caminhos e, se necessário, meter até por alguns atalhos. Ao quarto dia apanhei-lhe o jeito e comecei a desenhar esses trilhos no dia anterior, marcando também o alojamento. Mas prefiro deixar a vida me levar, e mesmo de mapa na mão — ou podendo seguir as tabuletas —, não podia deixar de perguntar por indicações aos locais com quem me ia cruzando. E foi assim que fiz amizade com a tia, a sobrinha, o marido da tia e ainda uma amiga em Montalegre. Que recebi uma bacia inteira de tomates cherry biológicos de um senhor na serra do Gerês. Que conheci três mirandesas de gema que deixaram saudades. Ou um senhor que me contou que, há muitos anos, também andou numa Royal Enfield, enquanto os seus olhos se enchiam de alegria. Uma simpática senhora que se surpreendeu com a minha coragem e aproveitou para conversar um bocadinho porque ajudava a passar a tarde. Ou aquela senhora em Arruda dos Vinhos que, depois de um grande abraço, ainda me ofereceu um gelado. A minha rotina era muito simples — levantar devagarinho, tomar um pequeno-almoço reforçado, passear pelo local onde havia pernoitado, e seguir pelo trajecto idealizado na noite anterior. E depois aceitar que nada sairia como programado… E ainda bem! Porque de todas as vezes que me perdi — e tenho de admitir que ainda foram algumas — foi para reencontrar-me com algo melhor. Ou de cada vez que sofri —com lágrimas à mistura —, foi para depois ser recompensada com um gesto maior, com uma paisagem que não cabia inteira no coração, ou um qualquer momento de especial singularidade. E assim, de repente, vem-me logo à cabeça aquela pequena praia fluvial no meio de um silêncio absolutamente verde, ou um pequeno caminho que me ensinaram para fazer sempre ao lado do rio quando saía de Torre de Moncorvo. Ainda aquela sensação indescritível quando deixei a costa atlântica e me adentrei pelo fabulário de Sintra, ou a vista para o Alqueva desde o belo castelo de Monsaraz. A simples descoberta de um café a abarrotar de arte e estilo contemporâneo com música chill out no profundo Alentejo foi uma bênção para o meu espírito. Já para não falar daquela deliciosa sesta que tirei ali para os lados de Moura, antes de encontrar uma estrada contra o sol do entardecer que me adoçou os sentidos.

Aliás, quando penso no seguimento de toda a minha viagem, reparo — ou, pelo menos, gosto de assim pensar — que esta foi feita de boas coincidências. Quando cheguei a Montemor-oVelho não fazia ideia de como chegar a Lamego e, de repente, estava sentada frente-a-frente com quem muito bem conhecia toda aquela região e me animou a seguir alguns desígnios. Ou no radioso domingo em que uma senhora professora de arte que conhecia Portugal de fio a pavio me ofereceu mil lições a explorar. E mesmo aquela jovem em Mesão Frio que depois de me ver aflita a segurar a mota e deixá-la cair lentamente em cima de mim, me deu um abraço retemperador e me indicou um caminho incrível por onde seguir viagem. No total foram 33 dias de viagem e 4336 km aos comandos de uma Royal Enfield Himalayan, tornando-me na primeira mulher a dar sozinha uma volta completa a Portugal continental. Mas foi longo o caminho para ali chegar... Uns tempos antes a minha vida tinha virado do avesso. Depois de deixar de conseguir seguir com a minha existência corriqueira, sem força até para as tarefas mais simples, foi-me diagnosticado fadiga crónica e fibromialgia — o que trocado em miúdos, significa que ando sempre cansada e a queixar-me que me dói em algum lugar. Teria então de reaprender a viver, alterar o que já não suportava, e retirar a melhor lição para continuar — mais fácil dizer que fazer. Mas foi nessa aprendizagem que voltei ao ponto de partida, onde me reencontrei com os meus sonhos e com o que sempre esteve lá — as motas. Conheci a Himalayan nesse entretanto, ao mesmo tempo que me enchia de vontade de me superar e mostrar a mim mesma que era capaz, deixando que a fortuna guiasse e me levasse a isto — à volta a Portugal em Royal Enfield.

Sem reservas

Saí do Porto com o depósito quase cheio e decidi averiguar até onde chegaria com aqueles litros de gasolina. A reserva chegou quando eu estava no meio da Serra Amarela do Parque Natural PenedaGerês. Eram sete da tarde, não havia casas, não havia carros nem passava ninguém, e por acaso também não existiam bombas de gasolina. E por momentos pensei que era ali que iria dormir. Na companhia dos cavalos selvagens…

Na segunda pedra à direita

Conhecia Vilar de Perdizes por causa da Feira do Oculto — ou das mezinhas e das bruxas, como diz o povo — mas nunca lá tinha estado. Era já meio-dia e parei para almoçar no


2 «Na 2.ª pedra à direita», são as indicações para chegar a Vilar Perdizes.

3 À conversa com três doces octogenárias de Mirando do Douro, fica um convite pendurado.

1 Testando os limites do depósito e a autonomia da «Laya»

Monção

2

P. N. Peneda-Gerês

Caminha

Rio de Onor

Vilar de Perdizes

Bragança

3

Chaves

1 Viana do Castelo

Miranda do Douro P. N. Douro Internacional

Santa Marta de Penaguião Porto 0 0 0 0 0 km 0 4 3 3 6 km

Lamego

Torre de Moncorvo

Pinhão

Vila Nova de Paiva Viseu 4 Pailobo

Serra da Estrela (1993 m)

Penha Garcia

Góis

Figueira da Foz

5 Castelo Branco

Segura

São Pedro de Moel Nisa

Na Serra da Estrela, o inesperado acontece quando menos se imagina, revelando o melhor da serra.

Castelo de Vide

Cabo Carvoeiro

Portalegre

Sintra Cabo da Roca

Na aldeia de Pailobo, juntam-se à mesa para comemorar em comunidade esta pequena localidade entre seus conterrâneos.

Belmonte

5

Coimbra

4

Évoramonte Lisboa Monsaraz

Setúbal Évora

Serra da Arrábida

Alcácer do Sal

Serpa Sines

Mértola

Cabo Sardão

Odeleite Lagos Sagres

Faro

Portugal («Eunice on a Royal»)

81


Somália Kampala Uganda

Quénia

Mutukula

Lago Victoria

Ruanda Lusahunga 7

6

Nzega

Burundi

As picadas do interior da Tanzânia custam, mas acabam a fazer-me sentir vivo.

7

Mudança de rota Estrada interditada para o grande lago Tanganyika, devido a trabalhos na estrada e cortes causados pelas grandes chuvadas, que me obrigou a seguir pelo interior do país. Tinha chovido muito ao longo dos dias e não foi diferente até Iringa. O ideal foi apertar bem as cintas para a carga não cair durante uma viagem pelos buracos e lombas passadas ao longo do caminho pois com tanto solavanco os pneus pressionavam-me a zona lombar forçando-me contra o depósito da moto.

Singida 6

R. D. Congo Lago Tanganyika

6 Lago Rukwa

5

Iringa

Mbeya

Lago Mwera

Tanzânia

Kasamulu 5

4 Livingstonia

Lago Malaui Zâmbia

4

5

Salima

Perto de Chilumba, o cansaço faz-me deixar tombar a moto sobre mim numa inversão de marcha, deixando-me uma queimadura na perna pelo contacto com o escape.

Tempestade e bonança Uma enorme tempestade, com muita chuva e vento forte vindo do lago, com raios e corriscos a crepitarem no lago — uma força da natureza tremenda e assustadora que abanou a minha tenda violentamente por todos lados, com os galhos das árvores em volta a sucumbirem. A manhã acorda com um dia claro, calmo e sereno, céu limpo como nada tivesse acontecido na noite anterior.

Lilongwe 4

Dedza Moçambique Malaui

3 Tete

2 4 Gorongoza Oceano Índico

Zimbabué Beira 2

3

3

1

Uma noite de consoada diferente e um banho matinal no índico.

2

Altura de remendar e consertar pequenas muitas coisas na moto e nas malas.

Inhassoro

Moçambique

África do Sul

1

Maputo Lesoto

90

1

Com o cartão de crédito «engolido» num ATM no fim-desemana anterior, a minha partida atrasa-se e dou por mim a viajar de noite, violando uma das minhas principais regras para África de moto.


E como é viajar de moto nestas estradas africanas? Em estrada ou picada, em curvas ou rectas de perder a vista, é normal encontrar camiões virados na valeta. O acidentado geralmente acampa ao lado dos destroços para não haver roubos, mas ao mesmo tempo passa muito mal no meio do nada, onde chegam a estar semanas. Se o camião estiver acidentado ainda com um parte na estrada, meia dúzia de galhos são colocados antes e depois do acidente como aviso — este é o conhecido «triângulo africano». Assim são as estradas por estas partes de África, pelo que deixo aqui algumas notas de quem por lá andou. E, já agora, um conselho de amigo — Nunca confiem quando vos dizem «The road is all good, my friend!», pois vão acabar com a mesma facilidade nas piores e melhores estradas do mundo. 1 Inhassoro a Inchope (N1) A N1 é a espinha dorsal do país, uma estrada quebrada, rochosa e arenosa, tanto que da passagem nas suas «crateras» desde Vilanculos até Inchope mais uma mala se partiu nos apoios. 2 Manica a TetE Esta ligação faz-se por uma estrada bastante rugosa, buracos à mistura e crateras localizadas. Na época das chuvas é uma zona de descargas intensas em Gondola e antes de Catandica. 3 TetE Acordei ao 1.º dia do ano sob uma valente tempestade tropical, chuva e vento muito forte que até atirou a «Mbuti Lilhaza» para o chão, no dia em que iria iniciar a viagem rumo ao Malaui. 4 Dedza Para chegar à fronteira de Dedza que me levaria a entrar no Malaui, percorro mais uma estrada rugosa, recheada de buracos. 5 Mbeya Com as fortes chuvadas os manómetros e odómetro deixaram de funcionar — o velocímetro ia dos 0 aos 80 km/h em um segundo e em ponto morto. As rotações indicadas rondavam as 5000 rpm quando na realidade estava nas 1000 rpm — pânico! O que vale é que a moto funcionava e depois de começar a sentir o calor da manhã e começar os saltos nas «mil-e-uma» lombas da Tanzânia tudo voltou ao normal — havia sido apenas ronha matinal.

6 «Checkpoints» da tanzânia Este deve ser o país campeão de controlos policiais na estrada em toda a África — a cada 20 km lá estão, ainda que mais preocupados com camiões e «chapas», «matatus» (táxis). Quando avistam as motos apressam-se a levantar a cancela, sem pedir qualquer documentação.

versátil, capaz de resistir à maioria de betuminoso duro da estrada, sem comprometer no solo argiloso e na areia.

Forçado à condução nocturna

A saída de Maputo foi atrasada por um cartão de crédito retido num ATM no fim-de-semana. Esse atraso levou-me a quebrar a regra de ouro — não conduzir de noite em África. Isto porque de noite existem tantas ou mais actividades comparando com o dia — camiões, «chapas» (carrinhas táxi) e carros com apenas uma luz, com os máximos sempre ligados, vultos a atravessar a estrada, bicicletas, animais, galhos na estrada fazendo as vezes de triângulo de sinalização, faltas de iluminação na estrada, ausência de marcas rodoviárias, bermas que parecem precipícios, e um piso inconstante e imprevisível.

Abertura Mulher makatapola. (@Tanzânia)

Os insectos do tamanho de morcegos ou pássaros nocturnos esborracham-se na viseira, a qual fica suja num instante, impedindo-me de ver em bom tempo as crateras perpendiculares e longitudinais na estrada. A certo momento pensei que estava no meio de tiroteio, tal era a violência. Aqui e em qualquer quer ponto em África, ainda que seja uma recomendação válida e sensata para qualquer país, com as devidas escalas. O pôr-do-sol deve assim marcar o início da procura de local para dormir e aproveitar o amanhecer, que pelas 18h30 já é noite.

Inhassoro

A vila de Inhassoro recebe-me de noite. A sua estrada principal termina na praia, onde começam as estradas transversais de areia de praia, sendo ainda mais difícil conduzir na areia à noite. A avenida tem meia dúzia de lodges ao longo da praia, pelo que iniciei a minha procura de alojamento e dormida já exausto após os 700 km deste primeiro dia. Fui bater a porta do primeiro lodge sem qualquer tipo de reserva, apenas com uma grande vontade de dormir e comer, mas, para minha sorte, sem quartos disponíveis. Perguntei se poderia acampar no relvado, mas foi recusado. Depois da primeira tentativa lá continuei a segurar a moto pela estrada de areia fina de praia bater a porta de outro lodge. Cansado e exausto daquela estrada de areia deparo com uma entrada bem florida e um painel luminoso a dizer «Estrela do Mar». Para variar, estava em casa de portugueses. Isto porque geralmente a maioria destas unidades ao longo da costa moçambicana são explorados por sul-africanos ou, apenas numa quantidade menor, por moçambicanos. Falei com a dona da casa e confirmou-me que estavam todos os quartos ocupados, mas ao me ver exausto, frustrado e ainda por cima em dia de consoada, deve ter sentido pena de mim e desencantou-me um quartinho dos fundos, provavelmente destinado aos empregados. Naquela altura para mim qualquer coisa servia, com ou sem luz, com ou sem casa de banho, com osgas ou sem osgas — só queria estacionar a moto, tirar armadura, botas, e pousar o capacete para tomar um banho, comer qualquer coisa e

«SIM»

Todos nós podemos ajudar um pouco e fazer a diferença para estes estudantes. Podem fazê-lo na ligação «Cause» e clicar em «Donate to SIM» para efectuarem um donativo. Também podem oferecer roupas ou comida.

Grandes Lagos Africanos

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