TREVL 20 — amostra

Page 1

“Desassossego”

“She’s 2 wheeled”

5 mulheres em marrocos

Suécia e Noruega até ao Cabo Norte

Susana e o deserto de Las Bardenas Reales

4,50€ (Continente) IVA Inc.

TREVL#20| Set - Nov 2019 — Trimestral

“Just Girls”

Espanha • Marrocos • Noruega • Portugal • Suécia

1


Destinos

África

3 9 15 17 África do Sul 4 9 Angola 1 Argélia 3 15 17 Botsuana 9 10 Congo (R. D.) 9 18 Egipto 9 18 Etiópia 9 17 Gâmbia 4 15 Malaui 6 10 14 10 13 Marrocos 16 17 19 20 1 2 14 9 17 Mauritânia 4 9 15 17 18 Moçambique 3 4 15 17 Namíbia 4 9 18 Quénia 9 10 Ruanda Sahara Ocidental 1 14 9 17 5 São Tomé e Príncipe 2 9 17 Senegal (Dakar) 2 9 18 Sudão 10 Sri Lanka 9 15 18 Tanzânia 3 4 15 17 Zâmbia

Ásia

Arménia Azerbeijão Burma (Myanmar) Camboja Cazaquistão China Geórgia 3 Índia Indonésia Irão Iraque Japão Laos Malásia Mongólia Nepal Paquistão Quirguistão Tailândia Tajiquistão Timor-Leste Turquemenistão Usbequistão Vietname

Oceânia

Austrália Nova Zelândia

América

Conhece aqui quais os destinos de viagem de moto sobre os quais já publicámos, tanto na TREVL, como na REV.

Nesta edição

Os destinos incluídos nesta edição estão destacados com um fundo amarelo.

Edições passadas

Cada entrada nas tabelas seguintes tem a indicação de qual o número onde foi publicada (a amarelo na TREVL, a azul na REV).

Interactivo

Para uma experiência mais interactiva com visualização sobre o mapa-mundo, sugerimos visitar o nosso site na secção «Destinos».

98

«Alasca» (EUA) 4 Argentina Belize Bolívia 4 6 7 Brasil Canadá 4 Chile Colômbia Costa Rica El Salvador Equador 6 5 E.U.A. Guatemala México Nicarágua Panamá Paraguai 6 Peru 6 Uruguai Venezuela

7

8 15 16 6 7 9 11 9 12 15 16 7 8 9 11

5 7 8 11 4 9 7 8 9 8 9 14 15 9 9 9 7

8 8 9 13 19 7 17 14 17 14 9 9 13 9 19 11 18 11 9 9 16 11 11 13

7 19 18

5 11 6 13 7 10 11 12 17 18 19 5 4 11 7 11 12 8 16 17 18 19 5 10 11 12 17 19 4 5 7 8 5 8 17 5 8 17 4 7 17 7 12 15 16 19 2 5 8 17 12 16 17 5 8 17 5 8 17 6 11 19 5 4 7 11 12 4 7 10 11 17 4 8

Europa

7 Albânia Alpes 3 7 Balcãs Bielorússia Bósnia e Herzegovina Bulgária Córsega Croácia Dinamarca 1 4 Espanha 1 Escócia Eslovénia Finlândia Gales Grécia Georgia Inglaterra Irlanda Islândia Itália Letónia Kosovo Moldávia Montenegro 1 8 Noruega 1 Pirenéus Polónia Roménia 3 7 8 Rússia Sérvia Suécia 2 7 8 11 Turquia

Portugal

10 11 15 1 2 17 15 17 20 9 7 15 20 7 1 7 20 8 14 5 7 20 5 6 12 7 20 2 7 11 17 2 6 2 1 3 5 7 9 2 7 15 17 7 15 13 14 20 5 7 20 9 14 16 17 11 14 19 2 7 15 14 20 12 14 17

Açores Alto Alentejo Alta Estremadura Alto Douro Beira Baixa Madeira (ilha da) Serra Algarvia Serra da Arrábida S. de Aires e Candeeiros Tejo dos Castelinhos

Espanha

Deserto de Bardenas Galiza Picos de Europa Ruta de la Plata Sierra Norte

12 7 13 3 2 10 13 17 1 1 7 10 1

5 20 12 1 5 20 4 7 7


Editorial

Festivais

A

o Verão fomo-nos habituando a associar os festivais. Desde o último número da TREVL foram muitos aqueles cujos cartazes se digladiaram para obter a nossa atenção. Apetece-me destacar dois, em especial.

Um primeiro — «Festival de Cinema de Aventura» —, no qual a Nomad desafiou o mercado municipal de Matosinhos a partilhar o espaço das espevitadas peixeiras do norte com as imagens de aventuras pelo mundo, forrando as paredes com as côres das viagens — como os peixes nas bancadas do mercado, também as imagens foram capturadas, mas pelo olhar de fotógrafos. Durante o dia, partilham-se as experiências e fala-se sobre os bastidores das grandes editoras e produtoras de cinema e documentários. À noite, esses filmes acordam o mercado trazendo à vida as imagens projectadas, ainda com o aroma do peixe fresco da manhã. Saímos de lá cheios de ideias, alimentadas por visões diferentes, aprimorámos técnicas, conhecemos gente... como nas viagens. O segundo é já a referência nacional para o cinema motociclístico — o «Motorcycle Film Festival» — durante o qual se revelam alguns dos melhores trabalhos em vídeo do mundo das motos, ampliados pelo ambiente único do cinema São Jorge em Lisboa. Lá revemos um dos projectos que também chega às páginas deste número da TREVL — as «Dust Girls» — num trabalho de realização do Manuel Portugal, cuja fotografia faz capa. Não são festivais com a dimensão dos «Super Sagres» e «Rock in Tio» que nos enchem os ouvidos e olhos a anunciarem-se. E ainda bem, de certa forma. Como os segredos bem escondidos dos destinos de viagem, saboream-se melhor sem grandes multidões. E, tirando a moldura humana que encheu as ruas de Lisboa no passeio do festival no São Jorge, o ambiente é mais intimista, convidando à conversa e à partilha, essa dádiva do viajante. E porque cada TREVL é uma celebração da dádiva da partilha, aqui fica um festival de viagens... de moto pelo mundo.

Instagram

Segue a TREVL no instagram para acompanhar os nossos viajantes e ficar a par do que acontece de moto pelo mundo.

José Bragança Pinheiro Director — jbpinheiro@trevl.pt

Capa As «Dust Girls» serpenteam as estradas marroquinas a chegar ao Dadès. Foto Manuel Portugal

3


página

Director e Revisão

José Bragança Pinheiro

jbpinheiro@trevl.pt

Viajantes e colaboradores André Conchinha André Sousa António Rosado Filipe Elias José Bragança Pinheiro Mário Sobral Renato Braz Tiago Braz Vitor Martins

Editor Geral Hugo Ramos

O Carlos A. Martins aproveita uma pausa do seu trabalho como «Tour leader» para viajar pela Europa na melhor companhia possível. Croácia e Bósnia-Herzegovina

86

A Marta Garcez dá voz ao grupo das «DustGirls» na sua viagem por Marrocos. Marrocos

22

Arte

68

58

Rita Pereira José Bragança Pinheiro

Publicidade

O Filipe Macedo e o Vitor Ferreira apontam ao Norte, bem lá em cima, onde as cascatas e fiordes deslumbram. Escandinávia (Suécia, Noruega, Finlândia)

O João Rebelo Martins percorre alguns dos parques nacionais do Norte de Portugal. Portugal e Espanha

António Albuquerque

antonio.albuquerque@fast-lane.pt Telefone: (+351) 939 551 559 Assinaturas: assinaturas@vasp.pt

40 A Susana Pereira estreia-se na sua primeira viagem de moto, escolhendo o deserto de Las Bardenas para se desafiar. Espanha e França

do acotarescrita

Revis uguês. t em por ÃO foi , o g Lo N acordo do o adopta ráfico. or tog

Proprietário e editor FAST LANE II, LDA Sede: Rua Quinta do Morgado, 50 - 1800-323 Lisboa NIPC: 514870613 Detentores Capital Social: Hugo Ramos e Marcos Leal Gerência: Hugo Ramos e Marcos Leal Periodicidade: trimestral Nº de inscrição na ERC: 127215

BMW F700 GS

por Susana Pereira 40

Tiragem: 12.000 exemplares Administração, Redacção e Publicidade: Av. Infante D. Henrique, Ed. Beira Rio, Fracção T 1950-408 Lisboa Telefone: (+351) 218 650 244

58

BMW R1200 GS Adventure

por Vitor Ferreira

Honda CRF 1000L «Africa Twin» por João Rebelo Martins

68

Depósito Legal: 357231/13 ISSN: 2182-8911 Impressão e acabamento:Grafisol Sede: Rua das Maçarocas, Abrunheira Business Center nº03, Abrunheira 2710-056 Sintra Produção Gráfica: Finepaper Distribuição: VASP – Distribuidora de Publicações, Lda. Quinta do Grajal – Venda Seca 2739-511 Agualva-Cacém

Todos os direitos reservados de reprodução fotográfica ou escrita para todos os países. Estatuto Editorial TREVL é uma revista lúdica e informativa sobre a temática do motociclismo nas suas vertentes de lazer, mobilidade e transporte, desportiva, cultural e, especialmente, turística. TREVL dará especial relevo ao rigor da escrita e à componente artística do desenho gráfico e da fotografia. TREVL empenhar-se-á num jornalismo apaixonado e comprometido com a temática que é seu objecto. TREVL é independente do poder político, económico e de quaisquer grupos de pressão. TREVL defende e respeita o pluralismo de opinião sem prejuízo de assumir as suas próprias posições. TREVL assumirá uma postura formativa. TREVL respeita os direitos e deveres constitucionais da liberdade de expressão e de informação e cumpre a Lei de Imprensa.

68

BMW R1200 GS

por Carlos A. Martins

por Filipe Fonseca Macedo

86

14

Royal-Enfield Himalayan Adventurer

KTM 1290 Adventure R

Harley-Davidson Ultra Limited por Vitor Martins

18

por Domingos Janeiro

10

BMW R 1250GS Adventure por Domingos Janeiro


Cabo Norte

«Desassossegados»

@Escandinávia, 68 por Filipe Fonseca Macedo e Vitor Ferreira «Nesse dia atravessamos paisagens na Noruega que podíamos reconhecer de outras paragens — montanhas como nos Alpes, lagos e fiordes que se pareciam com os lagos italianos, ilhas e penínsulas como na Tailândia. As ilhas Lofoten não parecem pertencer ali — tomá-las-íamos por ilhas e penínsulas paradisíacas do sudeste asiático.»

«Balcãs»

@Croácia e Bósnia, por Carlos A. Martins

86

«Este belo país banhado pelo Adriático é isso mesmo — um país belo. Lembrei-me do livro ’Alice no País das Maravilhas’. As maravilhas deste país onde cada um de nós se pode sentir uma Alice são o mar, praias, lagos.»

«Novos TREVLers»

João Rebelo Martins e João Sousa

8

A família dos TREVLers — viajantes-autores e embaixadores — continua a crescer com estes dois novos irrequietos aventureiros de moto pelo mundo.

«Passeio pelos Parques»

@Portugal e Espanha, por João Rebelo Martins (TREVLer) 58 «Ia entrar em terra inóspita, um retrato de Torga onde, em estradas estreitas, me cruzei com manadas da bela carne barrosã, alguns rebanhos e, acompanhando-me no ar, inúmeras aves de rapina. — ’Que não sejam abutres’ —, pensei eu com os meus botões.»

Malmo

Biarritz

Las Bardenas Reales

«She’s 2 Wheeled»

@Espanha e França, por Susana Pereira

40 Lisboa

«— Su, isto não vai correr bem! O acesso era completamente impróprio. Eu já suava e bufava por todos os lados, fora a ’catrefada’ de asneiras que disse dentro do capacete — digamos que eu e o capacete estamos a criar uma relação muito próxima, aquele género de amigo confidente que está sempre ali disposto a ouvir-nos, em toda e qualquer ocasião, não sei se estás a ver...»

Ceuta

«Just Girls»

@Marrocos, por Marta Garcez 22 «Calções e t-shirt fora das mochilas, chinelo no pé e fomos logo ver o céu estrelado com os dedos bem enfiados numa areia fininha que não levava, como instintivamente nos pareceria, ao mar. Parámos a olhar para o céu no meio do nada. Mais um abraço com a sensação de que somos umas sortudas por estar naquele sítio e a pergunta — ’Como é que mostro isto mais tarde? Como é que guardo este cenário?’»

A Tenda

José Bragança Pinheiro

6

Merzouga

Há um conjunto de características no material de campismo que o torna vencedor ou uma escolha infeliz. M’Hamid

Índice de Destinos

98

5 página


Em viagem

Just Girls Cinco viajantes escolheram a poeira da viagem que o vento do deserto traz. Marta Garcez

22

Manuel Portugal


Q

uarenta e oito horas passaram desde que regressámos e o mundo ainda não parou de girar. Dizem que é o que acontece a quem é permeável ao que se passa à nossa volta. E eu sou. É bom e mau. De uma viagem de pouco mais de 4 mil quilómetros de moto — com dias em que fizemos quase 700 e 180 noutros —, retive as cores, os cheiros, o pó, os tendões doridos, as contracções involuntárias dos músculos das mãos e o sorriso na cara. E de pensar que tudo começou com uma conversa à porta de um bar à volta de umas cervejas, com um amigo. Fui nessa noite deitar a cabeça na almofada, convencida de que esta ideia tinha rodas para rolar e tudo para ir em frente. Obrigada, Amoedo.

A última Coca-Cola do deserto

Objectivo — uma viagem só de mulheres. Não! — de mulheres motociclistas, ao destino fora-da-bolha mais

próximo possível da Europa — de preferência com África como pano de fundo, origem da minha mãe, que sempre me atraíu e onde nunca estive. Marrocos! Na minha bucket list e de moto. E mais — uma viagem destas mulheres em motos que habitualmente não se vêem nesse ambiente. É agora! Sabemos que muitas mulheres já o fizeram, em grupos maiores do que outros, em excursões, com os namorados e maridos e algumas — muito raras — só em grupos de mulheres. Com a noção de que não somos essa bolacha por que se degladiam os gulosos no fim do pacote, temos noção de que o que tornou este projecto único foi o facto de sermos um grupo só de mulheres portuguesas, naquele destino, em motos como as que escolhemos. Mas cada coisa a seu tempo … A viagem que aqui partilho permitiu que sentíssemos na pele tudo o que a terra marroquina tinha para nos oferecer. As paisagens que nos tiraram o pio. A chuva e vento que nos fizeram tremer centenas de quilómetros

Marrocos

23


1 O evento «Wheels & Waves» junta dois prazeres que celebram a liberdade — motos e surf.

1

Gijón San Sebastian

Péchon Covadonga 4 Pido

Las UbiñasLa Mesa Santiago de Compostela

Bilbao

Potes

Ochagavia

4

Ponferrada

León

Las Medulas

Vigo

Bidart

3

Queríamos ter ido até aos famosos lagos glaciares de Covadonga, mas infelizmente nesta altura do ano — e àquela hora do dia — o acesso não é permitido, a não ser de autocarro.

2

Bardenas

Saragoça

Bragança Zamora Porto Salamanca

Embid Molina de Aragon

Sierra de Francia Madrid

Abadia

Alcántara

Riolobos Puente de Alconétar

Sierra de Gredos

Cáceres 1

Lisboa

Marvão

Badajoz Évora

assistirmos ao Swank Rally que fazia parte do programa de hoje do festival. Bem, não te digo nada, mas assim que cheguei ao cruzamento onde tínhamos que virar para o local onde a prova ia decorrer e vejo um senhor de mota estatelado no chão, eu pensei logo — Su, isto não vai correr bem! — O acesso era completamente impróprio.

48

1 No topo da serra do Sapoio, em pleno Parque Natural da Serra de São Mamede, Marvão é tranquila e de ruas sinuosas e estreitas que atravessam o casario branco, rodeado pelas muralhas. Uma vila cheia de história, que estando situada tão perto da fronteira com Espanha, serviu durante séculos como bastião defensivo português.

3

2 Ainda que interessante, o Cabezo de Castildetierra é demasiado povoado. Fiquei realmente apaixonada e siderada por aquele cenário de caprichosas formas esculpidas numa paisagem de aparência quase lunar, povoada por cabeços, barrancos, mesas e colinas, que serviram como fonte de inspiração a tantos filmes do chamado «spaghetti western», bem como mais recentemente na tão afamada série televisiva «A Guerra dos Tronos», servindo como pano de fundo para os guerreiros do povo nómada «Dothraki».

Eu já suava e bufava por todos os lados, fora a «catrefada» de asneiras que disse dentro do capacete — digamos que eu e o capacete estamos a criar uma relação muito próxima, aquele género de amigo confidente que está sempre ali disposto a ouvir-nos, em toda e qualquer ocasião, não sei se estás a ver...

Ochagavia, aos pés da serra, no Valle de Salazar, tem a fama de ser o povo mais bonito dos Pirenéus Navarros, com a sua arquitectura rural de casas de pedra apalaçadas e algumas brasonadas, com varandas floridas e ruas calcetadas.

Bom, lá me enchi de coragem e lá fui eu em direcção ao desconhecido, com audiência por todo o lado, não fosse a qualquer momento acontecer algum episódio digno de ser visto. — Acelera, Su, acelera senão vais estatelar-te no chão e não vai ser bonito —, dizia para mim própria, soltando umas quantas asneiras e progredindo no terreno,


O programa para o dia seguinte levou-nos até ao hipódromo de San Sebastián para assistir ao El Rollo, uma prova de flat-track que nos fez papar algum pó e trabalhar para o bronze. Nunca tinha assistido a uma prova destas e adorei ver aquela malta às voltas, todos atravessados nas motas e sempre a rasgar... e até adivinhei o vencedor. O GPS fez mais das suas e demos umas 3 ou 4 voltas para sair de San Sebastián. Já me estava a passar, com aquela sensação de estares a andar em círculos ou no sentido completamente contrário. Nota para mim mesma — adquirir um GPS como deve ser e deixar estas aplicações de lado.

não sabendo muito bem como, pois eu só sentia a mota a saltitar ora para a esquerda ora para a direita, tanta era a pedra solta e pedregulhos e crateras e gente a atravessar-se no meu caminho. Ufa... lá consegui chegar a porto seguro com a adrenalina a correr-me nas veias como se tivesse acabado de sair de uma montanha russa. O regresso não foi menos animado. Não será difícil achar que eu sou uma «mariquinhas» e que me assusto com pouco. Na volta, chegavas lá e dizias — Mas o que é que isto tem de mais? Já não te recordas de quando começaste e tinhas momentos de stress parecidos. O Swank Rally fez-me voltar aos tempos de adolescente em que ia apoiar amigos que participavam em provas de motocross lá na terrinha e arredores e sonhava um dia fazer o mesmo. Da parte da tarde estávamos de volta à Cité de l’Océan em Biarritz para desfrutar do ambiente, tendo como ponto alto da tarde — sobretudo para mim, entusiasta da aviação — a passagem e demonstração da patrulha acrobática Breitling Jet Team, com os seus Aero L-39 Albatros. Que bela surpresa...

No último dia do Wheels & Waves descansámos, almoçámos bem numa esplanada à beira-mar, comemos um guloso gelado e despedimo-nos do festival, pois no dia seguinte voltaríamos à estrada, a pensar já no regresso a Portugal.

Aos Picos de Europa Sair de Bidart em direcção a San Sebastián é sempre uma canseira — o trânsito e os semáforos consecutivos não permitem que o ritmo flua e torna-se aborrecido. O objectivo era seguir em direcção a Bilbao, depois Santander e ficar algures já perto dos Picos de Europa, pois queríamos explorar um bocadinho essa zona no dia seguinte. Valeu-nos o percurso junto à costa, muito embora o nevoeiro nos cobrisse parte das vistas. De resto, o dia acabou por ser chato, com muito trânsito, obras em algumas estradas, as rotundas sucessivas, estradas esburacadas, as constantes mudanças de velocidade, os camionistas parvos e as constantes alterações de temperatura. Como já se fazia tarde, optámos por ficar no parque de campismo Las Arenas em Pechón, cuja indicação nos apareceu por acaso. Este parque revelou-se uma bela surpresa, situado numa zona de promontório natural junto ao mar Cantábrico, mesmo ao lado da foz do rio Tina Mayor, de águas azul-turquesa, rodeadas de colinas verdejantes e convidativas e praias escondidas onde apetecia ficar. Não foi difícil deixarmo-nos seduzir por esta zona, ficando a vontade de regressar para explorar melhor.

O parque tinha umas condições fantásticas, do melhor que já apanhei, com muita relva pela encosta abaixo até à praia deserta cujo único acesso era feito pelo parque, com instalações sanitárias bem equipadas, muito limpas e sempre cheirosas, que dava gosto usufruir. Que privilégio dormir embalada pelo som das ondas do mar e acordar com vista para a praia! No dia seguinte, depois de mais um café con leche y tostada con tomate, rumámos aos Picos de Europa, destino tão visitado por motociclistas, seguindo um itinerário que nos foi aconselhado pelo simpático senhor da recepção do parque, que passaria por Potes — uma das mais belas localidades da Cantábria — onde almoçámos. Chegámos a esta simpática vila através da estrada N621, que atravessa o impressionante e sinuoso Desfiladero de la Hermida, o maior de toda a Espanha. Seguimos sem pressa pelos cerca de 21 km de desfiladeiro, contornando o rio Deva, que nos acompanhava como um fiel amigo e ladeados por muros naturais que chegam a atingir os 600 m de altura, completamente fascinados pela paisagem que nos rodeava. Tanto gozo me deu percorrer esta estrada e tão pequenina e grata me senti por estar ali, presente no momento, a absorver toda aquela imensidão de beleza natural e imponente, devagar, sem pressa, como só assim se saboreiam os prazeres desta vida. Já de barriga cheia, seguimos de Potes até ao teleférico de Fuente Dé, onde para nosso espanto, terminava a estrada. Não subimos no teleférico que faz a ligação até ao Mirador El Cable, não só porque as filas eram descomunais — qual Loja do Cidadão em dia de semana —, como o preço do bilhete também não nos cativou. Fizemos meia-volta, já que tínhamos que fazer parte do percurso para trás, e aproveitámos para parar junto ao pueblo de Pido, pois eu tinha reparado numa placa que dizia degustación de quesos de Pido e resolvemos ir experimentar. Seguimos depois em direcção a Covadonga, nas Astúrias, para visitarmos a basílica e o santuário construído em honra da Virgen de Covadonga e que tem a particularidade de se situar numa gruta. Queríamos ter ido até aos famosos

49


Passeio pelos

Parques João Rebelo Martins (TREVLer)

C

omo nas refeições preparadas pelos grandes chefes, há sempre um prato principal. As entradas e a sobremesa, assim como os vinhos e os tira-sabores, são complementos que tornam as criações divinais porque olfacto e palato estão absorvidos e predispostos a ter uma experiência. Com três dias de viagem pela frente, montado na Honda Africa Twin, preparei dois pratos principais, ao qual juntei tudo o resto, digno de figurar num qualquer guia com

58

estrelas Michelin. Fafe foi o local onde disse adeus à auto-estrada e iniciei o «Road to National Parks» — Queimadela, Várzea Cova, Gontim, Aboim, a música dos WRC e R5 ecoa nos meus ouvidos, ao passar em estradas de asfalto que cruzam a terra e onde sei que se salta, que se atalha, por 1001 incursões pelas terras da gente dos ralis. Descer para Vieira do Minho, pelo Ermal, ver o rio Ave como um fiozinho de água límpida que se perde na montanha e transformar-se — como um super-herói — numa massa enorme de água, local de recreio

de milhares de pessoas nos dias quentes de Verão. Tudo a grande velocidade, com os Creedence a saírem-me da boca, a cantarolar abafado pelo capacete, enquanto me divirto a subir e descer, acelerar e trocar de caixa a ouvir o ruído metálico — como se de um punção se tratasse — a reduzir e a ouvir os ratéres tão característicos. Cheguei a Vieira do Minho e, certamente, tinha um sorriso nos lábios — estava de volta às viagens, ao prazer de conduzir uma big trail até ao Sol se pôr por aí algures. De


Em Viagem

acelerar, de ir com o joelho quase ao chão nas curvas mais apertadas, num carrocel entre a floresta típica portuguesa e os rios e o abismo. Descer até às pontes do Cávado e subir a São Bento da Porta Aberta, o local de paragem nas viagens da escola, onde se compravam bugigangas — que não interessavam a ninguém — mas que eram o motivo do nosso orgulho de criança ao oferecer à mãe um galo de Barcelos que mudava a cor conforme a humidade. Ou um corta-unhas com a imagem dos espigueiros do Soajo, ou sei lá mais o quê, na ínfima cultura popular de objectos de uso diário.

Por falar em Soajo, o destino seguinte seria esse. Para lá chegar, curvacontra-curva até ao que foi Vilarinho da Furna e, depois, Germil. Em Vilarinho da Furna tive o «momento 007» da viagem, ao descer por uma estrada de terra até à base do muro da barragem e ficar por baixo da turbina, com a água a sair a grande pressão mesmo por cima de mim. Tentei, por várias vezes, fazer poses para tirar uma fotografia de efeito minimamente interessante, com a perspectiva do jorro de água — fiquei pelos mínimos... Chegado ao Soajo, com os majestosos espigueiros que se erguem para o céu, o estômago ergueu-se igualmente

e clamou por atenção. De nada lhe serviu porque os poucos restaurantes estavam a abarrotar. Meia-volta e fui até ao Lindoso onde, no «Dia do Trabalhador», apenas um restaurante manhoso com diárias a condizer me serviu um bife de frango grelhado com batatas encharcadas em óleo. — Ao jantar vingo-me — pensei. E assim o fiz... mas já la vamos. Queria ir à Cascata do Arado e o melhor caminho era dar o salto para Espanha e voltar a entrar pela Portela do Homem. Pelo meio do trânsito infernal de turistas em dia de feriado a aproveitar o bom tempo, cavalos selvagens e manadas de Portugal «Parques Nacionais »

59


Mar de barents

Nordkapp

Nordkinn

Setentorial

Honningsvag

Hammerfest

A palavra setentrional deriva de setentrião — na mitologia romana conhecido por Bóreas, donde vem o sinónimo boreal — devido às sete («septem») estrelas do Grande Carro, a constelação que contém as Ursas Maior e Menor. O ponto mais setentorial é, assim, o ponto mais a norte ou boreal, oposto de meridional, o ponto mais a sul. Este ganha o nome de «meridies», meio-dia, de onde vem a dica para orientação pelo Sol que, acima do trópico de Câncer, nos aponta o sul ao meio-dia.

5

Alta Gargia

Mar da Noruega

4 Finnsnes

Kautokeino

Innarijarvi

Ilhas Lofoten

3

Gällivare

Bodø

8 Um dia em cheio Com a chuva a aliviar, tivemos um dos dias mais cheios com o sempre espectacular fiorde de Geiranger e os seus passos de montanha, o passo de Gaular, a milenar igreja de Lom, os maciços de Grotli e Fortun e os fiordes Lustra e Sogne.

Círculo polar Ártico

Mar da Noruega Korgen

6

Bleikvasslia

7 Licksele

Os primeiros problemas mecânicos.

7

3 Entrar na Lapónia significa cuidado redobrado com as renas que circulam livremente, as quais, quando se assustam preferem aquecer os músculos com um «sprint» meio desorientado nas estradas, em vez de apontarem ao interior da floresta.

Mar de Bótnia

Stod

Estrada Atlântica

Trondheim Bräcke Valldalen

Fiorde de Geiranger

Suécia Noruega

2

2 Teste do Alce Um encontro imediato com um alce na estrada é o suficiente para subir a adrenalina para níveis recorde.

8

Fiorde de Hardanger

Bergen

Finlândia

Oslo

9

Torsby

Cascatas de Låtefossen Lago VÄnern

Mar do Norte

Lago VÄttern

10

Estónia

Oceano Báltico

Jönköping 10 Seis (6!) trombas de água entre Oslo e Malmo.

Letônia Dinamarca

Copenhaga

76

Lituânia Malmo

1


5 «— Eu é que Sou!» O ponto setentorial do continente europeu – sendo que as ilhas não concorrem para este campeonato – é o cabo Nordkinn (Kinnarodden) 71,1329°N 27,6540°E na península homónima, a cerca de 14 km em linha recta da aldeia de Mehamn. O cabo Norte (Knivskjelodden) a 71,1834°N 25,6753°E fica 5,7 km acima do cabo Nordkinn, sendo considerado o ponto mais a norte «oficial»… ...apesar de ser numa ilha ligada ao continente por um túnel rodoviário.

4 «Old Postal Road» Desde Kautokeino a Alta esta antiga via de comunicação agora desactivada e convertida em rede de recreio, com trilhos para caminhadas, bicicletas e motos de neve num cenário de tundra de grande beleza. Este era o percurso mais curto e directo de sul para norte para atingir o ponto mais setentorial europeu antes da chegada das estradas em asfalto.

irrepreensível nas casas de bandeira hasteada e envolvência — paredes pintadas e relva aparada. Neste dia atravessamos o Círculo Polar Ártico — paralelo 66° 33’ 44" — sentindo-se uma descida da temperatura e as primeiras neves persistentes. Na verdade, fazia já dois dias que rolávamos equipados de camisa interior térmica, reforçada com um polar por baixo dos blusões. Os Sami afiançaram-nos que o Verão sueco era seco e quente — confirmado nos primeiros cinco dias sem chuva, mas nunca com a prometida temperatura de +24° C. No sexto dia apenas rolámos em três países diferentes — desde Gallivare na Suécia percorremos cerca de 180 km em solo finlandês, antes de entrarmos na Noruega, onde a floresta deu lugar à tundra, feita de mato e vegetação rasteiros. Os lagos, esses mantêm-se presentes. Como os mantos de neve que dificultam a formação de vida. E quando a neve desaparece, é o vento polar que controla os ímpetos. A despedida da Suécia é feita em pisos rápidos de gravilha, bem como a rápida passagem pelas pior conservadas estradas da Finlândia. Fica a ideia de ser um país mais jovem e despreocupado na organização social, no bom sentido para nós. Uma paragem em Kautokeino, já na Noruega, permite retemperar forças e repor energia para combater o frio do Verão, altura em que tomamos consciência que estávamos próximo de realizar os últimos 100 km sem alcatrão.

6 A «806» A 806 entre Korgen e Bleikvasslia é uma estrada secundária de montanha, interior, em muito bom estado de conservação, com um traçado que acompanhava o terreno e numas condições atmosféricas ideais para uma condução retemperadora, fora dos olhares indiscretos dos radares de velocidade, onde apesar de tudo ainda tivemos que ter cuidados redobrados com as ovelhas que fazem desta via o seu «promenade» diário, descansando a espaços na sombra proporcionada pelas guardas de segurança laterais. 9 o dia das cascatas A habitual «chuvinha-molha-parvos» apressou a visita à cidade de Bergen, convidando a começar aquele que viria a ser apelidado do «Dia das Cascatas». Como tal, não podiam faltar as mais conhecidas — as Låtefossen — que nascem de várias quedas de água espectaculares. Continuamos o dia seguindo a travessia de um dos maiores fiordes da Noruega — o Hardanger — passando por Norheisund, a lembrar a parte histórica de Sintra... 1 Motos por camião Expedimos as motos por camião, incerto sobre o que terá mais pesado na decisão. Talvez por sermos açorianos, habituados a vencer descontinuidades geográficas, ou por sair mais rápido e barato. Hoje, damos como tendo sido o melhor que fizemos, libertando-nos para o fundamental da viagem — tempo, segurança e conforto para conhecer novos países, sentir as culturas distintas, e interagir com outros povos usufruindo, ao máximo, dos prazeres da condução de uma moto — optimizando o tempo e recursos financeiros disponíveis.

«Old Postal Road»

As grandes viagens têm um condão de nos marcar, como é o caso da «Old Postal Road», uma antiga via de comunicação agora desactivada e convertida em rede de recreio, com trilhos para caminhadas, bicicletas e motos de neve num cenário de tundra de grande beleza. Este era o percurso mais curto e directo de sul para norte para atingir o ponto mais setentorial europeu antes da chegada das estradas em asfalto. Habituados às óptimas condições dos estradões de gravilha, este troço lembrou as «canadas», nas quais temos o prazer de rolar na ilha de São Miguel, Açores, com muitas poças de água que escondem sempre surpresas, lama e pedra solta a activarem o nosso modo «enduro». E se o terreno já nos «puxava pelo cabedal», a última hora fez-se de quinze minutos de granizo na zona mais alta, um nevão que transformou completamente a paisagem coberta com um espectacular manto branco e -3° C graus. O que vale é que a instabilidade funciona nos dois sentidos e chegamos a Gargia com Sol e uns amenos +8° C.

Norte

O grande dia de alcançar o ponto mais a norte (N.E. não deixes de ver a nota no mapa sobre qual é mesmo o ponto continental europeu mais a norte) poderia ser mais um dia normal de viagem. Mas teria a sua parte de aventura. Volvida uma hora e meia de viagem, F. vê-se obrigado a parar — Não consigo mexer os dedos da mão direita — revela-nos. Sem cruise control, luvas insuladas nem punhos aquecidos na moto, a paragem era inevitável. São extras que recomendamos para as longas viagens, não só por conforto, mas também segurança. Foram seis meses até à partida, durante os quais a questão do «Levamos impermeável?» era recorrente. Uns defendiam que, em pleno Verão e apesar da latitude, este era desnecessário e que os dispendiosos fatos, botas e luvas gore-tex estariam à altura. As imagens de viagens anteriores e os testemunhos de viajantes que se cruzavam connosco reforçavam — o uso Escandinávia

77


Em Viagem

Balcãs Carlos Martins

Depois da viagem a Bissau, ambos precisávamos de sentir a estrada — um vício díficil de controlar.

86


Croรกcia e Bรณsnia

87


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.