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TRIBUNA DO DIREITO
NOVEMBRO DE 2016
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ANOS Nº 283
SÃO PAULO, NOVEMBRO DE 2016
R$ 7,00
BRASIL EM CRISE
A judicialização da vida PERCIVAL DE SOUZA, especial para o "Tribuna"
B
RASÍLIA — A fronteira entre Política e Direito está cada vez mais estreita — a separação entre uma coisa e outra, entretanto, continua sendo essencial no Estado Constitucional Democrático. Numa palestra feita em Washington (EUA), sobre o papel a ser desempenhado pelas Cortes Constitucionais no mundo moderno, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, referiu-se
ao que chamou de “judicialização da vida” como uma característica planetária atual. Foi explícito: “Algumas das grandes questões políticas, sociais e morais estão tendo o seu último capítulo decidido pelo Poder Judiciário.” É exatamente o que se vive no Brasil. Nosso País está em queda recessiva desde o segundo semestre de 2014. O Produto Interno Bruto diminuiu quase 8%. A inflação chegou a dois dígitos, o que não acontecia desde 2002. A taxa de desemprego atingiu 11,8%. O déficit do setor público consolidado — União, Estados, municípios — cresceu a quase 20 pontos percentuais do PIB em menos de 24 meses. No ano passado, o País
perdeu o selo de bom pagador, que havia conseguido em 2008 após três décadas de agonia na área fiscal. Em outras palavras: o Brasil precisa sair do buraco. Os números espelham a face contemporânea brasileira. Some-se a isto o detalhe de que no primeiro turno das últimas eleições, nada menos do que 25 milhões de brasileiros preferiram não votar, ou seja, o equivalente a uma população superior à da Austrália. Acrescente-se que os votos brancos e nulos nas capitais chegaram a 3,7 milhões. É como se o silêncio gritasse e as urnas xingassem. O professor de Direito Civil da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Anderson Schreiber, dá um conselho pertinente: não fechar os olhos para a realidade. Pondera: “Se a realidade não cabe nos livros de Direito, não é a realidade que deve ser reescrita.” A judicialização da vida definida pelo ministro do STF encurrala um pressuposto: o Direito teria as respostas para todas as perguntas. Mas será que tem? Páginas 17, 18 e 19