EDIÇÃO ESPECIAL DO BOLETIM DA
O SUS ESTÁ #TRINTANDO
OUTUBRO DE 2018
E a UAEM Brasil resolveu participar da comemoração. Apesar de a grande maioria de nós não ter vivido o período anterior ao SUS e não ter sentido na pele o avanço que ele representou, nós temos plena consciência de que ele é o melhor caminho para garantir o bem-estar da população brasileira. Enquanto ativistas pelo acesso universal a medicamentos e por um sistema de inovação em saúde voltado às necessidades da população, acreditamos que políticas públicas têm fundamental importância na realização e na proteção da função social dos medicamentos, evitando que interesses econômicos os transformem em simples mercadorias. Assim, a defesa de um SUS forte, público, universal, integral e igualitário alinha-se aos valores de justiça social e equidade em saúde da Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais. O SUS completará 30 anos dois dias antes das eleições de 2018. E em épocas de eleição, ouvimos a todo o tempo que um dos maiores problemas do nosso país é a saúde (alerta de spoiler: 94,3% das pessoas que responderam ao nosso questionário consideram a saúde um dos 3 maiores problemas do Brasil atual). Mas será que os brasileiros se preocupam em conhecer a saúde do país? Outro comentário frequentemente escutado é o de que “o SUS não funciona”. Mas será que as pessoas conhecem o funcionamento do SUS? Uma vez que é difícil lutarmos por aquilo que não acreditamos, a UAEM deseja ao SUS, em seu 30º aniversário, que o Brasil acredite nele. E, para isso, nosso presente é tentar trazer um pouco de informação para que as pessoas o conheçam. Dedicamos, assim, esta edição do Boletim da UAEM Brasil inteiramente ao SUS. Decidimos começar por uma retrospectiva da trajetória da saúde brasileira anteriormente a ele para que você possa entender a mudança que o SUS representou. Como sociedade civil organizada, achamos importante abordar, também, a participação popular - uma diretriz importantíssima do sistema. Os medicamentos não deixaram de ser incluídos e você vai encontrar informações sobre as políticas públicas do campo farmacêutico, sobre farmacovigilância e uma entrevista com uma das maiores referências nacionais em acesso a medicamentos e defesa do SUS: Jorge Bermudez, o nosso crush da vez. Uma vez que prevenção é um foco importante do SUS, decidimos abordar como a alimentação - uma das questões em saúde mais discutidas atualmente - se insere no campo de ação do SUS e informá-lo sobre um dos principais motivos de reconhecimento do sistema: o Programa Nacional de Imunização. Ao longo do Boletim, inserimos também os “você sabia?” formulados por membros da UAEM Brasil que tiveram maior alcance durante nossa campanha de celebração dos 30 anos do SUS. Para finalizar, compartilhamos os resultados de questionário formulado pela UAEM Brasil sobre a relação dos brasileiros com o Sistema Único de Saúde e seu conhecimento sobre ele. Esperamos que as informações aqui contidas te convençam que os 30 anos do SUS são motivo de comemoração e que devemos procurar dar a ele presentes valiosos: bons legisladores, um bom presidente e, sobretudo, o nosso intenso e permanente apoio. Mais do que um sistema de saúde, o SUS é um projeto de sociedade. Ele se baseia nos princípios de universalidade, integralidade e equidade. Ele se baseia na ideia de SOLIDARIEDADE. Em momentos turbulentos como o que vivemos, celebrar os 30 anos do SUS é resistir. Nas palavras de Sônia Fleury: “Nós estamos celebrando as nossas conquistas para, de alguma maneira, nos enchermos novamente de forças, numa grande coalizão que possa lutar pelo SUS, porque lutar pelo SUS é lutar pela democracia e lutar pela democracia é também lutar pelo SUS”. Vida longa ao SUS!
Luciana M. N. Lopes Coordenadora da UAEM Brasil
Boletim da UAEM Brasil
O SUS está trintando, e por isso é importante relembrarmos como era a vida antes dele existir. Uma retrospectiva nos permite conhecer a história para que o passado não se repita e para que compreendamos porque o SUS representa uma conquista do povo e porque ele deve ser valorizado e aperfeiçoado. Passando muito brevemente pela época do Brasil colônia, era necessário solicitar por carta ao rei a presença de um médico, farmacêutico, etc. Não se pensava em saúde do modo ampliado como pensamos hoje e sim em higiene das cidades, dos alimentos e fiscalização dos portos. Somente em 1543, foi fundada a primeira Santa Casa, que atendia as pessoas por caridade cristã, enquanto os militares recebiam cuidados das famílias ricas e das Santas Casas mediante pagamento de uma taxa anual do governo da colônia. Nessa época, já deveríamos ter pedido desculpas e devolvido as terras brasileiras aos índios, já que eles tratavam as pessoas sem distinção, diferentemente dos colonos. Com a vinda da família real ao Brasil, as coisas continuaram iguais, só que era mais fácil ter acesso aos médicos, porque agora já havia médicos no Brasil e eles não precisavam vir de Portugal. Porém, quem tinha dinheiro para formar em medicina, já que só havia faculdade lá nas Europa, não é mesmo? Era pouco médico para muita gente! E a saúde ainda era tratada como um caso de Higiene pública. Apenas depois da independência (aquele feriado legal de 07 setembro de 1822) que foi criado um conselho superior de saúde pública e a Câmara de vereadores foi criada com intuito de discutir, entre outras coisas, episódios ou casos relevantes de saúde. Porém, quando epidemias ocorriam, como febre amarela, as decisões eram passadas para o governo central, que não conseguia responder a elas a tempo e assegurar indiscriminadamente a assistências aos doentes. Somente as pessoas que tinham muito dinheiro eram tratadas por médicos particulares, enquanto os pobres eram atendidos nas casas de misericórdia por caridade ou filantropia. Somente com a proclamação da República (outro feriado legal, só que 15 de novembro), é que as ações de saúde passaram a ter responsabilidades atribuídas aos estados, enquanto no âmbito federal, na Diretoria Geral de Saúde Pública, ficavam os serviços de saúde terrestres e marítimos. E mesmo assim, durante toda a República Velha (1889-1930) ainda não existia um sistema de saúde. O que havia era uma concepção liberal de Estado, onde este só tinha a responsabilidade de intervir nas situações em que o indivíduo sozinho ou a iniciativa privada não podiam responder. Esse “não sistema” de saúde também tinha como marca principal a separação das ações de saúde pública das ações de assistência médico-hospitalar. Ou seja, continuava o esquema do império, onde os pobres só tinham atendimento por instituições de caridade ou atividades filantrópicas. Somente depois de importantes epidemias e do descobrimento de doenças endêmicas que impulsionaram as campanhas sanitárias lideradas por Oswaldo cruz, Carlos Chagas, Emílio Ribas e etc., é que foram criados códigos sanitários e instituições científicas voltadas para a pesquisa biomédica. Esse acontecimento foi marcante, pois levou à formação de toda uma comunidade científica e o início do estabelecimento de políticas de saúde. Porém, ainda assim, as ações acabavam sendo esporádicas e voltadas para doenças específicas, uma vez que não existia um Ministério da Saúde para tentar centralizar as ações. Nessa época, a saúde era responsabilidade do Ministério da Justiça e Negócios interiores, logo todas as ações de saúde pareciam mais ações policiais, tanto que existia uma Polícia Sanitária. E essa falta de consideração, educação e interação com o povo é que levou à Revolta da Vacina, com a consequente morte de várias pessoas por confronto de armas, o fim do surto de varíola urbana e, também, o fim da vacina obrigatória. Por volta de 1920, as fábricas e empresas passaram a ter a iniciativa de descontar 2% do salário dos trabalhadores para oferecer serviços médicos. Nos 30 anos seguintes, houve a criação de três subsistemas de Boletim da UAEM Brasil saúde que não conversavam entre si - eram descoordenados ,autônomos, e mal distribuídos:
Por volta de 1920, as fábricas e empresas passaram a ter a iniciativa de descontar 2% do salário dos trabalhadores para oferecer serviços médicos. Nos 30 anos seguintes, houve a criação de três subsistemas de saúde que não conversavam entre si - eram descoordenados, autônomos, e mal distribuídos: - Departamento Nacional de Saúde Pública – responsável por ações voltada para prevenção, saneamento, higiene industrial, vigilância sanitária, controle de endemias e propaganda sanitária; - Previdência social por meio das CAPs (Caixas de Aposentadoria e Pensões) - com a Lei Eloy Chaves, qualquer trabalhador vinculado às CAPs e com carteira assinada, poderia ter acesso à alguma assistência médica. Posteriormente, cada categoria de trabalhador passou a ter seu próprio instituto de aposentadoria e pensão (IAPs) – só em 1966 que os IAPs foram unificados no INPS (instituto nacional de previdência social); - Criação do Ministério do Trabalho - houve o desenvolvimento da saúde ocupacional/saúde do trabalhador, focada na assistência médico-hospitalar individual. Com a criação da modalidade de medicina em grupo, empresas médicas prestadoras de serviços mediante pré-pagamento foram desenvolvidas. Assim, as indústrias passaram a contratar esses serviços para evitar que seus empregados procurassem a assistência médica dos IAPs. Essa ação foi muito estimulada pelo governo, que passou a dispensar parte das contribuições previdenciárias. E a partir daí começou a ascensão da valorização dos planos de saúde em comparação aos serviços públicos. A quem tinha trabalho informal ou não tinha trabalho - ou seja, milhões de pessoas - cabia ficar à espera de atendimento das instituições filantrópicas, postos e hospitais de estados ou municípios. Como não existia essa ideia ou uma lei que dizia que saúde é um direito, as pessoas que eram responsáveis por resolver suas próprias doenças e acidentes. Os institutos de saúde dos estados e municípios não eram considerados prioridades governamentais por causa disso, e assim a assistência médica, hospitalar e farmacêutica dependia da sobra de recursos não gastos. Assim, esses subsistemas, que se assemelhavam muito ao atual modelo americano, eram ineficazes, insuficientes, centralizados, injustos e ineficientes. Somente em 1975 foi criada e sancionada a Lei n.6229, que criava o Sistema Nacional de Saúde que, com esforço do Ministério da Saúde, definiu as competências dos seus componentes, implementou programas de extensão de cobertura de serviços de saúde em áreas rurais e criou o Sistema de Vigilância Epidemiológica separado da Vigilância Sanitária. Além disso, foram implementados diversos programas de controle de doenças e de atenção a grupos prioritários, como o materno-infantil. Ainda assim, a saúde não era democrática - assim UAEM Brasil como o Estado. Com o intuito de mudar esse cenário, movimentos Boletim sociais, da estudantis, pesquisadores e
extensão de cobertura de serviços de saúde em áreas rurais e criou o Sistema de Vigilância Epidemiológica separado da Vigilância Sanitária. Além disso, foram implementados diversos programas de controle de doenças e de atenção a grupos prioritários, como o materno-infantil. Ainda assim, a saúde não era democrática - assim como o Estado. Com o intuito de mudar esse cenário, movimentos sociais, estudantis, pesquisadores e profissionais de saúde iniciaram o Movimento da Reforma Sanitária. Essa luta pela democratização e reestruturação do sistema de serviços em saúde ganhou ainda mais força com a participação da Sociedade Brasileira para o Progresso a Ciências (SBPC), Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES) e Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO). Pela participação popular e apartidária é que, em 1979, foi formulada a proposta do SUS com um conjunto de princípios e diretrizes para sua criação e implementação, que foi apresentada à Câmara dos Deputados. Enquanto se debatia a legislação do SUS no Congresso Nacional, foram adotadas medidas relacionadas à unificação dos serviços de saúde mediante convênios entre as esferas de governo federal, estadual e municipal, dando fruto a ações integradas de saúde (AIS) e aos Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde (Suds), reconhecidos como um estratégia-ponte para implementação do SUS. Na 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986) - marco da Reforma Sanitária Brasileira (RSB), foi formulado um relatório final que inspirou o capítulo de saúde na Constituição Federal de 1988, que declarou, formalmente, que saúde é um direito para todos e um dever do Estado, além de criar o SUS. Este mesmo relatório foi “transformado” nas Leis Orgânicas da Saúde (8080/90 e 8142/90), que dispuseram sobre a organização do recém-criado sistema nacional de saúde brasileiro. Beatriz Kaippert é farmacêutica formada pela UFRJ, Mestre em Tecnologia de Imunobiológicos e monitora de pesquisa clínica pela Fiocruz/RJ, além de membra do ComEx/UAEM, mandato (2018-2020) e líder de capítulo do RJ da UAEM Brasil. Fonte, inspiração e sugestão de leitura: http://www.livrosinterativoseditora.fiocruz.br/sus/26/
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Antes de sua institucionalização na década de 1980, a participação da comunidade nas decisões políticas, inserida num contexto mais amplo de democratização, se constituía em um modelo de inspiração hobbesiana nas suas relações entre povo e Estado (homem artificial), em que os próprios homens construiriam a estrutura social em que são inseridos (HOBBES, 1988; FALEIROS, 2006). Em tempos de ditadura militar, buscava-se maior participação nas decisões em saúde e não apenas nas ações, com foco no atendimento das necessidades da população e acesso aos meios de saúde. Nesse período, destaca-se a criação do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde – CEBES (1976) e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva – ABRASCO (1979), que discutiam as políticas e as ações do Estado para a saúde do Brasil (FALEIROS, 2006; FALEIROS, 1995). No bojo dos movimentos sociais e lutas populares, foi sendo construído ao longo dos anos o movimento sanitário brasileiro, em que a participação popular se inseria como elemento estratégico para a construção e reforma das políticas públicas de saúde (FALEIROS, 2006; CARVALHO, 1995). Todo esse movimento foi se articulando e se fortalecendo até que em 1986 aconteceu a 8ª Conferência Nacional de Saúde, que agregou cerca de 5.000 (cinco mil) participantes de toda a sociedade (FALEIROS, 2006; CORTES, 2014). Além de ser considerada um marco da Reforma Sanitária Brasileira e do nascimento do Sistema Único de Saúde (LIMA, 2003), essa foi a primeira vez na história do Brasil que a sociedade civil foi convidada a participar ativamente das discussões (BRASIL, 2014). O Conselho Nacional de Saúde (CNS), contudo, surgiu há mais de 80 anos, na época do Estado Novo, instituído por Getúlio Vargas. Nesse momento, o CNS ainda era composto por conselheiros indicados por seu conhecimento técnico ou membros da elite e tinha a função de discutir as ações internas do Departamento Nacional de Saúde (DNS). Em decorrência da construção social da Reforma Sanitária e da 8ª Conferência (1986), o CNS também passou por um processo de redemocratização e iniciou-se a criação dos conselhos municipais, regionais e estaduais de saúde (BRASIL, 2014). O processo histórico de construção do SUS com intensa participação popular propiciou a inserção no artigo 198 da Constituição Federal de 1988, da seguinte redação (BRASIL, 1988): “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade.” Dois anos mais tarde, foram publicadas as Leis Federais Nº 8.080 e 8.142, que regulamentam o SUS no tocante às condições de funcionamento, organização dos serviços de saúde, participação popular e transferências de recursos para a saúde. Dessa maneira percebemos que a participação social no SUS, construída pela luta popular e pelos movimentos sociais ao longo da história, se insere no arcabouço constitucional do Brasil, sendo um direito de todo cidadão participar dos Conselhos de Saúde e Conferências de Saúde, como é previsto na Lei 8.142 de 1990 (BRASIL, 1990). Os Conselhos de Saúde são a instância de discussão, proposição, avaliação e fiscalização da execução das políticas públicas de saúde, tendo uma composição paritária de usuários com os outros segmentos trabalhadores e gestores/prestadores de serviços (BRASIL, 2012). Já as Conferências de Saúde se reúnem de quatro em quatro anos para avaliar as políticas de saúde e discutir, de forma estratégica, as ações para melhorar os serviços de saúde, a nível municipal, estadual e federal (Brasil, 1990). Nessa perspectiva, Valla (1998) conceitua participação social como “as múltiplas ações que diferentes forças sociais desenvolvem para influenciar a Boletim da UAEM Brasil formulação, execução, fiscalização e avaliação das políticas públicas e/ou serviços básicos na área social”.
Lançamento da 16ª Conferência Nacional de Saúde que acontecerá em 2019. Foto publicada pela Rede Unida.
quatro em quatro anos para avaliar as políticas de saúde e discutir, de forma estratégica, as ações para melhorar os serviços de saúde, a nível municipal, estadual e federal (Brasil, 1990). Nessa perspectiva, Valla (1998) conceitua participação social como “as múltiplas ações que diferentes forças sociais desenvolvem para influenciar a formulação, execução, fiscalização e avaliação das políticas públicas e/ou serviços básicos na área social”. No entanto, Conselhos e Conferências de Saúde não são as únicas formas de participação popular na administração pública. Existe também a possibilidade de exercer o controle social por meio dos fóruns de trabalhadores, Ministério Público, ouvidorias, gestão participativa (COELHO, 2012), entre tantos outros canais. Ainda assim, com tantas formas de participação, Lúcia Ribeiro (1989) defende que a construção de um movimento social é vinculada à existência de uma identidade social, em que há uma consciência coletiva e o entendimento sobre buscar melhores condições de vida, que vão formando uma perspectiva social sobre o mundo (COELHO, 2012). Precisamos, assim, incentivar as pessoas a ocuparem o SUS e a participarem de sua construção para que com ele possam se identificar. Nesse sentido, a conscientização sobre os espaços de participação da população deve ser intensificada. Um questionário formulado pela UAEM Brasil aponta para um importante desconhecimento das formas clássicas de participação do SUS: menos da metade das pessoas (45,8%) disse saber da existência dos Conselhos e Conferências de Saúde. O controle social possui ação central no fortalecimento do Sistema Único de Saúde. O fato é que o SUS foi implantado, mas não se encontra consolidado (PAIM, 2018). Em seus 30 anos de vida, ele sofreu e continua sofrendo constantes ataques e retrocessos, como a Emenda Constitucional 95, que congela os investimentos em saúde e educação por 20 anos. Urge então a necessidade da intensificação da luta popular em defesa de um SUS público, universal e de qualidade. Todo o poder emana do povo, que pode e deve ocupar os espaços de participação e defender um SUS para todos e todas. Gean Lucas de Araújo Alves é estudante de Farmácia da UFMG e membro do capítulo de BH da UAEM Brasil.
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Referências 1. CORTES, S.V. Governança democrática no Brasil: Os Conselhos Nacionais de Políticas Sociais. In: Vanessa Marx. Organizadora. Democracia Participativa, Sociedade Civil e Território. Porto Alegre. UFRGS/CEGOV, 2014. 2. FALEIROS, V.P. A construção do SUS: histórias da Reforma Sanitária e do Processo Participativo. Ministério da Saúde. Brasília, 2006. 3. CARVALHO, A. I. Conselhos de Saúde no Brasil: participação cidadã e controle social. Rio de Janeiro: Fase/Ibam, 1995. 4. HOBBES, T. Leviatã ou Matéria, Forma e Poder de um Estado Eclesiástico e Civil. Tradução de João Paulo Morais e Maria Beatriz Nizza da Silva, 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, v. I e II (Coleção Os Pensadores), 1988. 5. FALEIROS, V.P. Estado e massas na atual conjuntura. Sociedade e Estado: revista do Depto de Sociologia da UnB, Brasília, v. 1, n.1, p. 25-37,1986. 6. LIMA, A. L. G. S.; PINTO, M. M. S. Fontes para a história dos 50 anos do Ministério da Saúde. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, vol. 10(3): 1037-51, set.-dez. 2003. 7. VALLA, V. V. Sobre participação popular: uma questão de perspectiva. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 14, p. 7-18, 1998. Suplemento 2. 8. COELHO, J.S. Construindo a participação popular no SUS: um constante repensar em busca de equidade e transformação. Saúde soc. [online]. 2012, vol.21, suppl.1, pp.138-151. ISSN 0104-1290. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902012000500012 9. PAIM, J. S. Sistema Único de Saúde (SUS) aos 30 anos. Ciência e Saúde Coletiva. [online] 2018, Vol. 23, n. 6. pp.1723-1728. ISSN 1413-8123. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/141381232018236.09172018 10. RIBEIRO, L. Os movimentos sociais e sua relação com a questão da saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 5, n. 3, p. 264-275, jul./set. 1989. 11. BRASIL, Resolução Nº 453, de 10 de maio de 2012. Conselho Nacional de Saúde. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2012/res0453_10_05_2012.html 12. BRASIL. Constituição Federal, de 05 de outubro de 2018. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm 13. BRASIL. Lei Federal Nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Disponivel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm 14. BRASIL. Lei Federal Nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Disponivel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8142.htm
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O nosso crush da vez é uma das maiores referências brasileiras quando falamos de acesso a medicamentos e SUS. Jorge Bermudez é médico, Mestre em Doenças Infecciosas e Parasitárias e Doutor em Saúde Pública. Atualmente, ele é Chefe do Departamento de Política de Medicamentos e Assistência Farmacêutica da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca. Além de ter vasta experiência, ele é uma pessoa próxima dos movimentos sociais e disposto a nos ajudar. Tem a nossa admiração! A entrevista com ele foi realizada durante o Encontro Regional Preparatório em Belo Horizonte para o 8º Simpósio Nacional de Ciência, Tecnologia e Assistência Farmacêutica. Confira abaixo!
Gean, Jorge Bermudez e Luciana na Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais
Gostaria que você destacasse alguns pontos da sua luta na defesa do SUS, do acesso a medicamentos. Como começou, e o que você tirou disso? Nós estamos engajados há muito tempo; nós temos que ter produção pública, temos que ter autonomia e soberania nacional. Temos que ter também o acesso a medicamentos como um direito fundamental no contexto do direito à saúde. E nós temos conseguido muita coisa. Porém, também temos sofrido uma enorme resistência, enormes interesses conflitantes. Ou é saúde ou é comércio, e nós temos que defender a saúde. Como você acha que a gente consegue mobilizar os estudantes para poder lutar pelo SUS e acesso universal a medicamentos? Todo cidadão tem que estar mobilizado, porque o SUS é um patrimônio do Brasil, e é um modelo para o mundo. O mundo todo vê o SUS como a maior conquista que tivemos em 30 anos, e que reflete o cumprimento da nossa Constituição, a saúde como direito de todos e dever do Estado. Os estudantes têm que estar mobilizados, assim como todo cidadão tem que estar mobilizado. Qual é a sua dica para os estudantes que estão entrando agora nessa luta? Conheçam o SUS, estudem o SUS, divulguem o SUS, curtam o SUS e defendam o SUS. Boletim da UAEM Brasil
No Brasil, desde a instituição da Constituição Federal de 1988 (CF88), cabe ao SUS o dever de formular e executar as políticas públicas de saúde¹. Em relação às políticas públicas no campo dos medicamentos, as conformações atuais derivam de sua construção histórica e de sua experiência na tentativa de ofertar medicamentos essenciais à população seguindo os princípios do SUS²,³. O Brasil já vinha executando uma política farmacêutica desde antes da criação do SUS. Em 1971 foi criada a Central de Medicamentos (Ceme), de gestão centralizada, para promover acesso a medicamentos à população em maior situação de vulnerabilidade social. Dois anos antes de a OMS publicar sua primeira lista de medicamentos padronizados em 1977, o Brasil já contava com uma Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME)². Após a promulgação da CF88, em consonância com as recomendações internacionais, a Lei 8080/90 de regulamentação do SUS incluiu no seu campo de ação a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica, e a formulação da política de medicamentos no Brasil¹. Ao longo da história da Ceme, diversos problemas foram constatados, como a não utilização da RENAME pelos prescritores, a insuficiência de recursos e até perdas de medicamentos. Nos anos 90, ficou evidente a necessidade de formulação de uma política de medicamentos brasileira coesa ao novo sistema de saúde: nessa década, escândalos de corrupção e fraudes resultaram na crise da Ceme e em sua extinção em 1997². Um ano depois, foi instituída a Política Nacional de Medicamentos (PNM) pela Portaria nº 3.916/MS/GM, de 30 de outubro de 19984. A PNM tem como objetivo “garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais”. Para isso, são suas diretrizes: 1) adoção da relação de medicamentos essenciais; 2) regulamentação sanitária de medicamentos (um dos desdobramentos da implantação da PNM foi a criação da ANVISA em 1999 como uma autarquia que passou a ser responsável pela fiscalização e pelo controle da qualidade dos medicamentos fabricados e comercializados no país5); 3) reorientação da assistência farmacêutica; 4) promoção do uso racional de medicamentos; 5) desenvolvimento científico e tecnológico; 6) promoção da produção de medicamentos; 7) garantia da segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos; e 8) desenvolvimento e capacitação de recursos humanos4. Ao longo do processo de implantação e de desenvolvimento da PNM, mudanças organizacionais e estruturações legais necessárias ao fortalecimento e aprofundament da Assistência Farmacêutica (AF) para ampliação do acesso a medicamentos no país foram sendo identificadas²,6. Em 2004, foi aprovada e instituída a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF)2,5, que reafirmou o caráter ampliado da AF e seu compromisso com os princípios de universalidade e integralidade do SUS2,3,6. Segundo Pepe et al.7, o conjunto que compõe a AF deve ser entendido como um ciclo de atividades articuladas de forma subsequente, devendo uma atividade ter se finalizado para a outra ser iniciada. O Ciclo da Assistência Farmacêutica compreende as atividades de seleção, programação, aquisição, armazenamento, distribuição e dispensação de medicamentos7. Além da instituição da PNAF e do desenvolvimento das ações para fortalecimento da AF pública, ainda em 2004, o Ministério da Saúde iniciou o Programa Farmácia Popular do Brasil para a ampliação do acesso a medicamentos básicos no país8. Em 2006, o Ministério da Saúde avançou ainda mais no processo de aprimoramento da AF ao instituir seu bloco específico de financiamento2,7, constituído por componentes relacionados a diferentes níveis de complexidade e necessidade. São eles: Componente Básico, Componente Estratégico e Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. O primeiro relaciona-se a insumos medicamentos Boletime da UAEM Brasil utilizados no âmbito da Atenção Primária e é financiado pelas três esferas de gestão. O segundo relaciona-se ao custeio de
Em 2006, o Ministério da Saúde avançou ainda mais no processo de aprimoramento da AF ao instituir seu bloco específico de financiamento2,7, constituído por componentes relacionados a diferentes níveis de complexidade e necessidade. São eles: Componente Básico, Componente Estratégico e Componente Especializado da Assistência Farmacêutica. O primeiro relaciona-se a insumos e medicamentos utilizados no âmbito da Atenção Primária e é financiado pelas três esferas de gestão. O segundo relaciona-se ao custeio de medicamentos para controle de endemias, tratamentos do programa DST/AIDS, sangue e hemoderivados, imunobiológicos, combate ao tabagismo, saúde da mulher, entre outros. A aquisição desses medicamentos é centralizada na esfera federal, que faz a distribuição para estados e municípios. Já o terceiro relaciona-se a medicamentos, geralmente, de alto custo e que são utilizados no âmbito da Atenção Especializada, devendo sua dispensação ocorrer com maior racionalidade a partir de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêutica (PCDTs), que estabelecem parâmetros para diagnóstico, tratamento e acompanhamento de cada doença, além de objetivar “criar mecanismos para a garantia da prescrição segura e eficaz”9. Os estados e a União são os responsáveis pelo financiamento dos medicamentos especializados10. As políticas de saúde instituídas no Brasil no campo dos medicamentos, visando oferecer acesso universal da população brasileira à assistência farmacêutica integral, foram formuladas com base em critérios técnicos11, recomendações internacionais, nos princípios do SUS e alcançaram melhor estruturação ao longo de seu processo de implementação e desenvolvimento. Além disso, tanto a PNM quanto a PNAF foram respaldadas pelo órgão máximo de controle social do SUS: o Conselho de Saúde. Catanheide, Lisboa e Souza12 advertem que, apesar da consistência técnica das políticas de AF, na prática, diversos fatores, de diferentes tipos, se colocam como desafios a sua garantia nos moldes propostos pelo SUS. Entre eles, importante citar os monopólios sobre medicamentos, o subfinanciamento, a falta do profissional farmacêutico e até a judicialização da saúde. Ocorre que, se a AF (e o SUS) ainda não havia conseguido se consolidar segundo os moldes constitucionais, com a aprovação da EC 95 em 2016 e com a extinção do bloco de financiamento da AF em 2017, esse caminho ficou ainda mais difícil. Ameaças ao SUS significam ameaças ao acesso a medicamentos no Brasil. Se queremos ter garantido o direito à assistência farmacêutica, devemos defender e lutar pelo SUS. Vem com a gente na defesa desse sistema que é um patrimônio do Brasil? Luciana de M. N. Lopes é farmacêutica e Mestre em Saúde Pública pela UFMG e especialista em Gestão de Redes de Atenção à Saúde pela ENSP/FIOCRUZ. Faz parte do capítulo de BH da UAEM Brasil.
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Referências: 1. BRASIL. Lei N° 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8080.htm>. 2. OLIVEIRA, L. C. F.; ASSIS, M. M. A.; BARBONI, A. R. Assistência Farmacêutica no Sistema Único de Saúde: da Política Nacional de Medicamentos à Atenção Básica à Saúde. Ciênc. Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.15, supl. 3, p. 3561-3567, nov. 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141381232010000900031&lng=en&nrm=iso>. 3. CHIEFFI, A. L.; BARATA, R. B. Judicialização da política pública de assistência farmacêutica e eqüidade. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v.25, n.8, p.1839-1849, Ago. 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102311X2009000800020&lng=en&nrm=iso>. 4. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.916/MS/GM, de 30 de outubro de 1998.Aprova a Politica Nacional de Medicamentos. Disponivel em: <https://www.diariodasleis.com.br/busca/exibelink.php?numlink=1-92-29-1998-10-30-3916>. 5. PORTELA, A. S. et al. Políticas públicas de medicamentos: trajetória e desafios. Rev Ciênc Farm Básica Apl., v.31, n.1, 2010, p.09-14. Disponível em: <http://servbib.fcfar.unesp.br/seer/index.php/Cien_Farm/article/viewFile/930/930>. 6. GADELHA, C. A. G. et al . PNAUM: abordagem integradora da Assistência Farmacêutica, Ciência, Tecnologia e Inovação. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v.50, supl.2, 3s, 2016. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S003489102016000300306&lng=en&nrm=iso>. 7. PEPE, V. L. E. et al. A judicialização da saúde e os novos desafios da gestão da assistência farmacêutica. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v.15, n.5, p.2405-2414, ago. 201. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141381232010000500015&lng=en&nrm=iso>. 8. GARCIA, M. M.; GUERRA JUNIOR, A. A.; ACURCIO, F. A. Avaliação econômica dos Programas Rede Farmácia de Minas do SUS versus Farmácia Popular do Brasil. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v.22, n.1, p.221-233, jan. 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141381232017000100221&lng=en&nrm=iso>. 9. AITH, F. et al. Os princípios da Universalidade e Integralidade do SUS sob a perspectiva da política de doenças raras e da incorporação tecnológica. R. Dir. Sanit., São Paulo, v.15, n.1, p. 10-39, mar./jun. 2014. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/rdisan/article/viewFile/82804/85759>. Acesso em set 2016. 10. CFF, Conselho Federal de Farmácia. A Assistência Farmacêutica no SUS. Brasília, 2010, 60 p. Disponível em: <http://www.cff.org.br/userfiles/Manual%20SUS_internet.pdf>. 11. SIQUEIRA, P. S. F. A judicialização da saúde no estado de São Paulo. CONASS – Para entender a gestão do SUS. Brasília, Conselho Nacional de Secretários de Saúde, 2015. Disponível em: <http://www.conass.org.br/biblioteca/pdf/colecao2015/CONASS-DIREITO_A_SAUDE-ART_29.pdf>. 12. CATANHEIDE, I. D.; LISBOA, E. S.; SOUZA, L. E. P. F.. Características da judicialização do acesso a medicamentos no Brasil: uma revisão sistemática. Physis, Rio de Janeiro, v. 26, n. 4, p.1335-1356, out. 2016. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010373312016000401335&lng=en&nrm=iso>.
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O uso de medicamentos é a ferramenta assistencial mais empregada no processo de cuidado aos pacientes, em todos os níveis de atenção à saúde (CARVALHO, 2013). No entanto, os medicamentos podem levar a danos à saúde dos usuários (OMS, 2005). Esses danos nem sempre são evidenciados nos estudos clínicos, realizados antes da aprovação do medicamento pela agência reguladora. Também chamados de estudos de fase IV ou farmacovigilância, os estudos pós-comercialização tornaram-se obrigatórios uma vez que os estudos clínicos apresentam limitações em avaliar a incidência de reações adversas (SILVEIRA, 2013). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a farmacovigilância é definida como um “conjunto de atividades realizadas para a identificação, avaliação, compreensão e prevenção de efeitos adversos ou quaisquer problemas relacionados ao uso de medicamentos (PRM).” Esse conjunto de atividades pode evidenciar efeitos adversos não encontrados nos estudos de fase I, II e III, por avaliarem o uso do medicamento em condições reais, não existindo mais um ambiente controlado como ocorre nos estudos clínicos e pelo maior tempo de acompanhamento do uso. Dentro do termo evento adverso podemos incluir ainda os efeitos adversos e os problemas relacionados a medicamentos, podendo ser oriundos de desvio de qualidade, uso não aprovado, interações medicamentosas, inefetividade terapêutica, intoxicações, erros de medicação ou uso abusivo de medicamentos (BRASIL, 2009). A institucionalização da farmacovigilância ocorreu em 1948 na Inglaterra, após o registro de uma reação adversa a medicamento (RAM) que levou a óbito uma jovem de 15 anos. A jovem sofreu uma fibrilação, que se deu após o uso de clorofórmio, anestésico usado na época nas cirurgias de rotina do pododáctilo. Um importante detalhe é que esse medicamento era recém-introduzido à prática clínica à época do registro dessa RAM, evidenciando a importância dos estudos pós-comercialização. Devido à importância e repercussão desse fato, criou-se a revista britânica The Lancet, que relatava casos de danos ocorridos na Inglaterra e que é considerada um avanço regulatório para o uso de medicamentos (ROUTLEDGE, 1998; OMS, 2005; SILVA, 2013). No entanto, os esforços apenas ganharam um panorama internacional em 1961, após a tragédia causada pela talidomida. Esse medicamento foi prescrito a grávidas como antiemético, ocasionando o aborto espontâneo e levando milhares de crianças a nascerem com má-formação congênita (SILVA, 2013; VARALLO; MASTROIANNI, 2013; OMS, 2005). A partir desse episódio, as agências reguladoras aumentaram as exigências para comprovação de segurança dos medicamentos, exigindo a realização de estudos pré-clínicos e clínicos para o registro de novos produtos (SILVEIRA, 2013). Em 1968 foi criado o Projeto de Pesquisa Piloto de Monitorização Internacional de Medicamentos da Organização Mundial de Saúde. O projeto foi criado com o intuito de sistematizar ações e estratégias internacionais para identificar, prevenir, avaliar e disseminar informações sobre RAMs. Atualmente, o Programa Internacional de Monitorização de Medicamentos (PIMM) é coordenado pelo Collaborating Centre for International Drug Monitoring, sediado em Uppsala, Suécia. No Brasil, o Centro Nacional de Monitorização de Medicamentos (CNMM), interno à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), coordena e monitora os sistemas de vigilância toxicológica e farmacológica. O fortalecimento da farmacovigilância se deu após a criação da ANVISA e da Política Nacional de Medicamentos, mas principalmente em decorrência da criação do SUS, que viabilizou o avanço em inúmeros serviços de saúde. Atualmente, a RDC Nº 4 de 10 de fevereiro de 2009 regulamenta as atividades de farmacovigilância para os medicamentos de uso humano, delineando as ações que os detentores de registro devem executar. Além disso, existe também o NOTIVISA, que é um sistema informatizado elaborado para receber notificações sobre incidentes, eventos adversos e queixas técnicas, em que qualquer pessoa pode notificar. Boletim da UAEM Brasil A consolidação do Sistema Único de Saúde por meio de sua Lei 8.080 e 8.142/1990, assim como pela Constituição
Atualmente, a RDC Nº 4 de 10 de fevereiro de 2009 regulamenta as atividades de farmacovigilância para os medicamentos de uso humano, delineando as ações que os detentores de registro devem executar. Além disso, existe também o NOTIVISA, que é um sistema informatizado elaborado para receber notificações sobre incidentes, eventos adversos e queixas técnicas, em que qualquer pessoa pode notificar. A consolidação do Sistema Único de Saúde por meio de sua Lei 8.080 e 8.142/1990, assim como pela Constituição Federal de 1988, trouxe consigo o fortalecimento de ações em prol da eficácia e qualidade dos medicamentos, assegurando maior segurança aos usuários. Os resultados desses avanços na vigilância farmacológica culminaram no aceite do Brasil como 62º membro efetivo do Programa Internacional de Monitorização de Medicamentos (ANVISA, 2015). Gean Lucas de Araújo Alves é estudante de Farmácia da UFMG e membro do capítulo de BH da UAEM Brasil. Referências 1. Carvalho, WS, Moreira, AM, Magalhães, SMS. Eventos adversos a medicamentos. In: Francisco de Assis Acurcio, organizador. Medicamentos: políticas, assistência farmacêutica, farmacoepidemiologia e farmacoeconomia. Belo Horizonte: COOPMED; 2013. P. 147-178. 2. Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC n. 04, de 10 de fevereiro de 2009. Dispõe sobre as normas de farmacovigilância para os detentores de registro de medicamentos de uso humano. Brasília: Diário Oficial da União; 2009. Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/documents/33880/2568070/res0004_10_02_2009.pdf/05f05642-1cae4a60-9485-5ff63cfb22af 3. Organização Mundial de Saúde. Departamento de Medicamentos Essenciais e Outros Medicamentos. A importância da farmacovigilância: monitorização da segurança dos medicamentos. Brasília: Organização Pan-Americana de Saúde; 2005. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/importancia.pdf 4. ROUTLEDGE, P. 150 years of pharmacovigilance. Department of Medical History. The Lancet. Vol. 351. April 18, 1998. 5. SILVA, RC. Fortalecimento do sistema de informação em farmacovigilância em Bio-manguinhos [Dissertação]. Rio de Janeiro. Instituto de Tecnologia em Imunológicos. 2013. 6. SILVEIRA, M.S; LIMA, M.G; BRANDÃO, C.M.R; CECCATO, M.G.B. Farmacovigilância no Brasil. In: Francisco de Assis Acurcio, FA, organizador. Medicamentos: políticas, assistência farmacêutica, farmacoepidemiologia e farmacoeconomia. Belo Horizonte: COOPMED; 2013. 7. VARALLO, F.R; MASTROIANNI, P.C. Farmacovigilância: da teoria à prática. São Paulo: Editora UNESP, 2013.
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A alimentação e nutrição são requisitos básicos à saúde que viabilizam o potencial crescimento e desenvolvimento humano. Tais elementos denotam relações sociais, dinâmicas socioeconômicas e culturais, valores e histórias dos sujeitos - enquanto indivíduos e grupos, e repercutem diretamente nas condições de saúde, no desenvolvimento de doenças relacionadas à má alimentação, à qualidade de vida, além de impactar, inclusive, na determinação do perfil epidemiológico de uma população(1). Devido a esse último aspecto, alimentação e nutrição ainda se relacionam às necessidades medicamentosas de uma população. Compreendendo tamanha importância, a partir de um contexto de lutas, a Constituição de 1988, a partir da Emenda 64/2010(2,3), incluiu no rol de direitos constitucionais, no espectro dos direitos sociais, a alimentação como um dos fatores determinantes e condicionantes da saúde, e que perpassa sua promoção, proteção e recuperação(4). A Lei 8080/90 destaca ainda a responsabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto à formulação, execução e avaliação das atividades e ações a serem desenvolvidas no âmbito da alimentação e saúde(4). Vale destacar, contudo, que o histórico das políticas públicas relacionadas a essa temática é anterior ao SUS. Três dimensões do campo da Alimentação e Nutrição foram ressaltadas, sejam elas: ciência, profissão e políticas públicas de Estado (5). Essas foram norteadas pelo processo de urbanização e industrialização; altas taxas de mortalidade infantil e subnutrição; doenças nutricionais relacionadas à miséria, pobreza, atraso econômico; desnutrição protéica-energética e doenças causadas por carências nutricionais específicas(6–8). Neste período, Josué de Castro apontou a íntima relação entre a fome e suas diferentes formas de expressão, seja através da desnutrição, seja por carências nutricionais perpassadas pelas situações de pobreza, desigualdades sociais e econômicas(6,9). O Estudo Nacional de Despesas Familiares (ENDEF) de 1974/1975 comprovou que 67% da população possuía o consumo energético inferior às necessidades recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), resultando em altas taxas de desnutrição, entre as quais 46,1% eram crianças menores de cinco anos, 24,3% adultos e idosos do sexo masculino e 26,4% do feminino. Hipovitaminoses, pelagra, bócio, anemia ferropriva, dentre outras, também eram endêmicas nesse período(8,10,11). Com a reforma sanitária e a construção do SUS, cuja participação dos profissionais de nutrição foi de extrema relevância, houve a incorporação da alimentação e nutrição enquanto direito social, com o reconhecimento da transição nutricional e epidemiológica. Para tanto, a agenda do SUS foram instituídos a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN) de 2006 e o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SINAN), que reorganizaram a atenção à saúde considerando as demandas de doenças crônicas não transmissíveis (12) fortemente associadas à alimentação. Alguns exemplos dessa reorganização são a linha de cuidado para a prevenção e controle do sobrepeso e obesidade na Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas(13); a Política Nacional de Alimentação e Nutrição para o enfrentamento da insegurança alimentar e nutricional e o fortalecimento da segurança alimentar e nutricional (SAN) caracterizada, mais tarde, como a “realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso às outras necessidades essenciais, respeitando a diversidade cultural, e que seja ambiental, econômica e socialmente sustentáveis”(1). Nesse aspecto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a nossa ANVISA, também desempenha um importante papel devido as suas contribuições na eliminação, diminuição e prevenção de riscos à saúde bem como a intervenção de problemas sanitários relacionados ao meio ambiente, a produção, circulação de bens e prestação de serviços pertinentes à saúde(4). Fundamentadas na saúde pública, suas açõesda perpassam o planejamento, Boletim UAEM Brasil detecção, vigilância, controle dos bens de consumo visando a qualidade sanitária dos alimentos, protegendo a
Nesse aspecto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a nossa ANVISA, também desempenha um importante papel devido as suas contribuições na eliminação, diminuição e prevenção de riscos à saúde bem como a intervenção de problemas sanitários relacionados ao meio ambiente, a produção, circulação de bens e prestação de serviços pertinentes à saúde(4). Fundamentadas na saúde pública, suas ações perpassam o planejamento, detecção, vigilância e controle dos bens de consumo, visando a qualidade sanitária dos alimentos e protegendo a saúde do consumidor, tomando como referência o direito humano a alimentação e nutrição adequadas(2,4). Houve diversas repercussões positivas às ações descritas como a redução do déficit de peso por idade em crianças menores de 05 anos (de 16,6% segundo o ENDEF 1974/1975 para 4,5% de acordo com o POF 2002/2003); redução dos acometidos por deficiências de micronutrientes como ferro, ácido fólico e vitamina A. Contudo, outras preocupações têm surgido. Quanto ao sobrepeso e obesidade, há um aumento expressivo chegando a 41% de excesso de peso e 8,8% de obesidade entre os homens. Entre as mulheres, há estabilidade nas prevalências, contudo são preocupantes, pois correspondem a 39,2% de sobrepeso e 12,7% de obesidade, ambos em 2002,2003(10,14–17). A intersetorialidade das ações e integralidade do cuidado nos pontos de atenção na Rede de Atenção à Saúde, incluindo os três níveis de atenção; o estabelecimento de Núcleos de Apoio à Saúde da Família; a contratação de profissionais da área da nutrição; a incorporação da temática alimentação como um campo epistêmico comum a todos os profissionais da saúde; a publicação de guias alimentares e a elaboração e consolidação de estratégias de fortificação e suplementação alimentar transversais à vigilância nutricional incorporadas e executadas pelo SUS. Ações que viabilizaram o melhor diagnóstico da situação nutricional da população, a menor prevalência de déficits nutricionais e o maior acesso à informação. No entanto, a Emenda Constitucional 95, a Emenda do Teto de Gastos que somadas às reformas trabalhista e da previdência que têm impactado na renda da população, trarão sérios riscos aos ganhos obtidos ao longo do tempo, tanto no campo da alimentação quanto na Segurança Alimentar e Nutricional e saúde. Jaime e colaboradores (2018) vislumbram que haverá uma dupla carga da má nutrição: cenários de fome e desnutrição associados ao sobrepeso e obesidade. Precisamos ficar atentos quanto ao desenvolvimento desse processo, sem perder a força para lutar pelo SUS! Nágila Nathaly Lima Ferreira é nutricionista e Mestranda em Saúde Pública na Universidade Federal do Ceará. Ela integra o capítulo de Fortaleza da UAEM Brasil.
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Referências 1.
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2.
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Aos 30 anos, o SUS é um jovem adulto brasileiro. Apesar da pouca idade, possui muitas conquistas em seu currículo e é essencial que analisemos sua trajetória até o momento e suas conquistas, para que possamos avaliar possibilidades de melhoria e a viabilização da sua manutenção como o maior sistema público de saúde do mundo. Um de nossos grandes destaques, que tem sua origem até antes da criação do SUS, é o internacionalmente reconhecido programa de vacinação brasileiro, exemplo de alcance de metas ambiciosas, como a erradicação de diversas doenças infecto-contagiosas, impactando em índices importantíssimos como a mortalidade infantil e expectativa de vida. Apesar do sucesso em diversas linhas de frente, foi no Brasil, em 1904, mais especificamente no Rio de Janeiro, capital federal à época, que ocorreu o maior levante popular contra a obrigatoriedade da vacinação. A cidade foi palco da Revolta da Vacina, face à robusta campanha desenhada pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz. Na ocasião muitos morreram, outros ficaram feridos e a obrigatoriedade da vacinação foi suspensa. Seguiu-se à isso uma epidemia de varíola, doença que havia motivado a instituição da vacinação obrigatória pelo médico, considerado um dos fundadores da saúde pública brasileira. Décadas após o episódio, em 18 de setembro de 1973, foi criado o Programa Nacional de Imunizações (PNI). Este programa, ao integrar as ações de vacinação nacionalmente, busca reduzir as desigualdades econômicas e sociais da população, alcançando as diversas camadas sociais, onde estiverem, sendo peça fundamental para o alcance do objetivo primário do SUS. A equidade mostra-se como princípio essencial na execução das metas de imunização dos brasileiros, e tem como resultado a melhoria da qualidade de vida da população pela via da prevenção de agravos à saúde. Atualmente, no Brasil, temos um panorama de baixa ocorrência de óbitos por doenças imunopreveníveis. Campanhas de vacinação, varreduras e bloqueios levaram à erradicação da febre amarela urbana em 1942, da varíola em 1973, da poliomielite em 1989 e controlaram o sarampo, difteria, tétano acidental, coqueluche. Alguns números são importantes em um país de dimensões continentais: de 45.778 casos de sarampo em 1990, o Brasil identificou 3.234 em 1992. Desde então ocorreram alguns pequenos surtos ainda na década de 90, chegando ao bloqueio da circulação do vírus autóctone em 2000. Infelizmente, com os surtos registrados recentemente com o fluxo migratório intenso registrado na região norte, o certificado de eliminação da doença, concedido pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) em 2016, está ameaçado no momento. Foi estabelecido o prazo até fevereiro de 2019 para que o país possa manter a certificação. Um ponto nevrálgico para manter o controle das doenças é a vigilância epidemiológica. Ao receber a notificação da ocorrência de doenças imunopreveníveis, existe um trabalho de investigação, não com o objetivo de levantar culpados, mas de analisar a ocorrência e montar estratégias de mitigação de risco. Esse trabalho de inteligência é imprescindível e é importante que todos reconheçamos a importância da notificação de doenças, eventos adversos pós-vacinação – com destaque para o trabalho do Sistema de Vigilância de Eventos Adversos Pós-Vacinais - e outras ocorrências que contribuam com o avanço do programa. A partir da identificação de problemas, novas estratégias são traçadas, planos de minimização de risco são postos em prática para que o programa siga em frente. A ocorrência recente dos surtos de sarampo e febre amarela rural nos obriga à análise das fragilidades do sistema. É necessário um trabalho exaustivo para manter a cobertura vacinal acima de 95%, meta a ser alcançada para as vacinas obrigatórias. Tanto nas grandes metrópoles quanto nos longínquos interiores do país, existem desafios inerentes a cada cenário: matas fechadas, rios extensos e suas populações ribeirinhas, favelas e suas Boletim da UAEM Brasil ruelas, escadarias. O desabastecimento e a distribuição ineficiente dos imunobiológicos deve ser preocupação
para as vacinas obrigatórias. Tanto nas grandes metrópoles quanto nos longínquos interiores do país, existem desafios inerentes a cada cenário: matas fechadas, rios extensos e suas populações ribeirinhas, favelas e suas ruelas, escadarias. O desabastecimento e a distribuição ineficiente dos imunobiológicos deve ser preocupação constante dos gestores em todas as esferas, dado o impacto potencial da baixa cobertura vacinal na rede pública de saúde. Em 2003, o Programa organizou e implementou um conjunto de medidas voltadas aos estados e municípios, visando à redução de perdas de vacinas e à otimização das operações de distribuição e armazenagem de vacinas e demais insumos. A descentralização das ações do PNI, como novo perfil gerencial, surgiu então para otimizar a operacionalização do programa, com pactuação conjunta de metas e resultados pelos gestores das três esferas. Uma tendência do próprio SUS, a descentralização fortalece estratégias específicas de cada região, importantes por atender suas peculiaridades. Outro desafio é a autossuficiência na produção de imunobiológicos a fim de garantir que haja quantidade suficiente de vacinas para abastecer municípios literalmente do Oiapoque ao Chuí. Uma avaliação realizada em 1982/83 mostrou que as instalações produtoras nacionais estavam defasadas, acarretando na má qualidade dos produtos. Isso levou a uma crise no setor, gerando desabastecimento de vacinas e soros. Em 1985, então, diante de óbitos acarretados pela falta de soros antiofídicos antes produzidos somente no Brasil, foi criado o Programa de Auto-Suficiência Nacional em Imunobiológicos (Pasni). O Programa possibilitou então, a alocação de recursos na modernização e aumento de infra-estrutura dos laboratórios nacionais, na capacitação de recursos humanos e no desenvolvimento e transferência de tecnologia. Hoje o parque produtor nacional é responsável por mais de 96% das vacinas distribuídas em hospitais, postos de saúde e Centros de Referência em Imunobiológicos (Cries) pelo país. Atualmente, apesar dos inúmeros desafios que se mostram no panorama político e econômico, a vacinação segue sendo realizada, e se prova cada vez mais como uma das estratégias mais eficazes em saúde pública, evocando o velho dito: “melhor prevenir do que remediar”. A história do PNI, suas vitórias e desafios atuais e aqueles já transpostos se confunde com a própria história do SUS. As dúvidas a respeito da sua eficiência, a busca pela melhor alocação possível de recursos, a falta mesmo de recursos. O PNI deve sempre ser lembrado quando se fala de SUS; ler sobre suas conquistas na erradicação e diminuição da incidência de doenças antes frequentemente fatais torna-se obrigatório para quem quer saber se realmente o SUS vale a pena. E vale. Evani Leite é farmacêutica pela UFRJ e especialista em Farmácia Hospitalar pela UFF. Ela integra o capítulo do Rio de Janeiro da UAEM Brasil.
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Referências 1. SILVA JUNIOR, Jarbas Barbosa da. 40 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma conquista da Saúde Pública brasileira. Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília , v. 22, n. 1, p. 7-8, mar. 2013 . Disponível em <http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S167949742013000100001&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 03 out. 2018. http://dx.doi.org/10.5123/S167949742013000100001. 2. VICTORA, Cesar G. 40 anos do Programa Nacional de Imunizações: o desafio da equidade. Epidemiol. Serv. Saúde [online]. 2013, vol.22, n.2 [citado 2018-10-03], pp.201-202. Disponível em: <http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S167949742013000200001&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 1679-4974. http://dx.doi.org/10.5123/S167949742013000200001. 3. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Programa Nacional de Imunizações: 30 anos. Série C. Projetos e Programas e Relatórios. Brasília - DF, 2003. 4. AGÊNCIA BRASIL. Brasil pode perder certificado de eliminação do sarampo. Postado em 30/09/2018 18:25 / atualizado em 30/09/2018 18:30. Disponível em https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2018/09/30/interna_nacional,993053/brasil-podeperder-certificado-de-eliminacao-do-sarampo.shtml. Acesso em 30 set 2018.
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Para esse boletim especial sobre os 30 anos do SUS, fizemos uma pesquisa com o objetivo de entender como as pessoas enxergam e se relacionam com o nosso SUS e o quanto sabem sobre ele. Formulamos um questionário online que foi compartilhado nas redes sociais. Em quatro dias em que o questionário ficou aberto a respostas, participaram 733 pessoas. A maioria (44,9%) disse usar o SUS “às vezes” e 9,7% disse nunca ter usado o SUS. Contudo, devemos lembrar que utilizamos o SUS todos os dias. Essa questão foi, inclusive, assunto de um dos “você sabia” de nossa campanha de celebração dos 30 anos do SUS. Por meio da Vigilância Sanitária, por exemplo, temos os nossos medicamentos e bens de consumo fiscalizados a fim de proteger nossa saúde. Ao acordamos e escovarmos os dentes, já estamos utilizando o SUS. Com relação aos serviços prestados pelo SUS, menos que a metade (47,5%) dos participantes disseram conhecer quais serviços são oferecidos em sua cidade. Sobre o atendimento que recebeu quando procurou os serviços do SUS, 9,8% das pessoas acharam “ótimo”, 21,4% “muito bom” e 31,8% “bom”, enquanto que 9,8% acharam “péssimo” e 5,7% “ruim”. Perguntamos na pesquisa quais das frases elencadas eram as mais ouvidas em relação ao SUS e 66,8% dos respondentes disseram já ter ouvido “está faltando médico”, 64,4% “a fila é gigante” e 41,7% “é maravilhoso no papel”. Essa frases foram ouvidas por amigos/parente (66,3%) e pela mídia (24,1%).
Em relação à preocupação com a saúde, a grande maioria dos participantes (94,3%) acredita que a saúde é um dos 3 maiores problemas atuais do Brasil. Contudo, apenas 64,1% dizem estar atentos às propostas de saúde dos seus candidatos para a eleição! Fizemos também perguntinhas sobre o SUS para testar o conhecimento das pessoas e, estrategicamente, conscientizá-las sobre importantes questões relacionadas ao nosso sistema público de saúde. Sobre o SUS ter o maior sistema de transplantes do mundo, apenas 54% dos participantes conheciam essa informação. Além disso, apenas 44,1% sabiam que o SUS possui a maior rede de Bancos de Leite Humano do mundo. Ao perguntarmos sobre medicamentos, 85,9% sabiam que o SUS distribui gratuitamente diversos medicamentos, incluindo os de alto custo. A maioria (80,6%) sabe que o Programa Nacional de Imunização do SUS é reconhecido internacionalmente e fornece, gratuitamente, todas as vacinas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde. Sobre a participação social no SUS, menos que a metade (45,8%) sabia que existem espaços como o Conselho e Conferências de Saúde para participar nas tomadas de decisões a respeito do SUS! Em relação ao uso do SUS e ao gasto que o governo realiza com a saúde, 59,2% sabiam que 75% da população brasileira depende Boletim da UAEM Brasil exclusivamente do SUS, mas que o gasto público em saúde no Brasil é menor do que o gasto privado que atende
internacionalmente e fornece, gratuitamente, todas as vacinas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde. Sobre a participação social no SUS, menos que a metade (45,8%) sabia que existem espaços como o Conselho e Conferências de Saúde para participar nas tomadas de decisões a respeito do SUS! Em relação ao uso do SUS e ao gasto que o governo realiza com a saúde, 59,2% sabiam que 75% da população brasileira depende exclusivamente do SUS, mas que o gasto público em saúde no Brasil é menor do que o gasto privado que atende somente 25% da população.
Ainda, deixamos um espaço aberto no questionário para que as pessoas pudessem acrescentar comentários. Foram, ao todo, 251 comentários. Agrupamos comentários por “tema” para facilitar a apresentação. Foram computados 32 comentários relacionado à “má gestão”: muitos alegam que o SUS tem financiamento suficiente, só que a má gestão não permite o uso eficiente dos recursos. O mau atendimento por parte dos profissionais também está entre as principais reclamações (presente em 17 comentários). A corrupção é citada em 7 comentários como causa dos problemas do SUS. Outra grande reclamação está ligada à falta de investimento, que aparecem muitas vezes com os comentários relacionados à má gestão. Há muitos comentários falando que o SUS não funciona, ou relatando experiências nesse sentido. Contudo, a grande maioria dos comentários defende, fervorosamente, o SUS. Há outros comentários também bastante interessantes. Recebemos muitos de apoio pela pesquisa e nos incentivando a divulgar os resultados.Também há alguns relatos emocionantes, como este: “Meu filho sofreu um acidente automobilístico (foi atropelado) às 15:40h, às 16h já estava em uma sala de cirurgia e ficou internado em coma, devido a traumatismo craniano, por quase 30 dias em UTI do HPS de Porto Alegre. O trabalho e o empenho de todo o corpo médico, enfermeiros, técnicos e demais profissionais foi de vital importância para que meu filho superasse aquele momento difícil e de risco de vida. Sou muito grato e me sinto devedor ao sistema de saúde. Se tivesse que restituir para o sistema, o que foi gasto com a hospitalização, levaria o resto de minha vida e seguiria devedor”.
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Esta pesquisa foi uma experiência valiosa para a UAEM Brasil. Não imaginávamos que receberíamos tantas respostas e tantos elogios. O mais interessante, contudo, é perceber a grande defesa do SUS e os relatos de sua importância. Mesmo os comentários negativos trazem, em alguma medida, um reconhecimento daquilo que se espera do maior sistema público de saúde do mundo. Agradecemos a participação das pessoas e esperamos que o questionário tenha surtido o efeito por nós esperado de, além de falar sobre o SUS, conhecer um pouco de seus avanços nesses 30 anos. Contribuições: Daniela Pena, Isak Batista e Luciana Lopes
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EQUIPE DO PROJETO "O SUS ESTÁ TRINTANDO" Adriana Reis Beatriz Kaippert Daniela Pena Evani Leite Gean Alves Glauber Maciel Isak Batista Luciana Lopes Magno Magalhães Mariana Bicalho Marina Certo Nágila Lima Nayla Rochele Rafael Almeida