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Um raro fenômeno
Há mais de duas décadas num lugar de inegável destaque na cena musical brasileira, a banda Los Hermanos desafia convenções da indústria
por_ Gustavo Leitão ∎ do_ Rio ∎ montagem sobre fotos de_ Caroline Bittencourt e Leo Aversa
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Como num raro fenômeno astrológico, Marcelo Camelo, Rodrigo Amarante, Bruno Medina e Rodrigo Barba colidiram órbitas em 2017. Estavam todos no Rio de Janeiro, ao mesmo tempo, quando Simon Fuller, responsável pela carreira do Los Hermanos há 20 anos, percebeu a coincidência e sugeriu um encontro. O quarteto, que tinha se dispersado pelo mundo e não dividia o palco havia dois anos, vivia outro de seus períodos de hibernação. Mas, naquela noite, os hermanos saíram do terraço do empresário no bairro do Leblon com uma ideia ambiciosa: uma turnê por grandes estádios brasileiros, incluindo o emblemático Maracanã. Era a hora de testar de novo o poder de fogo da banda que desafia convenções da indústria e insiste em renascer.
“Em 2015, na volta anterior deles, percebemos o crescimento de escala dos shows. E mais ou menos 50% daquele público nunca tinham visto o Los Hermanos ao vivo”, observa Simon, que encerrou em maio a nova rodada de apresentações por 11 cidades. Os ingressos do setor premium do estádio carioca se esgotaram poucas horas depois da abertura das bilheterias, em dezembro. Na arena do Allianz Park, em São Paulo, tocaram com casa cheia. Sem lançar um álbum de inéditas há 14 anos, com presença acanhada nas redes sociais e poucas concessões ao marketing, a banda, que oficialmente teve sua carreira interrompida em 2007, continua a intrigar especialistas do mercado fonográfico a cada retorno. Qual seria o segredo dessa antiestratégia de sucesso?
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Formado na PUC do Rio de Janeiro, em 1997, o quarteto cimentou sua fama em quatro discos de estúdio: “Los Hermanos” (1999), “Bloco do Eu Sozinho” (2001), “Ventura” (2003) e “4” (2005). Do início mais roqueiro até a depuração com influências da MPB e do samba, a banda foi formando um público fiel, que canta todas as letras a plenos pulmões nos shows. “É um som atemporal, com identidade muito jovem, transmitida de geração a geração”, diagnostica Marcelo Falcão, diretor-executivo da Universal Publishing, que viu esse fenômeno em casa, quando a adoração passou do filho de 32 anos para a filha de 27.
Desde que anunciaram um hiato, há 12 anos, os hermanos seguiram rumos distintos. Marcelo Camelo foi morar em Lisboa com a mulher, a cantora Mallu Magalhães, e lançou três discos solo. Seu parceiro cantor-compositor, Rodrigo Amarante, radicou-se em Los Angeles, onde gravou o elogiado “Cavalo” (2013). O baterista Barba segue músico no Rio, enquanto o tecladista Medina, que é publicitário, trabalha na cidade como diretor de criação.
Com a dissolução do grupo, o Los Hermanos infla e desinfla, como um pop-up, a cada retomada. Foi assim em 2009, quando dividiram a noite com Kraftwerk e Radiohead, e nas turnês de 2012, 2015 e 2019. Ao tentar contato com um deles para este texto, o repórter ouviu tanto do empresário quanto da assessoria que o prazo para entrevistas tinha expirado. Era hora de voltarem para a toca.
“Eles sempre deixaram a música falar por si. Não gostam muito de entrevista, de trabalhar imagem”, descreve Simon. “São uma banda de show, de ir para a estrada, de contato com o público. Eles não lançam disco há anos, não têm relevância digital nenhuma, mas mantêm um público muito fiel. Assim (com shows) é que tornam palpável o que querem dizer”, completa Maria Fortes, produtora executiva da turnê.
Simon Fuller, empresário da banda
Antes dessa rodada recente de shows, a banda voltou ao estúdio e gravou “Corre Corre”, primeira inédita em mais de uma década. Medina homenageou os fãs com um texto na página oficial do Facebook, como parte do conceito da turnê, “Nós somos porque vocês são”.
A turnê deste ano do Los Hermanos homenageou os fãs que acompanham a banda e mantêm seu prestígio em alta. Inspirada na filosofia africana ubuntu, teve como lema a frase: “Nós somos porque vocês são”. A ideia foi sintetizada em um texto que o tecladista Bruno Medina divulgou nas redes sociais. “A nós, integrantes da banda, cabe o papel de coadjuvantes do espetáculo, os responsáveis pela trilha de fundo capaz de evocar o que bem poderia ser qualificado como uma catarse coletiva”, escreveu. Para celebrar a conexão dos admiradores com os ídolos, a equipe do grupo lançou uma série de mini documentários chamada “Los Fãs”, com histórias de vida ligadas às canções do quarteto.
A fórmula para a longevidade da banda tem vários ingredientes. Por terem uma sonoridade singular, alheia aos modismos, os hermanos não ficaram datados. “Eles me lembram os Beatles na forma de compor e combinar os talentos do Camelo e Amarante”, opina Falcão.
As letras, que falam de amor, viraram relíquia afetiva de muitos casais. Outras composições prenunciaram a nova visão da masculinidade, mais frágil e desconstruída, que agora é discurso corrente. Mas nem só o conteúdo chama a atenção. Também a forma esnoba fórmulas que vêm sendo repetidas como mantras no atual mercado.
“A música deles ultrapassa todos os esquemas, não tem refrão — ou, quando tem, não entra obrigatoriamente antes do primeiro minuto”, ressalta o pesquisador musical Gabriel Gutierrez Mendes.
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Maria Fortes, produtora executiva
“Outra coisa é o show. Eles têm um certo desleixo, proposital, certamente, com o espetáculo. Enquanto a indústria diz que tem que ter uma luz impecável, oferecer dança, efeitos visuais, eles não falam. Sobem lá, afinam os instrumentos na frente de uma multidão e tocam.”
A chegada do streaming de música ajudou a perpetuar essa aura especial, dando acesso à obra da banda para um público que não tinha os álbuns em casa. “Eles nunca tiveram grande mídia ou tocaram na rádio. Fizeram uma carreira no boca a boca, e até hoje é assim”, define Simon, que mantém um grupo de Whatsapp para falar com os quatro.
REDES NÃO DE TODO SOCIAIS
Fundado antes das redes sociais, o Los Hermanos nunca mergulhou fundo na exposição digital. Dos quatro integrantes, só Bruno Medina e Rodrigo Amarante têm perfil no Instagram, sendo que o do tecladista Medina é privado. No canal oficial do YouTube (227 mil inscritos), há pouca movimentação, com ocasionais atualizações de material antigo. Nos canais oficiais, os posts foram intensos durante a turnê, mas voltaram à inatividade com o fim dos shows.
“Além de mal estarem nas redes sociais e não terem quase marketing digital, as informações sobre os discos igualmente mal estão disponíveis na internet. Você não consegue falar com eles”, descreve Gutierrez Mendes. “O canal do YouTube é deixado. Mas os fãs estão lá, contando histórias de amor, ajudando a criar uma mítica.”
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