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Jornada de uma estrela
Vencedora, pela quarta vez, de um Prêmio da Música Brasileira, a 'big band' Spok Frevo Orquestra conquista palcos (e críticos) na Europa e nos EUA com sua sofisticada brasilidade instrumental
Por Bruno Albertim, do Recife
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Presença recorrente e festejada nos mais importantes festivais de jazz da Europa, a Spok Frevo Orquestra fazia mais uma de suas acaloradas apresentações, ano passado, na cidade de Marciac, Sul da França, quando capturou uma atenção ilustre na audiência. Arrebatado pela fluência jazzística do frevo praticado pela big band pernambucana, o multiinstrumentista (e verbete de primeira grandeza da música instrumental do Ocidente) Wynton Marsalis foi cumprimentar o maestro, que dá nome à banda, Spok. Acabou por lhe fazer um convite sem qualquer possibilidade de recusa: tocar no prestigioso Lincoln Center, em Nova York, emendando, de quebra, uma turnê de mais 25 dias pelos Estados Unidos.
“É muito bom ver o frevo circulando assim pelo mundo. Ao lado do choro, o frevo, essa música tão brasileira que nasceu em Recife, é provavelmente a mais autêntica música instrumental do país”, diz o recifense, que viaja para os Estados Unidos levando na bagagem seu quarto Prêmio da Música Brasileira.
Depois de já ter ganhado nas categorias Revelação, Melhor Disco e Melhor Grupo, a Spok recebeu mais um título, o de Melhor Grupo Instrumental, na última edição do prêmio, em maio. “Vamos fazer vários workshops sobre a linguagem do frevo, a forma como é tocado, executado”, antecipa, entusiasmado, o maestro. Apadrinhados por Marsalis, Spok e seus músicos embarcam em outubro.
Ainda que críticos internacionais - e mesmo os brasileiros de pouca intimidade com o mais pernambucano dos ritmos - vejam a Spok como uma grata variável do latin jazz, o maestro insiste que sua big band segue sendo uma grande orquestra de frevo. “A grande semelhança entre o frevo e o jazz é que o frevo bebe do jazz na sua formação de big band: saxofones, trombones, trompetes. Mas a música em si, a melodia, tem pouco a ver. O frevo bebe do maxixe, do dobrado, das polcas, das melodias, das bandas militares de música do passado. E, talvez, um pouco da música americana, por causa do dobrado e de informações musicais que começaram a chegar com as orquestras de Duke Ellington, Glenn Miller”, conceitua.
O próprio Spok, contudo, acabou por encurtar as distâncias entre o jazz e o frevo. “De dez anos para cá, passamos a colocar os improvisos em nossa música. Isso ajudou muito a abrir as portas de festivais, porque solos e improvisos são elementos muito apreciados nesses eventos”, ele explica.
Criada há uma década, a Spok Frevo Orquestra tem dois discos. “Passo de Anjo” saiu logo no iniciozinho. O segundo, “Ninho de Vespa”, é um trabalho de ainda maior maturação do estilo: uma complexa comunhão de gêneros musicais brasileiros não eruditos, indo muito além da música para fazer dançar tão comum entre os sons carnavalescos de Pernambuco.
“Somos, sim, uma orquestra de frevo, mas a gente vem realizando o sonho de levar esse frevo, que nasce nas ruas, para os palcos consagrados do mundo inteiro. Não somos apenas uma orquestra de carnaval. Como músico, era uma falta que eu sentia de fazer não só isso. De fazer uma música maravilhosa, muito forte, importante, que nunca havia sido tocada para a audiência ouvir em silêncio”, conta.
É costume ter a presença do SFO na chamada Apoteose do Frevo, o grande concerto da Terça-Feira Gorda do Recife. Se, contudo, o frevo frequentou salas de teatro com Capiba, ali ele era cantado. Com Spok, é a primeira vez em que é tratado como música instrumental de câmara. São 17 músicos na formação, distribuídos entre naipes de saxofones, trombones, trompetes, além de guitarra, contrabaixo, bateria e percussão. “Nem sempre é fácil. Viajar com todo mundo para a Europa, sem tocar, por exemplo, é complexo. Ficar um dia sem tocar pode significar um custo diário de até dois mil euros”, explica. “Mas temos felizmente conseguido manter nossa formação”.
A militância do maestro pelo frevo vai além de seu trabalho na orquestra. Ele está prestes a concluir um longa-metragem documental sobre os grandes mestres vivos do gênero em Pernambuco. Idealizado e produzido com a ajuda de parceiros, está em processo de finalização o filme “Sete Corações”. Nele, Spok aparece como fio narrativo para apresentar os maestros Guedes Peixoto, Nunes, Clóvis Pereira, Duda, Edson Rodrigues e Ademir Araújo, além de Zé Menezes, que acabou morrendo ano passado, antes de ver o filme pronto. “Documentar a trajetória desses grandes mestres é, hoje, meu maior sonho”.
Tão logo volte da turnê americana, a orquestra deve entrar em estúdio para o terceiro álbum. Aprovado pelo programa cultural da Petrobras, a bolacha vai se chamar “Frevo Sanfonado”. “Em tudo que é lugar aonde chego, os sanfoneiros, que são músicos extremamente habilidosos, virtuosos, têm frevos para mostrar. Sivuca e Dominguinhos, não por acaso, tinham muitos frevos. Então, minha ideia foi reunir acordeonistas do Brasil inteiro, mostrando o frevo no olhar da sanfona”, diz o recifense Inaldo Cavalcanti de Albuquerque, que recebeu o apelido que viraria codinome artístico ainda na infância. “Eu tinha mania, no colégio, de mexer na orelha. E um amigo começou a me chamar de Spock (que, na adoção do nome artístico, perdeu a letra c), justamente no auge de 'Jornada nas Estrelas'”.
Vida longa e próspera, maestro.