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Como dar a volta ao mundo sem tirar os p\u00E9s do ch\u00E3o
Fenômeno da música gospel, com um milhão de cópias vendidas, shows no país e no exterior e contrato com a americana Motown, Thalles Roberto fala sobre vida, carreira, criação e direitos autorais
Por Marcelo Augusto, de Passos (MG)
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Ele nasceu, criou-se e mantém suas raízes nesta tranquila e próspera cidade do Sul de Minas. Passos não é só o lugar onde Thalles Roberto mais se sente à vontade. É também uma metáfora para a ascensão incrível, mas calma, estudada, de um cantor que, com somente 11 anos de carreira, tornou-se um dos maiores nomes da música gospel no país. Um milhão de discos vendidos, num momento tão complexo da indústria fonográfica, mais de seis milhões de fãs em redes sociais, 600 shows que reuniram multidões em, literalmente, todas as regiões brasileiras - numa média de uma apresentação a cada 2,4 dias -, fãs como o craque Neymar e a cantora Ivete Sangalo e contratos com a Universal, no Brasil, e a mítica Motown, nos Estados Unidos. Seus sucessos falam por si. Mas não o fazem tirar os pés do chão. Nem se esquecer de onde veio.
Caçula de cinco irmãos numa família humilde chefiada por um pastor evangélico, Thalles descobriu logo cedo que era capaz de explorar a afinação e a musicalidade que sempre percebeu em si. Aos 6 anos, já era solista do coral da igreja, estimulado pelos pais. Aos 11, começou a tocar violão. Aos 14, com a ajuda do pai, começou a compor suas primeiras músicas. Aos 21, decidiu ir para Belo Horizonte, uma das capitais da música pop brasileira, em busca de oportunidades. “Comecei na igreja Sara Nossa Terra. Já tinha comigo a intenção de viver da música, mas, quando cheguei lá, vi que teria que ralar e trabalhar bastante. Para me manter, gravava jingles. Logo meu nome ficou conhecido no mercado de propaganda”, lembra.
A primeira oportunidade profissional surgiu como backing vocal no Jota Quest. “Eles precisavam de um backing 'negão', com o meu estilo de voz. Foi quando teve mesmo início a minha carreira profissional.” Durante sete anos, Thalles viajou pelo Brasil, como músico de apoio não só para o Jota Quest, mas também para a banda baiana Jammil e Uma Noites. E fez participações em shows de Ivete e Roberto Carlos. Mas não se sentia feliz. “Tive envolvimento muito forte com bebida, drogas, muita bagunça com mulheres... Aquele exagero começou a não me fazer bem. Cada vez mais me lembrava do passado, da minha religiosidade, que estava esquecida, de como eu cantava na igreja, como nos corais americanos. Simplesmente queria voltar para aquela vida simples de novo, quando eu pegava o violão, tocava, e as pessoas choravam”, ele descreve o momento em que teve um estalo e decidiu deixar o trabalho como vocalista de apoio, assumindo as rédeas da sua carreira. “Eu queria ser o cantor principal, não mais o backing.”
Embora fosse conhecido no mundo pop, Thalles era um estranho no ninho gospel. Foi um início difícil, segundo conta. Ele não estava preparado para recomeçar e chegou a passar por dificuldades financeiras com a mulher. Com esforço, conseguiu produzir o primeiro trabalho, o CD “Acústico Gospel”, lançado em 2008 com regravações de hinos tradicionais evangélicos. No ano seguinte, pôde lançar o primeiro trabalho com canções próprias, pela gravadora Graça Music. “Na Sala do Pai” abriu a trilogia “De Volta Para a Casa do Pai”, um diálogo meio metalinguístico com a sua própria história, pelo reencontro com a religião familiar e o retorno a Passos. Foram 50 mil cópias vendidas, anunciando o sucesso que estava por vir.
Aos poucos, Thalles foi se consolidando no mundo gospel. Em 2010, gravou o primeiro documentário falando sobre seu trabalho e sua vida. Ganhou um disco de ouro. Em 2011, vieram o segundo disco da trilogia e o DVD “Uma História Escrita Pelo Dedo de Deus”. Disco de platina duplo. Ano passado, “Sejam Cheios do Espírito Santo”, 75 mil cópias vendidas só no pré-lançamento, encerrou a obra tripla e lhe abriu de vez as portas do mercado musical no país e até no exterior. Suas canções passaram a ser tocadas em rádios pop, vieram convites para entrevistas e a consagração, agora, aos 36 anos: os contratos com a Universal e a Motown.
Em julho, Thalles fez uma turnê com dez apresentações por lá, incluindo uma no maior templo da Igreja Batista de Orlando, na Flórida. Também participou de um congresso de igrejas evangélicas americanas, onde cantou para mais de 50 mil pessoas. Por aqui, além de Ivete (que o divulga nas redes sociais) e Neymar (que compartilha suas músicas com seguidores), estrelas como Michel Teló e Naldo também já se renderam e o elogiaram publicamente. “A Ivete postou no Twitter que ela e pessoas próximas estavam assistindo ao meu DVD e chorando. O Neymar postou por três vezes um trecho de uma música minha e disse em entrevista, durante a Copa, que ouve as minhas canções. É muito gratificante”, vibra, arriscando uma explicação para o contato tão único que consegue estabelecer com as pessoas. “Um artista autoral tem uma grande responsabilidade de levar um legado para os fãs, que acompanham sua história, seu trabalho, acompanham as verdades do coração dele, o que ele pensa a respeito da vida, como ele dirige sua vida. Meu lance é falar com verdade para quem está comigo. A minha verdade é falar de Jesus e trazer de volta aquele que está perdido.”
A temática é tocante. Mas a voz ajuda a explicar o sucesso. O timbre e a afinação especiais de Thalles sem dúvida contribuem para que ele conquiste tantos fãs. A técnica que desenvolveu ele explica de um modo curioso: “Cantar, para mim, é igual a andar de bicicleta. Aprendi a pegar, dominar, equilibrar. Quando equilibrei e comecei a andar sozinho, aí já subia calçada, empinava, ousava. Não parei mais”, ri. “Sempre fui atrás do inusitado, daquilo que não é provável! Gosto de pesquisar de tudo. Se existe um velhinho no alto da montanha que tem uma técnica vocal, quero ir até lá entender como ele consegue fazer aquilo. Se uma mulher consegue mudar o tom da voz deslocando a laringe, não saio de perto dela até aprender. Se um cara está na calçada, tocando violão com só três cordas, peço que me ensine. Para mim, nunca está bom. Acho que sempre se pode melhorar.”
Como evangélico, Thalles doa grande parte do que ganha a um grupo que auxilia pastores a evangelizar pelos rincões do país. Além disso, participa de projetos sociais e faz doações a hospitais. Por depender do que arrecada para isso, ele reclama da pirataria e das ameaças aos direitos autorais. “A composição é um patrimônio do compositor, é um pedaço dele, a essência dele que fica ali exposta para todo mundo usufruir e curtir, isso não pode ser ameaçado. Todo mundo que vive de música é lesado pela distribuição ilegal. Hoje estou entre os dez artistas que mais vendem no país, e em primeiro no segmento gospel. Mas, se não houvesse esse esquema industrial de pirataria, daria para vender mais.”
Uma forma nova de levar sua mensagem deve vir, em breve, em outra mídia. Depois de ler “Olha O Que Ele fez Comigo”, biografia de Thalles escrita por Daniel Israel, o diretor de cinema Carlos Manga Jr. apresentou ao cantor a proposta de contar sua história na tela grande. Orçado em R$ 7 milhões, o projeto já está em produção e deve ser lançado no ano que vem. “Será um filme forte, impactante, dirigido às famílias”, descreve o cantor. “Quero mostrar a minha história, quem eu era e no que Deus me transformou.”