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'FOI MARAVILHOSO, FANT\u00C1STICO. NADA FOI T\u00C3O BOM'

CARLOS COLLA, UM DOS MAIORES COMPOSITORES DO NOSSO POP, REPASSA DÉCADAS DE VIDA NA MÚSICA E SEGUE CRIANDO, COM ROTINA REGRADA: 'UM DIA SÓ TEM RAZÃO DE SER SE EU PUDER CRIAR. SE NÃO, É UM DIA PERDIDO'

Do Rio

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O pop produzido no Brasil – e que, tamanha a nossa pluralidade geográfica, social, étnica, abarca gêneros tão díspares quanto o sertanejo e o axé, o funk e o pagode, o brega e o arroxa – é, não raro, maltratado por uma certa intelectualidade. Mas é, foi e continuará a ser também ponta de lança da indústria fonográfica e expressão privilegiada da cultura brasileira. Pelo menos enquanto tiver entre seus compositores gente do calibre de Carlos Colla. Nascido em Niterói (RJ), numa família coalhada de engenheiros, pôs a mão pela primeira vez, sozinho, num violão há coisa de 60 anos. Não tirou mais. E traduziu, com suas composições – muitas criadas enquanto advogava em plena ditadura militar, na década de 1970 – amores, decepções, alegrias e amarguras compartilhados por milhões de brasileiros.

Autor de canções inesquecíveis nas vozes de Roberto Carlos, Sandra de Sá, Emílio Santiago, Alcione, Bruno & Marrone, Erasmo Carlos, Sandy & Júnior, Wanderléia, Fafá de Belém, Chitãozinho & Xororó, Wanderley Cardoso, Agnaldo Timóteo, Xuxa, The Fevers e até do atual prefeito do Rio, Marcelo Crivella – a lista segue –, Colla não para de criar e conta à Revista UBC como mantém uma linha de produção diária e disciplinada.

Sua vida é intrinsecamente ligada à música. Mas nem sempre foi assim, certo? Como começou essa relação?

Carlos Colla: Fui totalmente desestimulado pela família (risos). Fui criado para outra coisa: na minha família, engenharia era a tradição. E, pelo lado do meu avô materno, o jornalismo. Mas eu não tinha a ver com nada disso, queria era saber de música. Aos 13 ou 14 anos pus a mão num violão pela primeira vez e me apaixonei. Aprendi sozinho e não parei mais. Anos depois, me formei advogado, cumpri minha obrigação burguesa (risos). E a música seguia ali como o escape, como a loucura. Era a cachaça. Paguei 10 anos de penitência dentro da OAB cumprindo minhas obrigações, digamos, patrióticas e consegui escolher o lado doce depois disso. Tive uma colega de trabalho, funcionária da OAB, como eu, que morreu na explosão de uma carta bomba. Eram tempos duros. Então decidi que queria viver, abracei a música. Aos 38 comecei a me dedicar exclusivamente a ela. Também renunciei a coisas. O Direito te dá bens materiais maravilhosos. Acabou meu antigo casamento, quase enlouqueci e perdi uma fortuna, mas foi maravilhoso, fantástico. Nada foi tão bom.

A música continua a fazer parte da sua rotina...

Total e diariamente. Eu uso na música o mesmo rigor que usava na advocacia. Trabalhando seriamente. Tenho uma rotina de trabalho, um trabalho como qualquer outro. Um dia só tem razão de ser se eu puder criar algo. Se não, é um dia perdido. Hoje (20 de janeiro) eu estou assustado com a morte do (ministro do Supremo Tribunal Federal) Teori Zavascki. Ainda não consegui me sentar para escrever. Mas vou fazer isso.

E ontem?

Ontem eu fiz uma melodia bonita para caramba. Está lá. Anteontem coloquei letra numa música linda também. Tudo me inspira a escrever. O amor dissecado em seus avessos e direitos e lados mil.

Ainda continua em contato com o Roberto Carlos?

Em 2016 quase gravamos uma, mas ele não lançou o disco. Fez muito bem em não lançar. Esse mercado... Olha, eu não tenho nada contra a era digital. Para a música não muda nada. O suporte que vai usar, se é cera, vinil, CD ou nuvem, não faz diferença. É só um suporte. A música é a mesma. Para o artista não muda. Muda para quem vive do artista, quem vive ao redor dele. Eu não posso me queixar. Tenho sido bem remunerado, porque produzo muito. E tampouco tenho grandes compromissos com grupos x ou z. Não sou de turma nenhuma. Trabalho para o brega, o sertanejo, o cult, a MPB, a bossa nova. Trabalho para todo mundo. Não acredito em divisões. Música é uma coisa muito inteira. Me dou bem com todo mundo e estou sempre trabalhando. Neste momento eu acabei de gravar com o Edson Wander, brega. Ficou linda. Talvez o purista olhe para mim e diga: “mas como você, que grava com Emilio Santiago, grava com o brega?” Eu digo que Emilio e o brega são igualmente artistas, dentro do seu estilo, cada um faz sucesso com seu público. É tudo bonito. É tudo lindo. Ainda sobre essa transição na indústria: quando mudou do vinil para o CD houve um recuo financeiro primeiro para, depois, vir uma avalanche de dinheiro. Se você quer ganhar, tem que estar ligado no novo. Nas mídias sociais, nos meios digitais, antenado, ligado. Tem que ter alguém que vá futucar o mercado e as oportunidades de inserir a sua música.

"Não sou de turma nenhuma. Trabalho para o brega, o sertanejo, o cult, a MPB, a bossa nova."

Não o preocupa a má remuneração da era digital? Não poucos críticos chamam estes tempos de era dos centavos.

O compositor sempre ganhou em cima de centavos. A pirataria, nos discos anteriores, já tinha corroído completamente o poder de remuneração de um compositor. Eu dou sorte porque gravo com Bruno & Marrone, Chitãozinho & Xororó. Esse pessoal me prestigia. Se eu chegasse agora, não sei o que seria. Reconheço que hoje é muito mais difícil para um artista fazer sucesso. Está tudo muito pulverizado. Antigamente, no tempo das gravadoras, a gravadora pegava uma quantidade de dinheiro e colocava em determinado canal de televisão e em determinado grupo de emissoras de rádio, e a gente sabia que tinha um sucesso certo. Foi quando o diretor artístico, que pensava em artes, foi substituído pelo diretor dos números. Vender música e vender banana ou eletrodoméstico passou a ser a mesma coisa. Parece ruim o quadro, mas é uma grande oportunidade para o compositor que pensa além do sucesso momentâneo, aquele que leva seis meses para trocar uma frase numa música, que se esforça e leva a sério e se deslumbra e chora e faz de novo e de novo e de novo. Até que um dia acorda e está lindo. Faz sucesso, claro, e dura. Esse processo é lindo, maravilhoso, extático.

Você certamente viveu essa emoção centenas de vezes. Tem ideia de quantas músicas produziu ou teve gravadas?

Nenhuma ideia. Mais de mil, sei lá. São muitos anos de vida, muitos parceiros, muita paixão.

Entre os parceiros, destacaria algum em especial?

Muitos. Todos. Chico Roque, Mauricio Duboc, Michael Sullivan, Roberto Carlos, Elias Muniz. Nenéu … São tantos, tantos, tantos, todos tão maravilhosos… Eu costumo dizer que faço sucesso por causa dos parceiros. Eles me arrastam. Também tenho um parceiro com o qual escrevo música social, o atual prefeito do Rio, Marcelo Crivella. Escrevemos juntos desde quando ele não era político. Temos mais de cem canções juntos e continuamos a compor. É um cara ardorosamente preocupado por injustiças sociais. É um cara de uma inteligência maravilhosa, deslumbrante, e em quem tenho muita fé.

E o palco? Nunca o atraiu como o trabalho de composição?

Não é minha paixão cantar. Eu gosto de cantar para os meus amigos. Nunca tive pretenção de ser artista. Acho lindo eles serem. É lindo. A gente só é feliz fazendo o que gosta. É lindo um cantor como Ricky Valen chegar e cantar tudo aquilo. O Bruno, do Bruno & Marrone, canta tudo aquilo. Abre a boca, e você pensa “uau”. Essa turma do sertanejo canta muito. Luan Santana... Mas, quando eu canto, vejo um monte de defeitos. Então não me dá o menor prazer. Eu faço show. Os caras adoram. Já cantei pra 10 mil pessoas. O último show grande que eu fiz foi no Vivo Rio (casa de shows localizada no Centro do Rio de Janeiro). Consegui lotar o Vivo Rio. Fiquei maluco. É uma trabalheira, cansa, você não faz ideia. E tem muita repetição. Gosto de fazer coisa nova. E cantar as novas não adianta nada. O público quer as velhas (risos). Mas, de vez em quando, eu faço. Depois dos três uísques eu não quero mais descer do palco. Mas não quero ficar bêbado a vida inteira. (risos)

Com a experiência de tantas décadas, deve ter muitas histórias para contar sobre o mundo musical. Não pensa em escrever um livro?

Sobre música, não. Talvez sobre Direito (risos). Continuo a ter paixão por lei, por Direito. Mas a verdade é que não dá tempo. Tenho 72 anos. Eu tenho que dar conta dos meus clientes musicais, que esperam as encomendas que me fazem. Tenho que dar conta dos clientes que acumulei. Dá um trabalho enorme. Mas tenho saudade do Direito. Ficou aquela saudade, uma sensação de que perdi algo. Sou assim, sempre serei. Um sonhador, alguém que acha que tem algo mais para viver.

Você acaba de vir para a UBC. Que expectativa tem?

Vejo grande conhecimento na UBC, vejo que aqui existe o que há de mais moderno em direitos autorais, em gestão coletiva. Não fico arraigado a velhas músicas nem a velhas fórmulas. Eu estava satisfeito com a arrecadação de direitos autorais, mas decidi vir para cá. Confio no Marcelo (Castello Branco, diretor-executivo da UBC) e na minha representante, que é a Cléo (Barreto), de Goiânia, e tenho altas expectativas com o trabalho da associação.

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