14 minute read

Novidades Nacionais

'MAIS DO QUE SER EXEMPLO, QUERO SER REFERÊNCIA'

ÍCONE DA CHAMADA MPBTRANS, SUBGÊNERO COM LETRAS E ATITUDE QUE DISCUTEM IDENTIDADE DE GÊNERO, LINIKER É UMA BEM-VINDA NOVIDADE NA CENA MUSICAL BRASILEIRA

Advertisement

Artista da prolífica nova geração da MPB. Talvez seja esse o único rótulo que se possa aplicar a Liniker, 21 anos, natural de Araraquara (SP), um fenômeno surgido na internet em meados de 2015, com três vídeos fantásticos, e que se converteu numa granada estética e social de alto poder explosivo. Propõe, a um só tempo, sonoridades e imagens profundamente atrativas e discute sexualidade num país marcado por tanto conservadorismo. Liniker nasceu menino, mas prefere o pronome ela. Sua voz potente pede respeito para alguém que se define como “preta, bicha, que usa brinco, batom e turbante com roupas que são femininas em um corpo masculino”. Virou símbolo da MPBTrans, um movimento que põe a identidade de gênero na parte superior da lista de temas de que trata a nossa música.

Liniker, aliada a sua banda Os Caramelows (Rafael Barone no baixo; William Zaharanszki na guitarra; Pericles Zuanon na bateria; Márcio Bortoloti no trompete; Renata Éssis no backing vocal) ganha ainda mais significado por despontar e fazer sucesso num momento de recrudescimento do reacionarismo nas mesmas redes sociais onde viceja. Ganha fãs em profusão. “Mais do que ser exemplo, quero ser referência. Levar tudo isso para o palco faz com que muitas pessoas se sintam representadas ali. Isso é o mais importante. A gente, todo mundo, pode tudo”, define.

Seu disco de estreia, “Remonta”, foi lançado em 2016 e lhe garantiu o troféu de revelação no Prêmio Multishow de Música Brasileira. Por onde passa, lota casas de shows. Não é força de expressão. Se os ataques verbais pela rede são uma realidade, a sede de mudança de uma certa juventude lhe dá legitimidade. Liniker crê inserir-se na mais lógica tradição da MPB, que acolhe artistas – compositores e intérpretes – que cantam as liberdades individuais e a justiça social, sobretudo quando estas estão ameaçadas.

A seguir, confira um rápido pingue-pongue com ela:

Um artista brasileiro: Elza Soares.

Uma frustração: ainda não ter me engajado num instrumento. Quero muito tocar.

Uma música que representa você: “Oldboy”, da Tulipa Ruiz (dos versos “Não tem fim nem começo/ O agora é agora, voa/ Já passou, olha, passou/ E fica também na tua memória/ Sempre você/ O tempo e você/ Viver, viver/ Envelhecer”.

Um desejo para 2017: alcançar cada vez mais esses espaços, e que cada vez mais estejamos unidos. Não somente eu com a banda. As pessoas, todo mundo.

VEJA MAIS!

Assista ao clipe de “Prendedor de Varal”! goo.gl/PRhd8R

O MUNDO (TODO) DE ARTHUR FARIA

Perto de completar 50 anos, o músico, compositor (inclusive de trilhas para teatro) e arranjador Arthur de Faria mantém vivo seu ímpeto primordial: acumular referências, experiências, e convertê-las em matéria-prima para seus instigantes trabalhos. Ele passou a infância e juventude em Gravataí (RS). Mas nasceu em Porto Alegre. E viajou meio mundo. Era natural que tirasse de suas andanças as inspirações para suas canções multirreferenciadas, cosmopolitas. Ao lado do portenho Omar Giammarco, lançou “Música Menor”, um trabalho feito só com músicas escritas pela dupla. Com produção da gaúcha Loop Discos, o projeto foi lançado primeiro em clipes feitos ao vivo, durante as gravações. Já o álbum foi lançado em setembro passado e está disponível em plataformas digitais. Além dos dois, que se revezam em vozes, violões, guitarras, piano, acordeom, baixo, piano de brinquedo, glockenspiel e bandolim, o disco conta com as participações da cantora e percussionista pernambucana Alessandra Leão e dos gaúchos Fernando Pezão (bateria), André Paz (baixo e theremin), Ernesto Fagundes (bombo leguero) e Adolfo Almeida Jr (fagote).

BIQUINI CAVADÃO E LIMINHA, PARCERIA QUE DÁ CERTO

O Biquini Cavadão, quarteto formado por Bruno Gouveia (voz), Carlos Coelho (guitarra, violão, dobro e bandolim), Miguel Flores da Cunha (piano, synth e órgão) e Álvaro ‘Birita’ (bateria e pandeiro), celebra em 2017 32 anos de estrada. São, portanto, mais de três décadas viajando com sucesso pelo país e lotando shows nas cinco regiões. Numa pegada meio metalinguística, seu mais novo álbum se chama “As Voltas que o Mundo Dá”, e o mundo aqui pode ser entendido como a própria banda, que mantém sua estética reconhecível (rock, citações psicodélicas, experimentações feitas por potentes e competentes músicas) ao mesmo tempo em que se mostra renovada. Com 12 composições inéditas e letras que retratam suas vivências, conquistas e derrotas no âmbito pessoal e profissional, o álbum do quarteto busca compreender a vulnerabilidade da vida, das alegrias, de um novo amor, de uma separação, de uma tragédia. Quem ajuda a costurar esse trabalho é o lendário Liminha, que, além de assinar a produção, toca contrabaixo em todas as músicas e colabora com gravações adicionais de violão, bandolim, guitarra e loops. A nova turnê já está programada para ter início já neste primeiro semestre, prometendo ainda mais voltas – e, certamente, sucesso.

OS MINEIROS BONS DE HISTÓRIA DO GRUPO MAMBEMBE

A Era obra a década do rapper de 1970, e produtor e a cena Marcão belo-horizontina Baixada é como efervescia. a vida na A cidade Baixada que Fluminense, deu ao mundo onde o nasceu Clube e da vive Esquina - e, de de um Milton modo ampliado, Nascimento, como Beto a realidade Guedes, Wagner de todo Tiso, o país: Ronaldo cheia de Bastos, amores, Lô dores, Borges racismo, e Márcio aceitação, Borges, projetou luta, vitórias. o grande Sua obra, Fernando portanto, Brant não e poderia propiciou ser o surgimento diferente. A de nova projetos mixtape como que Skank entregou Uakti, no fim Pato do ano Fu ou passado, Jota Quest “Bastidores viu florescer de Uma também Vida Aleatória”, o grupo traz Mambembe, 12 faixas dele um dos e de responsáveis artistas como pelo o goianiense pioneirismo Neguim de políticas e os culturais cariocas DJ de LN ocupação e F2L, do além espaço de participação público em do espetáculos músico Hollywood multiartísticos Mantra. Nas que misturavam letras, críticas música à discriminação e artes cênicas. racial Foram (em “Automóvel tantos os Clube”), momentos celebração grandiosos ao hedonismo protagonizados (em “Perde pela a Linha”) turma, e elogio com ao Cadinho amor (em Faria, “Tudo Murilo Que Albernaz, Elas Não Toninho São”). Tudo Camargos, junto e Miguel muito bem Queiroz misturado. e Titane Aos à frente, 22 anos, entre Marcão tantos Baixada outros, que ganha não espaço tinha como rapper ser de e outra arrebata forma: prêmios foi tudo país parar afora. em Em livro. 2014, O grupo, seu clipe na ativa entre 1972 e 1985, acaba de lançar “Grupo Mambembe – Pequena História Que Virou Canção”, projeto viabilizado por meio de financiamento coletivo e que inclui um CD que reproduz boa parte do repertório do LP de 1981, “Mambembe”.

OUÇA MAIS!

Toninho Camargos comenta a produção do livro. goo.gl/to3UgA

O NOVO DO NOCA

Um dos sambistas mais celebrados do país, Noca da Portela tem um repertório vertiginoso, que supera as 480 músicas gravadas. Hoje com 83 anos, lançou seis discos e viu sete vezes um samba-enredo seu sair vitorioso nas disputas do carnaval carioca. Tantos logros seriam suficientes para alimentar planos de aposentadoria. Mas não para ele. O mestre acaba de lançar mais um álbum, “Noca da Portela: Homenagens”, com 15 faixas, todas inéditas, e produção artística de Mauro Diniz, filho de Monarco. O disco traz uma das poucas canções inéditas de Nelson Cavaquinho, “Coração Vadio”. Nela, ele exalta a fama de mulherengo do amigo. O repertório privilegia a memória de Noca e suas experiências. A convivência com Tia Surica está presente na faixa “Cabidela”. Já “Basta, Papai”, o olhar afetuoso de um filho para a mãe diante dos abusos praticados pelo pai, é uma parceria com Dona Ivone Lara. “Tudo o que a vida me deu eu devo ao samba”, diz Noca, justificando o desejo de continuar a criar. Para a nossa sorte.

MARCÃO BAIXADA, TUDO JUNTO E BEM MISTURADO

A obra do rapper e produtor Marcão Baixada é como a vida na Baixada Fluminense, onde nasceu e vive - e, de um modo ampliado, como a realidade de todo o país: cheia de amores, dores, racismo, aceitação, luta, vitórias. Sua obra, portanto, não poderia ser diferente. A nova mixtape que entregou no fim do ano passado, “Bastidores de Uma Vida Aleatória”, traz 12 faixas dele e de artistas como o goianiense Neguim e os cariocas DJ LN e F2L, além de participação do músico Hollywood Mantra. Nas letras, críticas à discriminação racial (em “Automóvel Clube”), celebração ao hedonismo (em “Perde a Linha”) e elogio ao amor (em “Tudo Que Elas Não São”). Tudo junto e muito bem misturado. Aos 22 anos, Marcão Baixada ganha espaço como rapper e arrebata prêmios país afora. Em 2014, seu clipe “Baixada em Cena” ganhou reportagem elogiosa no diário carioca “O Globo”, e ele acabou incluído na lista das melhores novidades do ano.

VEJA MAIS! Assista ao clipe de “9 mm”! goo.gl/ur58Bj

TRIALGO, ALGO DE NOVO EM BH

O power trio mineiro Trialgo, formado em 2014 pelos músicos Thiago Santinho (vocalista e principal compositor), Daniel Werneck (baixo e voz) e Renan Dias (bateria e voz), colhe os frutos do sucesso do álbum “Algo Novo?”, lançado no fim do ano passado. No repertório, uma verdadeira mistura dos gêneros mais populares do Brasil: MPB, samba, brega, reggae, pop, blues, jazz e o bom e velho rock'n'roll, pacote que chamou a atenção da cena de BH e lhes garantiu presença fixa nas tardes do bar de rock Trip Food, no bairro da Savassi, onde vêm se apresentando às segundas-feiras.

MC CAROL E O PODER FEMININO NO FUNK

MC Carol ganhou novo status. Inteligente, articulada, a funkeira carioca que explodiu em 2015, com “Não Foi Cabral”, um questionamento ao modo como vemos a colonização do Brasil e as raízes da nossa sociedade, abraçou a causa do empoderamento da mulher. Seu mais novo hit, “100% Feminista”, parceria com a curitibana Karol Conka, versa sobre a violência doméstica que presenciou em casa e o discurso machista que a cercava quando criança e adolescente. Desse processo de amadurecimento, nasceu “Bandida”, seu álbum de estreia, um amálgama de sucessos soltos de EPs e singles anteriores, revisitados, ampliados, repaginados. Ali estão coisas mais “antigas”, como “Jorginho Me Empresta a 12”, e faixas recentes, como “Delação Premiada” e a própria “100% Feminista”. Descoberta pelo grande público durante sua participação no reality show do canal pago Fox “Lucky Ladies”, Carol tem pouco mais de cinco anos de carreira e, subvertendo estereótipos e padrões midiáticos, inscreveu seu nome entre as grandes do funk. “Mostrei que ser gorda e negra é atitude”, diz.

O QUE CAETANO VELOSO, NANDO REIS, SONY MUSIC, WARNER MUSIC E WARNER CHAPPELL TÊM EM COMUM?

Os cinco se associaram à UBC nos últimos meses. Em dezembro, a Sony Music, uma das maiores gravadoras do mundo e dona de um catálogo espetacular, repleto de nomes como Roberto Carlos, Adele, Djavan, Bruce Springsteen, escolheu a UBC como sua nova casa. No mesmo mês foi a vez de a Warner Music anunciar que confiará à UBC, a partir de 2017, a gestão de direitos autorais do seu vasto catálogo musical, responsável pelo lançamento de artistas como Madonna, Bruno Mars, Coldplay, Anitta e O Rappa.

Não só: a UBC passou a ser a responsável pela gestão de direitos autorais de execução pública no Brasil da Warner Chappel, uma das editoras mais tradicionais do mundo. Com mais de 200 anos de atividade, a companhia administra obras de artistas como Barry Gibb, Eric Clapton, Led Zeppelin, Beyoncé, Radiohead, além de muitos outros.

Entre os artistas, Caetano Veloso, um dos maiores nomes da nossa música em todos os tempos, nos enche de orgulho por sua presença. Com mais de 600 músicas gravadas e eternizadas, traz também para cá a sua editora, a Uns Produções. Outra chegada que enobrece nosso time é a de Nando Reis, em dezembro, enriquecendo com seu talento uma união de mais de 23 mil associados, importantes criadores da nossa música. Sejam todos muito bem-vindos!

SETE PERGUNTAS PARA: DANIEL FIGUEIREDO

ASSOCIADO DA UBC É O RESPONSÁVEL PELAS TRILHAS SONORAS DE SÉRIES E NOVELAS DA RECORD, PRODUZ DISCOS E OBSERVA COM OLHAR PRIVILEGIADO AS MUDANÇAS NO MERCADO DESDE QUE COMEÇOU, HÁ 25 ANOS

De São Paulo

Há 25 anos, Daniel Figueiredo começou sua carreira tocando em bailes no interior de Minas Gerais. Hoje, é o responsável pelas trilhas sonoras de incontáveis produtos de sucesso da Rede Record, além da produção de discos, da criação de diferentes empresas da área musical e do gerenciamento de carreiras. No futuro, vê uma mistura ainda maior entre música e produtos audiovisuais – e planeja fazer parte dela. Dono de um olhar agudo e privilegiado sobre o universo musical, ele comenta à Revista UBC seus mais recentes trabalhos e demonstra um olhar otimista sobre a era digital: “é mais fácil para o artista produzir e divulgar sua arte”.

Como está o processo de produção da trilha sonora da próxima novela bíblica da Record, “O Rico e o Lázaro”? Quais os desafios inerentes à produção de uma trilha para um trabalho de época tão específico?

Daniel Figueiredo: O processo está bem adiantado. O principal desafio é superar a qualidade das novelas anteriores e, ao mesmo tempo, ter um diferencial. Estou utilizando alguns elementos mais modernos e que eu não tinha utilizado nas novelas anteriores, que irão ajudar a dar esse “pulo” no tempo.

Há alguns meses você disse ao site da UBC estar focado no mundo das trilhas e também nas suas empresas, a Up-Rights, de gerenciamento de direitos autorais, entre elas. Agora vem a surpresa da produção do novo disco da Jane Duboc. Você vinha produzindo discos continuamente nos últimos tempos ou retomou esse labor agora?

Quando a Jane esteve no meu estúdio para gravar o tema da novela “A Terra Prometida”, sentou-se ao piano para me mostrar uma música, e percebi que somente ela tocando e cantando já seria um disco excelente. Se adicionássemos participações especiais, então, aí seria um disco também histórico. Mesmo tendo os duetos, o disco será “minimalista”, acústico, geralmente apenas com piano ou violão tocados pela Jane em cada faixa e as vozes divididas com grandes nomes nacionais e, provavelmente, alguns internacionais. A Jane é uma das artistas mais talentosas que já conheci, então a produção musical está sendo a mais fácil que já fiz. Apesar do imenso prazer e da honra que estou tendo com este disco, não pretendo voltar a fazer produção musical para o mercado fonográfico, por muitos motivos.

Como foi o processo de produção deste? É um disco de inéditas?

A maioria são regravações, mas o repertório ainda não está todo definido. Pode ser que tenha inéditas também. À medida que estão chegando os convidados, as músicas podem mudar. Ainda estamos no início da produção. Apesar de ser um disco simples e, consequentemente, barato de produzir, convenci a Jane a utilizar o sistema de financiamento coletivo, que tem permitido a grandes artistas (como Rick Wakeman, Marillion, Def Leppard, Michael Bolton, Jethro Tull, entre outros) não apenas lançar mais um disco, mas sim verdadeiras obras de arte. Como não existe excedente de produção, estoque etc., o público pode ter um produto 100% feito para ele e, além disso, ter contato com todo o processo de produção. É uma luz no fim do túnel que tenho visto para o mercado fonográfico.

E o disco “Guitar Heroes”, que também está produzindo? O que é exatamente?

É meu primeiro disco solo, onde reúno trilhas, no estilo mais rock, que fiz para novelas e séries, e convido um guitarrista que admiro para solar comigo em cada faixa. Já gravaram: Greg Howe, Jennifer Batten, Larry Coryell, Paul Gilbert, Big Gilson, Marcos Kleine, Mike Stern, Scott Henderson, Jamie Glaser e Roman Miroshnichenko.

Qual foi a principal mudança no mercado a que assistiu desde que começou?

Comecei tocando profissionalmente em bandas de baile há aproximadamente 25 anos. A principal mudança a que assisti é que agora é mais fácil para o artista produzir e divulgar sua arte. Quando comecei, a possibilidade de alguém da Dinamarca, por exemplo, escutar uma música minha, mesmo que eu fosse o artista mais ouvido no Brasil, era ínfima. Agora eu posto uma música no YouTube, no SoundCloud ou Facebook e, em segundos, já posso ver até os comentários das pessoas de vários países.

E qual crê ser a nova fronteira para o mercado musical? Em outras palavras: você, que parece estar sempre inovando, se vê exatamente onde daqui a uma década?

No mercado de música original/trilha sonora original, vejo um crescimento natural por conta do crescimento da produção audiovisual. Na produção fonográfica não consigo ver, e acho que ninguém consegue, um futuro muito promissor. Os discos se tornaram brindes promocionais, o streaming não paga nem o cafezinho, e os artistas estão cada vez mais produzindo e distribuindo de graça seu próprio material.

SAI DO CHÃO! E VAI PARA A TELA

DOCUMENTÁRIO REPASSA HISTÓRIA DA AXÉ MUSIC E AJUDA A CONTAR A TRAJETÓRIA DE UM DOS RITMOS QUE INAUGURARAM O POP NACIONAL

Por Luciano Matos, de Salvador

A axé music ajudou a inaugurar, nos anos 1980, o verdadeiro pop brasileiro – com origem e apelo popular – e abriu as portas de um mercado que se tornou predominante no país. Forró eletrônico, arrocha, sertanejo universitário: todos eles, de certa forma, beberam daquela fonte e utilizam a lógica de mercado e o formato de apresentação forjado nas ruas e estúdios de gravação de Salvador. Mal compreendida pela crítica, essa onda nunca foi mesmo muito bem explicada. Até agora. O documentário “Axé – Canto do Povo de um Lugar”, que estreou em janeiro em 40 salas no país, joga luz nesse cenário e repassa a limpo a história do fenômeno.

Ora chamada de movimento, ora de ritmo musical, ora de indústria, a axé music é um pouco de tudo isso, e é desta forma que o diretor Chico Kertész tenta decifrar o que aconteceu aqui na Bahia. Através de dezenas de entrevistas, sequências de shows, imagens de arquivo e um trabalho cuidadoso, ele explica, em pouco mais de 100 minutos, a origem e a dimensão dessa música autenticamente baiana. E de paternidade devidamente contestada, é claro.

Ao falar do tema, o documentário traz o surgimento dos trios elétricos, a explosão primeira com Luiz Caldas e Sarajane, o batismo do nome, as disputas pela primazia da cena... Depois vêm o sucesso nacional retumbante de Daniela Mercury, É o Tchan, Terrasamba, Timbalada e Carlinhos Brown, e o internacional, de Olodum com pitacos de Paul Simon e Michael Jackson. E termina no momento atual, com os novos nomes, como Ivete Sangalo e Claudia Leitte. Não há envolvido de peso que não tenha sido ouvido: empresários, produtores, jornalistas, músicos e até os padrinhos Caetano Veloso e Gilberto Gil. Kertész consegue relatos exclusivos, e muitas vezes surpreendentes, de nomes como Mercury, Caldas, Bell Marques, Brown, Ricardo Chaves, Marcio Vítor, Ivete, Saulo.

O material recolhido foi tamanho que Kertész já fala em alongar o projeto, aproveitar depoimentos e imagens cortados na edição e transformar tudo numa minissérie de cinco capítulos para a TV.

Além dos depoimentos, as imagens de arquivo são um dos trunfos do documentário, que comprovam a origem popular e espontânea da axé music e a força regional que possuía antes de se tornar fenômeno nas mãos da indústria. “Tivemos que recuperar fitas U-Matic mofadas e digitalizá-las”, conta o diretor. Com isso, ganharam nova vida momentos marcantes como a presença de artistas então incipientes em programas de TV baianos e outros definidores em shows nacionais como o do Chacrinha, na Globo. A consagração numa apresentação ao vivo de Mercury no vão livre do Masp, em São Paulo, é mostrada com a devida emoção.

Mesmo sem tocar profundamente em pontos polêmicos, como os métodos de atuação da indústria fonográfica ou o uso dos artistas pelo poder político – nem abordar a “canibalização” que o domínio do axé provocou sobre outros ritmos baianos –, o documentário traça um panorama bastante amplo. “A proposta não era se ater a pontos polêmicos. Abordamos o que achamos importante e relevante para a história”, diz Kertész. Assim, mostram-se brigas e desafetos entre os personagens da cena, numa construção temporal que leva ao momento atual – e que o diretor não chama de crise, mas de renovação.

Para Kertész, a axé music carecia de filmes, livros ou mesmo estudos mais profundos sobre seu impacto na nossa música. “Não havia um documento que trouxesse a dimensão e a importância dessa parte da cultura brasileira. Eu queria que alguém já tivesse me contado essa história. Como não havia, eu a contei”, afirma. Em Salvador, a história tem ainda mais importância, e o público reconhece isso. As salas têm sido lotadas, com muitos aplausos ao fim das sessões. Se a axé music já não é mais tão soberana nos palcos, sua história certamente continua a emocionar na tela.

Daniela Mercury e Marcio Vitor, alguns dos muitos depoimentos do filme.

This article is from: