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Crônicas de um morador de rua
Nas matérias que seguem, dois exemplos de que há esperança mesmo na adversidade
Alexandre Medina Falkenbach, de 56 anos, é apaixonado por escrever, sendo um homem de muitas opiniões e é um dos moradores de rua acolhido com ações realizadas pela Fundação Fé e Alegria, através do Serviço de Abordagem Social, que atende pessoas em situação de vulnerabilidade social e oferece apoio a indivíduos em situação de rua, com o intuito de contribuir para uma sociedade mais justa e igualitária.
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Seu Medina, como é carinhosamente chamado, conta que está na rua há quase 20 anos e, que só há pouco tempo, recebeu apoio. “Depois que o pessoal do Fé e Alegria entrou na minha vida, eu melhorei muito. Não tenho nada a reclamar, apenas elogiar. Antes, eu não tinha apoio de nada e de ninguém, eles me acolheram, me ajudaram, me deram uma renda mensal, a também ajudaram a tirar os documentos, como título de eleitor, certificado de reservista, cartão cidadão, registro geral, atendi- mento à saúde, pessoal que me atende aqui”, comenta.
Medina nasceu em Rio Pardo, no interior do estado, mas foi registrado em Porto Alegre, cidade onde se criou, principalmente pelas ilhas da capital. Enquanto conta a história de vida dele, mostra seu livro e diário que tenta escrever todos os dias. Sempre começa com: Porto Alegre, data completa e uma frase religiosa: “Pai, guia meus passos, me mostre o caminho certo a seguir, não me deixe cair em tentação e livrai-me do mal. Obrigado, pai, por mais um dia! E seja feita a vossa vontade!”.
O seu livro é chamado
“Crônicas de um morador de rua” em que escreve suas opiniões sobre diversos assuntos, inclusive o que pensa sobre o uso de drogas. Diferente do diário, ele escreve quando quer, para não ser uma obrigação.
Seu Alexandre Medina passa boa parte de seu tempo livre lendo e escrevendo
“Eu escrevo histórias sobre mim também, apesar dessa minha situação toda, o meu nome é muito bonito.”, brinca.
Porém, antes disso, houve uma longa caminhada em que Medina percorreu durante a sua vida. Ele teve 19 anos de trabalho, tendo como primeira função a de porteiro do extinto Hospital Nossa Senhora do Livramento, em Guaíba, depois tirou a carteira de motorista e passou a dirigir a ambulância, carro forte, e táxi, entre 1986 e 1987. Após isso, trabalhou na SCV como vigilante no Banco Itaú, da Siqueira Campos, à noite. Ficou por três meses para assinar contrato e realizou um curso de extensão, transporte e valores. Trabalhou ainda dois meses como guarda de valores, fez um teste de motorista e permaneceu por quatro anos.
Quando ficou desempregado, tinha que sustentar a família na dificuldade, por isso foi para a rodoviária e trabalhou como taxista por seis anos, e lá, infelizmente passou a usar drogas, perdendo tudo que tinha a partir de 2002. Foi preso por três vezes. Na primeira, chegou pela manhã, saiu no mesmo dia pela tarde. Na segunda, foi preso em um sábado e saiu na segunda-feira. Na terceira, ficou preso por oito meses. Quando foi solto, o policial avisou a ele que, a partir daquele momento, as próximas vezes que fosse preso seriam por anos. “Naquele dia, eu disse a mim mesmo, nunca mais vou fazer coisa errada na vida. Depois disso, só trabalhei certinho com reciclagem e limpeza”, revela.
Há seis anos, Medina mora em uma esquina da rua de Porto Alegre, muito próxima à estação de trem. Por lá, convive com seu cachorro muito amado, que tem nome de Zorro. Por acompanhá-lo por todos os lugares no dia a dia, inclusive no seu trabalho com a reciclagem, o apelidou também de “cupincha” por causa da parceria diária. Porém, este lugar teve que ser reconstruído por ele, visto que ocorreu um incêndio no final de abril de 2022. Até hoje não sabe como isso aconteceu, apenas encontrou cinzas. Para a tristeza dele, o fato fez com que perdesse várias escritas suas.
Uma dessas ideias ele deixou claro durante a conversa sobre o uso de drogas: “Se a polícia deixasse de gastar todo esse dinheiro no combate às drogas e resolvesse liberar, cobrasse imposto e revertesse em tratamento de quem realmente precisa, eles iam ganhar e botar na cadeia quem realmente merece estar lá dentro. Eu penso assim, pode ser que eu esteja errado. Pensa bem, eles iam tirar 22 daquela cela, iam ficar seis e iam ter duas vagas disponíveis ainda. E esse dinheiro todo que eles gastam no combate e repressão às drogas, eles poderiam reverter em outra coisa e ainda lucrar com isso”, opina. Essa fala dele se refere a quando esteve preso em 2006 e foi colocado em uma cela com espaço para oito pessoas, mas eles estavam em 28 homens, ultrapassando o limite da capacidade. E, dos 28 presos, 22 estavam por causa do uso de drogas.
Apaixonado por escrever e ler, Medina diz que tem uma mania de se informar e anotar logo em um papel qualquer frase que vê em panfleto, revista ou jornal. As pessoas contam sobre qualquer assunto e ele já tenta montar uma história. Uma dessas histórias que ele quer contar é sobre o avô dele, que era imigrante da Alemanha, mas ele não se recorda de muita informação. “Depois que eu morrer, daqui uns 100 ou 200 anos, não quero que as pessoas passem no cemitério, leiam e lembrem apenas de um nome bonito, preciso deixar algum legado, para que os outros utilizem de alguma forma”, salienta.
Mesmo com tantos problemas, o sonho dele se mantém vivo, assim como a vontade de arrumar os próprios dentes, já que a Fundação Fé e Alegria prometeu isso e deverá cumprir em seguida. Só não ocorreu ainda porque ele mesmo não conseguiu encaixar um horário na sua longa e dura rotina de trabalho na reciclagem.
H Um Amor Pela Natureza
Em um dos viadutos de Porto Alegre há praticamente uma floresta que foi plantada por Elias Machado, de 60 anos. Desde 1995, ele passou a morar na região e começou a plantar as árvores e plantas que dão vida ao local. Mas antes de reflorestar embaixo do viaduto, com amoreira, abacate e árvore de algodão, seu Elias enfrentou muitas dificuldades por causa da dependência da bebida e de drogas. Natural de Tenente Portela, município do interior do Rio Grande do Sul, trabalhou por muito tempo como colono, antes de vir a Novo Hamburgo para realizar o curso para operador de máquina nas fábricas de calçados da cidade, fazendo solado. Porém, ele conta que teve problemas com uma namorada e passou a beber demais, gastava todo o seu salário com bebida e faltou serviço várias vezes por esse motivo. Pediu demissão, trabalhou em algumas obras de construção por Guaporé e, lá, era “trabalhando e bebendo”, o que o tornou totalmente dependente do álcool.
Com isso, por muito tempo, Elias buscava acomodação em albergues da capital, mas era rejeitado pela forma que estava vestido e também por estar alcoolizado. Desta forma, encontrou o viaduto para chamar de sua casa e conseguiu, dentro das limitações, realizar um sonho de viver em meio à natureza.
Vivendo com vários cachorros e gatos, seu Elias revela a paixão por animais: “Meu pai era professor, e queria que eu estudasse quando criança, mas eu saía escondido e até apanhava, mas ia para a chácara da minha tia, que tinha bois, cabritos, cavalos e outros animais. Sempre gostei!”
Atualmente, trabalha com reciclagem e conta com orgulho que em um ano conseguiu 13.800 kg de material reciclável. Ele também agradece o apoio que a Fundação Fé e Alegria fornece à vida dele: “Esse trabalho de assistência social é muito importante, já que muitas pessoas estão perdidas, fora do convívio social e nem raciocinam mais sobre a própria vida. Essa abordagem do Fé e Alegria dá um estímulo para continuar batalhando.”
Graças à Fundação Fé e Alegria, passou a receber o Programa Bolsa Família, que há muito tempo já era um direito dele e não tinha a oportunidade de receber. Com essa renda mensal, Elias traz à tona que consegue viver melhor e que resolveu parar de beber por contra própria porque não tinha mais saída na própria vida, apenas a morte. “É importante fazer o que gosta. Nem que seja a mínima atitude, se estiver reciclando um lixo, a pessoa está evoluindo, fazendo algo certo. O que leva muito o homem à droga é a falta de ocupação, por estar com a mente vazia”, opina.
Por fim, Bárbara Amaral, Técnica Social do Serviço de Abordagem Social da região Humaitá/Navegantes fala sobre o serviço essencial da Fundação Fé e Alegria. “Há uma equipe que acompanha, atende e auxilia nos processos de vida deles. São pessoas que tem dificuldades de acessar vários dispositivos de políticas públicas. A gente faz esse processo de acompanhamento, de uma escuta sensível da história de vida e do desejo deles em busca de um movimento de enxergar essas pessoas e determinar até onde podemos garantir seus direitos.” n