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Direito à moradia (não) é garantido por lei
Comunidade liderada por irmãs é sinônimo de união entre os moradores
Ter uma moradia é um direito assegurado pela Constituição Federal de 1988 e, depois de 35 anos de sua aprovação, ainda hoje muitas famílias vivem na rua, sem ter um lugar digno para morar.
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Na Ocupação Mauá, em São Leopoldo, mais de 60 famílias convivem com a incerteza de ter um lar. O direito à moradia está incluso nos direitos sociais dos cidadãos brasileiros a partir da Emenda Constitucional nº 26/2000, mas os moradores da ocupação não têm garantido o cumprimento desta lei. Por diversas vezes, quem reside na Mauá teve sua permanência ameaçada por ordens de despejo, mas os moradores não se intimidaram e se mantêm firmes.
A Ocupação não é composta apenas por pessoas sem moradia das redondezas de São Leopoldo. A comunidade é formada por pessoas que não tinham mais condições de pagar aluguel, ex-moradores de rua e 17 famílias de venezuelanos, imigrantes que fugiram da situação de calamidade de seu país de origem e buscaram abrigo no Brasil. O que essas famílias têm em comum é que foram acolhidas por Vanusa Patrícia e Shauane Antunes de Sá, líderes da ocupação e integrantes do Movimento Nacional de Luta pela Moradia - MNLM.
O Movimento (MNLM) existe há 32 anos e defende o direito constitucional à moradia e à reforma urbana no Brasil e está presente na luta da Ocupação Mauá desde 2021, quando entraram em contato para prestar apoio à ocupação que existia há um ano. Vanusa Patrícia conta que no início foi muito difícil, porque “muitos que necessitavam não recebiam terrenos para construir suas casas enquanto outros que não possuíam tantas necessidades ganhavam a oportunidade”.
Essa situação acabou por provocar insatisfação entre as famílias da ocupação, que precisavam de um terreno para construir sua casa e não eram contemplados. Vanusa explica, que ela e sua irmã Shauane
Bianca Antunes de Sá, manifestaram suas opiniões publicamente, discordando da forma em que os terrenos estavam sendo distribuídos, não priorizando os mais necessitados, por isso, “fomos escolhidas pelos moradores para assumirmos a liderança da ocupação Mauá”.
A ausência de instalação de água potável e de luz precariza ainda mais a situação dos moradores, que vivem com soluções provisórias. A Mauá não tem acesso digno à água, o que faz do desabastecimento uma constante na comunidade. Contudo, a união dos moradores faz com que muitas situações sejam contornadas: a construção de fossas em todos os terrenos é um exemplo dessa organização, ao mesmo tempo que demonstra o abandono social das autoridades.
Apesar das dificuldades, a solidariedade está presente: através da doação de materiais de construção e na ajuda que os moradores prestam uns aos outros quando um lote de terra é repartido. Além do apoio externo, que veio para evitar que os alagamentos comprometessem os lares das mais de 60 famílias. A comunidade recebeu diversos caminhões de entulho de uma empreiteira local, que se sensibilizou com a situação precária das ruas e pátios.
A Ocupação é o lar de muitas pessoas que não tinham onde morar, e é o desejo realizado de ter uma casa. Segundo Vanusa, “desde o início sempre teve fila de espera, tentamos ajudar de todas as maneiras, dividimos os terrenos, onde tem um espacinho sobrando a gente faz um terreno e doa”, relata a líder, que juntamente de sua família se esforça para criar um espaço comunitário para os moradores.
Um Terreno Para Construir Sua Casa
Valdecir Adriano Ferreira, de 51 anos, é um dos primeiros moradores da Ocupação Mauá. Após um significativo processo depressivo, seu Preto, como é chamado por todos, perdeu o emprego de eletricista predial logo no início da pandemia de Covid-19. Neste momento delicado, ele também estava passando pelo fim
Valdecir, 51, sente orgulho do que conquistou e relembra as dificuldades que enfrentou até conhecer Shauane e Vanusa, facilitadoras de sua residência na Mauá de um casamento de muitos anos, foi quando deixou a casa onde morava. Como estava desempregado, “eu comecei a procurar, mas como é que eu ia procurar um lugar para morar sem emprego?”. Sua opção foi recorrer à Mauá.
Quando Valdecir chegou na ocupação existia outra liderança, obstáculo que resultou em dois meses de espera. Após esse tempo, ele foi contemplado com um terreno que media seis metros quadrados, tamanho padrão dos menores terrenos da Mauá. Em outubro de 2020 alguns moradores abandonaram seus terrenos por medo de despe- jo, porque havia sido emitida uma ordem de desocupação. Nessa época Seu Preto se mudou para um terreno mais espaçoso, onde reside atualmente e mantém um pequeno comércio de terra para adubo e pedras de jardim, “quando eu comecei a empacotar essas terras e vender aqui, porque eu não tinha renda nenhuma”, relata.
Seu Preto reside sozinho na casa de poucos cômodos, mas tem como companhia diversas aves da espécie mini garnizé, “esses aqui são os meu bebês”, fala com carinho de seus animais de estimação. É neste ambiente que ele se sente seguro, de onde sairia somente se pudesse ter algo próprio. Além disso, ele possui relação próxima com Vanusa e sua família. Por ser um homem calmo, Vanusa o descreve como: “a válvula de escape nas horas de tensão”, elogiando o vizinho e amigo.
Valdecir relata que não sairia da Mauá para residir em outra ocupação, para ele, a chance de despejo é menor do que em outros lugares. “Todos aqui têm uma história que se resume em não ter pra onde ir”, fala que reforça a ideia de que ocupações existem porque a lei de direito à moradia não se cumpre na prática. n