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Secretária de Habitação: Karina Camillo

Eram 10h, de um sábado que iniciou com geada, mas que já dava lugar a um dia ensolarado, quando Karina Camillo, recentemente nomeada como Secretária de Habitação de São Leopoldo, na Prefeitura do governo de Ary Vanazzi (PT), chegou à Comunidade Steigleder. Vestindo uma blusa de vermelho vivo, talvez para disfarçar uma noite mal dormida, em consequência de uma possível gripe, não demonstrou estar incomodada em ser interrompida de seus compromissos de ações políticas, uma reunião com lideranças, para ser entrevistada.

No lugar das histórias pessoais, os primeiros minutos foram tomados por relatos das lutas de Karina em prol das comunidades, do extenso trabalho que teve e terá em seu novo cargo e como pretende lidar com o déficit habitacional que atinge quase 10 mil pessoas que moram nas áreas de ocupação e vivem em situação de vulnerabilidade. Um reflexo de como é seu dia a dia: as causas sociais e as lutas por direitos coletivos estão acima de sua vida pessoal.

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Essa consciência de classe e a luta pelo direito à moradia vem da própria trajetória, Karina Camillo Rodrigues tem 43 anos, natural de Santo Augusto, interior do Rio Grande do Sul, filha de Rute Camilo Rodrigues, dona de casa e João Camilo Rodrigues, calceteiro. Saiu de sua cidade natal aos 19 anos, sozinha e em busca de uma vida melhor "Onde é hoje a Cooperativa Bonfim, a gente construiu uma casinha de 5,40m por 5,40m. E foi muito difícil, porque tu conviver com a realidade dentro de uma ocupação, ela é sempre muito dolorida, sabe? Porque a noite, no inverno, é muito fria. Como não existia rede elétrica, no meu caso, não dava conta de ligar uma geladeira, de tu poder ligar um ventilador que funcionasse adequadamente.”, explica como foi o início da sua vida em São Leopoldo.

Fam Lia

Intercalando entre sua vida pessoal e sua vida pública, Karina deixa, momentaneamente, escapar fatos de sua vida particular, que contribuíram para torná-la uma mulher forte e determinada. Sua irmã mais nova, Andreia Camilo Rodrigues, é com quem divide a paixão e as lutas sociais. Andreia é arquiteta de formação e é a antecessora de Karina no cargo de Secretária Municipal de Habitação.

Já a conversa sobre o irmão de coração, Alex, vem acompanhada de um choro engasgado na garganta.

O irmão perdeu a vida em um acidente de trânsito há 5 anos e deixou 2 filhos que, mais tarde, também perderam a mãe. Karina divide os finais de semana dos sobrinhos com sua mãe Rute e com sua irmã.“É um final de semana meu e da Andreia, o outro da outra avó e assim vai? É muita responsabilidade no dia a dia das mulheres. A vida não é fácil, ela não é simples! Para mim não é diferente.”

O pai, com quem aprendeu, desde pequena a necessidade de estar envolvida na sociedade e de se fazer presente em espaços considerados estritamente masculinos, foi assassinado há muito anos, mas foi quem despertou o ativismo em sua vida: “E meu pai era assim, ele era um revolucionário e hoje eu compreendo onde ele estava. Tinha sempre umas rodas de conversa. Hoje eu compreendo o que ele fazia, construção política, ele debatia sobre as coisas, só que na época não entendia.” conta com orgulho.

Karina conciliou uma vida de ativismos e compromissos com a criação dos seus dois filhos, João Eduardo Rodrigues das Chagas, de 10 anos e Daniel Nicolas Rodrigues dos Santos, de 22 anos “Meus filhos tiveram a mãe ausente no sentido dessa presença, porque eu sempre me dediquei muito aos outros,mas eu sempre fiz com que meus filhos compreendessem que eu estou fazendo uma luta e que ela é por mim, por eles, por nós e também pelos outros”

Dona Rute, como ela mesma chama carinhosamente, é a fortaleza em meios a tantos desafios. A mãe enfrenta um câncer de tireóide há mais de três anos, mas segue sendo sua fortaleza. “Ela é assim, o meu porto seguro. É a minha guerreira, é aquela que me dá apoio todos os dias”, conta Karina.

Vida Pol Tica

Seu primeiro trabalho na cidade foi em um restaurante, trabalhou na cozinha e por conta da precariedade sanitária de onde morava tinha dificuldades para manter o emprego: “Pra lavar aquele jaleco branco então era muito difícil. A gente tomava banho de mangueira preta, em um em um único lugar que tinha água encanada. Tomava banho de roupa mesmo, porque sempre tinham outros moradores como homens, né? E aí as mulheres todas tinham que tomar banho nessa condição.” explica.

A vivência na ocupação e a indignação diante das dificuldades despertou o desejo de mudar essa realidade e guiou sua vida pessoal e profissional. “Eu comecei a compreender mais sobre cooperativismo. Todas as oportunidades que tive eu aproveitei. Eu fiz um curso de cooperativismo, eu comecei a atuar pela comunidade, eu comecei a trabalhar nessa cooperativa e comecei a organizar as pessoas.”

A partir das lutas nas cooperativas e no movimento social, Karina conheceu o Movimento Nacional de Luta pela Moradia e através do movimento viajou pelo Brasil discutindo a realidade das ocupações, as dificuldades de infraestrutura, a precariedade alimentar e levando essas pau- tas como cobrança ao poder público. Formada em Assistência Social há 3 anos pela Unisinos, transformou sua luta em projeto de vida. “Eu me especializei nessa luta, nessa luta urbana. Compreendo hoje a luta do territorial contra o retrocesso das políticas públicas”, afirma a secretária. No cargo de Secretária de Habitação, suas lutas seguem ainda mais comprometida e seu papel de articuladora frente às ocupações se torna ainda mais importante: “Com essa trajetória, eu estou indo para levar esse tipo de pensamento, para conversar com os demais secretários, para conversar com todos os técnicos que trabalham no governo, para a gente ir costurando e buscar uma alternativa para quem mais precisa.”

Agora Karina soma mais uma identidade, também coletiva, e não menos comprometida com projetos de reforma urbana e garantia de moradia digna para os habitantes de São Leopoldo, pois passa a atuar dentro da estrutura do poder público ao mesmo tempo que continua na militância dos movimentos sociais. n

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