Enfoque Ocupação Justo 1

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ENFOQUE OCUPAÇÃO JUSTO

SÃO LEOPOLDO / RS MARÇO/ABRIL DE 2019

EDIÇÃO

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JULIANA PERUCHINI

UNIDOS E MOBILIZADOS, MORADORES LUTAM PELA REGULARIZAÇÃO

A HISTÓRIA

Uma visão sobre o lugar e as pessoas que vivem lá. Página 3

SOFIA PADILHA GULART

JULIANA PERUCHINI

HENRIQUE BERGMANN

HABITANTES DE VÁRIAS OCUPAÇÕES PARTICIPAM DE AUDIÊNCIAS E VISITAS ÀS AUTORIDADES EM DEFESA DE SEUS LARES. PÁGINAS 6 e 7

TENDA DO ENCONTRO

Ações voluntárias mobilizam crianças, jovens e adultos. Página 9

SAÚDE

População cobra melhorias no acesso a atendimentos. Página 11


2. Editorial

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Apoiando as lutas da Justo

ornalismo cidadão a serviço da sociedade. Essa é a proposta do jornal Enfoque, feito por alunos de Jornalismo e profissionais da Unisinos São Leopoldo. O periódico visita comunidades do município, para conhecer histórias e dar voz a um povo que luta diariamente por seus direitos. Comum a todos, o principal é um lugar para morar. Após se despedirem da Vila Santa Marta, os estudantes agora lançam seus olhares

sobre a Ocupação Justo, no bairro Cohab-Duque. A primeira visita foi em 16 de março, quando repórteres e fotógrafos conheceram o lugar habitado por cerca de três mil famílias, que ocuparam pequenos pedaços de terra em busca de moradia digna e condições de criarem suas famílias. Composto por ruas estreitas de chão batido, casas humildes e moradores que lutam por uma vida melhor; o cenário indica que há muito o que fazer por

lá. E este é um dos objetivos do Enfoque: levantar dificuldades enfrentadas pela população e dar visibilidade às suas manifestações. Ao longo de doze páginas, os estudantes sintetizam e apresentam a Justo. Abordam a história e o desenvolvimento da ocupação, retratam moradores, destacam as necessidades na área da saúde registram a luta de quem mora na comunidade. Somadas, contextualizam a mobilização das pessoas, desta e de outras

ocupações, apresentada em Audiência Pública, no Auditório Central da Unisinos, no último dia 15 de março. Além de registrar e chamar a atenção do Poder Público para as suas carências, o olhar dos estudantes também chegou à Tenda do Encontro, que é o coração da Justo. Foi lá que conheceram atividades de integração proporcionadas à crianças e jovens, iniciativas de apoio à educação, a participação das mulheres e sua luta diária.

Ao folhear o jornal, queremos que os moradores e voluntários que batalham para o desenvolvimento da ocupação, se sintam representados ao longo destas primeiras doze páginas, que percorrem desde o lugar mais bonito até o que mais carece de atenção. Queremos estar ao lado da Ocupação Justo nas suas lutas. Boa leitura! MURILO DANNENBERG THAÍS LAUCK BRUNA SOARES

QUEM FAZ O JORNAL O Enfoque Ocupação Justo é um jornal experimental dirigido à comunidade da Ocupação Justo, em São Leopoldo (RS). Com tiragem de mil exemplares e três edições por semestre, é distribuído gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do Curso de Jornalismo da Unisinos São Leopoldo. Pedro Luiz S. Osório (Professor responsável): posorio@unisinos.br

EDIÇÃO E REPORTAGEM — Disciplina: Jornalismo Cidadão.

FOTOGRAFIA — Disciplina: Fotojornalismo. Orientação: Flávio

ARTE — Realização: Agência Experimental de Comunicação (Agexcom).

Orientação: Pedro Luiz S. Osório. Edição de textos: Franciele Arnold

Dutra. Fotos: Amanda Krohn, Ana Carolina Oliveira, Andressa Morais,

Projeto gráfico, diagramação e arte-finalização: Marcelo Garcia.

Pereira, João Pedro Chagas Vieira e Murilo Dannenberg Martins.

Bábiton Leão, Bruna Soares, Gabriel Ferri, Henrique Bergmann, Henrique

Edição de fotos: Thaís Lauck. Reportagem: Franciele Arnold Pereira,

Kirch, Ismael Pereira, Johann Macedo, Juliana Peruchini, Matheus

Guilherme Silva dos Santos, Ivan de Borba Flôres Júnior, João Pedro

Hansen Klauck, Milena Silocchi, Sofia Padilha Gulart, Tynan Barcelos

Chagas Vieira, Khael Silva dos Santos, Lorenzo Panassolo, Murilo

e Vitória Pimentel.

IMPRESSÃO — Gráfica UMA / Grupo RBS. Tiragem: 1.000 exemplares.

Dannenberg Martins, Pedro Damasio Hameister e Thaís Lauck.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Avenida Unisinos, 950. Bairro Cristo Rei. São Leopoldo (RS). Cep: 93022 750. Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Marcelo Fernandes de Aquino. Vice-reitor: Pedro Gilberto Gomes. Pró-Reitor Acadêmico e de Relações Internacionais: Alsones Balestrin. Pró-reitor de Administração: Luiz Felipe Jostmeier Vallandro. Diretor da Unidade de Graduação: Gustavo Borba. Gerente dos Cursos de Graduação: Paula Campagnolo. Coordenadores do Curso de Jornalismo: Edelberto Behs e Micael Behs.


Cotidiano .3

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Ruas sem nome e CEP tornam mais difícil a vida na Justo

Desempregada e mãe de quatro filhos, Raquel (à esquerda) ainda tem esperança na regularização da Justo. Eliana define a comunidade como um lugar de amor e respeito

A cidade no alto do morro Sem reconhecimento oficial, moradores da Ocupação Justo relatam dificuldades no acesso à saúde e educação

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o alto do morro avista-se a cidade de São Leopoldo. Nele, está localizada uma área de 42 hectares ocupada por pessoas que ali enxergaram uma última alternativa de viver de baixo de um teto. Ocupada há cerca de 20 anos, a Justo pode ser considerada uma cidade dentro de São Leopoldo. No local vivem cerca de três mil famílias, mais de seis mil pessoas. Empoeiradas e de chão batido, as ruas não possuem identificação. Em poucos casos, ela é feita pelos próprios moradores. Uma tábua de madeira vira placa. Sem número. Sem CEP. Apenas um nome escrito com um tinta preta e letras tortas que identifiquem o local. Espalhados pelo chão, pedaços de madeira e calçados deixados no meio do caminho disputam espaços com cachorros, presença comum em todos os cantos da ocupação. Nas casas nada de luxo. São simples. Algumas construídas com tijolos. Outras com madeiras. Raríssimas possuem dois andares. Todas erguidas pelos

próprios moradores ao longo do tempo. As grades, feitas em sua grande maioria de estacas e arames, servem como varal onde roupas são estendidas. Os poucos carros, antigos ou mais novos, ficam cobertos por uma lona estacionados na garagem.

LIDERANÇA

Aos 35 anos, Fábio Simplício da Silva divide sua rotina de sapateiro com a tarefa de presidir a cooperativa Alto Paraíso. O trabalho é voluntário. Responsável por tocar a parte burocrática da ocupação, como o cadastramento dos moradores, ele acredita que o número de residentes possa subir consideravelmente. “Eu creio que quando a gente terminar os cadastros das famílias, vamos chegar em uma ideia de que a ocupação tem bem mais de seis mil pessoas”, afirma. Fábio define a Justo como “uma coisa fora do normal”. Mesmo reconhecendo as exceções, não sem antes dizer que existem em qualquer lugar, o sapateiro classifica os moradores da comunidade como pessoas de bem. “Aqui é um conjunto de pessoas que realmente precisam estar aqui”. A grande maioria, explica Fábio, não têm condições de garantir sua casa própria. Inicialmente contrário às

ocupações, mudou seu posicio- rança, Jussara busca dar uma namento depois de conhecer palavra de incentivo para quem a Justo. Vivendo há cinco anos a procura. “Eu sempre tento leno local, Fábio diz que, após vantar a autoestima das pessoas, várias negativas mas estou longe de para compra de ser líder”, diz. Naum terreno por “Não queremos tural do Espírito conta de sua conSanto, a capixaba dição financeira, morar de graça. escolheu morar optou por juntar- A gente quer na Justo por conta -se à ocupação. do sonho da graAprendeu a gos- pagar para ter duação. Formada tar do local. Com uma situação em Teologia, não a convivência, tinha condições ganhou a con- regularizada” de pagar a faculfiança dos moradade e o aluguel. Raquel Duarte Queiroz dores e acabou se Dona de casa Era voltar para tornando o presia terra natal ou dente da cooperamorar na ocupativa, exercendo a pleno sua li- ção para finalizar o curso. derança junto à comunidade. Determinada, Jussara não “Eu creio que o trabalho aqui é demonstra arrependimentos bem aceito”, comemora. de sua escolha. Sempre sorridente, ela conta que é grande SONHO entusiasta da Tenda do Encontro. Moradora da ocupação des- O local recebe projetos sociais e, de 2009, Eliana Jussara Felberg, segundo a moradora, dá dignide 43 anos, questiona o início dade para as crianças que vivem das negociações dos órgãos pú- na ocupação. “Aqui é um lugar blicos com os donos da terra. de amor. Um lugar de carinho, “Por que depois que famílias de respeito”, comenta Jussara. começaram a morar aqui em Para ela, a Tenda foi um dos cima, o governo anterior fez presentes mais bonitos já receuma negociação?” Para Jus- bidos pela comunidade. sara, a condução dessas negociações é injusta com todos os PROBLEMAS moradores da ocupação. Desempregada, Raquel DuRejeitando o papel de lide- arte Queiroz, 42 anos, tem his-

tória semelhante aos demais moradores. Sem condições de pagar aluguel, ela deixou Santa Catarina para morar no alto do morro. Com auxílio da mãe, que também é moradora da Justo, conseguiu achar um terreno para ocupar. Apesar dos problemas, acredita na regularização do local. “A gente não quer morar de graça. A gente quer pagar pra ter uma coisa regularizada”, desabafa. A falta de um comprovante de residência, por exemplo, impossibilitou a abertura de uma conta bancária para Raquel. Na Travessa São João fica localizada a casa da diarista Rose Vieira. A baiana mora com o marido e duas filhas na ocupação há três anos. Sofia, de cinco anos, segura um filhote de cachorro nos braços. Sentada debaixo da garagem improvisada, Rose reclama dos diversos problemas que a falta de um endereço oficial traz para rotina da família. Desde a falta de condução escolar até a dificuldade em agendar a cirurgia para o companheiro. Sem endereço fixo, o acesso a necessidades básicas como saúde e educação fica restrito para os moradores da Justo. KHAEL SANTOS HENRIQUE BERGMANN


4. Memória

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Resistência e orgulho A ocupação conta com mais de seis mil pessoas que resistem e lutam pela regularização da moradia

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cupação do terreno Justo, bairro Cohab-Duque, em São Leopoldo. Local onde mais de três mil famílias vivem sem infraestrutura, saneamento básico ou fiação elétrica adequados. O que iniciou há cerca de 10 anos, com poucos moradores, hoje se transforma em uma luta comunitária em defesa de condições dignas de habitação. Direito a condições dignas para viver é uma prerrogativa de todo brasileiro, expressa no artigo 6º da Constituição Federal. Ainda assim, há comunidades onde estas não estão sendo garantidas pelo poder público. Rafael dos Santos, 33 anos, é um dos moradores mais antigos da Justo, e o segundo a ter casa na ocupação. Ele vive no local há 10 anos e relata como foi o início do processo de habitação do terreno, e os motivos de sua escolha. “Este terreno era uma área abandonada. Na época que eu cheguei aqui, estava tudo tomado por lixo e usado como depósito de carcaças” conta. Tentativas de desocupação foram constantes nos primeiros anos, mas a comunidade continuou recebendo cada vez mais pessoas. “Tentaram nos tirar daqui pelo grito”, lembra Rafael, contraindo os traços retos do rosto. “Traziam policiais e máquinas para nos remover e destruir o que tínhamos construído”. O morador destaca que os atos de desocupação só cessaram após a Prefeitura verificar as irregularidades com os tributos do terreno. Depois desse período inicial de disputas, o poder público aceitou as famílias no terreno de 42 hectares. Rafael presenciou a evolução e o crescimento da comunidade, com a chegada de milhares de famílias ao longo desta década. Hoje desempregado, o metalúrgico de ofício vive com a esposa, Kathuci Rochele dos Santos, e com uma das filhas, de nove anos. A mais velha, com 17, já está casada e não reside com o casal. Ao olhar a rua, identifica o que considera as principais necessidades. “Saneamento básico, uma fiação elétrica adequada, pois essa aqui é um perigo, e também a regularização das nossas moradias”, conclui. A área em que família mora faz parte do terreno da família Justo, maior

parte da ocupação, e que está em maior risco judicial.

UNIÃO

Em busca destes e outros direitos, através de um esforço de mobilização e união dos moradores, foi criada a Cooperativa Habitacional Alto Paraíso, presidida por Fábio Simplício da Silva, 35 anos. Com uma equipe de dez pessoas, tem buscado encontrar as principais demandas da comunidade e defendido seus interesses em audiências públicas. Além da causa da moradia, a dignidade como cidadão e o enfrentamento de preconceitos são parte importante do discurso adotado na cooperativa. Silva fala sobre como o conhecimento da causa dos moradores modificou sua opinião sobre o assunto, e que este pensamento pode chegar a todos. Segundo ele, o estigma que se tem quando a palavra “ocupação” é mencionada é muito grande. “Eu chamava de inva-

são, que as pessoas não tinham do município não é produtidireito para tomar terras”, con- va para os moradores. ta. “Hoje minha visão é outra, a “Alguns só vêm aqui para gente vê que o pessoal não tem ganhar votos”, ataca. Ele concondições de ir sidera os cipara outro luclos eleitorais gar, trabalham “Noventa por cento de quatro anos todo dia, ocu- das pessoas daqui como uma caupam um espasa para a estagço que estava trabalha. Ninguém nação de políabandonado e quer as coisas de ticas públicas não tem seus na Ocupação direitos garan- graça, só querem Justo. “Dizem tidos”, ressalta. um lugar para que vão nos O líder ajudar, a gente comunitário chamar de seu” cobra, mas a lembra que situação se esValdemar Preussler seu discurso é Aposentado tende até que amparado na os mandatos Constituição já estão perto Federal e no Estatuto da Cidade, do fim, aí já não há a garanque determina a desapropria- tia de que os novos políticos ção das terras com mais de cin- vão dar continuidade”, explico anos de atraso no IPTU. Na ca. “Para ser sincero, a genJusto, foi confirmada inadim- te já não espera nada do poplência até superior ao período der público”, conclui. legal estabelecido. Silva trabalha como sapateiro no centro MEDO da cidade, e conta que a relação Além do gosto pelo local da comunidade com os políticos onde vivem, os moradores

têm o temor de perder suas casas como outro sentimento em comum nos últimos meses. Atualmente o processo de desapropriação das famílias para liberação do terreno está em curso na Justiça a pela família Justo, a ação busca retirar os ocupantes, para valorizar a propriedade e lucrar com a instalação de empreendimentos. Quem também aguarda por um desfecho é Valdemar Preussler, 52 anos, aposentado que trabalha no bar da esposa, Diva Preussler, da mesma idade. “Noventa por cento das pessoas daqui trabalha. Ninguém quer as coisas de graça, só querem um lugar para chamar de seu”, defende o morador. “O que a gente pensa é o que vai ser se a gente perder, né? Para onde a gente vai ir?”, finaliza. MURILO DANNENBERG ISMAEL PEREIRA

Residências se espalham pelo terreno de forma irregular, conforme a chegada das famílias

Valdemar expressa os temores que fazem parte do dia a dia da Vila

Um dos primeiros residentes, Rafael recorda as lutas contra a desocupação

Fabrício ouve as demandas dos habitantes para representá-los em audiências


Mobilização .5

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A luta pela moradia digna Audiência Pública marca fase de Missão do Povo das Ocupações Urbanas pela casa própria

Moradores lotaram o Auditório Central em busca dos seus direitos

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a noite do dia 15 de março, o Auditório Central da Unisinos, em São Leopoldo, pôde ouvir muitos gritos de luta, de euforia e de coragem. Moradores das diversas ocupações urbanas do município se deslocaram até a universidade para participar de uma Audiência Pública, promovida justamente para atender o clamor do povo que busca o direito de ter uma habitação digna. O evento faz parte da missão organizada em parceria com o Instituto Humanitas da Unisinos para auxiliar os moradores das Ocupações de São Leopoldo na busca pelo direito à habitação. Estima-se que cerca de dez mil famílias vivem de maneira irregular na cidade. Todas elas têm algo em comum: suas casas são precárias e frequentemente não dispõem dos recursos mais básicos, como água e luz. Diante da presença da administração municipal, moradores também se posicionaram contra a emissão de qualquer possível ordem de despejo, pois isso implicaria em ficarem sem teto. A missão começou no dia anterior à audiência, 14 de março, com uma série de visitas às vilas.

HISTÓRIAS

Lotado, o Auditório Central recebeu moradores das ocupações Justo, Vitória, Santa Marta, Anita e Steigleder. Estiveram presentes também alunos e professores da Uni- res de ocupações estão cosinos, somando no total cerca metendo atos ilegais. de 300 pessoas. Durante o Pais contaram que seus encontro, todos que tinham filhos adolescentes sentem algo para contar foram ou- constrangimento por moravidos. A exposição das di- rem na Ocupação. Famílias ficuldades vividas por cada com pessoas doentes relacomunidade foi semelhante taram que não conseguem entre os moradores. chamar um transporte para Houve relatos sobre o ir ao hospital, pois os motopreconceito sofrido pelos ristas têm medo de entrar na moradores por conta do lo- comunidade. Houve também cal onde moram, momentos de a dificuldade de cantoria, quando conseguir em- Os habitantes aa música serviu prego, o lixo que das ocupações para manifestar se acumula nas a luta e suas esruas, entre muitas são tão peranças da pooutras questões. cidadãos pulação. Preconceituosas, Todas as hismuitas pessoas quanto os tórias compartichamam as ocu- demais lhadas durante a pações de “invaaudiência carresões”, sugerindo moradores gavam a mesma que os morado- da cidade mensagem: seja

onde for que vivam, os habitantes das Ocupações Urbanas são tão cidadãos quanto os demais moradores da cidade. Têm todo o direito de ter uma moradia digna. E, acima de tudo, não merecem serem vistos como se fossem marginais perigosos. Solidários, os moradores reforçaram o compromisso de ajudarem uns aos outros e destacaram que não vão desistir de brigar por um futuro melhor para eles e suas famílias. As expectativas vão desde morar em uma casa com água corrente e esgoto até ver seus jovens um dia estudando na Unisinos.

PREFEITURA

Enquanto os moradores das ocupações ocupavam as cadeiras do auditório, a mesa

de autoridades foi composta por professores da Unisinos, líderes das comunidades e pelo Secretário Municipal de Habitação, Nelson Spolaor, que representou o prefeito de São Leopoldo, Ary José Vanazzi. Sabedor das carências que rondam essas comunidades, o secretário se comprometeu a dar apoio aos moradores das ocupações para garantir a permanência em seus lares. Afirmou que ninguém deverá ordená-los a sair de lá. Participaram também da audiência Cristiano Schumacher, representando o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), e Naílton Gama, pelo Engenheiros Sem Fronteira, que conduziram o evento. Representando o Centro de Direitos Econô-

micos Sociais (CDES), esteve presente o advogado Cristiano Muller, que falou sobre a importância de abrir os olhos do Poder Judiciário a respeito dos direitos dos moradores das ocupações. Segundo Schumacher, a missão pela moradia digna já atingiu parte dos objetivos, entre eles o de dar visibilidade para o povo em situação de violação de seus direitos. Estão agendados novos encontros e ações, que seguirão até o final de abril. No dia 22, será apresentado um relatório final da Missão, que será enviado para diversos órgãos nacionais envolvidos com os direitos humanos, bem como para o Poder Judiciário. PEDRO DAMASIO HAMEISTER MATHEUS HANSEN KLAUCK


6. Ensaio

ENFOQUE OCUPAÇÃO JUSTO | SÃO LEO

“Não estamos aqui par Vistos como invasores, moradores de Ocupações seguem na luta pela regularização de terra e reconhecimento como cidadãos

E

m São Leopoldo, parte da população está vivendo de forma indigna, sem garantia de direitos básicos, como saneamento, saúde e educação. A cidade possui o maior déficit habitacional na Região do Vale do Sinos, conforme dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2010. Diversos problemas sociais, como a falta de moradia e desocupações desencadearam migrações para espaços ociosos na cidade. Consequência disso, os moradores não tem endereço, pois a área em que vivem não é regularizada. Sem comprovante de residência, passam por constrangimentos e muitas vezes não conseguem nem mesmo um emprego fixo. A situação faz parte do dia a dia de pessoas que habitam áreas conhecidas como Justo, Steigleder, Cerâmica Anita e Vitória, entre outras da cidade. Na Ocupação Justo existem cerca de três mil famílias, que há vinte anos organizam-se junto à movimentos na luta por seus direitos. A comunidade se destaca pela Tenda do Encontro, um espaço de convivência onde a união é promovida em projetos de integração com mulheres, crianças e jovens. Dificuldades e discriminações se expandem pelas centenas de casas que se encontram irregulares. A falta de energia elétrica é só uma das situações enfrentadas. A maneira que encontram para ter acesso à luz é através dos chamados “gatos”, caindo, inevitavelmente, em mais uma irregularidade. Na Ocupação Steigleder, boa parte das 211 famílias não possue geladeira, muito menos saneamento adequado. Para ter acesso à água, é preciso percorrer um quilômetro e depois armazenar em galões, situação que acaba expondo a população a doenças. Morador da comunidade, Aldair José da Silva, 43 anos, diz que é a região mais pobre de São Leopoldo. “Aqui, 99% é reciclagem e cada um vive disso. A média de salários não chega a R$ 300 ao mês”, comentou. Há sete anos lutando pela regularização, atualmente 245 famílias vivem na Ocupação Vitória. Valorizada no Plano Diretor do município, pela pavimentação na rua principal, também já conta com CRAS- Centro de Referência de Assistência Social, postos de saúde e escolas mais próximas. Ressabiados, mesmo diante das conquistas, moradores temem a retirada de benefícios. “A nossa única esperança é não perder o Bolsa Família”, disse Mari Jaqueline de Paula Schoenardie. Sentimento comum de quem vive em ocupações, o medo do despejo é presença diária também na Cerâmica Anita, localizada no bairro Vicentina, que atualmente conta com 68 famílias. Lá a ordem de reintegração de posse já foi combatida inúmeras vezes. Quem está à frente da luta pela regularização da terra agora é a moradora Cleusa Lagemann. Em todas as ocupações, se ouve uma frase comum: “Não estamos aqui para brincar e casinha”. Prefeito da cidade, Ary Vanazzi viabilizou a permanência dos moradores após assinar a desafetação da área, em que o domínio público altera a destinação da terra em bem público apropriável para fins de moradia. Secretário de Habitação, Nelson Spolaor se comprometeu a assegurar a regularização fundiária das áreas ocupadas. Segundo ele, o foco permanece nas áreas que não são de preservação ou de risco. “A posição do nosso governo é destinar essa terra para fins de moradia”, afirmou. MILENA SILOCCHI


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ara brincar de casinha”

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8. Memória

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Histórias de quem foi acolhido pela Justo Relatos de quem tem no local a chance de uma moradia digna, embora a Vila não tenha infraestrutura

ônibus numa das vias de acesso à Justo. No ponto, Neusa e os moradores utilizam a linha Vila Tereza.

uas estreitas e de difícil acesso, terrenos indefinidos, casas de variados tamanhos. Na vida dos moradores, há muitas limitações, como não ter água, energia elétrica, recolhimento de lixo e saneamento básico. Apesar das dificuldades, a Ocupação Justo é a oportunidade de ter casa própria e uma vida digna.

Na esperança da decisão judicial ser favorável, moradores fazem investimentos na infraestrutura das casas. É o caso de Claudimir Antônio Fagundes, 45 anos, que pintou a sua, com o pai, Eduardo Fortes, 70, e o filho, Jonathan Fagundes, 19. “Não adianta a gente parar. Se eles desmanchar será com a casa pintadinha”, afirma ele. “Não quero perder, porque não temos onde morar. Essa casa é como uma mansão para mim. Todo cidadão tem direito à moradia. Está amparado pela lei”, argumenta. Natural de Chapecó, em Santa Catarina, o pintor reside na Justo desde julho de 2014 e imaginava que a região era área verde. Ele gosta de viver na Ocupação e aponta a segurança como principal fator: “Se existe o paraíso, aqui estamos a um passo”, elogia ele. Quanto às dificuldades, Fagundes indica água, luz, saneamento básico e acesso aos serviços do SUS. Jéssica Portela dos Passos Fagundes, esposa de Claudimir, conta que conseguir deixar currículos em empresas é difícil. Ela consegue fazer o acompanhamento pré-natal no posto de saúde.

R

DESAFIOS

PARAÍSO

Uma “casinha” de 3x4 cuja estrutura balançava sempre que ventava. Não havia água e luz, além do mato e do lixo tomar conta. Foi assim que Pedro Jackson Muller, Elisângela Hoffmann Ramão, Tales Kauan Ramão e Pedro Henrique Muller iniciaram, há 11 anos, suas histórias na Justo. Hoje, além da vizinhança ser maior e a residência ser de alvenaria, o casal é proprietário do armazém, da reciclagem e do “telexis” do Pedrão. Administrar um armazém numa ocupação tem desafios. Em dias com queda de luz pode estragar o sorvete, o picolé, a carne e o freezer. “Não tem como ir na RGE reclamar que queimou uma geladeira”, argumenta, Pedro. A localização permite que o aten- ILUMINAÇÃO dimento seja feito até a madrugada Natural do Ceará, Cícera da Silva em finais de semana. Para manter os Gonçalves, estava com a filha no colo negócios, as tarefas são divididas com preparando o almoço. As duas moram Tales - filho mais velho, que cuida na casa que ela construiu com o irmão. do armazém de noite. “Aqui era bem difícil no Durante o dia Pedro começo. Tinha só três trabalha na reciclagem, Para o casal casas e no terreno não e n q u a n t o E l i s â n g e - Elisângela e Pedro, tinha nada”, conta. As la está no armazém. obras pararam logo Quando anoitece, ele a a região tem que souberam da ação substitui, enquanto ela segurança tanto para judicial para desaprovai para o “telexis”. “O priação. Para ela, os que investimos é para os moradores como principais problemas as crianças. Cada um para quem visita são a conservação e a vai pode tocar o seu neiluminação das ruas, gócio quando crescer”, além da dificuldade em orgulha-se Pedro. Para o casal, a região pegar ônibus. “Até comentei no grupo tem segurança tanto para os morado- de moradores no Whatsapp, para quem res como para quem visita. Os entre- tem poste em frente à casa, colocar gadores atendem à noite, sem nunca luz. De noite é escuro”, sugere. terem sido assaltados, conta ElisânMargarete Couto morava na Feitoria gela. “A maioria dos pátios tem portão e precisou ir para a Justo. O que não sade madeira”, exemplifica Pedro. bia era dos problemas com água, energia elétrica e saneamento básico. TRANSPORTE Contudo, o desconforto maior é Neusa Maria Chaves, 60 anos, mora pela falta de respostas. Ela conta que há cinco anos na Ocupação com a filha nas reuniões sempre passam as mese o genro em uma casa verde de ma- mas informações. “Tem cadastradas deira, de três cômodos – dois quartos, 600 famílias, precisa de três mil. O sendo o outro uma sala com a sozinha. que vamos fazer sem saber nada?”. Na “Sou aposentada, mas ainda faço faxi- torcida pela decisão judicial positiva, nas. Com o dinheiro que ganhamos, Margarete pretende continuar sua não tem como pagar aluguel”, informa. vida na Justo. “Prefiro mil vezes morar A frequente falta de água obriga ela a aqui do que na Feitoria”, afirma. conservá-la quando o abastecimento IVAN JÚNIOR está normalizado. Para o transporte BÁBITON LEÃO da comunidade, há uma parada de

Claudimir Fagundes mora com a esposa, Jéssica, e o pai, Eduardo Fortes

Pedro Jackson e Elisângela administram um armazém, uma reciclagem e um telexis

Margarete Couto e os filhos, Endrio, de 3 anos, e Sérgio, de 11 anos


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Comunidade .9

Tenda é o centro da Vila No local ocorrem encontros culturais, recreativos, assembleias e reuniões

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o centro da Ocupação Justo fica localizada a Tenda do Encontro. Um espaço de convivência e fortalecimento de vínculos entre os moradores. Um dos objetivos da Tenda é reforçar os laços e expandi-los através de projetos e eventos com atenção especial às crianças, jovens e mulheres. Desde 2000, ocorrem em São Leopoldo ações das Missionárias de Cristo Ressuscitado. Inicialmente, nos bairros onde hoje fica a avenida Mauá. Desde 2010 a Tenda do Encontro abriga suas ações nas ruas da Ocupação Justo. Primeiramente com uma espécie de tenda móvel, quando a cada sábado ficava em uma rua. A partir de 2014, o projeto ganhou uma sede localizada no centro da Justo. Acompanhando ativamente todo esse processo estava Maria Cristina Giani, uruguaia de 52 anos, missionária e uma das coordenadoras da Tenda do Encontro. “Deus colocou sua tenda sobre nós e sua presença faz com que nos encontremos e vivamos como irmãos”, disse Cristina. A coordenadora afirmou ainda que todos são bem-vindos. “O nome puxa o sentido e a motivação de querer ser um espaço de encontro de pessoas diferentes, sem importar o credo, o partido

Lideranças da comunidade, voluntariado e missionárias trabalham nas atividades

político ou o gênero. Não importa nada disso”, enfatiza. O espaço também é coordenado pelas missionárias, Mariana Szájbély, argentina de 48 anos e pela Mackarena Tapia, chilena de 32 anos que acompanha a Ocupação há um ano. Além das três coordenadoras, a Tenda do Encontro também conta com lideranças da Ocupação Justo, bem como com voluntários que ajudam ou ministram oficinas e atividades.

DIAGNÓSTICO

Durante quase um ano, as missionárias fizeram um diagnóstico para saber as necessidades dos moradores da ocupação. O que eles pediam era um espaço de lazer para as crianças, que acompanhassem elas nos estudos, um espaço para as mulheres e para começar a dar mais voz aos anseios dos moradores. Há quatro anos acontecem em todos os sábados as atividades recreativas voltadas para as crianças. Sempre no turno da manhã, as dinâmicas são assumidas pela comunidade e, com isso, contam com a participação de centenas de crianças. Atividades acontecem diariamente na Tenda do Encontro. São elas: reforço escolar nas segundas e quartas nos turnos da manhã e tarde, o Movimento Justo na noite de segunda, EJA na terça e na quinta à noite, oficinas de música nas terças à tarde, futebol e zumba nas quartas à noite e no sábado à tarde, alfabetização na sexta pela manhã, o projeto Mulheres Sonhadoras na quinta à tarde, e a Tenda das crianças no sábado pela manhã. GUILHERME SANTOS BRUNA SOARES

Campinho de futebol da Tenda é um dos principais espaços de diversão das crianças

As três coordenadoras, missionárias Mackarena, Mariana e Cristina

Os eventos são voltados especialmente para crianças, jovens e mulheres


10. Comunidade

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Mulheres sonhadoras: um projeto que transforma vidas Mulheres buscam em práticas recreativas uma alternativa à rotina

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m 2014, o grupo Missionárias de Cristo Ressuscitado fez um levantamento para compreender as principais necessidades dos moradores da ocupação Justo, a fim de oferecer atividades de acordo com suas carências. De maneira quase unânime, elas identificaram que as mulheres da Justo sentiam falta de um momento para deixar as vidas de dona de casa de lado, e realizar atividades de lazer, e mesmo, conversar sobre a vida. Assim nasceu o projeto Mulheres Sonhadoras, onde elas se reúnem para oficinas, aulas e recreação. As turmas do projeto são de até 20 pessoas cada. Em sua maioria, jovens e mães (entre 17 e 48 anos). Letícia Rodrigues da Silva, de 23 anos, é mãe de gêmeos, e está grávida do terceiro filho. Ela participava do grupo de estudos da Tenda do Encontro, mas neste ano precisou dar uma pausa. Um dos gêmeos, de seis anos, teve um tumor em um dos rins e foi operado há três meses. Por conta disso, e da recente gestação, Letícia se dedica em tempo integral à casa e a recuperação do filho. Apesar dos desafios de ser mãe, ela sonha poder concluir os seus estudos em breve. Com os grupos de apoio da Tenda, essa realização se torna possível. Letícia conta que muitas mães participam do grupo, inclusive, levam seus filhos aos encontros para poder cuidá-los. Letícia Dias Duarte, de 22 anos, começou as aulas de artesanato em 2018, e aproveita para deixar seus pequenos na Tenda. Eles participam das brincadeiras e oficinas infantis enquanto ela se junta às outras mulheres. “A gente faz muita amizade, se encontra e conversa aqui. Eu gosto bastante de fazer novas amigas”, conta.

ESTUDOS

Grande parte das mulheres que vivem na Justo tiveram de interromper

Jucimara conseguiu voltar a estudar

Letícia da Silva sonha com a conclusão dos estudos

Missionárias ajudaram Vera a superar problemas familiares

Letícia Dias aprende artesanato enquanto filhos brincam

“Ter um grupo torna tudo melhor. A gente sozinha não consegue fazer nada. Por isso, estamos sempre juntas” Vera Ione Silva Dona de casa os seus estudos de forma precoce. Gravidez na adolescência e necessidade de trabalhar são os principais motivos. Jucimara de Oliveira Flores, 40, teve de sair da escola ainda no ensino fundamental, quando descobriu a primeira gravidez. Em 2018, ela teve a oportunidade de voltar a estudar pelo EJA oferecido na Tenda do Encontro. “Na época em que parei os estudos, fiquei sabendo que estava grávida. Retomei de-

pois com o EJA, fazendo a 7ª e 8ª série, mas não deu pra terminar por causa do trabalho e filhos pequenos. Agora vi a chance de voltar aos estudos”, explica. Jucimara participa de outras atividades na tenda ligadas a mulheres, como o brechó – uma iniciativa criada para arrecadar fundos a fim de auxiliar as crianças da comunidade. Ela diz que é uma forma de se sentir melhor e fazer novas amizades. “É uma oportunidade única para crescer. Não ficar na estaca zero, estacionada. É a chance de conhecer novas pessoas, fazer as oficinas e se sentir útil. ”

EXPERIÊNCIAS

Seja nas aulas de pintura e artesanato, ou aulas para quem não teve oportunidade de concluir seus estudos,

o Mulheres Sonhadoras é sobretudo um espaço onde elas se sentem à vontade para desabafar e trocar experiências – tanto as moradoras como as líderes do projeto, como conta a coordenadora Mariana: “Eu sou outra mulher no meio do grupo. A troca que existe nos grupos nos faz crescer como um todo. É uma verdadeira troca por que cada uma coloca lá o que sabe e eu aprendo também”, revela a Mariana. São histórias de vida e de superação, marcas de um cotidiano muito sofrido. Para muitas delas, os encontros na Tenda foram fortalecedores. Vera Ione Silva, de 42 anos, conheceu as missionárias há dois anos. O marido abusava do álcool e ficava agressivo. A situação familiar estava difícil. Um dia, ao to-

mar conhecimento do que estava acontecendo com Vera, as coordenadoras do grupo foram até a sua casa para tentar ajudá-la. “ D e p o i s q u e co n h e c i elas tudo mudou. Ele não é mais a mesma pessoa. Eu fui lutando: ele conseguiu parar de beber. Depois que elas me ajudaram mudou. Tenho certeza que se não fosse a ajuda delas não estaria mais aqui. Era muito sofrimento.” A dona de casa conta que teve depressão, e chegou a pensar a desistir da própria vida. “Até hoje agradeço a elas por ter me tirado daquela vida”, desabafa. “Ter um grupo torna tudo melhor. A gente sozinha não consegue fazer nada. Por isso, estamos sempre juntas”. FRANCIELE ARNOLD MATHEUS HANSEN KLAUCK


ENFOQUE OCUPAÇÃO JUSTO | SÃO LEOPOLDO (RS) | MARÇO/ABRIL DE 2019

Saúde .11

Faltam médicos e dentistas Comunidade clama por um serviço preciso e decente para toda a população local

de atendimento constante e adequado para cada caso”, declara. Outro problema relatado por Mariana e que dificulta o acesso dos moradores aos serviços de saúde são os pedidos de comprovantes de residências feitos pelos postos para a realização de atendimentos. A Ocupação Justo está localizada em uma área ainda não regularizada. Dessa forma, não há registros oficiais que comprovem os endereços, resultando no impedimento do serviço de saúde aos moradores.

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ara os moradores da Ocupação Justo, existe um direito que está longe de ser cumprido. A atenção à saúde e sua implementação nas cidades é de responsabilidade do Estado, sendo assegurada pela Constituição Federal. O artigo 196 garante, mediante políticas sociais e econômicas, a redução do risco de doença, proteção e recuperação de todos os integrantes da sociedade. Desde o início de 2018, a moradora Deloni Boavas, 43 anos, tenta realizar um procedimento médico para descobrir quais são os motivos das dores do seio esquerdo. “Nós estivemos na UPA e a médica constatou a presença de um nódulo que pode ser um câncer de mama, mas não conseguiu dar um diagnóstico detalhado”, afirma. Deloni conta que o seu caso foi enviado para a Prefeitura Municipal com o intuito de agilizar o processo de atendimento, mas até agora não recebeu nenhum retorno sobre a sua situação. A filha de Deloni, Luana Dias Boavas, 24 anos, conta que, no início de 2014, seu pai, Elio Rodrigues Dias, foi diagnosticado com câncer no esôfago. “Descobrimos a doença e meu pai ficou internado durante 20 dias no Centenário, onde encaminharam ele para fazer quimioterapia. Porém, a gente não tinha recursos para realizar o transporte e a Prefeitura Municipal não dava nenhum auxílio quanto a isso”, afirma. Depois de realizar algumas quimioterapias, quando Deloni e Luana levavam Elio a pé até o Hospital Centenário - distância de cerca de 4km, o pai da família faleceu em 2015. A história dos Dias é um dos exemplos de sofrimento constante pelo qual os moradores passam, na busca por serviços públicos de saúde.

GESTANTES

Dona Deloni luta contra a escassez de informações e serviços

“Eu vou ganhar o meu bebê daqui a pouco e não vou conseguir um atendimento decente” Ketlin Alessandra Fagundes Gestante O sentimento de Ketlin não é diferente. A gestante conta que está há dois meses sem conseguir atendimento pré-natal. “Os atendimentos foram suspensos por causa do Carnaval e agora o posto não tem médico, dizem que eles estão de férias. Estou quase ganhando o meu bebê e não consigo ter um atendimento para ver se está tudo bem”, declara Ketlin.

JORNADAS

Existem dois principais postos de saúde utilizados pelos moradores da Ocupação Justo para atendimentos médicos. O primeiro localiza-se a cerca de 20 minutos de caminhada da Tenda do Encontro e chama-se Posto de Saúde Cohab-Duque. O segundo está localizado na Estação Unisinos e fica cerca de 30 minutos a pé. Nos dois casos, os percursos são difíceis. Segundo a Missionária de Cristo Ressuscitado na Tenda do Encontro, Mariana Szájbély, um diálogo realizado com a direção do Posto de Saúde Cohab-Duque resultou em duas “Jornadas de Saúde” na Ocupação, desde o início de 2018. “Foram dois dias em que os médicos vieram muitos engajados em ajudar os moradores daqui. Porém, os encontros supriram as necessidades momentâneas dos moradores, que precisam

Quem também sofre por atendimento médico são as gestantes Jéssica dos Passos Fagundes, com três meses de gestação, e Ketlin Alessandra Fagundes, com oito meses de gravidez. Segundo elas, é humilhante a situação que precisam passar para conseguir um atendimento pré-natal ou medicamento nos postos de saúde próximos. “Eles enganam a gente, ficam te enrolando e o tempo vai passando. Quando vamos no posto, pedem para voltarmos na semana que vem e nada. Outro dia eu fui conversar com a médica e ela solicitou uma consulta de emergência com o clínico geral, mas só consegui marcar para daqui um mês. Que emergência é essa? Se eu tivesse com oito meses eu já teria ganho o meu bebê”, afirma Jéssica.

PARALISIA

O Enfoque tentou entrar em contato diretamente com o Posto de Saúde Cohab-Duque, mas o lugar estava fechado. No local, havia um cartaz informando que o atendimento clínico estava indisponível no momento devido à falta de profissionais, os dentistas estavam de férias e a ginecologista estava com a agenda fechada. Também não conseguiu entrar em contato com a unidade localizada na Estação Unisinos. Jéssica e Ketlin procuram alternativas para acompanhar seus bebês

LORENZO PANASSOLO SOFIA PADILHA GULART


ENFOQUE OCUPAÇÃO JUSTO

SÃO LEOPOLDO (RS)

EDIÇÃO

MARÇO/ABRIL DE 2019

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Ações voluntárias alegram as crianças na comunidade União entre lideranças e voluntários reflete positivamente no dia a dia dos moradores

incentivo da filha, Carolina Dias, de 23. a comunidade que acabava de conhecer. “Ela era escoteira e me convidou para Pouco mais de dois meses depois, cheser voluntária”, disse ela, contando que gou a hora do primeiro encontro. também faz parte de outros movimentos Era dia 16 de março. Manhã de sábado. sociais, entre eles, um grupo de volun- Céu azul. Os olhos das crianças brilhavam odas as semanas, atividades recre- tários responsável pela distribuição de com a chegada da escotista, que trazia ativas são proporcionadas a crian- roupas e alimentos para moradores de rua consigo uma proposta simples: brincaças e adolescentes da Justo, em São de Canoas, nos domingos à noite. deiras ao ar livre, como jogar bola, pular Leopoldo. Elas acontecem na Tenda do Foi, inclusive, em um desses domingos corda, brincar com garrafas d’água e com Encontro, que talvez seja o lugar mais que ela soube da existência da Ocupa- jogos de memória. “O escotismo entrega alegre daquela comunidade. É lá que eles ção Justo. “Um amigo comentou sobre pessoas melhores para a sociedade”, dislêem, ouvem histórias, desenham, pintam, a comunidade e dias depois doei roupas se Andrea, destacando que as atividades brincam, cantam e dançam. O espaço dá para o brechó deles. Conheci as pessoas buscam desenvolver sentidos, trabalhar a margem à imaginação de uma realidade e o trabalho que desenvolviam na tenda”, disciplina, incentivar o trabalho em equiainda distante: um lugar lembrou Andrea, con- pe e desenvolver a autoconfiança. bonito, arborizado, com tando que o primeiro Com encontro marcado para os sábados ruas calçadas, pátios “Estou convencida contato com a Justo foi pela manhã, as atividades de escotismo com flores da estação, em dezembro do ano estão previstas para ocorrer sempre das 10h de que as primeiras pessoas mais felizes. passado. Já em janeiro às 12h. A maioria delas é feita no campo de Ferramentas de etapas da vida são as deste ano, ao lado das futebol, de terra vermelha; demarcado com transformação social, as mais importantes” missionárias, a volun- pneus e parte cercada por uma rede, impeações realizadas no local tária começou a pensar dindo que a bola invada o pátio dos vizinhos. são coordenadas por um Mackarena Tapia em como poderia ajudar Ele fica localizado no terreno da tenda, grupo de voluntários.Ele Missionária é formado por membros da própria comunidade,irmãs missionárias e até moradores de outras cidades da região do Vale do Sinos, que se solidarizam com quem vive por lá. Invisível aos olhos da administração pública, são as mãos amigas destas pessoas que guiam a Justo. A rede de solidariedade vem aumentando e cada vez mais pessoas abraçam a causa. Recentemente, quem chegou para ajudar foi a Chefe Escotista Andrea Rodrigues Custódio, de 47 anos.Adepta da prática religiosa Seicho-No-Ie,é voluntária no Grupo Escoteiro Anauê, de Esteio, e escotista há 10 anos. Atualmente ele conta com cerca de 60 integrantes, entre 6 anos e meio e 20 anos,além de outros 19 voluntários. Reconhecido como um movimento educacional que incentiva jovens a se envolverem com a comunidade, o escotismo é responsável por formar líderes e pessoas engajadas em construir um mundo Muito mais que ações recreativas, voluntários melhor. Andrea ingressou no Anauê por levam amor e carinho às crianças

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fazendo com que as ações fiquem centralizadas em um mesmo local, o que também garante a tranqüilidade dos pais. Mãe de filha única, todos os finais de semana, Andrea seguirá rumo à ocupação, levando consigo muito mais do que brincadeiras.“Muitos abraços, amor e carinho”, garantiu, reforçando, com um olhar cheio de esperança,que todo mundo tem o direito de sonhar com uma vida melhor.

TRABALHO EM EQUIPE

BRUNA SOARES

Atuando na Justo há cerca de um ano, a missionária chilena Mackarena Tapia, de 32 anos, é uma das coordenadoras da tenda. Presente também aos sábados, ela acompanhou o primeiro dia das atividades de escotismo e destacou a relevância das mesmas, que somam forças com as demais ações desencadeadas no local, na tentativa de diminuir a sensação de abandono que assombra os moradores. “Elas reforçam a importância do trabalho em grupo e fortalecem os laços de amizade entre as crianças”, comentou a missionária. Preparar as crianças e adolescentes para os desafios diários também está entre os objetivos da ação.“Queremos conscientizar eles de que a vida é feita de momentos bons e ruins,e que é preciso estar preparados para enfrentá-los”, disse Mackarena, chamando a atenção para atividades que ajudem a desmistificar o ganhar e perder. De acordo com a missionária, o desejo é de que as ações iniciadas no mês de março sigam ocorrendo e possam refletir diretamente no futuro dos jovens.“Estou convencida de que as primeiras etapas da vida são as mais importantes”,destacou,ressaltando que as atividades em prol delas podem fazer a diferença nas suas vidas. “Queremos tirar essa sensação de abandono que ronda a vida deles”, finalizou. THAÍS LAUCK BRUNA SOARES JULIANA PERUCHINI JULIANA PERUCHINI

JULIANA PERUCHINI

Escotista Andrea no primeiro dia de atividades com as crianças e adolescentes

Encantadas com chegada da voluntária, manhã de sábado foi marcada pelo sorriso das crianças


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