Enfoque São Leopoldo - Aldeia Por Fi Ga - 1

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ENFOQUE SÃO LEOPOLDO

Memória e conhecimento são compartilhados pelo alimento

Páginas 4 e 5

As crianças que ensinam sobre a vida e o respeito

Enfoquinho / Páginas 8 e 9

ALDEIA POR FI GA

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OUTUBRO DE 2024 #

Crescimento da cidade coloca em risco a natureza e a cultura

Páginas 12 e 13

EDIÇÃO DIGITAL

Sobre o poder de contar outras histórias

Apequena indígena, ao escrever seu nome, mostra para a fotógrafa que a universidade pode ser o mar: um universo que guarda vida e, por isso, traz surpresa, comunhão e aprendizado diário. Esta interpretação da imagem acima nos fez escolhê-la para resumir a experiência de fazer um jornal comunitário em uma aldeia indígena que sobrevive no meio de uma cidade universitária.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),São Leopoldo possui hoje 217.409 residentes. Destes, 315 estão na aldeia Por Fi Ga, situada no bairro Feitoria Seller, em terras de um antigo Centro de Tradições Gaúchas (CTG) que hoje somam 18,8 hectares.

Mas as 76 famílias que moram na reserva não chegaram ali sem luta. Primeiro, os Kaingang – povo do grupo linguístico Jê –já caminhavam por onde seria São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul muito antes dos homens e mulheres autodeclarados brancos. Segundo, já nos anos 90, vinham de outras cidades para acampar na avenida Duque de Caxias e vender seu

artesanato. Em São Leopoldo, sentiram que o “espírito do índio” lhes puxou, como relatam no livro Por Fi Ga Kẽme – História da Tovaca,editado com o apoio do Conselho de Missão entre Indígenas (COMIN).

Daí foram ficando por perto da estação rodoviária, até serem levados pelo poder público para a Vila dos Tocos, no norte da cidade. Não deu certo. Foram “transferidos” para o bairro São Miguel, mas lá não tinham água. Daí iniciou a batalha para serem reconhecidos oficialmente como comunidade indígena, para então lutarem pela terra de direito que só chegou em 2007 – e que mesmo sendo cedida pela Secretaria de Habitação, precisou ser ocupada à força para ser devidamente entregue.

“Por Fi” é um pássaro que comunica os guerreiros Kaingang sobre as feras da mata, e “Ga” quer dizer território. O local onde está a aldeia hoje era o habitat desse pássaro, que também já ocupava a região antes da chegada dos imigrantes alemães. Estes são considerados os pais fundadores de São Leopoldo – tanto que, em outubro de 2024, são festejados com

O Enfoque São Leopoldo - Aldeia Por Fi Ga é um jornallaboratório dirigido à comunidade com o mesmo nome localizada em São Leopoldo (RS). A publicação tem tiragem de 1 mil exemplares, que são distribuídos gratuitamente na região. A produção jornalística é realizada por alunos do curso de Jornalismo da Unisinos (campus São Leopoldo).

enfoquesaoleopoldo@gmail.com

homenagens pelo bicentenário na região. Esta edição do Enfoque São Leopoldo busca celebrar uma outra civilização. Mas, mais do que isso, quer aprender e reivindicar uma vida melhor para ela.

O fogo esquenta e movimenta a memória, dizem os Kaingang. Sua pedagogia traz uma perspectiva diferente para dentro das escolas. Sua saúde física e cultural precisa ser preservada. E suas vozes e imagens devem ser ouvidas e vistas. As próximas páginas são um breve resultado deste interesse, realizado por uma grande parceria: estudantes, professores e funcionários da Unisinos; Núcleo de Educação das Relações Étnico-Raciais da Secretaria de Educação de São Leopoldo (SMED-SL); e também de todos os moradores e lideranças da Por Fi Ga. Pois, se parte de nós foi acostumada a entender que o conhecimento vinha do além-mar, hoje sabemos melhor: que o mar, sempre esteve aqui. n

| REDAÇÃO | REPORTAGENS – Disciplina: Jornalismo Comunitário. Orientação: Cybeli Moraes (cybelim@unisinos.br). Repórteres: Amábile Corrêa, Arthur Reckziegel, Gabriel Muniz, Larissa Schneider, Lia Kirch, Mateus Dias, Nadine Dilkin. IMAGENS –Disciplina: Fotografia no Jornalismo. Orientação: Flávio Dutra (flavdutra@unisinos.br).

Fotógrafos: Bernardo de Almeida, Bianca Juchem, Caroline Lopes, Gabriele Rech, Isabel Froehlich, João Fuchs, Jonatas de Souza, Kauane dos Santos, Lara Zarth, Léo Caldeira, Lua Santos e Lucas Pedro dos Santos. Monitora: Amanda Wolff. | ARTE | Realização: Agência Experimental de Comunicação (Agexcom). Projeto gráfico, diagramação e arte-finalização: Marcelo Garcia. | IMPRESSÃO | Gráfica UMA / Grupo RBS.

Números da Aldeia Por Fi Ga

18,8 hectares de terra

315 moradores

76 famílias

110 mulheres

100 crianças

6 idosos, incluindo um centenário Faixa etária e gênero: + mulheres, de 12 a 55 anos

Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Campus de São Leopoldo (RS): Av. Unisinos, 950, bairro Cristo Rei (CEP 93022 750). Telefone: (51) 3591 1122. E-mail: unisinos@unisinos.br. Reitor: Sergio Eduardo Mariucci. Vice-reitor: Artur Eugênio Jacobus. Pró-reitor Acadêmico e de Relações Internacionais: Guilherme Trez. Pró-reitor de Administração: Cristiano Richter. Diretora da Unidade de Graduação: Paula Dal Bó Campagnolo. Coordenador do Curso de Jornalismo: Felipe Boff.

CYBELI MORAES
FLÁVIO DUTRA
Professores editores

Mulheres indígenas estão sempre em luta

É preciso ser combativa dentro e fora da aldeia para conscientizar sobre as necessidades de um povo

Sueli Khey Tomás tem 32 anos e nasceu na Terra Indígena Nonoai, no coração do Rio Grande do Sul. Aos oito, sua vida tomou novos rumos, quando se mudou para a Terra Indígena Serrinha, onde cresceu ao lado de seus pais e dos oito irmãos. Aos 13 anos de idade, Khey teve seu casamento arranjado pela família do atual marido, Josiel Poksy de Oliveira, e é aí que começa sua história de resistência.

Ao ser questionada pelos pais de Josiel se Khey poderia se casar com ele, a mãe de Sueli, que sempre foi a favor da liberdade e respeitou as escolhas individuais da filha, perguntou se ela gostaria de se casar com o jovem. Khey disse que não se casaria, pois nem o conhecia. Mas a resposta negativa chegou tarde demais e as autoridades da aldeia já estavam contando com o casamento. Por isso, os dois acabaram sendo mandados para a prisão da aldeia pelo prazo que, inicialmente, seria de 15 dias. Com a convivência na cadeia,

Khey e Josiel acabaram se conhecendo melhor e passados três dias, decidiram que se casariam.

E assim foi. Após o enlace, o casal se mudou para a aldeia Por Fi Ga, onde vive até hoje.

[Antes de continuar a história, cabe um parêntese explicativo: as prisões na tradição Kaingang não podem ser confundidas com as do nosso sistema carcerário.

A cadeia é uma prática punitiva que faz parte da cultura indígena como técnica para solucionar conflitos entre moradores considerados desobedientes. O tempo de prisão deve ser usado para refletir, e enquanto ele durar, a família do encarcerado continua responsável por fornecer alimentação e cuidados ao preso.]

Voltando à história de Khey, percebe-se que ela revela o perfil de liberdade e combate da ativista, que tem fortes influências de sua mãe. Desde jovem o seu destino era lutar pelo direito de, simplesmente, ser quem ela é. “Minha mãe sempre foi muito livre, ela nunca colocou pra nós que tinha que ser apenas do jeito que as lideranças querem, do jeito que nosso pai queria. Porque a gente vem dessa base que ainda reproduz

o machismo. Primeiro vem o homem branco, a mulher branca, o homem negro, a mulher negra, o homem indígena e daí nós, mulheres indígenas, sempre por último”, destaca.

Quando Sueli se mudou para a Terra Indígena Por Fi Ga, em São Leopoldo, o território ainda não havia sido demarcado. Ali, em meio à incerteza e à resistência, Sueli terminou os ensinos fundamental e médio, e também ingressou na faculdade. “Só quando eu fui estudar fora da reserva, no ensino médio, que eu fui entender o que é ser uma mulher indígena. Comecei a ter esse entendimento dos nossos direitos, das nossas reivindicações, dos nossos movimentos que vieram desde os antepassados. A violência cultural que a gente sofre fora da comunidade é muito forte”, conta a jovem.

não possuem. Mas Sueli é também artesã, palestrante e, acima de tudo, ativista.

“Se não tem movimento de mulheres, não tem nada” Sueli Khey Tomás

A jovem também faz parte da Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), movimento que reúne mulheres indígenas de todos os cantos do Brasil. “Se não tem movimento de mulheres, não tem nada. Desde quando a gente está na barriga da nossa mãe a gente luta pela sobrevivência. Imagina tu nascer mulher indígena, Kaingang, em um estado machista como o nosso”, diz Khey sobre a necessidade de buscar seus direitos.

uma desconstrução dentro da nossa cultura. Nem sempre esse movimento foi bem-visto, mas hoje temos liberdade de poder falar sobre nossas trajetórias e vivências”, ressalta Khey.

Khey se formou como técnica de enfermagem, profissão que escolheu pela vontade de cuidar e de estar perto de seu povo, oferecendo um cuidado específico aos indígenas, com habilidades e conhecimentos que as pessoas não-indígenas

A luta de Khey é reconhecida pelo povo da Por Fi Ga. “A Sueli sempre amou o que ela faz e ela sempre foi uma mulher corajosa para fazer isso. Os homens muitas vezes não querem que a gente mostre que a gente pode também e precisamos ter mulheres de coragem para enfrentar isso”, destaca a moradora Loiderice Joaquim. Dentro da aldeia existe um coletivo de mulheres para lutar pelos direitos do gênero. “Ainda são passos lentos para fazer

Sueli relembra que Maria Ivanilda foi a primeira liderança feminina da comunidade e vê nas mulheres de sua aldeia uma força imensurável, acreditando que todas, de alguma forma, têm a capacidade de transformar a realidade ao seu redor. Khey destaca que seu sonho é ver cada vez mais mulheres indígenas em posição de liderança. “As ideias e os pensamentos que formam nossa sociedade vêm muito das mulheres, porque a gente consegue fazer muitas coisas ao mesmo tempo e ter uma visão ampliada sobre nossas vivências, sempre respeitando o ambiente em que estamos”, completa.

Sueli Khey Tomás é uma das vozes de uma geração que não esquece o passado e que luta para que o futuro seja diferente. Sua caminhada é cheia de orgulho e cada passo que ela dá, leva todas as mulheres Kaingang consigo em direção à liberdade. n

LARISSA SCHNEIDER KAUANE DOS SANTOS
Sueli Khey é exemplo de ativismo feminino na Por Fi Ga

Almoço especial celebra costumes ancestrais

O cardápio preparado pela comunidade inclui fuá, ossinhos de porco e pão assado na brasa

Abusca pelos maços verde-escuro de fuá – ou fuva , que também é conhecido como maria preta ou erva-moura – começou na tarde do dia 27 de setembro, por um animado grupo de mulheres da aldeia Por Fi Ga. Elas foram longe da reserva para encontrar a planta que nasce por conta própria, e estava na época certa de colheita. O deslocamento do grupo foi feito em dois carros, pois a distância não pôde ser percorrida a pé.

A mobilização das mulheres segue na manhã do dia 28, quando ao lado de um antigo galpão – que já existia no terreno antes da chegada dos moradores Kaingang ao bairro Feitoria Seller – há uma longa mesa de tábuas. Ali, as folhas do fuá são preparadas com cuidado,

separando-se o caule e os frutinhos. Estes ficariam de fora do caldo que repórteres e fotógrafos do Enfoque iriam provar na hora do almoço.

A realização de eventos deste tipo não é feita com tanta frequência na comunidade. Dona Loiderice Joaquim conta que a última vez foi em abril, no Dia do ‘Índio’, quando tiveram apoio para financiar o almoço.

Ela fala sobre a importância destes momentos, pois eles fazem voltar as memórias dos ensinamentos de seus ancestrais.

“Eu lembro que antigamente a gente vivia da mata e das coisas naturais”, diz. Entretanto, ela reforça que por não conseguir mais se sustentar da caça e da colheita, a aldeia necessita de ajuda financeira para realizar hoje as celebrações que eram comuns no passado.

De acordo com os pesquisadores Juracilda Veiga e Wilmar da Rocha, que mantém um portal dedicado à cultura Kaingang, nos tempos antigos o

povo utilizava quatro fontes de alimento: a coleta de pinhões, palmito, erva-mate, frutas e verduras do mato; a caça de porcos do mato, capivaras, cotias, tatus e pássaros; a pesca nos rios e o plantio de milho, feijão e moranga. Atualmente, tudo isso mudou na maioria das aldeias, em função do desmatamento visando aos mercados madeireiros e do agronegócio. Loiderice comenta que hoje na aldeia se cozinha apenas em pequenas quantidades para a família, e por isso é tão relevante o momento de partilha e união da comunidade que foi presenciado por estudantes da Unisinos. “Seria legal poder reunir mais vezes as mulheres pra preparar as nossas comidas”, diz Loiderice, que também valoriza a visita de pessoas jornalistas. “Precisa-

“Eu lembro que antigamente a gente vivia da mata e das coisas naturais” Loiderice Joaquim

mos de ajuda. Vamos poder passar adiante os costumes dos índios e contar dos problemas da aldeia”, desabafa. Enquanto as mulheres separam os ingredientes para o restante do cardápio – que inclui farinha torrada de milho, feijão, pão assado na brasa (ẽmĩ) e ossinhos de porco – os homens organizam um fogo de chão na rua, e uma churrasqueira na entrada do galpão, que é decorado com uma parede de graffitis para homenagear todos os caciques que já lideraram a Por Fi Ga. No local, o atual Cacique da aldeia, Elton Nascimento, junta-se ao grupo para conversar sobre as demandas e as causas indígenas. “A prioridade é continuar na luta pela nossa escola, e também pelo esporte, que eu vejo ser muito importante”, afirma Elton, que vive desde os seis anos de idade na Por Fi Ga.

Dona Vera Lucia Rodrigues Fortes, que pertence a uma das sete primeiras famílias que fundaram a aldeia, ensina também sobre as propriedades medicinais do fuá. “Meu pai sabia bastante coisas sobre receitas, remédios e folhas, mas ele faleceu cedo e não conseguimos aprender tudo com ele”, conta. Vera explica que as folhas do fuá têm diversos benefícios. “Não deixa nascer cabelo branco, ajuda na memória e também é bom pra pele”, relata. A frutinha que nasce na ponta do caule e fica roxa quando madura é usada pelos mais velhos para as vistas cansadas. “Coloca a frutinha no pano, esmaga e o líquido que sai se pinga no olho, como colírio”, ensina. E completa: “É difícil a gente ir à farmácia comprar um remédio, usamos as coisas da natureza”. n

NADINE DILKIN GABRIELE RECH
LIA KIRCH
JONATAS DE SOUZA
Mesa do almoço com fuá, pão na brasa, feijão e farinha torrada de milho é servida por mulheres da comunidade como Sandra Rodrigues (ao centro) JONATAS

Feijão

e ossinhos de porco

1. Em uma panela com água, cozinhe o feijão.

2. Em separado, frite os ossinhos com banha, e depois jogue o feijão cozido por cima.

Os ossinhos também podem ser assados direto na brasa, até ficarem bem torrados, sem o uso de sal ou temperos.

Farinha torrada de milho

Pão (ẽmĩ ) Fuá

1. Faça um fogo de chão e aqueça a brasa para fazer cinzas.

2. Em uma bacia, misture farinha de trigo ou milho, fermento e água até dar o ponto de esticar.

3. Leve a massa à brasa não muito alta e coloque sobre ela as cinzas (pode envolver a massa em casca de banana se preferir).

O tempo de assar varia conforme a quantidade de cinzas e o calor do fogo.

1. Retire a frutinha e o caule do fuá.

2. Ferva as folhas em bastante água.

3. Depois, tempere fritando em uma outra panela com banha e pouco sal.

O caldo pode ser bebido como uma espécie de tacacá (sopa indígena de origem amazônica).

Hidrate a farinha de milho com água e coloque-a na panela, mexendo até fazer uma farofa soltinha.
Dona Loiderice prepara as folhas de fuá para fazer o cozido

Entre os diversos objetivos da iniciativa, a ideia principal é unir os moradores da comunidade

“Não é só plantar e esperar crescer. Vai ser uma horta que vai ter um cuidado especial”, conta Ari Ribeiro, um dos organizadores do projeto, que também atende pelo nome Kanjer , na língua Kaingang. A ideia da horta comunitária da Por Fi Ga, que será usada pelas famílias do local, envolve atualmente um grupo que já reúne sete mulheres da aldeia, que representam suas famílias.

Surgida a partir de uma reunião com o Serviço Municipal de Água e Esgoto de São Leopoldo (SEMAE), o local ensolarado para execução da horta foi escolhido também devido à proximidade com a rede de água. Mas mesmo contando com o apoio de entidades públicas, seu Ari lamenta a atuação precária de outras possíveis parcerias que o projeto poderia ter, como a da Associação Rio-Grandense de Empreendimentos de Assistência Técnica e Extensão Rural, a Emater-RS. “Eles têm atuado muito pouco. Enquanto estou morando aqui, a Emater só visitou duas vezes a minha casa. Quando eu morava em Porto Alegre, fazia os projetos todos os anos e tinha a parceria direta. Mas

Aldeia terá horta comunitária

aqui não está acontecendo”, afirma.

Ari Ribeiro mostra o local escolhido para ser a futura horta comunitária

Ari conta que um dos primeiros fatores que motivou a criação da horta é a possibilidade de unir as pessoas e de agregar especialmente as mulheres da comunidade. “Queremos que as pessoas participem e mudem o conceito de individualidade para o conceito de comunitário”, aponta, recordando sobre uma outra experiência que teve na aldeia Nonoai, onde existem programas que promovem a união de mulheres. Outra motivação para o projeto vem da ideia de que o cultivo é um sistema pedagógico. “Hoje em dia a maioria das pessoas compram verduras para consumir, mas é importante ajudar não só

“O cultivo será orgânico, e fonte de muitas vitaminas”

Ari Ribeiro

com a compra e venda, mas também dando valor para o ensino do plantio e o trabalho das pessoas com o solo”, recomenda. O incentivo ao envolvimento das crianças da aldeia é outro fator relevante da iniciativa. “É importante as crianças aprenderem, pois pode ser que um dia resolvam fazer um curso na área”, comenta seu Ari, formado como técnico em agricultura no ensino médio.

A horta comunitária também poderá contribuir com a promoção da saúde na comunidade. “O cultivo será orgânico, e fonte de muitas vitaminas”, comemora seu Ari. Mas para além do incentivo ao consumo de vegetais frescos e sem agrotóxicos, o trabalho na lavoura

também pode ajudar a afastar o sedentarismo que afeta as populações indígenas no Brasil, especialmente as que vivem nas cidades e na região sul do país.

O Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas, coordenado pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e também pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), já apontava, em 2010, elevadas taxas de anemia – sobretudo entre mulheres e crianças – além de muitos casos de obesidade, diabetes e hipertensão arterial entre a população indígena. Os dados da pesquisa não foram atualizados, mas recentes estudos de universidades brasileiras referem que o quadro não melhorou, especialmente devido à redução do consumo de alimentos tradicionais em favor dos industrializados, e à diminuição

da frequência e intensidade de atividades físicas dos povos que já não possuem mais condições de caçar, pescar, nadar e se deslocar como faziam seus ancestrais. Ainda não foi definido o que será plantado no terreno escolhido para a horta da Por Fi Ga, mas seu Ari imagina no local muitas mudas de alface, por ser uma verdura de rápida produção, além de temperos como salsinha, cebolinha e alho. E anseia pela participação da maioria dos moradores da aldeia, que na sua opinião devem se empolgar mais com o projeto quando perceberem que ele está prosperando, se desenvolvendo e consolidando no território.

PARCERIA COM COLÉGIO AGRÍCOLA

A Escola Técnica Estadual Visconde de São Leopoldo é também parceira da futura horta comunitária da Por Fi Ga. Duas turmas de alunos dos cursos Técnico Agropecuário e Técnico em Florestas estão auxiliando na iniciativa através do projeto Hortas Escolares: Cultivando Cidadania , realizado pelo Núcleo de Educação para a Sustentabilidade na Cidade (NESC) da Secretaria Municipal de Educação (SMED).

A bióloga, educadora ambiental e assessora pedagógica do NESC, Vitória Regina Casagrande Viel, conta que os estudantes do primeiro ano dos cursos técnicos têm uma disciplina prática e, além de atuarem na horta do próprio Colégio Agrícola, também trabalham na manutenção das hortas das escolas municipais – e agora, no território da aldeia Por Fi Ga.

“Eu organizo o cronograma a partir da adesão das escolas. São três estudantes que vão com o transporte da SMED até a escola, ou no caso, até a aldeia. Ali eles passam o período da manhã sob a orientação da professora Sabrina Tabille que está fazendo a mentoria dos estudantes do Agrícola”, conta Vitória. O trabalho com a horta comunitária na aldeia iniciou em outubro. A professora Sabrina, junto com os moradores, irá determinar como será a horta. “Como a Por Fi Ga está iniciando o projeto, receberá os estudantes do Agrícola todas as segundas até a horta ficar pronta. Depois, vamos agendar os períodos apenas para manutenção”, conclui. n

NADINE DILKIN ISABEL FROEHLICH

Para ser assistente social, Liliane da Silva (à esquerda) sai de casa às 16h e só volta à meia-noite. Ivaneza Floriano estuda enfermagem, e já escutou de colegas que "universidade não é lugar de índio"

O esforço para ser e estar na universidade

Alunas da UFRGS enfrentam preconceito e uma rotina cansativa e perigosa para estudar

Entre 2011 e 2021, a quantidade de matrículas de alunos autodeclarados indígenas no ensino superior brasileiro aumentou 374%. Os dados são de um levantamento do Instituto Semesp, entidade que representa mantenedoras de ensino superior no país. Mas, apesar do crescimento na ocupação de vagas em universidades, ainda existem muitos problemas que não aparecem em dados estatísticos, e que são enfrentados todos os dias por pessoas indígenas que têm o direito de aprimorar sua formação.

A experiência de Ivaneza Floriano é um exemplo desta situação. Ela estuda enfermagem na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e conta que o deslocamento, o preconceito de colegas e professores e a falta de diálogo com a instituição são alguns dos principais empecilhos da sua trajetória acadêmica. “Ouvi coisas como: a

universidade não é lugar de ‘índio’, o lugar ‘deles’ é na aldeia. E não ouvi apenas dos colegas, mas também dos professores, que fazem comentários maldosos”, desabafa.

Além disso, a jovem moradora da Por Fi Ga relata dificuldades para fazer trabalhos em grupo, por conta do seu português não ser tão fluente. “Passei boa parte da minha vida me comunicando em Kaingang, mas hoje meu português já está melhor”, explica.

Ivaneza frequenta a universidade de segunda à sexta-feira, e diariamente seu trajeto inclui seis deslocamentos: ela faz duas viagens de ônibus e mais uma usando o trensurb para poder ir e voltar da UFRGS, entre São Leopoldo e Porto Alegre. Ela acredita que se não fosse o passe livre, seria impossível estudar. “Teve uma época que cheguei a morar na casa do estudante, mas como agora tenho um filho, voltei à aldeia para auxiliar meu marido em casa”. Na época, a UFRGS não oferecia a Casa do Estudante Indígena, apenas a Casa do Estudante Universitário (CEU).

Cursando o 5° semestre de

serviço social na UFRGS, Liliane da Silva também sofre com a cansativa logística imposta pela distância entre campus e aldeia. “Saio de casa às 16h para retornar só à meia-noite. Faço isso três vezes por semana. Acaba também sendo perigoso chegar nesse horário, mas fazer o que né?”, conta a estudante residente na área verde da Estrada do Quilombo, no bairro Feitoria Seller, que fica bastante escuro ao cair da noite. Mesmo com todas as dificuldades, Liliane entende a importância de continuar estudando para si e para o bem de seu povo. “Sempre tive o sonho de estudar em uma universidade. Escolhi este curso porque vejo muitas assistentes sociais que não entendem nossa cultura e nossas necessidades. Quero poder fazer mais pelo povo indígena”, diz. Felizmente, as experiências de Liliane e Ivaneza são

“Sempre tive o sonho de estudar em uma universidade. Quero poder fazer mais pelo povo indígena”

Liliane da Silva

A CEI-UFRGS foi inaugurada em abril de 2022 após intensa luta de alunos e alunas das etnias Kaingang, Xokleng e Guarani, que chegaram a ocupar um prédio abandonado da prefeitura de Porto Alegre para pressionar autoridades e viabilizar a demanda antiga dos povos originários que estudam na UFRGS.

A conquista da CEI-UFRGS permite hoje que as estudantes mães convivam com seus filhos, sem sofrer discriminação pelo preconceito e pela negação do direito de manter seus modos tradicionais de vida. A mobilização teve momentos de conflito com a reitoria da universidade, mas foi mediada pelo Ministério Público Federal até a UFRGS destinar o prédio de sua antiga creche, na época desativado, para a CEI. Hoje, o espaço é um bem a ser aproveitado – também pelas próximas gerações de estudantes indígenas que chegarem até a universidade. n

diferentes quanto à questão do preconceito de colegas e professores. Além disso, a futura assistente social conta que tem reuniões semanais com a coordenação responsável pelos indígenas dentro da universidade. Contatada pela reportagem, a UFRGS se manifestou através de sua assessoria de imprensa, informando que a universidade possui a coordenadoria de Acompanhamento do Programa de Ações Afirmativas (CAF) e a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) que operacionalizam, na UFRGS, a Política Nacional de Assistência Estudantil. A partir dela, os estudantes indígenas são sujeitos de direito com acesso a uma série de benefícios. Entre eles, foram citados o Programa Bolsa Permanência e a moradia estudantil na Casa do Estudante Indígena (CEI), além de outras ações e serviços de assistência e acolhimento promovidas pela universidade.

ARTHUR RECKZIEGEL JONATAS DE SOUZA

Opoucos, Nas na usando um deu Eduarda uma que legal, de cantar corre ticaba. meça pequena, terra a importância as fontes o que uma estão olhos das ama ajuda improvisados de é um vam liberdade cultura ra é aos

NFOQUINHO

Historinha para pequenos e pequenas Kaingang

Um texto para retribuir os abraços calorosos, os olhinhos brilhando e as vivências compartilhadas com as crianças

Osol ainda não está tão alto quando João Guilherme sai correndo para o pátio. A aldeia desperta aos poucos, mas ele já está cheio de energia. Nas mãos, segura com orgulho a pequearma de pressão que ele mesmo fez, usando um pedaço de cano, um balão e pouco de linha, técnica que aprendeu com os amigos mais velhos. Ao longe, ele já ouve a voz de Maria Eduarda Krig, a menina que brilha como uma estrela. Ela sempre diz com alegria que ama ser indígena. “Eu amo, é muito legal, eu gosto de brincar dentro da aldeia, cantar e desenhar”, conta ela, enquanto corre pelo pátio, leve como o vento. Agora chega Emanuele, a flor de jabuticaba. Com seu jeito observador, ela começa a procurar folhas pelo chão. Desde pequena, sua avó lhe ensinou a cuidar da terra e a respeitar a natureza. Ela entende importância de preservar as árvores e fontes de água, e adora compartilhar que sabe com os outros, como se fosse uma pequena guardiã da aldeia. Em pouco tempo, todas as crianças já estão reunidas. Antonella Kafej, com seus olhos curiosos, observa as folhas caindo árvores, enquanto Kézia Nen Fej, que ama o cheiro do mato fresco após a chuva, ajuda Maria a arrumar os brinquedos improvisados no chão. Ali, a simplicidaé mágica e, para as crianças, o pátio um universo de possibilidades. Enquanto isso, as mães e as avós observam de longe, sorrindo. Elas sabem que a liberdade de brincar ao ar livre e aprender a cultura Kaingang vivendo e sentindo a teré um presente valioso que transmitem filhos. Ali, as crianças aprendem sobre

a vida, sobre o respeito e o coletivo. Não há portões, nada separa os quintais. João Guilherme, apesar de ser um dos poucos que estuda fora da aldeia, volta sempre com histórias de seus amigos da escola, que ficam fascinados com o jeito dele de ver o mundo.“Todo mundo quer ser meu amigo, mãe”, ele diz, com um sorriso tímido. Suas histórias sempre trazem à tona a ideia de que, apesar das diferenças, sempre há espaço para uma troca amorosa.

O cheiro do preparo do fuá, folha típica que serve de alimento e remédio, começa a se espalhar pelo ar. É a comida favorita de Maria, que logo corre até a cozinha montada na rua, onde sua mãe e sua avó preparam tudo com carinho. “Não pode faltar farinha, fica bem mais gostoso assim”, ela ensina, com um sorriso largo. As crianças continuam correndo, subindo em árvores e rindo alto. De vez em quando, elas pegam as suas peças de artesanato para ajudar os mais velhos, porque sabem que assim aprendem – não com palavras, mas com o exemplo.

Quando o sol começa a se pôr, as crianças voltam para perto de suas casas, cansadas e felizes. Amanhã vai ser outro dia. Mais uma vez, elas vão correr livres pelo pátio, cantar, e aprender umas com as outras.

No território sem cercas, o tempo flui de uma maneira diferente. E cada pequeno detalhe, bicho, pessoa e floresta é uma lição sobre o que significa ser Kaingang. n

AMÁBILE CORRÊA

BIANCA JUCHEM

GABRIELE RECH

ISABEL FROEHLICH

LUA SANTOS

Time feminino tem que driblar o preconceito

Atlético Por Fi

Ga reclama de discriminação étnica e social em suspensão de torneio municipal

Ofutebol feminino está crescendo em âmbito nacional, com mais transmissões de jogos e investimentos na modalidade, mas ainda está longe de escapar dos preconceitos machistas que acompanham o esporte, ainda mais quando se trata de um time indígena.

Atlético Por Fi Ga é o nome da equipe composta pelas jogadoras da aldeia Kaingang, localizada no bairro Feitoria, em São Leopoldo, e as atletas do time precisam começar a driblar as adversidades antes mesmo de entrar em campo. Momentos que eram para ser de descontração e lazer, se tornam vivências ruins quando as adversárias xingam, olham torto, desmerecem a cultura, a linguagem e as vestes indígenas, dentro e fora das quadras.

O time foi criado antes mesmo da geração atual jogar em campo de futebol 7, nas quadras, e até em campos com 11 jogadores. “Eu comecei a jogar quando tinha 11 anos, hoje tenho 29”, afirma Vaneli Pedro, que atua na posição de ‘fixo’ no time. Mas mesmo com todo este tempo de existência, as jogadoras seguem enfrentando dificuldades para treinar, como as bolas perdidas na mata escura, por exemplo, que não é cercada por telas e nem refletores. Como as meninas não têm tempo de jogar durante o dia, e não possuem incentivo para arcar com os preços de aluguel de um ginásio, acabam tendo que aumentar ainda mais seus esforços na conquista de um bom desempenho.

A equipe participou pela primeira vez de um torneio fora da aldeia em 2022, quando foram convidadas a disputar a Copa Municipal Ary Moura de Futsal. Esta participação teve repercussão nacional, chamando a atenção da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que publicou uma matéria no site do Governo Federal. Porém, a segunda participação das meninas não agradou algumas

pessoas, resultando em atos de preconceito étnico-racial e social contra o time, seguido da suspensão no campeonato – da equipe vitimada – por dois anos.

“Elas [do time adversário] começaram a falar que a gente nem tinha fardamento e perguntar o porquê estávamos ali”, recorda a jogadora Maróeli Jacinto. Reunidas em uma rodinha, cerca de seis jogadoras do time relembram a história que as tirou das

“Sempre que as adversárias vêem que a gente não é branca, sentimos um olhar de nojo”

Ivaneza Floriano

Vaneli Pedro (à esquerda) domina a bola no campo de futebol da aldeia. Ivaneza Floriano exibe com orgulho o emblema da equipe do Atlético Por Fi Ga

próximas edições da Copa Ary Moura de Futsal. “A nossa jogadora estava indo com a bola e foi empurrada para baixo da mesa do juiz”, conta Vaneli, relembrando que o time adversário estava ganhando no momento. “Não tinha necessidade de fazer aquilo, era um jogo de apresentação, porque nós já tínhamos caído fora”. Em lance parecido, uma das jogadoras indígenas também fez falta, mas a adversária

não aceitou, começando uma discussão na partida que acabou na suspensão do time da Por Fi Ga. “Isso fica ruim para nós, a gente vai participar de algo para levar nossa cultura e acaba acontecendo esse tipo de coisa”, lamenta Vaneli.

Os problemas de relacionamento ultrapassam as quatro linhas. As atletas do time afirmam que as adversárias reclamam do idioma Kaingang, quando utilizado durante o jogo, do uniforme, e até mesmo das crianças no entorno da quadra. “A mulher indígena às vezes vai jogar e não tem com quem deixar os

filhos e até isso as pessoas brancas não gostam, porque elas ficam correndo e brincando em volta”, relata Vaneli, mãe de cinco meninas.

Todas as jogadoras do Atlético afirmam que não é fácil sair da aldeia para jogar, pois, na maioria das vezes, acabam sofrendo algum tipo de discriminação “das brancas”, como referem. “Sempre quando elas vêem que a gente não é branca, sentimos um olhar de nojo”, conta Ivaneza Floriano. “Essas ‘índias’ querem jogar e nem sabem jogar”, foi uma das frases ouvidas por uma das atletas da Por Fi Ga, durante uma partida ocorrida no final de setembro deste ano.

O Atlético Por Fi Ga entrava em quadra com pinturas corporais durante a competição. “A gente se pintava para representar nossa cultura, através dos grafismos, e as jogadoras de outros times também não gostavam disso”, diz Jocélia da Silva. “Até por a gente conversar na nossa língua eles reclamam, tanto os organizadores como as outras jogadoras. Isso é ruim pra nós, porque tem meninas que só se comunicam em Kaingang”, completa Ivaneza.

As atletas dizem que a organização do torneio, realizado pela Secretaria de Esporte e Lazer de São Leopoldo (SEMEL), tem sua parcela de culpa. “Eles convidaram a gente, então deveriam prestar atenção a essas questões”, opina Ivaneza.

Em contato com o secretário de Esporte e Lazer de São Leopoldo, Éder de Oliveira Krakeker, foi informado que a Copa Ary Moura de Futsal não terá edição em 2024. Não obtivemos resposta quando questionado sobre a participação do time indígena no evento.

O Atlético Por Fi Ga continua jogando em horários marcados contra outras equipes de futsal, mas as atletas desanimaram diante de outros torneios. Por enquanto, ainda é necessário resistir ao preconceito no esporte, pois ele ainda entra em quadra junto com o time de futebol feminino da Por Fi Ga. n

GABRIEL MUNIZ BERNARDO DE ALMEIDA

As vozes dos caciques inspiram gerações

Atuando como figuras políticas dentro das aldeias, os líderes são exemplos para os mais jovens

Apesquisa mais recente realizada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), em 2022, aponta que existem 573 terras indígenas oficialmente delimitadas pelo órgão no Brasil. Dentro destes territórios, uma das figuras que mais se destaca é a do cacique. Ele – ou ela, pois o cargo pode ser também ocupado por mulheres – é o chefe administrativo da aldeia, responsável por organizar e manter a estrutura, as normas, o bom funcionamento e um relacionamento saudável entre todos os moradores.

Figura respeitada dentro da Por Fi Ga, seu Antônio dos Santos foi cacique da aldeia durante três anos e nove meses, entre 2015 e 2018. “Saí por boa vontade. Gostaria até de ter ficado mais tempo, mas é uma função muito desgastante. São muitas responsabilidades e uma dedicação extremamente grande à população”, descreve.

Um cacique não recebe nenhum tipo de recompensa material durante o serviço prestado, que pode durar o tempo que a comunidade ou a liderança indicarem. Ele deve assumir essa posição com o propósito de trazer melhores condições aos seus semelhantes ao longo de seu mandato. “Liderei a aldeia porque gostava de representar meu povo. O que eu mais fazia era me envolver com as políticas públicas da região. Literalmente bater na porta dos poderes pra dialogar”, conta Antônio, nitidamente orgulhoso da trajetória que construiu.

“Um

cacique deve ser culto, experiente, esforçado e preocupado com a representatividade”

Ari Ribeiro

Seu Antônio herdou o interesse pela política do avô, que também foi cacique de uma outra aldeia. “Ele faleceu com 120 anos. Foi meu maior exemplo. Na nossa cultura o respeito aos mais velhos é uma das primeiras coisas que aprendemos. Isso se estende aos novos

caciques. Antes de serem escolhidos, esses jovens passam muito tempo sendo ensinados por aqueles que possuem mais experiência”, explica. Ainda assim, Nigre – nome pelo qual Antônio é conhecido entre os Kaingang – confidencia que não foi nada fácil atuar na posição, pois a maior parte do sofrimento do seu povo era (e ainda é) gerado pela falta de políticas públicas. “O papel do cacique é fundamental na cobrança aos nossos órgãos. As nossas relações não podem estar exclusivamente dentro da aldeia, é essencial que pensemos fora do nosso território.

Nossos direitos precisam ser garantidos de forma integral”, avalia, ainda que reconheça que a situação vem melhorando nos últimos anos.

Enquanto seu Antônio conta sobre os feitos de sua gestão, faz questão de citar os avanços trazidos para a aldeia em quase quatro anos de trabalho. Entre eles, destacam-se a aquisição de uma ambulância para levar a comunidade ao hospital, e o recebimento de mais quatro hectares anexados ao território onde hoje se estabelece a Por Fi Ga. “Esses terrenos foram comprados pelo Governo Federal juntamente com a Funai. Antes, possuíamos 13 hectares. Agora são mais de 17”.

Na aldeia Por Fi Ga também residem caciques que atuaram em outras aldeias. É o caso de Ari Ribeiro, ou Kajer, que exerceu sua liderança na

Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre, durante o início dos anos 2000. “Cheguei aqui em São Leopoldo em 2020, e desde então venho tentando colocar em prática minha experiência, principalmente junto aos mais novos, para que possam vir a ser caciques no futuro”, explica.

Conforme manda a tradição, os jovens já começam a ser observados desde cedo, e aqueles que demonstram as características necessárias para liderança, chamam a atenção dos mais velhos. “Um cacique deve ser inspiração para os demais. Por isso deve ser culto, experiente, esforçado, preocupado com a representatividade e ser preparado durante anos para que possa assumir tal responsabilidade”, ensina Ari. O processo de escolha dos caciques pode ser

diferente entre cada aldeia, mas de modo geral acontece após uma eleição. De acordo com Ari, uma das formas de contagem pode ser feita pelo bater de palmas da comunidade diante dos candidatos, que ficam em frente a todos os moradores no dia determinado para a eleição. Aquele que for mais aplaudido será a nova liderança. “O processo é até semelhante às eleições dos brancos, porém aqui o candidato é indicado pelos mais experientes da aldeia e não faz campanha para si mesmo. Além disso, aqui todos participam do processo democrático, inclusive as crianças”, completa seu Ari, comprovando que o despertar para a política, entre os indígenas, começa desde a infância. n

ARTHUR RECKZIEGEL JONATAS DE SOUZA
Antônio dos Santos foi cacique da aldeia Por Fi Ga durante mais de três anos, entre 2015 e 2018

12. Sobrevivência

Reserva é ameaçada pela expansão urbana

A invasão territorial, a escassez de matériaprima e a contaminação de nascentes preocupam moradores

Obarulho do progresso no bairro Feitoria, em São Leopoldo, que cerca o território Kaingang Por Fi Ga, soa como alerta para os moradores da reserva indígena. No entorno da aldeia, a construção de casas, loteamentos e condomínios provoca alterações no ambiente, que impactam desde a produção natural de materiais para o artesanato – a principal fonte de renda dos Kaingang – até a redução do volume de água nas duas nascentes que existem na área de 18,8 hectares.

Um exemplo é o condomínio Sun Garden , que está sendo construído nas proximidades. Com uma infraestrutura de 11.744,20 metros quadrados e um bosque particular de 4,8 hectares, o residencial é descrito como um “lugar planejado que concentra infraestrutura moderna e belezas naturais”. No entanto, essa modernização quase sempre se dá às custas da destruição e cercamento de habitats naturais.

É o caso da flora e da fauna da região, ricas em biodiversidade, mas que estão ameaçadas pela degradação ambiental. A reserva Por Fi Ga abriga espécies nativas e forma um ecossistema que sustenta a vida cultural e a sobrevivência dos Kaingang. Antônio dos Santos, o Nigre , mora ali há 15 anos e vem testemunhando as transformações da paisagem e os impactos na vida da comunidade. “Aqui embaixo não tinha condomínio, era tudo mato, nós colhíamos cipó e bambu para a produção de artesanato”, recorda Antônio.

Dona Rosalina Aires, ou Ka Chu Feij, que mora na comunidade desde 2009, também percebe as mudanças do local. “Tínhamos muitas ervas que usávamos para fazer chás, mas a maioria já foi cortada pelas máquinas ou alguém que não sabia o que era. Hoje, não tem mais tantos chás e nem muito material aqui para produzir”, relata.

A Por Fi Ga é uma reserva indígena ainda não homologada, o que a coloca em uma situação vulnerável em comparação às Terras Indígenas (TIs) formalmente reconhecidas. Segundo a Constituição Federal, as TIs são tradicionalmente ocupadas pelos indígenas para garantir sua sobrevivência cultural e física, conforme o artigo 231. As reservas indígenas, por sua vez, são áreas doadas ou desapropriadas pela União, mas que não necessariamente correspondem a espaços tradicionalmente ocupados pelos povos originários.

A falta de diálogo entre a comunidade indígena e as

empresas responsáveis pelos empreendimentos é uma das questões que preocupam os Kaingang. “Os empresários nunca vão sentar e conversar com nós, porque eles sabem que estão ocupando os nossos espaços”, lamenta Antônio. Contatamos a construtora Habitasinos, que está à frente do projeto Sun Garden , mas não tivemos retorno até o fechamento desta reportagem.

ARTESANATO É RESILIÊNCIA

Principal forma de expressão das famílias Kaingang, a produção de artesanato também sustenta toda a

família de Antônio. Cada peça leva um tempo significativo para ser criada. As lanças de taquara e madeira, por exemplo, demoram um dia inteiro para serem confeccionadas, enquanto os colares feitos com sementes de açaí ou conchas podem levar uma semana. “O artesanato é cultura, e a cultura para nós é um espírito sagrado que nós temos que preservar e cuidar para que ela não seja explorada por pessoas não indígenas”, afirma Antônio. Mas os cipós, taquaras, bambus e outras matérias-primas essenciais estão se tornando escassas, forçando a busca de recursos em

outras matas, na beira do Rio do Sinos e em parques estaduais e municipais – o que dificulta a obtenção de forma sustentável. “O avanço dos ‘homens grandes’, os homens do poder e do dinheiro, só entram nessas áreas para destruir, eles só pensam na moeda”, critica Antônio. “Algumas coisas a gente tinha aqui, mas a gente está deixando crescer porque nossa reserva é pequena e não temos espaço para plantar”, explica. A coleta do material é realizada, em média, a cada dois anos. “Por exemplo, colhe esse ano e aí tem que deixar tudo brotar e crescer de novo”, ensina Antônio. A falta de

Moradores dizem que uma das nascentes pode estar contaminada por agrotóxicos usados em lavoura vizinha

A comunidade usa a água, mas preserva a outra nascente, hoje até explorada de forma ilegal por não indígenas

matéria-prima obriga que ele e sua família usem da lógica industrial, comercializando itens que não são produzidos a partir da natureza.

O trabalho artesanal dos Kaingang também é muitas vezes desvalorizado no mercado em termos financeiros. “A maioria das pessoas não compra. O que nós vendemos não é suficiente pra gente sobreviver, mas fazer o quê? É a nossa única renda”, diz Nigre, que também aponta a ausência de apoio governamental. “Nunca tivemos ajuda. Cada um trabalha, luta e comercializa. E ainda, muitas vezes, o nosso espaço pra trabalhar é negado”, reforça.

ÁGUA É BEM VALIOSO

Na Por Fi Ga há duas nascentes, que antes tinham maior volume. Hoje, já são tratadas como recurso escasso pela comunidade. O desmatamento é uma das principais causas do desaparecimento das nascentes, pois reduz a capacidade do solo

de reter a água da chuva. “Se construir casas por aqui, nós podemos ser prejudicados, pois a água que temos pode sujar e ficar ruim para tomar.

A água de uma das nascentes, por exemplo, a gente não consome, só usa pra tomar banho e lavar roupa quando falta a água do Semae, pois tem casas em volta dela e um plantio fora da aldeia que utiliza agrotóxico”, conta Dona Rosalina Aires. A fonte de água considerada boa para beber e cozinhar está localizada na mata, debaixo de uma grande pedra que dá para um reservatório improvisado. “Uma vez, há alguns anos, veio um pessoal que levou a água e falou que não era muito boa pra beber. Mas eu não sei o

“O avanço dos ‘homens grandes’, os homens do poder e do dinheiro, só entram nessas áreas para destruir, eles só pensam na moeda”

Antônio dos Santos

porquê, se ela vem debaixo da pedra… Eles nunca mais vieram”, relembra Dona Rosalina. Há muito tempo não são realizados testes na água ou fiscalização no local. Para que a água fique mais acessível aos moradores, a comunidade improvisou um encanamento usando uma mangueira que traz o líquido da nascente até uma torneira. Uma garrafa pet perfurada faz o trabalho de peneirar e impedir que as folhas e pedregulhos bloqueiem a passagem da água. Mas, ao lado desta, também se vê uma outra mangueira. “Esta é dos não indígenas, eles que colocaram. Eles levam água para fora da aldeia”, denuncia Rosalina, que também lamenta

a falta de controle e cuidado com as nascentes. “Tinham que fazer um poço e cuidar mais, até porque não somos só nós que usamos”.

Embora a aldeia tenha água encanada, Rosalina diz que é complicado beber da torneira. “A gente sabe que ela é tratada e é útil para beber, mas até o cheiro do cloro às vezes é muito forte. Nós estamos acostumados a tomar uma água mais natural. Quando éramos crianças, nas grandes aldeias, não tinha esses venenos, nunca foram usados, a gente tinha água da vertente”, explica a moradora.

Felizmente o território não foi atingido pelas chuvas de maio de 2024, mas uma suposta contaminação da água fornecida pelo município ainda preocupa a mãe de seis filhos. “Depois da enchente falaram pra gente não consumir a água da torneira. Por isso a água da vertente é bem importante para nós, pois não é uma água

contaminada, é uma água bem boa pra gente tomar”. Em contrapartida, o Serviço Municipal de Água e Esgotos (Semae) de São Leopoldo afirma que a água fornecida é tratada e a qualidade é testada de hora em hora. “A água que a população recebe na torneira é própria para consumo, já que além do processo de clarificação, também é submetida à desinfecção, etapa que oxida os microrganismos e mantém a quantidade necessária de cloro durante a distribuição pelas tubulações. Poços, bicas e vertentes não passam pelo monitoramento contínuo”, afirma o diretor-geral do Semae, Maurício Miorim. n

O desequilíbrio ambiental impede que a natureza produza a matéria-prima usada no artesanato

MATEUS DIAS
LARISSA SCHNEIDER
GABRIEL MUNIZ
LUA SANTOS
KAUANE DOS SANTOS
CAROLINE LOPES
BIANCA JUCHEM
BERNARDO DE ALMEIDA
CAROLINE LOPES
BERNARDO DE ALMEIDA

Cenas em extinção

Fotografar na era digital é cada dia mais habitual, quase corriqueiro.

Pode-se dizer que sua importância se banaliza pela facilidade proporcionada por câmeras e celulares. Remando contra a maré, resolvi fotografar com câmeras analógicas. E um pouco além disso: fotografar com câmeras conhecidas como de “grande formato”, que não utilizam filmes convencionais, em bobinas, mas filmes em chapas, algumas com tamanhos semelhantes aos de uma folha de ofício. Um tipo de fotografia que pode ser considerada em extinção, pois a manutenção das câmeras é difícil, o acesso às lentes é eventual e as chapas de filme são cada vez mais raras de encontrar. No momento da captura é preciso considerar, além das questões de luz e composição, que o equipamento é pesado e dificulta os deslocamentos. Considerando tripé, porta-filmes, objetivas, câmera, fotômetro, lupa, cabo disparador e case, o equipamento pode chegar até cerca de 16kg. Ocorrem também problemas com os filmes, que podem reagir à luz ultravioleta, ou até desenvolver fungos por conta da necessidade de armazenamento em lugares frios e escuros.

Somando a tudo isso, é necessário ainda revelar as imagens de forma artesanal, pois os laboratórios estão cada vez mais escassos, e os que ainda existem não querem mais trabalhar com filmes em preto e branco. Essa dificuldade me levou a montar meu próprio laboratório, e desenvolver equipamentos de forma caseira. O processo se transformou em um verdadeiro ritual, ampliando o que efetivamente importa: fotografar.

Toda imagem tem algo de “cena”, ou pose. Mas, no modelo que tentei descrever aqui, pelo tempo exigido para cada tomada, pelo equipamento e o seu processo de produção, a fotografia expande e impõe algo ainda mais teatral.

Entre tudo isso, fica o enorme aprendizado de estar junto da comunidade Por Fi Ga, e a inegável satisfação em ver as suas imagens no varal, secando. Talvez, revelando mundos pouco vistos, ainda que sempre presentes. n

Por trás da câmera

FLÁVIO

Uma língua e um sistema de ensino em risco

Comunidade busca há pelo menos 12 anos o direito à escola própria com professor bilíngue

DProfessor Leandro Cândido dá aulas na escolinha improvisada no Centro Comunitário da Por Fi Ga. Hoje aposentada, a professora Rosalina Aires ainda canta melodias em Kaingang para ensinar o idioma

ona Rosalina Aires – Ka Chu Feich na língua Kaingang – foi professora bilíngue do 1º ao 5º ano, de 2005 a 2009, na aldeia Por Fi Ga. “Na época que eu trabalhava as crianças eram muito falantes. Agora parece que os pais e os filhos só falam português. Daqui a uns quatro ou cinco anos, sem um professor bilíngue, a nossa língua vai acabar por aqui”, analisa. Infelizmente, a impressão da professora aposentada se comprova nas pesquisas. De acordo com Censo 2022, os Kaingang são a terceira maior etnia indígena do Brasil, somando mais de 37 mil pessoas na Região Sul e em São Paulo. O Censo anterior, de 2010, apontava que apenas 22 mil Kaingang falavam seu idioma, indicando uma perda linguística de 40%. Este dado não foi atualizado no novo documento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que analisa a alfabetização indígena no país. O atual professor da comunidade Por Fi Ga, Leandro Kavig Cândido, cursou magistério, mas revela que têm conhecimentos básicos da oralidade da língua Kaingang. Falta, para ele, um especialista trabalhando na aldeia que consiga instruir a gramática do idioma. “Eu até poderia ensinar o básico, mas o estado exige alguém formado”. Além disso, um professor específico poderia usar outras técnicas de ensino, como refere Leandro. “A gente vê que precisa de um professor que aplique aqui suas próprias estratégias, pois hoje as crianças, na cidade, pegaram outro costume”. Observando sua própria família, o professor percebe que todo um sistema de ensino e aprendizagem está em risco. “A minha menina está crescendo falando português. Eu faço o máximo para ensinar Kaingang, só que tem a coleguinha, que convive todo dia com ela, falando só em português. As crianças não fazem nem as brincadeiras que a gente fazia. Preferem as coisas modernas, os jogos e o celular. Quando eu tento falar em Kaingang, elas já não sabem uma palavra simples”, lamenta Leandro. Dona Rosalina reforça que a perda do idioma também acontece em função da falta de incentivo da família de origem. “Se as crianças já não falam com os pais em casa, também não adianta empurrar pra uma escola bilíngue. Quando eu dava aula, ensinava cantando. Hoje, na comunidade, tem crianças que se tu falar na própria linguagem, elas não acompanham”, comenta a ex-professora. Leandro também chama atenção para o fato de que o estado vem ignorando as constantes demandas da Por Fi Ga em

relação aos direitos assegurados na legislação. “Até o nosso Cacique Elton, que tem toda a autonomia de ir lá cobrar, vê a dificuldade. A gente não é bem recebido. Hoje a gente chama de escola um centro cultural comunitário. E foi reformada uma outra peça, que não tinha morador, pra botar a funcionar os computadores [doados para a aldeia em um outro projeto]. Só que tá ali, jogado. Doze anos que tá ali”, lamenta.

O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO

O Artigo 231 da Constituição Federal assegura aos indígenas a “sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições”. Já o Artigo 210, Parágrafo 2º, prevê “a utilização das línguas maternas e processos próprios de aprendizagem”, enquanto o Artigo 215, Parágrafo 1º, dispõe que o estado deve proteger “as manifestações das culturas populares, indígenas e afrobrasileiras”. É também do estado, de acordo com o Ministério da Educação (MEC), a responsabilidade pela oferta, formação e regularização profissional dos professores indígenas.

“Daqui a uns quatro ou cinco anos, sem um professor bilíngue, a língua kaingang vai acabar por aqui” Rosalina Aires

De acordo com o Artigo 28 da Convenção 169, estruturada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), “deve-se ensinar às crianças a ler e escrever na sua própria língua indígena”. Quando isso não for viável, diz a Convenção, as autoridades devem fazer consultas aos povos para adotar medidas que permitam preservar as suas linguagens.

No Brasil são faladas, aproximadamente, 274 línguas indígenas, sobreviventes de um processo de perdas linguísticas desde o período colonial. Diversas pesquisas apontam que 85% das 1.500 línguas que já foram faladas no Brasil terminaram extintas em violentos processos de imposição do idioma português.

Os dados do Censo Escolar 2023 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP) confirmam as dificuldades relatadas pelos professores Rosalina e Leandro. De acordo com o órgão, entre os desafios atuais para a educação indígena estão a oferta de formação específica, a construção de escolas, a situação funcional dos professores que atuam nos territórios e a qualificação da infraestrutura física escolar.

Para piorar a situação, apenas três secretarias estaduais de educação no Brasil possuem planos de carreira específicos para professores indígenas: Amapá, Bahia e Roraima. O Enfoque entrou em contato com a Secretaria de Educação do Estado do RS (SEDUC-RS), mas não obteve respostas até o fechamento desta reportagem. n

LIA KIRCH

CAROLINE LOPES

LARA ZARTH

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