Circulando Edição 524

Page 1

6

Vivendo a vida e o amor na melhor idade

4

13

Meio século de amor ao rádio em GV

O desafio de viver da arte em Valadares

10

Superando as dificuldades com garra

Circulando JORNAL-LABORATÓRIO

CURSO DE JORNALISMO

MAIO 2016

‘Magelinha’: tragédia, dor e saudade

7

ANO 17 EDIÇÃO 524

FOTO: Diego Dunga

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Especial

Há 106 anos nos trilhos da história de Valadares Era início do século 20. Os primeiros automóveis a gasolina eram produzidos exclusivamente nos Estados Unidos. Santos Dumont ainda projetava o 14 bis, que realizaria seu primeiro voo em 1906, na França. No Brasil, a população vivia os primeiros anos de república, deixando para trás a época imperial e direcionando para um futuro de desenvolvimento. Um dos símbolos desse desenvolvimento chegava ao leste de Minas em 1910. A bordo de uma composição da locomotiva e com muita festa, um acontecimento mudaria para sempre a história do povoado de Figueira. A Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM), que seguiria de Vitória, no Espírito Santo, até Diamantina, no Alto Jequitinhonha, teve o curso alterado em direção a Itabira graças a então recente descoberta das jazidas de minério na região. Foi o capítulo necessário para a chegada do trem até a Figueira do Rio Doce, atual Governador Valadares.

Assentamento vira objeto de pesquisa

De fazenda de veraneio a bairro Grã-Duquesa

A cerca de 100 quilômetros de Governador Valadares, sentido Conselheiro Pena, fica o Assentamento Cachoeirinha. Através de uma luta que já é travada há pouco mais de 20 anos, o lugar é lar de três gerações. E, juntas, essas famílias fazem o possível para garantir, dia

FOTO: E.C. Democrata

FOTO: Divulgação

após dia, moradia e sustento. A história dos assentados do Cachoeirinha chamou a atenção de pesquisadores da Univale. Os estudos envolvem o uso da água do Rio Doce no dia a dia da comunidade e também a alimentação e nutrição dos moradores.

12 Página

Página

3

Os vitoriosos anos 90 do Democrata

A nobre senhora Charlotte Josephine, acompanhada do marido João Bento Guilherme, no ano de 1958 desembarcaram em Governador Valadares, vindos da Europa. Enquanto passeava a cavalo pela cidade, ela se encantou com as terras e pediu ao marido que comprasse a região por onde

passara, pois naquele local iria construir uma fazenda de veraneio. Essa senhora era a Grã-Duquesa de Luxemburgo, do Grão-Ducado de Luxemburgo, situado na Europa Ocidental, entre a França, Alemanha e a Bélgica. Assim, como num conto de romance, começou a história do bairro Grã-Duquesa.

14 Página

FOTO: Divulgação

8

Estádio José Mammoud Abbas (Mamudão), 4 de agosto de 1991. Democrata e Atlético-MG entravam em campo para a estreia no Campeonato Mineiro daquele ano, a torcida que lotava o estádio sequer imaginava o desfecho da história que iria começar ali. Nem o mais otimista torce-

dor pensou que pudesse terminar aquela temporada com o título simbólico de Campeão Mineiro do interior, feito repetido por mais três vezes, consecutivamente. Foi essa a sina do alvinegro na década de 1990, fase dourada que encheu o valadarense de orgulho e alegria.


2 Opinião

MAIO 2016

EDITORIAL

CRÔNICA

Por Franco Dani

“Amor pra recomeçar” cedo”. Mas Cecília parou. Muito antes do que esperavam os que admiravam sua vontade de viver, e se inspiravam no seu jeito intenso e, ao mesmo tempo, meigo. A um grupo de alunos ela chegou a prometer, no final de 2015, que retornaria em

2016 (ainda) mais bonita – fazendo referência a um procedimento estético ao qual se submeteria em janeiro deste ano, dias antes de sua morte prematura. Como professora também do Programa de Mestrado em Gestão Integrada do Território da Univale, ela coordenava um projeto por

“ FOTO: Arquivo pessoal

O JORNAL LABORATÓRIO CIRCULANDO é uma publicação bimestral do Curso de Jornalismo da Faculdade de Artes e Comunicação (FAC) Fundação Percival Farquhar Presidente: Rômulo César Leite Coelho Universidade Vale do Rio Doce Reitor: Prof. José Geraldo Lemos Prata Coordenador do Curso de Jornalismo: Prof. Dileymárcio de Carvalho Gomes Projeto Gráfico e Design: Prof. Mayer Moraes Lana Sírio Prof. Elton Binda Editoração Eletrônica: Prof.Elton Binda

meio do qual pesquisou a história do Assentamento Cachoeirinha, a aproximadamente 100 quilômetros de Governador Valadares, sentido Conselheiro Pena. Os estudos envolvem o uso da água do Rio Doce no dia a dia dos assentados e também a alimentação e nutrição desses moradores. Nesta edição, o CIRCULANDO quis prestar uma homenagem à Maria Cecília com uma matéria sobre este projeto, cuja finalidade era, a partir dos resultados, propor alternativas e melhorias quanto aos hábitos alimentares e uso da água no assentamento. Esse projeto é apenas uma das sementes que ela plantou. Semente é legado. E a professora deixou o seu. Fez sua parte neste mundo. Aprendeu e ensinou com muita dedicação. Amou e foi amada. Chorou quando achou que era necessário, mas o sorriso era sua marca maior. Muitos de seus ensinamentos e pesquisas continuam, agora sob a responsabilidade de outros. Nos últimos versos de seu poema, Sérgio Jockymann deseja que plantemos uma semente, por mais minúscula que seja. E que acompanhemos o seu crescimento, para que saibamos de quantas muitas vidas é feita uma árvore. Maria Cecília não cumpriu a promessa de retornar para a sala de aula em 2016, mas plantou muitas sementes. E a nós compete regar a terra onde elas foram lançadas.

Semente é legado. E a professora deixou o seu. Fez sua parte neste mundo. Aprendeu e ensinou com muita dedicação. Amou e foi amada. Chorou quando achou que era necessário, mas o sorriso era sua marca maior.

Editores: Prof. Franco Dani - MTb MG 03.319 JP Prof. André Manteufel - MTb MG 10.456 JP Jornalista Responsável: Prof. Franco Dani - MTb MG 03.319 JP

Redação

Expediente

No dia 30 de dezembro de 1978, o jornalista, romancista, poeta e teatrólogo gaúcho Sérgio Jockymann (1930/2011) publicou em sua coluna do jornal Folha da Tarde, de Porto Alegre (RS), o poema “Os votos” – cuja autoria também tem sido atribuída ao francês Victor Hugo, que escreveu “Voeu” (Votos, em nossa língua), muitos anos antes, mas cujos versos têm poucas semelhanças com os do brasileiro. O texto de Jockymann é carregado de um sentimento comum às vésperas de ano novo: o de desejar sucesso, saúde, amor, entre outras coisas positivas para as pessoas pelas quais temos afeto. Em 31 de dezembro de 2015, também véspera de ano novo, a professora do curso de Pedagogia da Univale, Maria Cecília Pinto Diniz, fazia uma de suas últimas postagens numa rede social. Em sua página do Facebook, ela reproduziu uma mensagem da música “Amor para recomeçar”. Além de semelhança da ocasião da publicação do poema e da postagem da professora, 37 anos depois, o conteúdo da mensagem de Cecília, como era chamada pelos colegas e alunos, revela outras curiosidades. “Amor para recomeçar” tem como um de seus compositores o letrista, poeta e escritor Mauro Santa CECÍLIA. Como se não bastassem as coincidências, a letra foi inspirada no texto de Sérgio Jockymann. Assim como “Os votos”, “Amor para recomeçar” fala de esperança, de amizade, de amor, de persistência, de tolerância, de alegria, de recomeço. Mais coincidências? Talvez, porque era exatamente assim que Maria Cecília se mostrava o tempo todo. No seu trato com as pessoas e nos seus ensinamentos traduzia bem cada uma dessas palavras. Mas ela não estava falando de si mesma. Ironicamente, a primeira frase da canção faz referência a não “parar tão

Escritório de Comunicação Rua Israel Pinheiro, 2000, Bairro Universitário - Campus Antônio Rodrigues Coelho - Bloco C6 - Governador Valadares / Minas Gerais CEP: 35.020.220 / Contato: (33) 3279-5548 circulando@univale.br

A beleza do sorriso “Sorria, você está sendo filmado”. Essa é uma frase que, sem rodeios, nos leva a entender a mais autêntica forma de como ser, de fato, bonitos. Se a verdadeira beleza culminasse em belas roupas ou em um corpo esbelto e sarado como o do ator Chris Evans, em Capitão América, após enfrentar dieta e muito treino para protagonizar o herói, talvez o adesivo pregado na parede dissesse: “Vistase bem”, ou “Emagreça e faça exercícios físicos, você está sendo filmado”. Mas a frase diz por si só. Quer sair bonito na câmera? Dê um sorriso. Há algo, além disso, no entanto. Sorrir não apenas nos deixa formosos. Também é uma maneira de deixar o mundo mais atraente aos olhos. É como conjurar um Patrono, eu diria. Em Harry Potter, o Patrono é um ser sobrenatural, feito de energia positiva e tem aspecto diferente e único para cada bruxo, quando conjurado. É uma forma de defesa contra Dementadores (criaturas das trevas que se alimentam da felicidade humana) e é produzido quando há concentração em uma boa lembrança. É o feitiço mais bonito. E, como ele, o sorriso nasce quando a nossa mente se enche de bons pensamentos e o nosso coração de bons sentimentos para deixar tudo mais bonito, seguro e iluminado. Além da sensação de bem-estar, paz e deleite que o sorriso provoca em nós, ele faz bem à saúde também. Vi, há pouco tempo, em um site, uma pesquisa divulgada pela Escola de Medicina de uma universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, que dizia que sorrir colabora para aumentar a produção e a atividade no organismo das células responsáveis por destruir vírus e até tumores presentes no corpo. E, hoje em dia, o sorriso vem sendo utilizado no cuidado dos pacientes. Há vários grupos, no mundo todo, de pessoas que se fantasiam

Repórteres: Alunos do 5º e 7º períodos de Jornalismo Impressão / Tiragem: Gráfica e Editora Leste / 500 exemplares

Por Nataly Maier 5º período

de palhaços e personagens de histórias infantis que nasceram, de maneira voluntária, com a intenção de levar alegria aos pacientes, médicos e enfermeiras que lidam com vários tipos de doenças todos os dias. Isso acontece porque a maioria das pessoas entende que sorrir é vestir a roupa bonita – o vestido da esperança, a camisa do amor, a calça da superação – e quem o faz tem a capacidade de conduzir outras pessoas a vestirem essa roupa também. O poder de contagiar e transmitir a paz que o outro precisa não se explica, apenas se vê e sente. Com toda essa vantagem, sem dúvidas é a melhor moda a seguir. Vejo dezenas de pessoas sorrindo todos os dias. E quem disse que a curva mais bela do corpo é a do sorriso, tem razão. Tem gente que sorri com os olhos, outros, com as bochechas. Há quem tenha os dentes certos e as pessoas que preferem ter um dente a mais para evitar ir ao dentista todo mês. Há quem só sabe sorrir de lado e há quem possui o sorriso tão largo que, como diria uma amiga, “vai de uma orelha à outra”. E todos esses sorrisos carregam algo em comum: a esperança no amanhã, o contentamento no hoje e a fé em uma vida melhor e um mundo com mais alegria. Seja como for o seu sorriso, mostre-o. Na maioria das vezes você não estará sendo filmado, mas em todas elas, terá alguém esperando um sorriso seu para contemplar a beleza da simplicidade das coisas. Seja realmente bonito de se ver. Apenas sorria.


3 Comportamento

MAIO 2016

Por Lettícia Gabriella, Salomão Renato e Natália Carvalho 7º período

Assentamento Cachoeirinha: 20 anos e muitas histórias FOTOS: Arquivo pessoal (Dilemara Sellos)

Comunidade virou tema de pesquisa

A HISTÓRIA dos assentados do Cachoeirinha chamou a atenção de pesquisadores do Mestrado em Gestão Integrada do Território da Univale

Seguindo sentido ao município de Conselheiro Pena, a quase 100 quilômetros de Governador Valadares, se alguém andar cerca de um quilômetro e meio até a ponte sobre o Córrego Capivara, e depois aproximadamente meio quilômetro mais à frente, chegará a um lugar que é fruto do sonho antigo de trabalhadores da zona rural do município de Tumiritinga: o Assentamento Cachoeirinha. Através de uma luta que já é travada há pouco mais de 20 anos, o lugar é lar de três gerações, e juntas, essas famílias fazem o possível para garantir, dia após dia, moradia e sustento. A história do assentamento tem início em junho de 1988, quando as fazendas Califórnia e Califórnia da Limeira foram desapropriadas para a reforma agrária. Na época, as terras foram designadas aos trabalhadores do município de Tumiritinga junto ao Sindicato de Trabalhadores Rurais (SRT) e ao Movimento dos Sem Terra (MST), mas com a recomendação de que a área ficasse desocupada. Eles esperavam que o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) providenciasse um assentamento, tendo em mente a garantia de terra para as famílias do próprio município. Em 1993, cansadas de esperar por providências, cerca de 100 famílias de trabalhadores rurais descumpriram as recomendações do Incra e ocuparam a propriedade em busca de um pedaço de terra para plantar e viver. Entre elas, 33 famílias a partir das quais viria a se formar o Assentamento Cachoeirinha.

Porém, por terem menos familiaridade com o processo de organização e pela menor capacidade de negociação e experiência das lideranças, as famílias foram colocadas à margem do processo de divisão das terras, tendo que se contentar com uma pequena área de apenas 408 hectares para abrigar mais de trinta famílias. Depois de um longo processo e com a aprovação do Incra e o apoio do CAT (Centro de Assistência Técnica), que é uma organização não-governamental (ONG) com sede em Governador Valadares, as famílias foram finalmente consideradas como assentadas, tendo em vista a possibilidade de que os lotes ocupam uma boa extensão da várzea do Rio Doce, o que ajuda no plantio e cultivo. José Pavuna, hoje presidente da Associação Assentamento Cachoeirinha, faz parte dessa história desde o começo. Ele estava entre as famílias que ocuparam a terra, e conta que o período foi complicado, marcado por conflitos. Mas, de todas as lições que a vida lhe ensinou, acredita que com muito esforço e trabalho duro, além de um objetivo definido, é possível realizar os sonhos: “Não ocupamos o Assentamento Cachoeirinha simplesmente por ocupar. A terra é pra quem sua em cima dela, e nós viemos para cá com esse intuito, que é comer o que suássemos. O melhor adubo da terra é o suor do homem”. Mesmo depois da ocupação, as lutas pelo direito à terra não cessaram, e são característica presente no

cotidiano das famílias do Assentamento até os dias de hoje. No processo de constituição do PA Cachoeirinha, além do apoio do movimento sindical, a partir do STR do município e do STUT (Sem Terra de Tumiritinga), os assentados contaram também com o apoio da Igreja Católica por intermédio do então pároco local, o que possibilitou bons investimentos em infraestrutura de produção. Os moradores mais antigos do lugar contam que o apoio do padre foi decisivo na hora de saírem em busca dos direitos e também na conquista das terras que hoje chamam de lar. Apesar das deficiências, como o tamanho da terra em vista do número de famílias que foram assentadas, o Assentamento Cachoeirinha tem uma boa infraestrutura, dotada de área comunitária com garagem, casa de farinha, desintegrador, trator, picadeira, curral, casa para produção de rapadura e melado, rede de energia elétrica, água servida pela Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa)

e estradas em bom estado de conservação, além de localização privilegiada em relação à sede do município. Com produções coletivas e também individuais, os assentados produzem para o consumo e também para a venda. Milho, leite e derivados são alguns dos produtos que saem de lá rumo às cidades vizinhas. Para o presidente da Associação do Assentamento Cachoeirinha, José Pavuna, pouco a pouco, e com determinação, os sonhos se transformam em planos, e esses, em objetivos. A aposta agora, segundo ele, é investir na inseminação artificial do gado, aumentar a produção de leite e crescer cada vez mais. “É o que tem acontecido com a gente esse tempo todo. Por isso que temos nos sobressaído. Temos o sonho coletivo de transformar a nossa realidade e garantir ocupação e a renda para o nosso jovem. Porém, como a terra é pequena. Precisamos ter investimento de fora, precisamos pensar em uma tecnologia melhor”, conta.

A história dos assentados do Cachoeirinha chamou a atenção de pesquisadores do Mestrado em Gestão Integrada do Território (GIT) da Universidade Vale do Rio Doce (Univale). Atualmente, mestrandos e professores desenvolvem pesquisas no assentamento. Os estudos envolvem o uso da água do Rio Doce no dia a dia da comunidade e também a alimentação e nutrição dos moradores. A professora e doutora Maria Cecília Diniz, que estava responsável pelo acompanhamento dos trabalhos desenvolvidos, foi a primeira a pesquisar sobre o Assentamento Cachoeirinha, despertando o interesse dos alunos. “A pesquisa começou em 2012 e o primeiro tema se ligava a questões de sustentabilidade e água. Agora, nós temos dois alunos do mestrado pesquisando sobre o lugar e que vão defender nos próximos

anos os resultados sobre o assunto”, disse à época de sua entrevista ao CIRCULANDO, no final de 2015. A mestranda Dilemara Sellos considera a pesquisa muito importante, pois ela está trabalhando os conteúdos vistos na disciplina em sala de aula e auxiliando, de alguma forma, os moradores do assentamento. “Com essa pesquisa, estou colocando todos os conhecimentos adquiridos em sala de aula em prática. E isso é uma coisa boa, tanto para a disciplina, quanto para as próximas pesquisas que eu possa vir a desenvolver com essa experiência”, conta. O mestrando Ranam Reis também desenvolve pesquisas com os assentados, porém sobre o uso e consumo da água no assentamento. “Minha pesquisa está voltada para os hábitos dos moradores do assentamento em relação ao uso da água”.

Arquivo pessoal (Moradores do Assentamento)

AS FOTOS guardadas com carinho por moradores do Assentamento são um registro de quase 20 anos de muito trabalho, mas também de conquistas


4 MAIO 2016

Comportamento

Por Luciely Elorrany, Nicolas Caus, Tracey Bonilla 5º período

Dona Mereciana e seus 105 anos de simplicidade e simpatia Em meio aos aproximadamente 1.000 habitantes com idade a partir de 65 anos que moram no bairro Grã-Duquesa, segundo dados da Prefeitura de Governador Valadares, quem conhece Dona Mereciana de Jesus Silva, não colocaria esta senhora de 105 anos nesta categoria. Não pela idade, obviamente, mas pela juventude que ela acumula e pela vontade de viver que contagia quem a conhece. A equipe de reportagem do CIRCULANDO conversou com essa simpática personagem. Foi um momento inesquecível. Daqueles que nós, bem menos experientes, guardamos para a vida toda. Logo que chegamos na casa de Dona Mereciana, na avenida Luxemburgo, bairro Grã-Duquesa, fomos recebidos por ela e seu filho Edson Alves, de 61 anos. De cara, percebemos que estávamos diante de uma senhora vaidosa, afinal, a entrevista já estava agendada e vimos que ela se preocupou em nos receber. O cabelo estava arrumado por debaixo do lenço, as unhas estavam pintadas de rosa, e ela usava um colar de pérolas em volta do pescoço. Mas um acessório chamou muito mais a nossa atenção: o sorriso constante daquela adorável senhora. Com o astral lá em cima e com uma enorme vontade de viver, registramos um

seguiu lá, compraram a casa onde vivem hoje, onde criaram fortes laços de amizade. O relacionamento dela com os vizinhos é impressionantemente carinhoso. Na parte do tempo que fica sentada numa cadeira do lado de fora da casa, de frente pra rua, as pessoas a cumprimentam, e ela saúda a todos com a mesma simpatia e educação. Nossa equipe conversou com Marineuza de Oliveira Souza, vizinha de Dona Mereciana há 9 anos. Ela contou um pouco sobre como foi a festa do centenário da amiga, comprovando o quanto ela é querida no bairro. “Tinha tantos vizinhos e amigos que a rua poderia ter sido fechada”, lembra Marineuza. Em maio de 2015, na comemoração de seus 104 anos, Dona Mereciana ganhou um presente mais do que especial: uma canção composta pelo filho Edson. Um trecho da música que fizemos questão de escolher para fechar com chavede-ouro o nosso bate-papo com essa ilustre família diz o seguinte: “Você foi meu pai e minha mãe também. Você me deu a vida, agora eu sou alguém”. Emocionada, mas sem perder a irreverência, Dona Mereciana responde: “Eu fiz 105 anos. Se for da vontade do Pai e se eu vencer, no dia 15 de maio do ano que vem chego aos 106”.

FOTO: Nicolas Caus

EDSON, O filho caçula de Dona Mereciana, compôs uma música em homenagem aos 104 anos da mãe, em 2015

pouquinho dessa história que começou há muitos anos, lá em Cachoeira Escura, na região de Belo Oriente, município que fica a cerca de 90 quilômetros de Valadares. Depois de ser abandonada pelo falecido marido, Dona Mereciana mudou-se da fazenda onde morava com os 10 filhos para a cidade de Coronel Fabriciano, no Vale do Aço. Lá residiram até 1964, quando se mudaram para Governador Valadares. O filho Edson, que é o filho caçula, lembra que chegan-

do na cidade do Vale do Rio Doce, ele, a mãe e alguns dos irmãos moraram de favor na casa de um conhecido: “Chegamos aqui [em Valadares] e fomos de charrete para o bairro de Lourdes. Não tinha ônibus, nem nada. Moramos muitos anos lá”. Em 1990, a família se mudou para o bairro Grã-Duquesa, onde vive há 25 anos. Dona Mereciana lembra que ao chegarem ali quase não havia casas. “Eu lembro que tinha uma lagoa muito grande e tinha muitos ratos. A estrada

era de terra e quando chovia ficava cheia de lama. Quem estava de carro tinha que deixar pra trás e seguir a pé”, conta. Nesse tempo em que esteve no Grã-Duquesa, ela e os filhos viram o bairro crescer e se tornar um dos principais da cidade. “Vimos o crescimento da Igreja Cristo Redentor, que antes era somente uma capelinha aos pés do morro”. Ela conta que ainda frequenta a igreja, sempre na companhia das amigas. Por morar em um bairro que oferecia poucas oportu-

nidades, era comum se deslocar para outras áreas da cidade em busca de trabalho. Assim, Dona Mereciana trabalhou em colheitas de café, casas de família, fábrica de bebidas e outros tantos lugares de Valadares. Os filhos homens frequentaram o Tiro de Guerra, que até hoje está localizado no mesmo bairro, na Avenida Veneza. Durante a entrevista com Dona Mereciana, o filho Edson contou que morou por cinco anos nos Estados Unidos. Com o dinheiro que con-

Meio século de amor ao rádio Por Paulo Henrique dos Anjos, Sávio Scarabelli e Nicolas Caus - 5º período

É fim de tarde, volta do trabalho. O rapaz entra no carro, liga o rádio e ouve uma voz rouca, grave e potente anunciando: “Olha a hora... dezessete e cinco.” A voz por trás do microfone da rádio é de Moacir Marques. Mal sabe o rapaz que o homem falando ao som de uma música de faroeste de fundo tem uma história de vida que se confunde com a história do próprio rádio valadarense. Como o ouvinte que agora escuta o rádio no carro, Moacir Marques também era apenas um jovem trabalhador, com pouco mais de 20 anos de idade, quando entrou pela primeira vez num estúdio de rádio profissional. A história começa em 1965. Governador Valadares era informada diariamente pelos locutores da Rádio Educadora Rio Doce. Todos os dias, homens e mulheres sintonizavam a emissora para ouvir as notícias da cidade, contadas pelo

Repórter Policial. Enquanto o saudoso locutor Osman Monteiro denunciava a criminalidade, Marques, mesmo sem experiência, aceitava o convite para trabalhar na rádio. Foi o primeiro de muitos passos até aprender tudo o que precisaria para tornar-se, anos depois, um dos locutores de maior renome do município. As décadas se passaram e hoje, aos 72 anos, Marques ostenta uma volumosa barba branca, além dos 50 anos de experiência desde que entrou pela primeira vez no estúdio da agora extinta Rádio Educadora. Tempo suficiente para colecionar histórias – algumas inusitadas e outras trágicas –, todas decorrentes da missão de dar voz a uma cidade. Mas o início como locutor do Repórter Policial aconteceu na verdade de forma duplamente trágica. O programa, que nos anos 60 já enfrentava problemas com a polícia por denunciar não só os crimes bárbaros que aconteciam na cidade mas também atitudes erradas da

corporação, pagou um preço alto pela ousadia. Primeiro com o assassinato do apresentador Osman Monteiro. Não demorou muito e seu substituto, Éder Passos, conhecido como Helinho, também foi morto. A morte dos dois profissionais nunca teve um desfecho, mas segundo o próprio Moacir Marques, suspeitase que eles tenham sido assassinados por represália de criminosos denunciados no programa. O terceiro ocupante da cadeira do apresentador foi justamente o radialista. Marques conta que se surpreendeu com o convite da direção da rádio, aceitou a proposta, mas questionou antes do ‘sim’. “Você tá me mandando pro caminho da morte.” Mas o destino trágico de Osman Monteiro e de Helinho não se repetiu. Moacir Marques apresentou o programa pelos 36 anos seguintes. A tristeza pela morte dos dois companheiros, então, deu lugar a histórias inusitadas.

Pista iluminada Uma das provas do poder da Rádio Educadora aconteceu em pleno carnaval de 1972, quando Moacir Marques recebeu uma ligação do Aeroporto Municipal de Governador Valadares. Do outro lado da linha, o homem responsável pelo aeroporto teria implorado a Marques para que entrasse imediatamente ao vivo na rádio. O motivo: salvar cinco vidas. Segundo ele, um avião estava prestes a aterrissar no local, mas a falta de combustível e a baixa iluminação da pista colocavam em risco a manobra. Logo após entrar no ar, uma mobilização dos ouvintes levou 50 veículos até a pista do aeroporto, onde ligaram os faróis para garantir o

Foto: Paulo Henrique dos Anjos

Moacir marques é referência no radialismo de Valadares

pouso do avião em segurança. Histórias que ficam na memória do radialista, mas que não deixam de receber novos capítulos. A Rádio Educadora foi extinta, mas o amor pelo rádio continuou vivo no coração de Marques. Hoje ele apresenta o

programa Patrulha da Cidade pela Rádio Cultura (105,9 FM) de segunda a sexta-feira, das 17h às 18h. Já são 13 anos atuando pela emissora, e ainda hoje vivendo do rádio como em 1965, quando iniciou uma relação de amor com as ondas radiofônicas.


5 Comportamento

MAIO 2016

Por Mauro Lúcio, Mariana Pereira e Philip Satheler 7º período

Uma história construída entre linhas e agulhas De família simples, José Clementino da Silva começou a trabalhar aos 12 anos, ajudando o pai - funcionário de um tropeiro - no cuidado com os animais da fazenda. Eram tempos difíceis, em 1927, em Peçanha (MG), que pertencia a Governador Valadares quando a cidade ainda era conhecida como Figueira. Quando a brisa da madrugada estava no alto da serra e cobria toda a campina, era o sinal que chegava a hora de acordar. Clementino Estudou apenas até a 3ª série e acredita ter aprendido tudo que precisava para trilhar seu caminho. Sabia fazer conta e escrever. Isso já era o bastante naquela época. Com o passar dos anos, o pequeno José Clementino cresceu. Já adulto, com seus 25 anos, estava à procura de algo que o realizasse profissionalmente e, principalmente, que permitisse colocar comida na mesa e ajudar os pais. É nesse período que inicia sua trajetória profissional como alfaiate. Mal imaginava que seriam longos anos na profissão. “Parecia algo difícil de aprender, mas com muita dedicação e paciência, acabei dominando a profissão e dela consegui a renda necessária para construir minha história. Tive a grata satisfação de cuidar dos meus pais até o fim da vida deles”, relembra. Aos 30 anos, conheceu aquela que seria a sua companheira por muito tempo. A

FOTO: Mauro Lúcio

Mesmo aos 100 anos, Seu Clementino continua fazendo o que mais gosta: seguir na profissão de alfaiate enquanto a vida lhe permitir

linda Dona Dunalva, “moça recatada, de família e virtuosa”, como ele mesmo diz. Eles se casaram e tiveram nove filhos, sendo cinco meninos e quatro meninas. “Naquela época, não se preocupava tanto com o sustento de filhos como hoje, mas confesso, trabalhei muito para conseguir dar conta dessa família numerosa. Minha esposa ficava em casa cuidando das crianças e do lar e eu trabalhava duro na alfaiataria. Os negócios iam bem à época. Às vezes, não dava conta de atender aos muitos pedidos

de terno que me faziam. Roupa não se achava pronta para comprar como hoje, apenas nos grandes centros. Houve um tempo que cheguei a ter oito funcionários trabalhando comigo na alfaiataria. Era uma época de muita abundância”, lembra. Seu Clementino era prestigiado e conhecido em Peçanha. Houve um período no qual frequentava as festas da alta sociedade. Médicos, juízes, advogados, promotores e pessoas de renomes o solicitavam para que fizessem as suas roupas. Quando tinha

algum casamento, o trabalho para o alfaiate era dobrado. Além de fazer a roupa para o noivo, ficava responsável pela roupa do pai do noivo, dos padrinhos, tios, parentes e amigos. Todos queriam estar impecáveis para o casamento e ele trabalhava duro para atender da melhor maneira possível os clientes. Uma tristeza que acompanha o alfaiate é o fato de nenhum dos filhos ter seguido seus passos na profissão. “Ensinei muita gente. Alguns foram para São Paulo e Rio de Janeiro e se deram mui-

to bem. Meus filhos nunca manifestaram o desejo de exercer essa profissão. Na verdade, isso se tornou um grande problema, na cidade. Não havia muita opção de trabalho e eles [os filhos] foram crescendo e não conseguiam encontrar algo para fazer. Alguns foram para os Estados Unidos e hoje estão muito bem lá”. Por volta dos anos 80, Seu Clementino decidiu se mudar para Governador Valadares, onde reside até os dias de hoje, mas não conseguiu parar de trabalhar. É mo-

vido pela paixão da profissão. Nesses mais de 75 anos dedicado à costura, José Clementino tem o trabalho como passatempo. Apesar de não ter a mesma desenvoltura para trabalhar como antes, afinal de contas, são mais de 100 anos de idade e experiência acumuladas, o alfaiate ainda se aventura em consertos e ajustes de roupas. Recentemente, sua maior alegria foi ter feito o terno para o neto subir ao altar. “Apesar da idade, consegui fazer um belo terno, foi muito gratificante vê-lo entrar na igreja com o terno que eu fiz para ele. Estou, agora, muito empolgado com a festa de 15 anos de uma das minhas netas. Já me avisaram que eu serei o primeiro a dançar a valsa com ela. Não vejo a hora de chegar esse dia”. Em toda sua história de vida, Seu Clementino conta que já viveu muitas alegrias, e que a profissão de alfaiate lhe proporcionou as maiores. “Costurar, para mim, é muito mais que uma profissão. É algo que me traz prazer e alegria. Criei e eduquei meus filhos com a costura. Hoje trabalho num pequeno quartinho, na casa de uma neta minha. O espaço é bem apertado, recebo alguns poucos clientes. Mas, pra mim, é o necessário. Estar ocupado com alguma coisa é bom demais, principalmente quando essa ocupação é algo que a gente ama fazer”, finaliza.

Um drible à crise econômica Por Nataly Maier, Lorrania Viana e Mayara Gama - 5º Período

A economia brasileira enfrenta sua pior fase das duas últimas décadas. Atividade econômica desacelerada, alta inflação e, principalmente, o crescimento do desemprego caracterizam o ano de 2015. O mercado de trabalho perdeu quase meio milhão de vagas, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Desde julho de 2012, o gráfico de emprego formal apresenta uma queda que se mostra cada vez mais irreparável. Na prática, o resultado é o sofrimento de quem perdeu o emprego e pânico na vida de quem ainda corre o mesmo risco. No entanto, na contramão desse cenário assustador, há pessoas que apostam no próprio negócio, na tentativa de não serem levadas

pela crise econômica. Um bom exemplo é Carlos Israel Matias, de 26 anos. Ele trabalhava numa associação em Ipatinga e foi transferido para Governador Valadares em outubro de 2014. A mudança trouxe conseqüências. Pouco tempo depois, foi demitido do emprego. Mas, para a surpresa dele mesmo, ficou apenas 15 dias desempregado. Não muito diferente da situação de Carlos, a esposa, Raquel Coelho Matias, 22, também passou pelo incômodo do desemprego. Apesar de várias tentativas e muitas entrevistas, não conseguiu reingressar no mercado de trabalho e ficou mais de um ano dentro de casa. Mesmo diante da alta inflação e da má fase econômica que já despontava no Brasil, o casal viu na dificul-

dade uma boa chance de recomeçar a vida profissional. Depois de planejarem com antecedência o próprio negócio, inauguraram uma pizzaria, que, durante o processo de entrada no mercado, foi apoiada exclusivamente pela família. Daí surgiu o nome da empresa: Nossa Pizza. A paixão por pizza não era um segredo, mas se restringia apenas ao consumo e não a um negócio. Porém, Carlos e Raquel não hesitaram com relação ao ramo e, embora ainda não tivessem prática, decidiram arriscar. O casal, é claro, deparou com algumas dificuldades no início, como a produção da pizza e o local de trabalho. A pizzaria funciona dentro de casa e atende apenas por tele-entrega. Mas Carlos afirma que esse é um dos pontos positivos, já que há conforto

tanto para os funcionários na hora de produzir a pizza quanto para os clientes que a recebem em casa. Nos dias mais tumultuados, em que o telefone não para de tocar, ele confessa: a casa fica de pernas pro ar. Mas a divisão do trabalho é feita com zelo para que a pizza não demore e satisfaça o paladar do cliente. O diferencial mesmo está na condição que Carlos e Raquel adotam no trabalho. Eles só compram à vista. Segundo o pizzaiolo, essa é a melhor maneira de manter um estabelecimento aberto, principalmente durante o período de crise. “A gente não tem dívida. Tudo o que a gente compra, paga à vista. A gente não compra nada com 30 dias para pagar, com 10 dias para pagar... tudo é à vista. Tem dinheiro, compra. Não tem dinhei-

ro, não compra”, conta. Para que a pizzaria ficasse conhecida e atraísse clientes, eles recorreram a comerciais de TV, redes sociais e panfletagem. “Nos primeiros dias, não esperava vender. Pensava que se vendêssemos três pizzas, seria muito. No primeiro dia, para minha surpresa, vendemos 33 pizzas. Não tinha estrutura para vender essa quantidade. Mas desse dia em diante, nunca vendemos menos de 10 pizzas. No primeiro mês, vendemos 60 pizzas em um dia e 50, no outro.” E não é só o casal que fica satisfeito. Ricardo Souto Lima, 35, é consultor de vendas e cliente da pizzaria. Para ele, a pizza, além de ter um preço acessível, atendeu às expectativas. Com apenas quatro meses de comércio, a Nossa Pizza produz em média mil

pizzas por mês. Nos meses em que a demanda é menor, são produzidas 700 pizzas. Nada que chegue a ser um problema. Carlos e Raquel vivem como se a crise não os atingisse e garantem não haver discussão ou desentendimento no trabalho. Mais do que estabilidade financeira, o sucesso no novo empreendimento é visto pelo casal como uma superação. A aposta no novo negócio provou que é possível superar até uma das piores fases da economia brasileira nos últimos anos investindo. Carlos e Raquel têm agora não só a receita da pizza, mas também do sucesso. “Ir na contramão de uma situação pode ser, em alguns casos, o melhor caminho. O ideal, portanto, é planejar, economizar e investir com qualidade.”


6 MAIO 2016

Por Daniela Franco, Gabriella Mariano e Guinther Carvalho 7º período

Comportamento

Vivendo o amor na melhor idade Cumplicidade. Palavrachave para que um relacionamento dê certo. Imagine viver 62 anos e 8 meses casados com a mesma pessoa. O Seu Alcir Ramos, 86 anos, e Dona Lacide Ramos, 82, contam histórias de vida que passaram juntos. O casal se conheceu em uma festa da mocidade na igreja, e depois disso não se largaram mais. Hoje, com oito filhos, comemoram a vida a dois com muita tranquilidade. Mas nem sempre foi assim, a vida na mocidade foi bastante corrida. No início do casamento, por exemplo, o casal não parava em casa. Alcir trabalhava como inspetor de um banco e por isso viajava muito. E mesmo com o desligamento de Alcir do trabalho, o casal passava o tempo visitando os filhos, netos e bisnetos uma vez por ano nos Estados Unidos, sem contar os sete anos que moraram lá. Atualmente, em Governador Valadares, os dois mantêm um estilo de vida agitado. Além de participarem na igreja do grupo da terceira idade “Novo Brilho”, assistem palestras, praticam exercícios físicos e viajam. O casal já conhece quase todo o Brasil. “Depois que aposentei, tive vontade de permanecer ativo, fazendo viagens. Nós fomos a São Paulo, Campinas, Brasília, Goiás, Foz do Iguaçu e Caldas Novas. Só não conhecemos a região Norte”, conta Alcir. Com alguns filhos morando fora de Valadares, Alcir e Lacide já foram adeptos das

Foto: Daniela Franco

redes sociais, mas confessam que preferem o contato pessoal. “Eu gosto mais de privacidade, da nossa vida social e caseira. Existem tantas redes sociais que colocam nossa vida muito exposta. Tenho telefone, então se quero falar com meus filhos e netos eu ligo. Não há necessidade de abrir nossa vida particular com outras pessoas, a não ser nossa família e amigos íntimos”. Não tem uma receita certa e definida para viver bem em casal, mas os dois contam que sempre tiveram uma vida bem regrada, nunca perderam uma noite de sono, nunca ingeriram bebida alcoólica e, além de atividades físicas, mantêm no cotidiano a leitura e fazem palavras cruzadas para manter ativada a memória, que segundo eles é o “poder” para sempre se manterem “novos”.

Felicidade Amor à vida! Dona Gerosina Chavier Franco, de 68 anos, não impediu que a idade desacelerasse sua rotina. Mesmo chegando à melhor idade, continua ativa e mantendo uma vida saudável e feliz, aliando o bem-estar com alguns truques de beleza. Apesar de o corpo não ser mais como antes e a saúde exigir maiores cuidados, ela procura sempre manter minha vida saudável para não prejudicar as atividades do dia a dia. O amor pela arte faz com que ela produza arquinhos e colares como trabalho artesanal que, além de uma terapia, serve para aumentar renda e juntar

Foto: Guinther Carvalho

A arte de cultivar e ensinar Foto: Gabriella Mariano

Alcir e Lacide se conheceram em uma festa e não se desgrudaram mais

um dinheiro extra. Mas essa relação com a costura e com a arte não é por acaso, segundo ela: “A costura é dom artesanal. Vieram de família. Minha mãe, por exemplo, aos 87 anos ainda costura e faz peças artesanais de enfeites para casa”, conta. Depois que acorda e lê a bíblia, o dia de Dona Gerosina começa cuidando da casa. “Eu tenho a rotina de arrumar casa e fazer almoço. Costumo ir ao supermercado ou no centro da cidade sempre que necessário. Na parte da tarde, me dedico a tarefas artesanais, fazendo meus arcos e colares ou algumas costuras que só faço para mim. E quando sinto vontade de cantar, gosto de ouvir algumas músicas nessas caixinhas nas quais utilizamos pendrive. Assim, é possível ouvir apenas as minhas favoritas. Já na parte da noite, costumo ir à igreja nas segundas e quartas, e quando fico em casa, recebo a visita dos filhos ou assisto uma novelinha, que eu amo”. A parceria com o marido, Seu Valdomiro Gonçalves Franco, de 75 anos, é fundamental para Dona Gerosina. O casal viaja sempre que pode para visitar a família e gosta de compartilhar os bons momentos que a vida proporciona, inclusive registrá-los em fotos ou vídeos. Embora não utilizem as redes sociais, os netos ajudam nesse compartilhamento. Seu Valdomiro conta que não perdeu a alegria e vontade de viver. Mesmo com as limitações comuns da idade, procura realizar caminhadas e exercícios físicos, ajudar a esposa nos serviços de casa e está

cada dia mais apaixonado pelo futebol. “Eu faço tudo: ajudo, vou ao supermercado quando precisa, mas na hora do futebol eu gosto de estar é na frente da minha televisão”. O aposentado também gosta de pescaria. Para ele, trata-se de atividade “relaxante e divertida”. Já Dona Gerosina, encontra outras formas de se manter distraída. “Uma as coisas que eu mais gosto é o concurso de poesia na igreja, onde posso recitar versos sobre a palavra de Deus e exercer minha escrita. As poesias sempre são escritas por mim em minhas horas vagas. O lado costureira de Dona Gerosina é tão forte que onde vê uma roupa, observa o modelo para fazer um parecido. Muita coisa mudou desde a sua mocidade, mas segundo ela, “é tiro e queda”. Se ela gostar do modelo, faz um igualzinho. “Sei que a terceira idade modifica nossa forma de vestir, mas procuro manter o visual de acordo e seguindo as recomendações da moda. Meus favoritos são os vestidos”. Para a aposentada, a chegada da terceira idade não a impede de ser vaidosa. Ao sair de casa, por exemplo, nada mais adequado que passar um batom para renovar o visual e “não sair sem uma cor”. Sem dúvida, nunca é tarde para aproveitar a vida. Dona Gerosina costuma dizer que quem tem Deus no coração já é uma pessoa feliz. “Amo a minha vida, amo meu marido e a minha família. Tudo aquilo que eu faço nessa nova fase de minha vida é com o objetivo de aproveitar cada minuto como se fosse o último”.

Valdomiro e Gerosina também não saem de perto um do outro e curtem a vida como dois jovens. Ela adora costurar e ele, de futebol

Seu Geraldo gosta de compartilhar sua experiência com os mais novos

A aposentadoria chegou e a oportunidade de aproveitar cada momento está batendo à porta. É chegada a hora de aprender mais com a vida, de colecionar histórias e fazer com que o conhecimento tenha ainda mais valor. De colecionar histórias e objetos, Seu Geraldo Mariano entende. Desde o tempo de mocidade, ele tem mania de colecionar coisas. O que antes era apenas uma diversão, hoje se tornou paixão. O aposentado tem objetos que faz questão de guardar desde quando era menino. Para ele, essa é uma forma de manter boas recordações. Hoje, aos 76 anos, Geraldo tem dois filhos e oito netos, mas nenhum perto dele. Por isso, sempre que os vê, gosta de dividir todo seu conhecimento e experiências. O aposentado conta que já passou por muitas coisas na vida, inclusive a perda da esposa, um momento difícil de superar. No entanto, a vontade de viver foi tão grande, que superou todos os obstáculos. Hoje comemora poder contar lindas histórias de vida. “Ensinar as pessoas é muito importante e precisa ser passado para as gerações futuras. As experiências que adquiri ao longo da vida servem de aprendizado para a

toda juventude”, conta. Mas não são apenas as coleções de vida que fazem Seu Geraldo tão especial. O contato com a natureza pode ser um segredo para se ter uma longa vida. As flores e o verde do quintal de sua casa trazem a paz e a distração que ele precisa. Por morar sozinho há 10 anos, ele encontrou nas plantas - que já são mais de 100 espécies uma forma prazerosa de viver a vida. “Orgulhome de ter plantado cada uma delas e de poder cuidar delas todos os dias”. Seu Geraldo é um homem sábio. Concluiu o ensino médio e na mocidade fez um curso técnico em laboratório. Apesar da ausência da escola enquanto jovem, o aposentado tem orgulho em ter conhecimento invejável, afinal, sempre procurou se informar. A prática da leitura tem contribuído para sua comunicação com outras pessoas e também o auxilia nas tarefas do dia a dia. Além desses hábitos rotineiros, o aposentado gosta de caminhar, andar de bicicleta e fazer visitas aos velhos amigos. “O conhecimento é baseado no estudo e na capacidade de gravar e memorizar as coisas. A leitura é um meio especial de aprendizado e conhecimento”, completa.


7 Comportamento

MAIO 2016

Por Francislaine Ribeiro, Larissa Barros e Davidson Fortunato 7º períodO

O ex-piloto de Eduardo Campos e suas histórias Era uma manhã comum, no dia 13 de agosto de 2014, quando, às 10 horas, o avião onde estava o ex-candidato do PSB à Presidência da República, e ex-governador de Pernambuco, Eduardo Campos, de 49 anos, caiu em um bairro residencial de Santos (SP). A aeronave decolou do Aeroporto Santos Dumont (RJ), com destino ao aeroporto de Guarujá (SP). O político estava cumprindo uma agenda de campanha. Outras cinco pessoas morreram, entre elas, o piloto valadarense Geraldo Magela Barbosa da Cunha, de 45 anos, cujos familiares, quase um ano depois do incidente, aceitaram conversar com a equipe do CIRCULANDO e falaram sobre os primeiros passos dele na aviação. Geraldo Magela, o “Magelinha” ou “Neném”, como era chamado pelos amigos e familiares, deu os primeiros passos rumo à carreira pelos céus do Brasil e do mundo em Governador Valadares. O irmão, Eduardo Barbosa, “Dudu”, construtor de barcos e pescador, lembra muito bem do tempo de criança, quando “Magelinha” preferia estudar do que trabalhar: “Papai colocava ele pra trabalhar, mas ele não queria fabricar barco e ‘pegava pirraça’. Como ele era o caçula, o papai protegia ele. Por isso era o xodó da família”, conta. Desde novo, “Magelinha” era sistemático, de gênio forte e muito focado nos objetivos. “Ele era bem direto, um pouco bruto nas respostas, mas de um co-

FOTOS: Arquivo pessoal

Trajetória com o ex-governador

Geraldo Magela junto da mãe, dona Odete e a esposa, Josilene

ração muito bom”, lembra Eduardo. Até mesmo nos momentos de lazer com os amigos, na infância e adolescência, Geraldo se concentrava em outras atividades. “A gente jogava birosca na rua e ele lá, estudando. ‘Magelinha’ era muito ‘NERD’ e até teve sua fase de desvio na adolescência, mas nunca deixou de estudar. Meu irmão também tinha um jeito aventureiro de viver, coisa de família. Lembro-me que ele não gostava de andar de barco e preferia o caiaque por causa da adrenalina”. A mãe de Geraldo Magela, dona Odete Barbosa da Cunha, de 76 anos, conta que os três filhos sempre foram guerreiros. O pai morreu há 36 anos. Foi um tempo de dificuldade na família de origem humilde. Mesmo assim, “Magelinha” se focou nos estudos para um dia conquistar algo fora de Valadares. “A infân-

Magela e o personagem Frajola em um encontro em terras norte-americanas

cia dos meus meninos foi difícil. O ‘Magelinha’ tinha 10 anos quando perdi meu marido. O ‘Dudu’ era muito levado. Nossa, ele era terrível! Deu muito trabalho. Já o ‘Neném’, ficava mais quieto. Gostava mesmo era de estudar”, lembra a mãe.

Mudança de vida E foi por querer algo a mais que Geraldo mudouse para os Estados Unidos, aos 19 anos. Com um inglês fluente, “Magelinha” trabalhou em um cassino e, ao mesmo tempo, se dedicou a um curso de aviador e depois virou instrutor. Depois de trabalhar muito tempo nas aviações americanas, em 2001 as empresas entraram em crise. Foi quando ele voltou para o Brasil. Em terras brasileiras, Geraldo trabalhou em uma grande empresa de aviação e fez, também, um curso de voo livre. Uma paixão entre irmãos, já que Eduardo também é apaixonado pelo esporte. Tudo estava caminhando de forma positiva, quando a família percebeu os problemas entre a empresa e o piloto. “Como ele era muito sincero, teve alguns pro-

blemas na aviação. ‘Magelinha’ viu várias falhas na empresa. Cerca de seis ou sete erros simultâneos e com muito grau de risco de acidentes. Por apontar as falhas, ele foi perseguido e enviado às regiões mais distantes para trabalhar. Mesmo assim, continuava achando um absurdo a negligência no Brasil”, contou o irmão Eduardo. “Magelinha” retornou aos Estados Unidos. Mas não ficou muito tempo e voltou ao Brasil. Adaptado ao estilo americano de viver, Geraldo tinha mais medo de dirigir no Brasil do que voar. Eduardo lembra da tensão e seriedade estampadas no rosto do irmão quando ele viajava pelas estradas do país. “Viver nos Estados Unidos e mudar pra cá, é mudar da água para o vinho. O maior medo dele era dirigir, porque a estrada no Brasil é muito diferente. Aqui, a sinalização é complicada e os trechos são cheios de buracos, muito diferente de lá, onde o asfalto é bem feito e as vias cabem quatro carros. Digo isso porque morei nos Estados Unidos durante sete anos também”, lembra.

Magelinha ainda criança no carro dos pais. Desde novo já queria ficar na direção

Os primeiros “voos” de Geraldo Magela, ao lado do irmão Eduardo

No retorno ao Brasil, Magela foi contratado para serviços de voo particulares de um empresário, em 2013. Com a vida estabilizada, se casou e teve dois filhos. O segundo ainda não tinha nascido no dia do acidente. Em 2014, foi indicado pelo chefe aos assessores do ex-governador Eduardo Campos. Durante três meses, Magela acompanhou e levou o candidato à Presidência aos locais importantes para a campanha. No dia do acidente, o irmão, Eduardo, estava em casa almoçando e vendo televisão. Se surpreendeu com o acidente, mas não relacionou o irmão ao acontecido. Foi a mãe de Eduardo que ficou sabendo e contou para ele, como conta o próprio “Dudu”: “Vi o acidente pela televisão e uma tia minha de Teófilo Otoni me ligou perguntando pelo Magela. Peguei o telefone e liguei para ele, mas deu fora de área. Minha mãe ficou sabendo assim que falaram o nome Eduardo Campos. Aí, ela me contou”, lembra Eduardo. Passado algum tempo do acidente, a família

lembra, com orgulho, de toda a trajetória de Magela. Dona Odete se lembra muito bem do sonho do piloto, ainda jovem, e que um dia se tornou real com tanto esforço: o de comandar uma aeronave. ‘’Desde criança, meu filho dizia que tinha o sonho de se tornar piloto de avião. Na década de 80, ele foi morar nos Estados Unidos, onde estudou e se formou. Tudo isso para alimentar o sonho dele’’, conta. Geraldo Magela foi enterrado no Cemitério Santa Rita, em Governador Valadares, no dia 17 de agosto de 2014. O piloto deixou a mulher, Joselina da Cunha, e dois filhos: João, de 5 anos, e Ana, de 1 ano. Eles moram em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Sobre as causas do acidente com o avião, Eduardo afirma que tem certeza da inocência do irmão na condução da aeronave. “Nossa família não acredita em falha por parte dele, até por que o Cenipa [Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aéreos] nos informou que o acidente não foi por falha humana”, concluiu.

Magelinha e o Frajola em um encontro em terras americanas


8 MAIO 2016

Por Roney Alves, Michel Alves 5º período

ESPECIAL

Nos trilhos

Trilhos da Vale completam 106 anos de fundação em Governador Valadares; ma Era início do século 20. Os primeiros automóveis a gasolina eram produzidos exclusivamente nos Estados Unidos. Santos Dumont ainda projetava o 14 bis, que realizaria seu primeiro voo em 1906 na França. No Brasil, a população vivia os primeiros anos de república, deixando para trás a época imperial e direcionando para um futuro de desenvolvimento. A era moderna se iniciava... Um dos símbolos desse desenvolvimento chegava ao leste de Minas em 1910. A bordo de uma composição da locomotiva e com muita festa, um acontecimento mudaria para sempre a história do povoado de Figueira. A Estrada de Ferro VitóriaMinas (EFVM), que seguiria de Vitória, no Espírito Santo, até Diamantina, no Alto Jequitinhonha, teve o curso alterado em direção a Itabira graças a então recente descoberta das jazidas de minério na região. Foi o capítulo necessário para a chegada do trem até a Figueira do Rio Doce, atual Governador Valadares, e com ela trouxe a promessa do progresso e desenvolvimento para a região. Figueira, ainda distrito de Peçanha, apresentava todas as características de uma comunidade rural, sem ruas pavimentadas nem energia elétrica. Não passava de um grande sertão com algumas casas e uns poucos moradores.

Foto: Divulgação

A cidade evoluía e cada dia chegava mais gente, vindo de diversas regiões do Brasil e até mesmo de outros países. Hoje com mais de 100 anos, a história da linha férrea chega a se confundir com a história da própria cidade. O trem de ferro por onde passou não só dividiu a cidade ao meio. A instalação da ferrovia em Valadares descortinou um horizonte de possibilidades e oportunidades, até então inimagináveis. O que talvez nem todo mundo saiba é que o traçado por onde o trem corre hoje, ao cruzar Valadares, não é o mesmo de antes. Em vez de usar o GV Shopping e a própria Praça da Estação como referências para tomar um trem de passageiros, os primeiros usuários e moradores da antiga Figueira usariam a Prefeitura, a Avenida Minas Gerais, o Fórum Municipal e a Catedral de Santo Antônio. Os trilhos subiam pela Rua Israel Pinheiro, no Bairro São Pedro, passando próximo ao Colégio Presbiteriano, ao lado da Catedral, e seguia pela Avenida Brasil até sair do município na direção de Ipatinga. A estação ficava exatamente onde agora se encontra o Fórum Municipal. Uma curiosidade é que a plataforma de embarque e desem-

barque ficava voltada para o lado da Ibituruna. Por isso, o primeiro impacto de quem desembarcava na cidade pela primeira vez, ainda sob a fumaça de minério e poeira, era deparar com o imponente pico, o que fascinava muita gente.

Foto: Arquivo / Museu da Cidade

Lembranças Uma das testemunhas oculares de parte desta história é Jean Mifarreg, de 85 anos, dos quais 42 foram dedicados ao cargo de vereador. Coincidentemente o prédio onde mora, próximo à Catedral, está edificado onde exatamente até 1952 passavam os trilhos das locomotivas. Mifarreg conta que pelos trilhos chegavam os mais diversos produtos. “Na época o Rio Doce era navegável e os trens desembarcavam com todos os tipos de mercadorias. As canoas saíam lotadas e abasteciam as localidades próximas. Levavam daqui da região muita coisa. Era um comércio de barganha muito forte”, lembra o exvereador. Roberto Sales Borges, o ‘Burraldo’, como gosta de ser chamado, não teve o privilégio de percorrer a velha ferrovia. Mas suas

Os antigos trilhos que cortavam a cidade passavam próximo ao Rio Doce e proporcionavam uma vista de tirar o fôlego dos viajantes

memórias remetem a um período que ele considera inesquecível da nova etapa da estrada de ferro. Maquinista durante mais de vinte anos, hoje, aos 67, guarda com carinho as velhas lembranças. “Tive a felicidade de fazer parte de três gerações de maquinistas da Vale. Eu entrei na companhia em 1974 como guarda freios. Depois passei a maquinista auxiliar e

cheguei a ser maquinista especializado. Fiz parte da primeira turma de estágio da Vale, na época se chamava estágio de serra. A gente dormia em galpões improvisados nas estações. Não tínhamos o conforto que temos hoje.” Um dos momentos inesquecíveis do ex-funcionário foi conduzir a bordo o então ministro dos transportes Elizeu Rezen-

de. Além da figura política, há números que não saem da cabeça dele. “A maior locomotiva que eu puxei com carga era composta por 240 vagões carregados de minérios e a sem carga eram 368 vagões. São quase três quilômetros de locomotiva, e isso fascina muita gente”, conta. Mas o número de maquinistas já não é mais o mesmo. “É parte da


9 MAIO 2016

ESPECIAL

da história

as início do traçado remonta a uma história afastada da atual Estação Ferroviária Valadares chegou a ter duas estações ferroviárias

DUAS FACES de uma mesma história: a atual Estação Ferroviária passou por...

...mudanças profundas, mas sempre foi símbolo de uma nova era da linha férrea em GV

A inauguração da linha férrea no município em 1910 trouxe novas perspectivas econômicas à região. Por isso, em 1915 o engenheiro Olympio Caldas desenvolveu o projeto do que viria a ser a nova estação ferroviária da cidade. O pedido foi feito pela própria prefeitura de Peçanha, a qual Valadares pertencia à época. O projeto ficou pronto, mas só 33 anos depois, em 1948, com o município já emancipado, é que o novo edifício começou a sair do papel. A inauguração da estação na Praça João Paulo Pinheiro, onde ainda hoje está situada, aconteceu no dia 25 de fevereiro de 1952. Durante algum tempo, a antiga estação continuou sendo usada para o transporte de cargas, enquanto a nova para o transporte de passageiros. A ligação entre as duas era feita por uma linha que passava por onde hoje está a Rua São Paulo.

Em 1955, durante o mandato do prefeito Ladislau Sales, o antigo prédio da estação foi então demolido, e os trilhos que seguiam pela Rua Israel Pinheiro e Avenida Brasil foram retirados, assim como os que faziam as ligações entre as duas estações pela Rua São Paulo. Três anos depois, a desativação completa dos antigos trilhos marcou o aniversário da cidade. A partir daí, a história – e as lembranças de quem viveu aquele tempo – trata de contar sua versão. Hoje ela transporta anualmente cerca de um milhão de passageiros, atende a 42 municípios, as locomotivas de madeira foram substituídas por veículos mais modernos. Em mais de um século em funcionamento, o único trem de passageiros do Brasil interestadual reúne capítulos de nostalgia. E segue escrevendo uma história sem previsão de terminar.

Foto: Arquivo pessoal

Jean Mifarreg vivenciou os anos de ouro da primeira estação ferroviaria


10 MAIO 2016

Por Morganna Alvarenga e Maria de Lourdes Pereira Wagner 5ºPeríodo

COMPORTAMENTO

Do abismo à superação Do alto do Bairro Carapina, numa casa simples e pequena, com poucos cômodos, Giovani Silva enxerga o cotidiano lá embaixo. O corre-corre de carros e pessoas que passam pela Avenida Minas Gerais chega a contrastar com o cenário visto em outra direção, de onde, na porta da mesma residência, ele depara com o silêncio vindo de um verdadeiro barranco, quase que inacessível, que termina na porta de algumas poucas casas e muita mata. Seja qual for o lado para onde decidir se locomover, Giovani sabe que nunca sairá sozinho de casa. A cadeira de rodas, companheira inseparável, e as dificuldades naturais de um deficiente físico estarão com ele. É assim há 45 anos, quando, com apenas um ano e 7 meses, a mãe, Noêmia Silva de Almeida, e o pai já falecido, Benedito Francisco de Almeida, receberam a notícia dolorosa: o ainda menino – um

dos oito filhos do casal – havia contraído a poliomielite, responsável pela paralisia infantil que o deixou quase tetraplégico. Dos movimentos naturais das pernas e dos braços, não restou muita coisa. E tão grave quanto a doença era o futuro incerto que surgia para Giovani logo no início da vida. As dificuldades de locomoção e as limitações financeiras foram apenas dois capítulos até hoje inacabados de uma vida fadada a superar ainda outros problemas, como a luta para assegurar a educação e superar o preconceito. A falta de estrutura para receber um menino com deficiência o afastou das escolas. Ler e escrever foram aptidões que ele teve de conseguir, então, dentro de casa, com a ajuda da mãe e de uma irmã. Mas essa educação não foi a única que ele recebeu. “Eu nunca tratei o Giovani de forma diferente. Sempre tratei todos iguais!

Se um errava eu corrigia, e o mesmo era feito com o Giovani”, conta com orgulho dona Noêmia. Já para o preconceito, lamenta, nunca houve uma solução. Mas o enredo que poderia levar a um final triste foi transformado em momentos de superação e de alegrias. Giovani conseguiu dar a volta por cima, superando os próprios limites – um ensinamento inspirado na Bíblia Sagrada. “Primeiramente tem que ter objetivo. Algum objetivo na vida, de ser alguma coisa e de querer alguma coisa, pois a pessoa que se isola ofusca o seu próprio interesse. Ele se levanta contra a própria sabedoria”, diz, fazendo menção ao capítulo 18, versículo 1 do Livro de Provérbios. A fé, aliás, é um dos elementos que ele considera fonte vital de sua força. De tal modo que ele decidiu apostar no sonho de ser pastor, adotando o apelido de ‘Giovani, o Pre-

gador’. Enquanto não alcança a realização, prega numa igreja da comunidade as experiências de vida e os momentos de superação. “O exemplo dele tem marcado de maneira muito positiva, para fortalecer a fé de muitas pessoas. Eu vejo disposição de servir a Deus, de abençoar as pessoas. Ele é muito marcante na nossa sociedade e na nossa igreja”, relata o pastor Jovelino de Morais Camilo.

FOTO: Morganna Alvarenga

‘Balas e disparos’ Giovani fez mais do que orações para garantir o sustento. De uma pequena janela de sua residência, ele comercializa balas, chicletes e outras guloseimas. Entre uma venda e outra, dedica-se a uma atividade que também admite gostar muito: usar as redes sociais. Quando assume o teclado do computador, que ele chama de ‘quartel-ge-

Viver numa cadeira de rodas é uma rotina que nunca impediu Giovani de sorrir

neral’, inicia os ‘disparos’ contra todos os problemas que fazem parte do difícil cotidiano enfrentado por ele e pelos moradores do Carapina. “Giovani é uma pessoa muito esforçada. Diante das dificuldades da deficiência ele nunca deixou se levar pelos problemas. Ele é uma pessoa bem comunicativa e uma pes-

soa muito boa de mexer, bom conselheiro. Já está conosco há bastante tempo na igreja, é pregador do Evangelho, uma pessoa do bem. Só convivendo com ele para ver quem é o Giovane do dia-a-dia – uma pessoa que está sempre lutando pelos direitos da comunidade”, analisa o primo, Darci Eloiz do Santo.

Pequenas meninas, grandes corações Por Denise Fidélis e Lorena Bittencourt 5º Período

Duas crianças, um gesto de amor. Por trás da natureza inocente e simples de duas meninas surgiram atitudes nobres. Assim como outras garotas, elas também brincam de boneca, casinha e possuem suas vaidades pessoais, mas sentiram-se tocadas pelo sofrimento alheio e, juntas, decidiram praticar um gesto de amor e solidariedade ao próximo. Tudo começou quando Ana Clara Geber Coelho, de 8 anos, assistia na TV FOTO: Denise Fidélis

uma reportagem ao lado da mãe. Na matéria, uma criança de 4 anos lutava contra o câncer e uma de suas amigas cortava os cabelos para doar à amiga. Ana Clara tentava entender por que uma criança tão nova precisava cortar o cabelo. A explicação da mãe comoveu a menina. Foi daí que ela tomou a decisão de cortar os cabelos para doar. Emocionada, a mãe Sirléia Renier Geber Coelho apoiou a atitude da filha e procurou a Associação de Assistência às Pessoas com Câncer (Aapec),

uma instituição que fornece ajuda a pacientes com câncer. “Quando vi a Ana doando, eu chorei. Cortamos 15 centímetros do cabelo dela. Ele estava imenso”, conta a mãe, satisfeita com a atitude da filha. “Nós, pais, temos o costume de dizer que queremos que nossos filhos se coloquem diante da sociedade. Então, no momento em que eles se posicionam, temos que apoiar. Sinto que a educação está funcionando e que estou acertando nesse aspecto”, acrescenta Sirléia. Para , ajudar pessoas é

mais prazeroso que brincar. A garotinha afirma que a decisão de cortar os cabelos tem um motivo: “O câncer é uma doença muito triste, e por causa dele, as pessoas perdem a parte mais bonita do corpo, que é o cabelo. Ninguém quer ficar careca”, conta, com a facilidade típica das crianças. Ela ressalta que, a partir de agora, a atitude fará parte de sua rotina. “Eu gostei muito de doar, fiquei feliz, porque eu gosto de ajudar as pessoas. Agora estou deixando meu cabelo crescer para doar de novo.”

FOTO: Lorena Bittencourt

A amizade construída entre Ana Clara e Maria Clara vai além das brincadeiras infantis; o amor ao próximo também une as duas meninas

Incentivo da amiga Ana Clara ainda foi além da atitude nobre. Ela também estimulou a amiga Maria Clara Belizário Caffarello, de 6 anos, a aderir à causa. Ao escutar a realidade das pessoas que sofrem com a doença, percebeu que podia seguir os passos da amiga. “Quando a Ana doou seus cabelos, achei aquilo muito lindo e legal. Minha mãe me explicou o que é a doença e quando eu vi pessoas carecas, senti vontade de seguir o exemplo da Ana e poder ajudá-las também, porque elas precisam. Estou muito ansiosa para a chegada do dia de cortar meus cabelos, eles precisam crescer até os 15 centímetros”, explica, entusiasmada. A pequena ainda afirmou que deixará os cabelos crescer para doar novamente, e assim, fazer outra pessoa contente. “Minha vontade é ajudar todas es-

sas pessoas que estão doentes, fico mal vendo elas tristes. Quero vê-las felizes com os meus cabelos. Vai ser muito bom ver alguém com novos cabelos, a pessoa vai ficar muito mais bonita e acho que nunca mais vai ficar triste”. A mãe de Maria Clara, Luciane Belizário, destaca que a iniciativa veio da filha e que não interferiu em momento algum na decisão. “Confesso que foi uma surpresa quando ela disse para mim que desejava doar os cabelos. Tirar do seu e dar para quem não tem é um ato de amor muito nobre. Me emocionei e perguntei se ela estava certa do que estava fazendo, se era isso que realmente queria. Fiquei com o coração apertado com a resposta. Seus olhos brilhavam quando disse o ‘sim’, e, naquele momento, decidi apoiá-la em tudo”, diz a jornalista.


11 COMPORTAMENTO

MAIO 2016

POR Carol Fonseca, Hadassa Gonçalves, Marcela Lopes 5º período

Da monotonia às trilhas Fotos: Marcela Lopes

A contragosto da esposa Wania, Adhemar insiste com o hobby de ciclista

nada de asfalto: Adhemar resolveu encarar os perigos das trilhas e até os tombos para mudar a qualidade de vida após os 60 anos

Quem nunca sonhou em promover uma mudança radical de vida? É verdade que mudar tudo da noite para o dia, como num passe de mágica, pode até parecer uma ideia quase que exclusiva do imaginário dos adolescentes mais rebeldes. Mas há quem decida desbra-

var novos horizontes num outro momento da vida, quando a idade já está mais avançada. Imagine alguém que, aos 62 anos, mesmo sofrendo as dores naturais causadas por problemas na articulação de um dos joelhos, tome a difícil decisão de sair da rotina e

encarar um esporte radical – e consequentemente perigoso – como o mountain bike. Pois foi a escolha feita pelo aposentado Adhemar Monte Alto, que há apenas três anos transformou a tal loucura numa verdadeira paixão. Desde então, não largou mais o ciclismo.

Não bastassem os desgastes na cartilagem do joelho esquerdo, causados por longos anos praticando tênis, Monte Alto, hoje com 65 anos, também conheceu o lado sombrio de um esporte de aventuras logo nas primeiras experiências sobre uma bike de trilha. Na

curta carreira de ciclista, já acumulou três acidentes que deixaram cicatrizes inesperadas. O terceiro deles, ocorrido em maio de 2014, foi o mais grave. Adhemar apostava corrida com um amigo na ciclovia do Bairro São Pedro. Ao passar por um buraco no meio do caminho, se desequilibrou. “Quebrei o nariz e fraturei alguns ossos do rosto. Fui parar no hospital de novo, e tive que passar por uma cirurgia”, conta. Foi quando pensou em desistir do esporte. Chegou até a doar as roupas de ciclismo, mas, para a infe-

licidade da esposa Wania Monte Alto, a decisão só durou até receber alta do hospital. “Nesse último acidente, eu desesperei porque me ligaram e disseram que ele estava muito mal. Ele estava acompanhado de um amigo dele que é médico e esse amigo disse que a situação dele era grave”, relata a esposa. “Vários colegas meus levam as esposas para as trilhas, e o lado triste da história é que eu queria que a Wania fosse comigo, mas ela sempre diz que não é a praia dela”, lamenta o ciclista – para a sorte dela.

A mudança começa dentro de casa Aline Figueiredo, Alessandro Santos Joyce Alves - 5º Período

Muito se fala em preservação ambiental, mas nem sempre esse discurso é visto em prática. Não é preciso andar muito para deparar com um cenário que faz parte do cotidiano de quase todo município brasileiro. O lixo muitas vezes espalhado nas calçadas e, no caso de Governador Valadares, à beira do Rio Doce, traz como consequência a degradação ambiental. A indiferença ajuda a causar problemas até mais graves, como cheias do rio e queimadas, por exemplo. Em meio ao descaso com a natureza, um grupo de moradores do Bairro São Paulo decidiu se unir para mudar a realidade local. Mas a tarefa era mais difícil do que poderiam imaginar: provar que com a ajuda de todos seria possível conservar uma das maiores belezas da cidade – o Rio Doce. “As pessoas já tinham um hábito. E mudar isso foi muito difícil. Algumas pessoas desconfiavam da gente, existia um preconceito por realizar trabalho voluntário”, conta Marlene Maria, uma das fundadoras da Associação Rio Limpo. Afinal, para isso seria necessário que a mudança de

Foto: Bruno Alencastro / Agencia RBS (Internet)

produção do sabão e conta como se sente realizada por poder contribuir não somente para reduzir o óleo depositado no rio, mas pela forma como a associação a ajudou após a morte do marido. “Ele sempre nos ajudava na busca do óleo e divulgava nosso trabalho. O trabalho voluntário me deu

forças para continuar”, diz a dona de casa. “Minha motivação vem do amor por aquilo que a gente faz, porque não adianta a gente fazer nada se não for feito por prazer. Ao pegar esse sabão, fruto do nosso esforço, não tem preço. Eu me sinto realizada e acredito na força do exemplo.”

Necessidade de apoio

Antes mesmo do desastre ambiental que antingiu o Rio doce, a associação já trabalhava pela preservação da bacia

hábito começasse dentro de casa. Ao invés de despejar o óleo literalmente ralo abaixo, a ideia era aproveitá-lo para a fabricação do sabão ecológico, poupando assim o despejo de nada menos que 800 litros de óleo in natura por mês diretamente no rio. A iniciativa não foi por acaso. O Bairro São Paulo é um dos locais mais afetados pela enchente todos os anos, um drama que faz parte do dia-adia da comunidade. A ideia

de fundar a associação veio da consciência de alguns moradores, uma vez que todo trabalho de preservação refletiria em uma melhor qualidade de vida para a população e no período da cheia haveria menos estragos. Zelma Silva de Miranda, de 79 anos, reside há 30 anos no bairro e o óleo é um problema que ela enfrentava na parede de casa a cada enchente. “Quando vêm as enchentes as paredes ficam todas com man-

cha de óleo e nosso prejuízo é grande. A associação está tentando mudar essa realidade”, conta. “O sabão é de qualidade, não estraga a mão da gente e ainda estamos contribuindo com o meio ambiente”, acrescenta Miranda. Mais que contribuir para não poluir o rio, o trabalho voluntário da associação reflete na qualidade de vida dos integrantes. Maria Lúcia Marques, uma das fundadoras, hoje assume a parte de

Boa parte da comunidade entende e apoia a iniciativa. Eles ajudam com a doação do óleo, e também na compra do sabão, mas ainda assim a associação sofre com a falta de voluntários e trabalha muito para não reduzir a produção. O produto é feito três vezes por semana, quando são fabricados 80 quilos por dia e 960 quilos por mês. Ao todo, são 3.480 barras de sabão. Os voluntários já perderam as contas de quantos litros de óleo foram arrecadados, mas de uma coisa eles tem certeza: a principal tarefa, de reduzir o desgaste do meio ambiente, está sendo cumprida. Desde que foi fundada, há sete anos, a Associação Rio Limpo passou por

altos e baixos em termos de apoio. Atualmente é formada por cinco voluntários fixos. O número é considerado pequeno e sobrecarrega os membros, que já são idosos. Mesmo assim, não há desafios que os façam desanimar na luta pela preservação do Rio Doce. “O que a gente está precisando é de gente – gente comprometida, com vontade, disposta a fazer algo mais pela preservação ambiental”, esclarece João Sabino, de 66 anos, voluntário desde a fundação da Rio Limpo. Para doar óleo, comprar sabão ecológico ou mesmo se voluntariar, basta visitar a sede da associação, localizada na Rua Maria Cecília Moreira, 132, no Bairro São Paulo.


12 MAIO 2016

CIDADE

Por Paulo Henrique Anjos 5º Período

De fazenda de veraneio a um charmoso bairro A nobre senhora Charlotte Josephine, acompanhada do marido João Bento Guilherme, no ano de 1958 desembarcaram em Governador Valadares, vindos da Europa. Enquanto passeava a cavalo pela cidade, ela se encantou com as terras e pediu ao marido que comprasse a região por onde passara, pois naquele local iria construir uma fazenda de veraneio. Essa senhora era a Grã-Duquesa de Luxemburgo, do Grão-Ducado de Luxemburgo, situado na Europa Ocidental, entre a França, Alemanha e a Bélgica. Assim, como num conto de romance, começou a história do bairro Grã-Duquesa. A Grã-Duquesa e o Grão-Duque, seu marido, estavam no Brasil resolvendo negócios da família. Em Governador Valadares, estavam presentes algumas atividades comerciais, como a produção de açúcar pela Companhia Açucareira Rio Doce, e a exploração de madeira. Após ter se encantado pelas terras valadarenses, o Grão-Duque as comprou e batizou de “As terras da Grã-Duquesa”. Os anos se passavam e o casal nunca mais voltou à cidade. Com o fim das relações comerciais entre o Brasil e o Grão-Ducado de Luxemburgo, as terras voltaram a pertencer ao município. O único pedido da duquesa era que o

Ao CIRCULANDO, Harley Candido e Júlio Avelar explicaram o motivo de o bairro ter crescido tanto, mesmo sendo um bairro com poucas áreas planas. Segundo eles, depois da enchente de 1979, que deixou milhares de pessoas desabrigadas em Valadares, o bairro GrãDuquesa cresceu rapidamente porque parte da população ribeirinha decidiu migrar para um local mais seguro, livre de inundações. E o Grã-Duquesa, por ter como característica um relevo mais elevado, oferecia essas condições. Atualmente, o Grã-Du-

FOTOS: Arquivo pessoal (Júlio Avelar e Harley Candido)

quesa é o 6º maior bairro da cidade, segundo o Censo 2010. No bairro, segundo dados da Prefeitura, residem aproximadamente 12 mil pessoas, divididas em 4.000 construções, sendo cerca de 3.500 delas residenciais. É bem verdade que a antiga fazenda de veraneio deu lugar a um conglomerado de casas, prédios e estabelecimentos comerciais. A paisagem mudou, mas nem tudo daquela época se perdeu. Permaneceu o encanto que, assim como aconteceu com a duquesa, continua atraindo e apaixonando muita gente.

Foto do bairro Grã-Duquesa, na década de 1970, quando os primeiros loteamentos começaram a ser ocupados

nome Grã-Duquesa fosse mantido. Harley Candido é o pesquisador que relatou toda essa historia, além de contar outras tantas curiosidades sobre um dos bairros mais antigos e charmosos de Valadares. Ele mora no Grã-Duquesa desde 1978, e não esconde o orgulho e satisfação dos mais de 35 anos de história na região. Segundo ele, na década de 1970 o bairro foi lançado pela imobiliária do Sr. Antenor Perim, pai do ex-prefeito de Valadares, Ronaldo Perim. O bairro herdou das raízes de sua história algumas curiosidades, como os nomes das ruas, todas com nomes de países, de capitais e de algumas das

principais cidades da Europa. Muitas foram pensadas de forma curiosa, como as ruas Portugal, Espanha, França e Alemanha, que, cortadas pela avenida Itália, estão dispostas nessa sequência, seguindo a mesma ordem em que se encontram no mapa-múndi, da esquerda para a direita. Outro agrupamento é a das ruas Inglaterra, Escócia e Irlanda, também países vizinhos. Da avenida Itália se chega à avenida Vaticano e à avenida Roma, onde, curiosamente, está um das mais tradicionais igrejas católicas de Valadares: a Paróquia Cristo Redentor. Todo o percurso da avenida Veneza é cortada por um canal, intencionalmen-

te para lembrar o Canal de Veneza, na Itália. Além disso, existe a avenida que divide o bairro Grã-Duquesa do Morada do Vale, que é uma das mais extensas: a avenida Luxemburgo, também em homenagem ao Grão-Ducado. O loteamento do bairro começou a ser ocupado de forma organizada. Em 1976, o presidente-fundador da Associação de Moradores do bairro GrãDuquesa foi o ex-vereador Júlio Avelar, cargo que ocupou por 13 anos. O exvice-prefeito de Valadares, João Domingos Fassarella, era o vice-presidente. A avenida Paris foi a primeira a receber calçamento com o chamado “pé-de-moleque”.

Em 1958, a Grã-Duquesa de Luxemburgo e seu marido desembarcavam em Valadares

ONG acolhe animais de rua vítimas de maus tratos Por Cátia Oliveira, Drielle Almeida e Jhonnathas Trindade - 5º Período

Trânsito intenso, pessoas circulando rapidamente por todos os lados e,em meio ao corre-corre do dia-a-dia,alguns personagens muitas vezes passam despercebidosaos olhos da gente apressada. Nas ruas de Governador Valadares,como em qualquer outro lugar, dezenas de animais abandonados perambulam pelas vias, em busca de carinho e de um dono. Em meio à indiferença da maior parte das pessoas, ainda há aquelas que se comovem diante desse cenário. E vão além de simples espectadores: o amor aos animais, mesmo os de rua, é capaz de modificar a vida de quem se dedica a cuidar

FOTOS: Drielle Almeida

pRESIDENTE DA APROBEM, a jornalista Silvana Soares dedica parte do tempo aos animais

dos bichinhos. Presidente da Associação de Proteção e Bem-Estar Animal (Aprobem), Silvana Soares é uma delas. “Se eu não faço parte da solução, eu faço parte do problema. E eu estou tentando fazer parte da solução”, filosofa

a inspirada Silvana. Acostumada a ver situações graves envolvendo maus tratos, ela conta que ainda não conseguiu compreender a passividade das pessoas quando passam por um animal abandonado ou doente.

E Silvana faz um alerta: o desprezo aos animais doentes é capaz de levar a situações complicadas de saúde pública. Problemas que a Aprobem também ajuda a enfrentar. E o que é melhor: com uma dose de carinho, proteção e muitas vezes de um lar. Um dos voluntários da ONG é Rubens Pereira Drumond Júnior, de 20 anos. Ele faz parte do grupo há pouco mais de um ano, e decidiu entrar na associação por se sentir em condições de contribuir para um mundo melhor. Uma sensação que renasce a cada animal salvo pelas mãos dele. “Resgatar é dar uma nova chance, é acreditar que a mudança pode partir de um simples gesto que começou por mim”, diz.

ENTIDADE LUTA POR RECURSOS A associação que se dedica a resgatar animais abandonados vê-se obrigada a matar um leão por dia para sobreviver. A iniciativa surgiu há cinco anos, quando um grupo de amigas que trabalhavam no Centro de Zoonose de Governador Valadares perceberam que alguns animais precisavam de um cuidado maior. A partir daí, houve muitos encontros para debater o assunto, cada vez com mais colaboradores. Em 2012, a entidade foi finalmente fundada. O problema é que,

sem qualquer fim lucrativo, a Aprobem vive especialmente de amor. O projeto conta com a ajuda dos lares temporários, de pessoas que efetivamente ajudam e cuidam dos animais até encontrarem um novo dono. As doações são recebidas em dinheiro ou em forma de trabalhos que a própria instituição promove, como bazares, vendas de produtos personalizados, ações como a campanha “doe um real e ajude um animal” e parcerias com clínicas veterinárias.


13 CULTURA

MAIO 2016

Por Deividson Rodrigues, Kessy Almeida e Thábata Dias 7º Período

Nos bastidores das artes cênicas: desafios e vivências Fonte de histórias que levam a gargalhadas ou à comoção, sejam do gênero drama, comédia, romance ou suspense, o teatro é uma das formas de arte capaz de causar distintas emoções nas pessoas. Quem é responsável pela alegria de crianças, jovens e adultos são os artistas, membros das companhias de teatro. Em Governador Valadares, existem 13 companhias ativas, sem contar os pequenos grupos que se formam nas escolas. Todas elas têm grandes desafios e vivências. Dos principais grupos teatrais existentes na cidade, apenas sete deles fazem parte da Associação de Teatro Valadarense (ATVA), criada em outubro de 2010 com o objetivo de divulgar os grupos, espetáculos em cartaz e outros tipos de atividades voltadas para o teatro. “A ATVA ainda existe, mas está desativada desde 2012. Foi através dela e da Cia de Artes Asas do Invento que se criou o Festival Nacional de Teatro (Fenta)”, explicou a diretora de comunicação da ATVA, Nazza Amaral. Segundo ela, é uma das poucas oportunidades para que as companhias de teatro valadarenses e também de todo o país se apresentem no Teatro Atiaia. Exceto isso, do que se sabe em Valadares, existe apenas outro tipo de incenti-

Fotos: Divulgação

Por amor à arte, grupos de teatro de Valadares driblam a falta de incentivo por parte do poder público para continuar sobrevivendo e levando cultura à população

vo às artes cênicas: a Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, realizada anualmente, entre maio e junho, pela Prefeitura de Valadares, em parceria com as companhias. “A Secretaria de Cultura nos ajuda em tudo que pode, mas acredito que o apoio maior deve ser através de repasse de verba pela Prefeitura, que por sua vez deve buscar apoio do Governo Estadual e Federal para fomentar a cultura da cidade”, é o que acredita o diretor da Cia de Teatro Katarriso, Luiz Mauro Miranda. Luiz é diretor da Katarriso

há 20 anos, e explica quais são, para ele, as principais dificuldades para manter sua companhia de teatro, e como é o incentivo às artes cênicas na cidade. “As dificuldades são muitas, a começar por não ter sede para nossos ensaios, nem para guarda de figurinos e cenários – que somam cerca de 40 caixas de computadores, além de caixotes, caixas de adornos, maquiagem e ferramentas”. De acordo com ele, existia em Valadares a Casa de Produção, um espaço disponibilizado pela Prefeitura para criação e guarda de ma-

As narrativas e quem as conta

Quem faz o público rir e se emocionar com as histórias apresentadas são, claro, os artistas. Mas de onde vêm as incríveis narrativas que encantam a criançada, a família e o público em geral? “As peças são elaboradas por meio de adaptações de livros de teatro, de crônicas ou por criação livre. Ou ainda, por meio de brainstorms [em português, ‘tempestade de ideias’] quando são peças educativas voltadas para criança e adolescen-

tes ou para empresas”, conta Tiago Henrique, que há 9 anos faz parte da Cia. de Artes Atrás do Palco. Ele conta que os personagens são criados a partir de experimentos, vivências dos atores, ou inspirações em personagens televisivos. Tudo isso para composição de uma nova identidade. E o que seria da peça sem os atores? Afinal, eles são a personificação das histórias contadas nos palcos. Apesar do pouco es-

tímulo em Valadares para atuar nessa área, ainda há pessoas que fazem arte pelo prazer de interpretar. Para Emiliane Cristina, que há 7 anos faz parte do mesmo grupo de Tiago, o teatro foi um importante canal para que ela pudesse desenvolver a fala para grandes públicos, pois era bastante tímida. “Também melhorou muito minha visão política, pois ficamos ligados diretamente à política cultural da cidade”, conta.

teriais das companhias. “Foi fechado com a promessa de abertura em um novo local, mas até hoje nada”, contou o diretor. Luiz continuou explicando que também existe falta de apoio de patrocínios do comércio e indústria da cidade e até dos veículos de comunicação. “Antigamente, em uma emissora de TV local, existia um pequeno espaço para divulgar os espetáculos da cidade. Hoje, já não temos mais”, afirmou. Além disso, falta reconhecimento por parte da população. “Algumas pessoas da valorizam e vão ao teatro

prestigiar os trabalhos dos grupos da cidade, mas a maioria somente vai ao teatro quando há grupos de fora da cidade ou quando é ator da televisão”, disse.

O universo teatral Toda companhia de teatro tem sua história. A Katarriso, por exemplo, completa 25 anos em 2016. Tudo começou no Colégio Tiradentes, quando era formada por um grupo de alunos que se reuniam para apresentar teatro de escola. “Esses mesmos alunos eram membros da

Paróquia São José Operário, no bairro Vila Bretas. Foi assim que eu, por meio de Leonardo Porto, conheci o grupo e apresentei a eles um texto meu. O grupo resolveu montar pela primeira vez uma peça com roteiro escrito – até então era tudo por meio de improviso. Com a peça “A dona de casa”, os atores Ingrid Barros, Geanne Mary, Glaucia Arruda, Marcelo Werly, Rodrigo Cunha e Urbano Lanini foram aplaudidos de pé e o público nos incentivou a apresentar a peça no Teatro Atiaia”, relembrou Luiz. Ele contou que depois desse episódio é que foi fundada oficialmente a Cia de Teatro Katarriso, formada atualmente por 25 membros. O grupo não tem sede fixa. Desde sua fundação, se reúne em um dos salões da Paróquia São José. Para o diretor, ser ator ou atriz não é tarefa fácil, pois é preciso dedicação. Apesar de ter 25 membros, o fluxo de artistas é grande, segundo ele. “Alguns entram por quererem ser atores. Outros entram maravilhados com a performance que veem nos palcos. Mas quando descobrem a rotina de ensaios ou que têm que abrir mão de algo para se dedicar à vida teatral, acabam desistindo. Teatro é para atores e quem se arrisca a aventurar nessa arte terá muito trabalho, porque não é só diversão”.

Falta de apoio é o maior problema Para Tiago, a ausência de recursos por parte da Prefeitura, através da Secretaria Municipal de Cultura, provoca transtorno não só na produção das peças, como também na liberação de espaços para apresentações. “Às vezes, já recebemos mais [incentivos], mas nos dias atuais, o incentivo que recebemos é muito pouco. Eu, enquanto ator, bailarino e coreografo, sinto muita falta de um incentivo mais forte vindo dos órgãos públicos. Falta incentivo financeiro e espaço cultural, pois o pouco que temos muitas vezes não atende nossas produções e necessidades”. E mesmo com todas as necessidades, segundo ele, os grupos seguem se esforçando para produzir sempre o melhor conteúdo para o público: “O teatro valadarense já teve momentos melhores. Mesmo assim, alguns grupos ainda com seus próprios esforços e recursos não estão deixando morrer essa arte. Estamos fazendo nossos

Falta foto e legenda

espetáculos e inovando cada vez mais, conquistando e atraindo pessoas de várias idades e gostos”. À época da apuração desta resportagem, a equipe do CIRCULANDO procurou a Prefeitura para que se pronunciasse acerca das reclamações da falta de apoio financeiro e logístico às companhias de teatro. O jornal solicitou agendamento de uma entrevista com o secretário Municipal de Cultura, João Paulo Ro-

cha Cirne. Foram enviados dois e-mails com confirmação de leitura por parte da Secretaria de Comunicação (Secom) da Prefeitura, que é setor responsável por esse tipo de agendamento. Também foram enviados e-mails para a Secretaria de Cultura e para o próprio secretário. Além disso, a equipe de reportagem ligou para a Secom cobrando uma resposta, mas não obteve retorno de nenhuma das solicitações.


14 MAIO 2016

Por Tracey Bonilla e Vinícius França 5º período

ESPORTE

Uma visita à glória: os vitoriosos anos 90 do Democrata Estádio José Mammoud Abbas (Mamudão), 4 de agosto de 1991. Enquanto as equipes de Democrata e Atlético-MG entravam em campo para a estreia no Campeonato Mineiro daquele ano, a torcida que lotava o estádio sequer imaginava o desfecho da história que iria começar ali, à sombra da Ibituruna. Tal como em 2015, o Democrata iniciava sua campanha contra uma equipe da capital. O elenco, recheado de jovens jogadores e peças pontuais que a diretoria buscou pelo Brasil, enfrentava desconfiança justamente pela falta de experiência. Dez anos após a primeira conquista profissional da Pantera, a torcida queria novamente sentir o gostinho de uma taça. E por destino e competência, 1991 trouxe os louros de volta para o time de Valadares. E se nem o mais otimista

integrante da torcida organizada Pantera cor-de-raça pensou que pudesse terminar aquela temporada com o título simbólico de Campeão Mineiro do interior, imagine só se ele sonharia em repetir o feito por mais três vezes, consecutivamente? Foi essa a sina do alvinegro do rio Doce na década de 90, fase dourada que encheu o valadarense de orgulho e alegria. Para resgatar os detalhes dessa saga, nada melhor do que ir atrás de seus protagonistas. A equipe de reportagem do Circulando reuniu no gramado do Mamudão três dos craques que vestiram a camisa do Democrata no período, apesar de os três não terem atuado juntos. Gilmar Estevam, Walber Cotta e Tico Mineiro deram o tom da resenha que relembrou as melhores histórias daqueles anos de glória.

O gol da gasolina e o vice em 1991 Gilmar relembrou a montagem do elenco de 1991 e seus primeiros passos no futebol, dados no Democrata. “Comecei aqui em 1989, bem novo. Uma passagem pelo Cruzeiro em 1990 e voltei para o Mineiro de 1991. Era um time muito bom, bem montado pelo José Maria Pena. Eram outros tempos também. Jogar em casa fazia a diferença. Era 12, 15 mil pessoas no Mamudão todo jogo”, contou. Naquele ano, o Democrata fechou a primeira fase em segundo lugar no grupo B, atrás apenas do Atlético-MG. Mesmo o time tendo bons atacantes, a Pantera se destacava mesmo era pela solidez defensiva. Sofreu apenas uma derrota e apenas nove gols numa chave que contava com, além do Atlético, o rival Valeriodoce, de Itabira, e o xará Democrata de Sete Lagoas. Na linha de frente, Gilmar seguia balançando as redes. “Eu vinha jogando bem desde o começo do campeonato, já brigando pela artilharia.

Juntei um dinheirinho e consegui comprar um carro, um Passat. Aí, fiquei três jogos sem fazer gol. No treino, o Zé Maria falou que no grupo tinha jogador que quando andava a pé, não tinha problema, mas agora que tinha carro, parou de fazer gol. Eu falei que era eu, e ele disse que era para mim mesmo aquela mensagem. Nos dois jogos seguintes, fiz três gols. O Zé ficou feliz demais e disse até que ia colocar gasolina no carro pra mim”, lembra Gilmar em meio a gargalhadas. Campeão do Interior Os gols de Gilmar levaram o Demo ao hexagonal final. Na fase decisiva, o time perdeu os dois primeiros jogos para Atlético e Cruzeiro. Na sequência venceu o América-MG por 3 a 1, e o Cruzeiro por 2 a 1. Mas a reação parou contra o Atlético e o time de Valadares ficou com o vice-campeonato. “Título do interior” garantido e artilharia de Gilmar também, com 14 gols.

FOTOS: Tracey Bonilla

MUITA HISTÓRIA em jogo: Gilmar Estevam, Walber Cotta e Tico Mineiro relembram ‘causos’ dos tempos de ouro da Pantera

Participações na Copa do Brasil Dois anos depois da conquista do vice-campeonato mineiro, desembarcava em Valadares um certo Dilmar. O atacante, que carregava o apelido de Tico Mineiro, chegava aos juniores do Democrata, vindo da Bahia e ficaria em Valadares até 1996. Era a primeira oportunidade do jovem no futebol. “Do Democrata, eu só tenho coisas boas a dizer, foi aqui o meu começo e sem dúvida, aprendi bastante para o resto da minha carreira”. Naquele mesmo ano, o grupo baiano É o Tchan se apresentou em Valadares e pediu a presença de jogadores do Democrata. Tico subiu no palco e deu um show a parte. “Fazia fi-

rula mesmo! Dentro e fora do campo, era o meu jeito e sou assim até hoje”, finalizou. Em campo, o Democrata seguiu soberano. O último ano como melhor equipe do interior revelou nomes que estiveram nos elencos que jogaram as duas participações da Pantera na Copa do Brasil e na Série B do Campeonato Brasileiro. Os resultados, no entanto, não eram os mesmos. Na Série B, foram apenas duas vitórias em vinte partidas, e em 1995, pela Copa do Brasil, o Demo sobreviveu apenas à primeira fase, caindo para o Vitória-BA, que viria a ser vice-campeão brasileiro naquele ano.

Cérebro da equipe Walber fez parte da equipe de 1998. Era a mente pensante do time. “Naquele ano, o Democrata já sentia os sinais do desgaste. A equipe tinha muitos jogadores da base, como eu, e nós levamos o entrosamento conquistado na categoria de formação para o profissional. Acho que foi o que fez dar certo. Tínhamos também uma empresa parceira que pagava os salários da equipe. Tivemos seis meses de estabilidade”, contou o ex-meia. E se o começo de temporada parecia promissor, o mesmo não se pode dizer do final. Dono da terceira melhor campanha na fase de classificação do estadual, o Demo sentia que poderia ir longe. Iria enfrentar o América-MG, sexto classificado, o que levou a partida de ida

para Belo Horizonte, onde a Pantera perdeu por 1 a 0. No jogo de volta, no Mamudão, a partida terminou empatada em 1 a 1, resultado que eliminou o Democrata. A desclassificação no campeonato marcou também o fim da parceria com a empresa, e o elenco foi desmanchado. Walber foi um dos que deixaram o time. O ano de 1998 terminou com o clube em crise e sem mais torneios para participar. Ficaram na memória do torcedor os tempos de glória. Gols, jogadas memoráveis e partidas épicas. Nascia ali a alcunha de “maior do interior”, ostentada até hoje por clube e torcida. Hoje, o Democrata sofre do mal que assola os times do interior do país e que os afasta do crescimento: a falta de incentivo.


15 ESPORTE

MAIO 2016

Por Evanilson Correia, Fábio Velame e Leandro Silva 7º Período

Sucesso no esporte e no trabalho social O projeto “Meninas com brilhos nos olhos” chega à sua “maioridade” com muitos frutos colhidos dentro dos 18 anos de história. Idealizado pelo coordenador Guilherme Frossard Filho, o projeto iniciou os trabalhos em 18 de novembro de 1997 e possui duas características: social e esportiva. Além de formar atletas no futsal e conquistar títulos no esporte, as participantes são inseridas nos estudos em cursos superiores. No cenário esportivo, o time utiliza o nome de Filadélfia/Univale/Valadares, tendo equipes de competição em diversas categorias: sub-15, sub-17, sub20 e adulta. As equipes do projeto são vitoriosas, sempre conquistando títulos importantes a nível regional e estadual. Na galeria de troféus, o Filadélfia/Univale/Valadares tem diversos títulos no Campeonato Mineiro, Jogos Escolares de Minas Gerais (JEMG), Jogos do Interior de Minas Gerais (JIMI). Em nível nacional, a equipe já conquistou um título da Taça Brasil sub-17 e duas Ligas Universitárias. Guilherme Frossard acreditava que a parte esportiva começaria a dar resultados somente uma década depois, mas a surpresa veio bem antes. “Iniciamos com um projeto de 10 anos para chegar entre os melhores, mas com 3 a 4 anos já estávamos sendo campeão estadual. Foi um trabalho bem feito, as meninas evoluíram muito. Foi um trabalho integrado dessas meninas com os profissionais envolvidos. Nos últimos quatro mundiais femininos, tiveram jogadores de Minas Gerais que jogaram pela Seleção Brasileira, ganhando títulos. A Vanessa Pereira, que veio de Patos de Minas, esteve no nosso time na conquista da Taça Brasil sub-17. Ela já foi eleita três vezes melhor do mundo”, destaca. A parte social também trouxe muitas alegrias para as atletas. Das meninas que passaram pelo projeto, 30 se formaram em curso superior através de uma parceria com a Univale. No fim de 2015, mais cinco seguirão pelo mesmo caminho. Contente com o futuro que as jogadoras estão construindo através dos estudos, Frossard conta que não há sensação melhor que ver

Fotos: Divulgação

Casa das atletas

O projeto “Menina com brilho nos olhos” contribui para a formação de profissionais e cidadãos exemplares

elas se formando. “O futsal é apenas uma ‘desculpa’, um meio para executarmos o projeto. O principal objetivo é trabalhar o lado social. A formação acadêmica é muito emocionante, não existe alegria maior para nós. Na verdade, quando você ganha uma medalha e um troféu, a alegria passa rápido, mas o diploma é o mais importante”. Mesmo existindo uma afinidade entre o esporte e o curso de Educação Física, o coordenador comenta que as atletas seguem por carreiras variadas, sem contar as que receberam propostas para sair da cidade e continuar a vida acadêmica em outros lugares. “Temos meninas com dois diplomas: licenciatura e bacharelado. Já tivemos jogadoras que se formaram em Psicologia, Direito, Fisioterapia, Nutrição, Engenharia Civil e Ambiental. Então, aquele momento em que elas estão vestidas de beca e pegando o diploma é de muita alegria para nós e também para os familiares”, explica. De acordo com Guilherme, existem mais de cinco mil fichas nos arquivos do projeto. São os registros de todas as meninas que passaram pelo projeto, desde aquelas que só fizeram testes e não ficaram, até aquelas que permanecem até hoje.

Atleta referência A palavra referência também é usada para destacar um modelo a ser seguido. Para Guilherme Frossard, Ianni além de ser a eterna capitã da equipe adulta, é uma das referências para as meninas mais novas do projeto. Isso, por ser uma das atletas mais ativas do futsal feminino valadarense. “É a melhor atleta mineira de futsal que atua em Minas Gerais há mais de dez anos. Ela joga futsal com um amor e uma vontade que nos impressiona. É uma atleta com ‘sangue nos olhos’ e não gosta de perder. O único título que ela ainda não tem é o da Liga Nacional, porque nunca quis sair de Valadares, mesmo recebendo propostas de regiões onde o futsal feminino é mais profissional”. A equipe do CIRCULANDO conversou com Ianni Reis. “Eu jogava com a turma da escola perto do bairro onde eu morava. Participava dos Jogos Estudantis de Valadares (JEV) quando conheci a equipe do Guilherme, e aí ele me convidou para entrar para o time”. Hoje, com 28 anos, sendo 17 dedicados ao futsal, a atleta lembra dos embates enfrentados no início da carreira, entre os quais o preconceito. “Naquela época, a Marta, da seleção brasileira de futebol, não tinha a visibilidade que tem agora. Hoje em

dia, a mulher pratica de tudo. Há competições em nível nacional em que estamos bem ranqueados. Mas ainda precisa melhorar muito. A gente vê o exemplo das nossas seleções de futebol, o tanto que a categoria masculina recebe de patrocínio e incentivo, e o feminino, que não tem praticamente nada”. Ianni conta que chegou a receber convites para atuar em outras equipes, mas preferiu ficar em Valadares por gostar da cidade. Atualmente, ela joga no time adulto e trabalha com equipes de base do projeto, onde é a auxiliar do treinador Munir Saygli, que reside em Caratinga (MG), e passa por Valadares apenas nos fins de semana. Durante a semana, Ianni é a responsável pelos treinos das equipes do projeto. “Eu falo que sem o futsal eu não teria feito a faculdade, porque na verdade, quem deu o empurrão, o ‘puxão de orelha’ para a questão da graduação, foi o Guilherme Frossard. Começamos essa parceria que dura até hoje e que ajudou a maioria das jogadoras a entrar na universidade. Acho importante pensar no esporte, mas também no futuro das meninas fora dele. Não teremos o esporte para a vida toda, por isso temos que ter uma vida acadêmica, os estudos”, concluiu.

Poliana Rodrigues Silva, 28, conheceu o projeto “Menina com brilho nos olhos” através da professora de Educação Física, Rosamira, que a incentivou a participar dos Jogos Estudantis de Valadares (JEV), onde conheceu o coordenador do projeto, Guilherme Frossard. Poliana participa ativamente do projeto há 17 anos e integra a equipe adulta, além de auxiliar na preparação física das equipes de competição do projeto. Poliana também administra a Casa das Atletas, que abriga as meninas de outras cidades que residem em Governador Valadares. Em relação à casa, Poliana afirma que atualmente a mesma abriga oito moças, com faixa etária entre 12 e 28 anos. A administradora da casa afirma que a disciplina é fundamental na casa, pois acaba refletindo na equipe. Ela se sente feliz com o trabalho desenvolvido e a satisfação em ajudar essas atletas: “Em relação à administração da casa confesso que não é tão fácil. Procuro proporcionar

o melhor possível para a nossa convivência. Recebo todo mês uma quantia financeira para a compra de alimentos, materiais de limpeza e higienização. As tarefas são distribuídas de forma justa. O meu relacionamento com as meninas é bem tranquilo, mesmo elas me achando um pouco chata, às vezes”, conta Poliana. Para ela, o projeto é muito importante para Valadares, pois contribui para um trabalho de desenvolvimento social, educacional e profissional de crianças e adolescentes, e também divulga a cidade em eventos e torneios que participa. Em relação às dificuldades, a jovem comenta que às vezes tem de abrir mão de algumas coisas, como família, diversão, religião e até do namoro. Segundo ela, o projeto influenciou diretamente sua formação acadêmica. “Foi através dele que consegui concluir minha licenciatura no curso de Educação Física, em 2008. E no fim deste ano, estarei finalizando o bacharelado”.

Trabalho de base

Atualmente, no projeto existe um trabalho de base realizado em três núcleos, com 50 meninas em cada núcleo, na faixa etária de 6 a 13 anos. Os núcleos acontecem nas escolas Municipal Professora Laura Fabri, Estadual Professor Nelson de Sena e Municipal Santos Dumont. A pessoa responsável pelas aulas é Nayara Ferreira, que já foi atleta do time, mas que agora prioriza as atividades nos núcleos. Ela tem ajuda de três meninas que jogam pelas equipes de competição: Jennifer, Daniele Barbosa, Rafaela Machado. Nayara dá sequência ao trabalho que ela mesma desfrutou quando era mais nova. Ela, que obteve a licenciatura no curso de Educação Física em 2013, no fim deste ano vai conquistar o bacharelado. “Comecei aos nove anos de idade no projeto.

Hoje eu posso fazer por elas o que um dia fizeram por mim. E não tem nada mais gratificante que ver o reconhecimento dos pais em relação ao trabalho e dizer o quanto as meninas mudaram, principalmente na maneira de se relacionar em casa”. O trabalho nos núcleos, iniciado com as meninas desde cedo, servirá como um celeiro para novas atletas que surgirão no futuro. E uma das alunas do núcleo da Escola Municipal Professora Laura Fabri, Thayane da Silva, 13 anos, já se destacou e com apenas dois meses de treino com a equipe Filadélfia/ Univale/Valadares na categoria sub-15, foi campeã mineira em Belo Horizonte, em agosto deste ano. Nos planos futuros, o objetivo é integrar o handebol feminino nos núcleos já existentes, além de abrir núcleos.



Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.