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Deborah de Almeida Mond
CARTA ÀS MENINAS AFEGÃS
Minhas queridas,
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Estamos muito distantes umas das outras. Mas, isso não me impede de tentar chegar pertinho do coração de vocês e, quem sabe, em poucos minutos acender uma luzinha ali. Reacender uma esperança e contribuir para se manterem fortes. Vai aqui, então, um colinho de amiga que embora não conheça vocês, manda um abraço grande e um pedido para não desistirem. Hoje tudo parece muito confuso e o medo toma conta de todos, mas saibam que não estão sozinhas. Isso é muito importante. Estamos todas olhando por vocês. Muitas mulheres lutam, atualmente, pela causa das mulheres. Existe uma palavra difícil para isso: “sororidade”. Isso significa, em poucas palavras, a empatia entre as mulheres, sem julgamentos, ou seja, cada mulher se coloca no lugar umas das outras, sem disputas ou competições tolas. Não se enganem, somos
Porto Alegre, 22 de agosto de 2021.
muitas. Todas crescemos em realidades diferentes, mas com sonhos semelhantes. Faz bastante tempo, mas um dia eu também fui uma menina e o que me vem à mente de lembrança mais marcante é a vontade incontrolável de crescer. Curiosa sobre o futuro, planejava ser feliz e forte. E, com sorte, bonita. A maioria das meninas tem sonhos assim. Vocês devem ter seus belos sonhos também. Todos os sonhos são justos e muitos se tornam reais. Mas, para que eles aconteçam vocês precisam de ajuda. De orientação. Para isso a melhor ferramenta é o conhecimento. Nunca, nunca mesmo, abram mão ou desistam dele! Malala Yousafzai ensina a todas que A educação é o poder das mulheres. E por que ela afirma isso? Porque o conhecimento eleva o ser humano. E, por consequência, para nós mulheres ajuda a desestabilizar um sistema preconcebido de controle e manipulação. Liberta a alma feminina. Coloca em risco a supremacia machista que ousa nos castrar, nos intimidar e nos controlar. Explico melhor. No princípio dos tempos, em que a humanidade sobrevivia apenas da coleta dos frutos da terra a mulher era o símbolo do sagrado, a deusa era feminina. Mãe terra. Tudo começou a mudar quando a coleta se tornou insuficiente e o homem precisou caçar. O trabalho exigia força física e os homens, desde então, começaram a governar. Passaram a controlar o mundo e,
principalmente, o universo feminino. Daí a violência exercida com vigor durante a idade média e, infelizmente, até nossos dias em muitos lugares. O centro do poder era (e ainda é) masculino e isso foi a única realidade do nosso planeta por muitos e muitos anos. Agora, já não é tão simples assim. Os nossos valores estão sendo reivindicados! Tentamos todos os dias e em todos os lugares manter a nossa dignidade. Para isso buscamos igualdade e lutamos pelo acesso à educação e ao trabalho nas mesmas condições dos homens. As coisas ainda são muito difíceis às mulheres e precisamos derrubar muitos muros e romper muitos grilhões todos os dias. Mas estamos progredindo. Devagar, mas com força. Sem desistir. O que não se pode admitir é que coisas horríveis sejam banalizadas e consideradas normais. Chimamanda N. Adichie, uma escritora nigeriana maravilhosa, afirmou na palestra/ensaio Sejamos todos feministas que “Falar é fácil, eu sei, mas as mulheres, só precisam aprender a dizer NÃO a tudo isso.” Ser respeitada pela feminilidade e pelas opções não é favor, é um direito. E isso não diz respeito a diferenças culturais ou religiosas. Estamos falando de humanidade, de direitos fundamentais e inegociáveis, que qualquer pessoa pode e deve reivindicar em qualquer lugar do
planeta. Inclusive eles, nossos homens. Eles merecem ser felizes com mulheres felizes. Assim, não é normal nem aceitável ser obrigada a cobrir o rosto, a cobrir o corpo até os pés ou se casar com quem não se conhece. Não é normal ser proibida de estudar ou trabalhar. Não é normal ser agredida ou morta por crimes que são crimes só porque algum maluco resolveu que são. Deus não exigiria isso de nós. Nem de nossas mães ou de nossas filhas. Nem de vocês! Nossos corpos, nossos cabelos, nossos rostos são nossos e devemos nos orgulhar sempre. Nunca se envergonhem de serem bonitas. Todas são lindas! Estudar é maravilhoso e ter um trabalho digno é fundamental para nossa independência. O direito de escolha por ter ou não filhos é nosso e de mais ninguém. Casar é uma opção de vida e não cabe a ninguém nos impor ou nos proibir de coisa alguma. Nossas roupas são as roupas que escolhemos usar. Se gostamos de véu, usamos véu. Se não gostamos de véu, não usamos. Somos donas das nossas escolhas. O que importa é ter isso em mente. Estar em paz com a condição de ser menina. Não há culpa na feminilidade! Somos senhoras dos nossos corpos e do nosso cérebro. Nada ou ninguém tem direito à escolha sobre e por nós. Vocês são jovens e têm o tempo a favor. Pensem nisso. Tenham paciência. Muitas que vieram antes de
vocês sofreram demais por tentar demonstrar que a questão de gênero importa. Ser mulher exige resgate de valores. Vocês vão conseguir, mas enquanto isso tentem ser simplesmente meninas. Ajudem umas às outras, cuidem de suas mães e de suas irmãs (no sentido amplo dessa palavra). Alimentem-se bem, tentem olhar a vida de uma maneira mais leve, não se deixem humilhar ou fraquejar. Guardem energia e armazenem forças para quando tiverem oportunidade de serem ouvidas. Mencionando Malala de novo - e sempre, ela afirma com sabedoria que os extremistas se assustam com uma menina com livro. Percebem isso? Vocês estão (são) caladas agora, mas nós ouvimos as suas vozes silenciosas. E o mundo todo escuta vocês. E é exatamente isso que eles, os extremistas, temem. Não abandonem os livros... Como eu disse antes, somos muitas. Fiquem unidas e perseverem. O segredo é não deixar a amargura apagar a esperança. O mundo não é um lugar fácil, não vou enganar vocês, mas é maravilhoso estar nele. As opções que vão se abrir durante a vida de vocês serão tantas que será difícil abrir mão de uma em favor de outras. Viver é um privilégio negado a muitos. Vivam felizes em homenagem a outros que não tiveram essa sorte. Usem o tempo a seu favor. Preparem-se para quando o momento oportuno chegar. E ele vai chegar.
Brinquem, cantem, rezem, leiam e esperem. Esperar sempre. As mulheres sempre aprendem a esperar. Sejam meninas! Sejam sempre meninas.
Com carinho,