EIKOH HOSOE

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26 de fevereiro a 3 de maio de 2014 - Sesc Consolação

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sumário / mapa da exposição

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apresentação

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introdução

embrace man and woman

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the butterfly dream

26 barakei

kamaitachi ukiyo-e

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un homme rodin

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navel and A-bomb

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105 cronologia

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Kazuo Ohno – The Butterfly Dream © Eikoh Hosoe


LUZ EM BUSCA DE CORPO

A obra fotográfica de Eikoh Hosoe explora as relações entre imagem e corpo, o que não é incomum: muitos fotógrafos debruçaram-se sobre essa temática desde fins do século XIX, imprimindo-lhe conotações diversas. Mas a circunstância contemporânea, marcada pela circulação global de dados, objetos e capital, tornou o quadro mais complexo, já que assiste à crescente produção, compartilhamento e comercialização da imagem humana. Vale perguntar se a arte, como se operasse uma força de ressignificação, poderia agir contra o esvaziamento de sentido aparentemente implícito nesse convívio com o excesso. As fotografias expostas em Eikoh Hosoe: Corpos de Imagens esboçam hipóteses para esse questionamento, a partir de expedientes como a ênfase na expressividade da figura humana, bem como no cotejamento com a tradição japonesa. Uma das linhas de força do trabalho do fotógrafo advém de seu fascínio pelo ser humano em plena ação performática. Protagonistas do panorama cultural japonês do pós-Guerra – como o escritor Yukio Mishima e o dançarino Kazuo Ohno – se oferecem como cocriadores e como matéria-prima para a construção visual. As consequências de tais encontros entre lente e expressão corporal criam pontes entre o rigor formal e estados de espírito carregados de dramaticidade. Outro vetor relevante na obra de Hosoe é a relação com a tradição, o que o permite situar suas motivações estéticas num tempo dilatado. Exemplo disso é a utilização dos rolos impressos (emakimonos), no qual a remissão à iconografia japonesa é combinada com o uso de tecnologias contemporâneas. Ganha relevo aqui um sentido de narrativa, que se espelha na preferência pelas séries e ajuda a ambientar as imagens em contexto poético específico. Operar no terreno das políticas culturais de interesse público significa, para o Sesc, pensar a cultura como direito. Nesse sentido, uma exposição como Eikoh Hosoe: Corpos de Imagens busca efetivar uma das facetas desse direito, ao aproximar público e produção artística, não com o intuito de solicitar adesão, mas de ampliar as opções de escolha. Em que medida as versões imagéticas do humano, multiplicadas por mídias as mais diversas, serão repensadas à luz das fotografias agora expostas – trata-se de uma indagação que orbita a esfera do incalculável, típica do campo do simbólico. Danilo Santos de Miranda Diretor Regional do Sesc São Paulo

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A Fundação Japão, criada em 1972, desenvolve suas atividades por meio de três principais segmentos: “Intercâmbio artístico e cultural”, “Ensino da língua japonesa fora do Japão” e “Estudos japoneses e intercâmbio intelectual.” Em todos os segmentos citados, esta instituição trabalha com o objetivo de manter o intercâmbio cultural e a compreensão mútua entre os países do mundo e o Japão. Para impulsionar a compreensão da arte e da cultura japonesa, a Fundação Japão desenvolve e apoia uma ampla diversidade de exposições de artes visuais, que trazem desde obras tradicionais até contemporâneas, trabalhando com várias instituições no mundo. Esta exposição, Eikoh Hosoe: Corpos de Imagens, é mais um registro da parceria entre o Sesc São Paulo, prod.art.br e a Fundação Japão, e apresenta o extraordinário conjunto de obras de Eikoh Hosoe, um ícone da fotografia japonesa. O olhar de Hosoe transporta-nos para uma nova e desafiadora atmosfera da história da fotografia pósguerra no Japão, e trazer suas obras ao público brasileiro é de extrema importância. Com a certeza de estarmos contribuindo para oferecer informações sobre o Japão e o povo japonês, expressamos os nossos sinceros agradecimentos ao Sesc São Paulo pela parceria nestes longos anos de relacionamento, possibilitando desta forma a efetiva realização de intercâmbio cultural entre os povos. Akira Fukano Diretor geral da Fundação Japão em São Paulo

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O fato de minhas fotografias passarem a ser exibidas na tão distante São Paulo é um motivo de alegria para mim. Kazuo Ohno e Tatsumi Hijikata tiveram exposições a seu respeito e minhas obras fizeram parte delas. Desta feita, porém, o público poderá ver em única mostra a minha produção de cinco décadas, desde Man and Woman, passando por Barakei, Kamaitachi, The Butterfly Dream, Embrace, até Un Homme Rodin, que é meu último trabalho. Nesta exposição, a apresentação dos trabalhos será feita através da antiga técnica de Printing utilizada em Emaki, desenhos que são colados entre si para formar uma única obra em rolo, técnica essa a qual venho me dedicando há alguns anos. Se nessa oportunidade, ao levar para o público brasileiro o universo do meu trabalho, e conseguir despertar o interesse desse público sobre a fotografia japonesa, isto será motivo de uma imensa alegria. Para finalizar, gostaria de apresentar o meu agradecimento ao Sesc São Paulo, promotor do evento, à prod.art.br, ao Sr. Hideki Matsuka, que se engajou com enorme entusiasmo, tanto para a realização do evento quanto no projeto do layout deste espaço, e à Japan Foundation que prestou um grande apoio na concretização do projeto. Fevereiro de 2014 Eikoh Hosoe


uma narrativa corroída pelo pensamento butô

Eikoh Hosoe (1933) faz parte de uma geração que mudou radicalmente o modo de conceber arte, corpo e mídia no Japão. Ele é conhecido como um dos mais importantes fotógrafos japoneses, embora também tenha chamado a atenção com a sua pequena mas intensa produção cinematográfica transmidiática. Um bom exemplo de projeto deste tipo aconteceu em 1960, quando criou, com Shuji Terayama e Shintaro Ishihara, o Jazz Film Laboratory que reunia experiências de diversos artistas, inclusive o seu famoso filme preto e branco Navel and A-bomb (O Umbigo e a Bomba Atômica), do qual participaram alguns dançarinos que integravam o primeiro grupo de Butô, criado por Tatsumi Hijikata. Foi justamente com Hijikata que Hosoe produziu um de seus ensaios fotográficos mais importantes: Kamaitachi. As imagens foram publicadas pela primeira vez em 1969 e reeditadas em 2005 e 2009. Este ensaio performativo girava em torno da vida rural em Akita, um lugar pobre, muito frio e com ventos que cortavam a pele. Esta região, onde Hijikata nasceu e passou a sua infância e adolescência, já havia sido documentada antes da viagem/peregrinação dos dois artistas. O fotógrafo Ihei Kimura (1901-1974) foi responsável por algumas das imagens mais emblemáticas do lugar e das pessoas que aí viviam. No entanto, nos retratos criados por Hosoe, a presença insistente e subversiva de Hijikata instalava uma nova narrativa corroída pelo pensamento butô. O corpo era invadido pelo ambiente e, muitas vezes, nele desaparecia. O movimento nunca assumia a sua clausura no enquadramento da foto. E também não havia nenhum limite claro entre figura e fundo, nem entre observador e cena; e muito menos entre sujeito e objeto. Essa dinâmica de sobreposição de imagens, texturas, sombras (e assombrações) reincide, a partir de então, na obra de Hosoe. Aciona uma série de intertextualidades e movimentos que apresentam, em uma mesma imagem, tempos distintos. É provável que essa migração entre linguagens e narrativas tenha se tornado uma das principais habilidades de Hosoe, tornando inevitável a sua inserção no cinema e na performance. Mas é bom lembrar que nada disso seria possível sem a sua indiscutível sensibilidade para criar um retrato. Nunca um retrato qualquer. Mas aquele que sugere e compartilha a síntese fictícia da vida de alguém. Christine Greiner curadora

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The Walters Art Museum


infinitas narrativas Esta exposição traz pela primeira vez à América do Sul, uma retrospectiva da obra de Eikoh Hosoe. São sete séries na qual o corpo, “objeto primeiro de todo conhecimento e de toda visibilidade”1, é o leitmotiv, o ponto de partida para alcançar os limites e a bordas de nossas almas, de nossas histórias. É o recorte e a composição do corpo que Hosoe usa como almofariz para macerar memórias e emoções – suas, de seus “temas”, de seu povo – criando não imagens solitárias, mas narrativas: matrizes de vida e campo experimental, sempre aberto e em pleno funcionamento. A contrapelo da fotografia de sua época, voltada sobretudo ao plano documental de função social, Hosoe persegue o subjetivo da realidade. Suas narrativas partem do desejo e vão se desenhando durante o processo de criação – que às vezes duram poucas sessões, outras vezes duram meses, ou até mesmo anos. Narrativas infinitas que se atualizam, se desdobram, se sobrepõem e se transformam a partir do olhar de cada espectador, ad infinitum. Nos últimos anos, Eikoh Hosoe escolheu mostrar seu trabalho através de kakejikus e emakimonos – formatos tradicionais da arte japonesa. Enquanto os kakejikus são painéis verticais que devem ser pendurados, os emakimonos são longos rolos lineares. Ao resgatá-los da tradição, Hosoe, como um alquimista, encontra na forma a maneira de expressar o conteúdo narrativo de suas fotografias. Arcaico e contemporâneo, mesmo e diverso, é na amálgama entre gravura, teatro, dança e literatura que Hosoe atinge a sua singularidade. Os corpos aqui presentes, de homens e mulheres, de Tatsumi Hijikata e Kazuo Ohno, de Yukio Mishima e das esculturas de Rodin, misturam tempos, vividos e imaginados, e espaços, externos ou internos. Suas torções, seus saltos e enleios envolvem o espectador não somente através do olhar, da mera observação, mas também através do corpo, que precisa mergulhar num movimento extensivo para apreender a totalidade da obra de Hosoe em formato emakimono, como se dançassem num percurso entremeado de narrativas. É apenas assim, na abertura, que novos tempos e novas histórias vão se revelando – obra própria de cada espectador. Finalmente, o que o filósofo japonês Kuniichi Uno afirma sobre uma performance do Butô poderia sintetizar essa exposição que agora se apresenta ao público brasileiro: “Trata-se do corpo e do tempo. Um aspecto especial do corpo revela uma figura singular do tempo. O corpo está sempre lá, mas como disse Hijikata: ‘Nenhuma vez a carne nomeou o que lá está nela.’ O corpo pode estar presente e ausente, e quando está presente, ele sai da linha contínua do tempo que corre determinado pela ação, a significação, a economia, a representação do mundo. É um outro tempo que surge na ferida desta linha rompida.”2 Ricardo Muniz Fernandes curador 1 G. Didi-Huberman. O que vemos, o que nos olha. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, 1998. 2 K. Uno. A gênese de um corpo desconhecido. Trad. Christine Greiner. São Paulo: n-1 edições, 2012. 9


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Tatsumi Hijikata – Kamaitachi © Eikoh Hosoe


Tatsumi Hijikata e Eikoh Hosoe, como um Duplo Espiral: Dançarino Butô e Fotógrafo

Foi no ano de 1959, Eikoh Hosoe viu pela primeira vez a dança de Tatsumi Hijikata, Kinjiki [Cores proibidas], considerada obra inaugural do Butô. Entusiasmado por essa dança nunca vista, procurou o dançarino. Desde então, deu-se o início da amizade que os uniu durante toda a vida – e também o começo da vida de um fotógrafo que testemunhou o nascimento e acompanhou o desenvolvimento do Butô. Hosoe cedo iniciou a atividade como freelancer e, já em 1956, realizou a sua primeira exposição individual. Na época em que Hosoe, com sua fina personalidade moldada pela origem citadina, começava a se estabelecer através de sua vigorosa atuação como artista, Hijikata, cinco anos mais velho, experimentava uma agonia criativa, remoendo-se na pobreza e no sentimento de inferioridade por ser alguém do interior. A Kinjiki liberta, entretanto, Hijikata para o novo universo. A obra foi um ponto de ignição da revolução na dança moderna no Japão e, ao mesmo tempo, um hipocentro que originou uma nova arte. Nesse processo, Yukio Mishima desempenhou um grande papel. Admirado e maravilhado pela ritualidade, pela pureza do ato de dança em si que observou no ensaio de Hijikata imediatamente anterior à apresentação de Kinjiki, Mishima eleva essa manifestação como “o espetáculo mais interessante em toda a cidade de Tóquio”. O respeito de Mishima pela dança de Hijikata, o apoio que deu às suas atividades, incentivou o dançarino desconhecido, nutrindo-o de coragem – coragem, esta, que foi a base de sua criação, tornandose elemento fundamental para o estabelecimento do Butô. Enquanto isso, Hosoe crescia como fotógrafo. Em 1960, foi realizada a exposição individual Man and Woman. No ano seguinte, o livro de ensaio fotográfico com o mesmo título é lançado, levando Hosoe ao estrelato. Hijikata é um dos modelos deste livro. A foto em que ele aparece fará parte do catálogo de seu primeiro recital, conhecido como “Portfólio de Eikoh Hosoe, dedicado a Tatsumi Hijikata”. Mishima, ao ver as fotos de Hijikata feitas por Hosoe, encomenda ao fotógrafo uma imagem para a capa de seu próximo livro, bem como seu retrato para contracapa. A série tirada para este propósito origina a coletânea Barakei. A sessão de fotos para Barakei começou na residência de Mishima, com seus ornamentos em estilo europeu meridional. Em seguida, foram feitas algumas tomadas no estúdio Asbestos, ateliê de Hijikata, tendo como modelo os dois.

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A coletânea teve um acabamento algo escandaloso, provocado pela personalidade de Mishima. A expressão masoquista causada pela nudez e pela tendência homossexual do próprio escritor causa uma sensação herética extrema. Mas Hosoe, ao elevar o corpo humano ao sublime, logrou realizar suas fotografias no firmamento das artes. Dois anos após a edição de Barakei, Hosoe inicia o processo de produção de Kamaitachi. As duas obras mantém um elo profundo no universo de produções do fotógrafo. Para tanto, foi decisivo ter duas existências icônicas da literatura e da arte performática do pós-guerra como objetos fotográficos. Hosoe define essa linhagem de obras como “documental subjetiva”. Em comum, existe o fato do fotógrafo se confrontar com um “corpo”; de um lado, o corpo de um escritor, do outro, o de um dançarino de Butô. Evidentemente, há diferenças radicais entre essas obras. Enquanto em uma as fotos são produzidas num ambiente artificial, interior (com exceção daquelas feitas no jardim), a outra é realizada sobretudo a céu aberto, no ambiente natural. A escolha de Tohoku, região nordestina do arquipélago japonês, caracteriza a obra simultaneamente, já que é uma referência territorial ligada aos temas de expressão corporal do Butô. Essa região significa muito tanto ao autor, Hosoe, quanto ao modelo-objeto, Hijikata. Hosoe é de Tóquio, mas veio à luz em Yamagata, terra dos ancestrais de sua mãe, para onde ela foi para realizar o parto. Hosoe nada lembra dessa passagem, pois retorna a Tóquio aos três meses de vida. Durante a Segunda Guerra Mundial, Hosoe refugiou-se em Yonezawa. Foi durante o refúgio coletivo, com colegas sextanistas da escola primária, que Hosoe experimenta a vida no campo. Embora curta, essa vivência de Tohoku deixa um marca profunda no jovem. O local da sessão fotográfica de Kamaitachi fica na província de Akita, região vizinha à província de Yamagata. Para Hosoe, essa viagem àquela região, junto com Hijikata, significava uma viagem de registro de memórias da sua época de refúgio. Para Hijikata, entretanto, Akita era a sua terra natal. Para ele, a sessão significava um retorno triunfante às terras ancestrais. Se o Butô nasceu de sementes filosóficas e artísticas ocidentais, foi no Japão que ele brotou e, durante o trabalho, Hijikata teve a plena certeza de que isso aconteceu em Tohoku. Por obras do destino, os dois artistas seguiram à Akita, portanto, com uma grande questão em comum: “O que é o Japão?” O local de produção ficava numa pequena vila de Tashiro, distrito de Ugomachi, no sul da província de Akita. Nesta cidade ficava a sede do clã ao qual Hijikata pertencia. Da vila da sede, até o local de produção, havia muitas estradas íngremes e em curvas. Após percorrer os morros de Nanamagari, encontra-se uma pequena comunidade agrícola instalada numa área cercada de montanhas. É uma paisagem sem grandes características, na qual reina a calmaria – o que causa, repentinamente, a estranha sensação de que se está num espaço mágico. Ali é o palco da sessão fotográfica de Kamaitachi. O que significa Kamaitachi? Hijikata explica:

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“É um fenômeno que causa um ferimento, que faz sangrar, e advém do surgimento de um vácuo causado por redemoinhos que se formam devido a diferença de pressão atmosférica.” Embora contenha a palavra Itachi, que significa fuinha, trata-se de um fenômeno natural. Por que enxergamos mais um “animal” do que um fenômeno da natureza na série Kamaitachi, de Hosoe? Não há outra explicação a não ser a intensa fricção que Hijikata provoca na sensibilidade de quem olha as fotografias. Por exemplo, quando corre desenfreadamente pelo campo de arroz pós-colheita, com um bebê no braço esquerdo e com o direito estendido para trás. Até por causa da grossa pigmentação da foto de Hosoe, Hijikata causa a impressão de ser uma fuinha. Shuzo Takiguchi escreve, no prefácio de Kamaitachi: “Tatsumi Hijikata usa sua maestria na dança para penetrar abruptamente no centro do vácuo que existe entre o tempo e o espaço, descendendo para ponto mais próximo do local em que nascemos. Ele chegou ao ninho do vácuo, o lar de kamaitachi, a ‘fuinha-foice’”. O que aconteceu, então, neste ninho do vácuo? Hosoe comenta: “Num gesto extremamente deselegante, num ato de puro desrespeito”, foi realizada a sessão de fotos em Tashiro. Hijikata brincou com as crianças, sentou-se entre os camponeses, sequestrou o bebê, defecou no meio da plantação, fez com que o carregassem numa liteira improvisada, feita de pontaletes de madeira. Tudo ocorreu, nas palavras de Hosoe, como num ato de “‘happening’, violento e instantâneo”. Foi algo que nem o cinema, nem a televisão, nem a pintura ou a literatura conseguiriam realizar. Somente a arte fotográfica. Hijikata, brincalhão, atraía as crianças. Sendo palhaço, causava riso nos camponeses. Hijikata era um “humilde imbecil”, um Xamã, um “rei dos tolos” que surgira na vila. Naquela comunidade calma, foi a aparição do corpo, que emana raios e redemoinhos, e a ação do fotógrafo, que induz o espectador às tamanhas tonturas, que fez nascer Kamaitachi. Hijikata diz, ainda: “Não que eu fosse o ‘kamaitachi’, quem foi, era aquele que fotografava. Que rasgava o espaço. A série foi feita a partir deste ponto de vista”. Kamaitachi. Creio ser ótima denominação. A lente do fotógrafo e o corpo do dançarino se tornam “kamaitachis” e, como se fossem um duplo espiral, rasgam a pele e a carne de um e outro. A exposição de Kamaitachi foi realizada em março de 1968 em Tóquio, no Salão Nikon, sob o título “Uma extravagante tragicomédia – Um drama fotográfico estrelando o gênio japonês do Butô, Tatsumi Hijikata”. E o livro Kamaitachi sai do prelo no ano seguinte. Como se vê, o título da exposição ainda não era Kamaitachi. Durante a produção das fotos ainda não existia Kamaitachi. Hijikata era apenas um “estranho” no cenário bucólico daquela comunidade. Takashi Morishita curador

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Man and Woman – Imagem e Ideia Tatsuo Fukushima Certo dia, Hosoe me pediu que o acompanhasse para comprar algumas maquiagens de teatro. Paramos numa pequena loja em frente ao Teatro Nichigeki, que dispunha de alguns restos de materiais de toalete e acessórios baratos. Ele escolheu maquiagens de cores variadas. Eu fiquei extremamente curioso com o que ele pretendia fazer. “Primeiro, usarei preto e amarelo. Depois, vermelho e verde, e depois rosa. E quero branco, também.”   Foi com interesse que assisti à sua preparação para o trabalho com estas maquiagens no dia seguinte. Antes de começar a fotografar, ele as aplicou, em padrões fantásticos, no rosto e nas mãos de sua modelo, pintando a face metade preta, metade branca, traçando um círculo ao redor dos olhos, ou colocando um coração vermelho na testa. Qualquer pessoa se sentiria inclinada a pensar que ele havia perdido a cabeça. Pode ser por esta razão que este homem, um tipo geralmente despreocupado, parecia desta vez relutante em ser visto trabalhando.   Se este trabalho poderia resultar em fotografias, e, em caso positivo, se as pessoas poderiam entendê-las, eram questões sobre as quais o próprio Hosoe não tinha a menor ideia. Como ninguém antes havia experimentado este tipo de trabalho, ele tinha que fazê-lo totalmente por conta própria. Mesmo que pudesse possivelmente expressar suas ideias por meio

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das fotografias, como ele deveria criá-las a fim de que as pessoas pudessem entender o que ele queria dizer? Quem entenderia este trabalho, que mais parecia uma representação de ritos de alguma seita esquisita?   Era um domingo e a maior parte de seus vizinhos estava fora. Eu abri a porta de seu estúdio e o encontrei sozinho com uma modelo, fotografando, absortos. Ele me cumprimentou com um “Bem?” e seguiu fotografando, regulando a câmera, e dando direções à modelo. Tirei meus sapatos em silêncio e me movi para trás dele. Levando o meu rosto o mais próximo que podia para o nível de sua câmera e da modelo, tentava ver o que ele fotografava e o que tentava alcançar.   Olhei por sobre seu ombro quando ele ajoelhou para observar o vidro fosco e liberar o obturador, e comecei a perceber algo do significado que existia por trás das imagens de cada uma das fotografias agora dispostas lado a lado em Man and Woman. Eu vi homem e mulher em estado de caos, gritando, silenciosamente, o grito desesperado da vida, alvos sobre os quais luz e trevas e toda a existência haviam se concentrado.   Foi à primeira vista uma cena de paixão e poder estranhos e misteriosos, raiva e quietude. As poses da modelo sob a clara luminosidade do estúdio e, em especial, sua estranha maquiagem me fizeram entender o que Hosoe tentava expressar em termos simbólicos ao pintar aquela maquiagem teatral em seu corpo e seu rosto.   Após observá-lo em silêncio por algum tempo, eu dei um passo para trás, fiz um grande desvio circundando-o, e deixei o estúdio.


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Durante os seis meses seguintes, Hosoe trabalhou furiosamente, como se possuído por um demônio, para capturar com a lente de sua câmera as imagens que ele sentia que devia ter e que representariam a fúria de sua existência interior em busca de canais para o exterior.   Ele experimentou continuamente. Encharcou sua modelo com água, trouxe modelos masculinos, experimentou novos tipos de papel sensibilizado para novos efeitos, posicionou e reposicionou seus modelos infinitamente, os fez assumir inúmeras novas expressões. Experimentou cores, mas os tons de cor tendiam a ser harmoniosos demais e resultar em imagens meramente agradáveis. Decidiu-se contra a cor e enterrou as fotos coloridas em seus arquivos. Elas eram boas e teriam causado aplausos em uma exposição convencional, mas não eram o que ele buscava para seus propósitos particulares. Ele descartou impiedosamente e selecionou rigidamente, transitando, de suas ideias iniciais, para um tratamento mais rígido e austero nas escolhas finais que geraram esta série.   A obscuridade e granulação criadas pela grossa maquiagem foram descartadas. As cores violentas e formas estranhas com que ele iniciara foram reduzidas à maquiagem do olho da modelo, a flor entre seus lábios, o pequeno pássaro trazido nas mãos, o polvo sobre o braço, e, acima de tudo, o tratamento preto-e-branco dos olhos, dentes, lábios e seio da mulher e o vigoroso peito do modelo masculino. Tudo nas fotografias fora transformado em expressão simbólica.

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A foto de uma mulher encarando o espectador com uma flor entre os lábios não é um retrato da modelo, tampouco uma imagem glamorosa de pasquim.   De novo, a imagem da modelo, lançada insensivelmente sobre o chão como um osso de cachorro, junto aos três braços masculinos, não é, obviamente, um nu convencional. Vê-la como um nu nonsense é discernir sua inteligência, mas perder totalmente a seriedade da imagem.   Um editor de revistas fez a mim o seguinte comentário, “Muitas das imagens me parecem homossexuais.” De fato, todos os críticos que viram as imagens invariavelmente mencionaram sexo em seus comentários. Além do título, por que todo mundo pensou dessa maneira sobre Man and Woman?   No campo literário, o comentário normal para, por exemplo, Sexus, de Henry Miller, é que ele trata de problemas sexuais modernos, ou que Diário de um Ladrão, de Jean Genet, é sobre homossexualidade. A obra de Hosoe representa o primeiro caso no qual a fotografia atraiu comentários deste tipo.   A fotografia é geralmente descrita como um registro literal, gráfico de coisas físicas e eventos. Mas em Man and Woman, o fotógrafo busca deliberadamente representar sentimentos interiores, incluindo sexuais, e expressar por meio de imagens seu próprio conflito interior. Ele alcança isso em certa medida porque as imagens dão ao espectador um novo insight. Elas mostram que é possível tratar com a câmera algumas situações da vida que tradicionalmente pertenceram ao meio do romance.


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Até então, fotografias de nu eram julgadas boas ou ruins essencialmente sobre bases estéticas e nunca como juízos intelectuais sobre problemas modernos do sexo. A fotografia tem sido confinada a seu papel tradicional como o registro impassível de aparências exteriores, mas Hosoe, aqui, utiliza a técnica fotográfica para o tratamento de faces e corpos de homem e mulher a fim de representar ou simbolizar conflitos interiores.   Do ponto de vista convencional, uma imagem de nu é somente isso, uma imagem de um assunto humano é um retrato, o material fotografado sempre dá as bases para sua apreciação. Em documentários, os únicos problemas trazidos à tona são problemas sociais, e a questão mais profunda da própria vida é sempre deixada de lado.   A imagem de mulher de Hosoe não expressa a beleza da modelo, seu caráter ou individualidade. Não é tampouco um retrato de mulher nem mesmo uma imagem de um ser humano. Suas imagens do corpo humano não são representações de nudez como tais. Ele simplesmente utiliza o corpo humano como um meio, e um meio poderosamente expressivo, para investigações da verdade artística e psicológica.   Man and Woman não requer classificação ou definição. Obviamente, a série induz o espectador a pensar sobre sexo. Parece-me que o fotógrafo consegue, através das camadas das imagens, transmitir ao espectador as imagens e ideias subterrâneas que ele traz na mente.   O editor que vê elementos de homossexualidade nestas imagens entendeu

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parte do seu significado, mas a ideia de homossexualidade aqui vai além daquela fisicamente erótica, como contraparte à heterossexualidade.   Um exemplo disto é a última imagem no livro – um corpo masculino musculoso, delicado na gentileza dispensada a dois pequenos pássaros, trazidos nas mãos em concha.   Hosoe buscou como fotógrafo a resposta para o problema da representação psicológica partindo de seu fundamento – um desnudamento literal até o essencial. Para ele, humanidade significa a relação entre homem e mulher, a ligação entre seres humanos de sexualidade concreta. É sentimento humano no que há de mais profundo, de amor no interior do ódio, de liberdade no interior do amor, da alegria no interior da liberdade.   Hosoe disse:  “Meu Man and Woman desta vez foi uma tentativa de capturar o drama humano, seus ritos secretos mantidos na escuridão. Em meu próximo Man and Woman, eu pretendo trazê-lo à luz do céu, da terra e do sol.”


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barakei

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Barakei Yukio Mishima Um dia, sem aviso, Eikoh Hosoe apareceu e me transportou fisicamente para um estranho mundo. Eu já havia visto um pouco do trabalho mágico que a câmera podia produzir, mas o trabalho de Hosoe não é uma simples mágica, nem mesmo um tipo de feitiço mecânico; é o uso desse civilizado instrumento de precisão para propósitos absolutamente opostos à civilização. O mundo para o qual fui abduzido, sob o feitiço de suas lentes, era anormal, deformado, sarcástico, grotesco, selvagem e promíscuo... ainda assim, havia ali uma clara corrente subterrânea de lirismo que murmurava gentilmente através de seus canais invisíveis.   Era, em certo sentido, o reverso do mundo em que vivemos, onde nosso culto às aparências sociais e nossa preocupação com a moral pública e a higiene criam esgotos sujos e desagradáveis que se retorcem abaixo da superfície. Diferente do nosso, o mundo para o qual fui levado era uma cidade estranha, repelente – nua, cômica, desgraçada, cruel, e, mais do que isso, demasiadamente decorativa – contudo, em seus canais subterrâneos fluía, inesgotavelmente, uma corrente diáfana de sentimentos puros.   SIM, ERA ESTRANHA A CIDADE PARA QUAL FUI LEVADO... uma cidade que não se encontra no mapa de terra alguma, onde Morte e Eros brincam desenfreadamente ao longo das praças, na clara luz do dia... Nós permanecemos nessa cidade do outono de 1961 até o verão de 1962.

Este é o registro de nossa estadia, como contado pela câmera de Hosoe.   Diante daquela câmera, como eu logo percebi, meu próprio espírito e meu psicológico se tornaram totalmente redundantes. Foi uma experiência emocionante, um estado de coisas com o qual há muito eu sonhava. Hosoe simplesmente explorava, através de sua câmera – muito como o romancista utiliza as palavras e o compositor, os sons – as várias combinações em que os objetos a serem fotografados poderiam ser dispostos, bem como a luz e a sombra que resultariam daquelas possíveis combinações. Para ele, em síntese, os objetos correspondem às palavras e aos sons; são despidos de seus vários significados e arremessados num arranjo, também sem significado, em que a reflexão sem significado de uns aos outros eventualmente restaura uma certa ordem à luz e à sombra. É somente através desses meios que os elementos com os quais ele compõe podem adquirir uma qualidade abstrata, similar àquela das palavras e dos sons. Um requisito inicial para esse processo, é claro, é que os objetos fotografados tenham algum significado do qual possam ser despidos. Por isso era necessário que o modelo humano fosse um escritor, e que o pano de fundo consistisse de pinturas renascentistas e mobiliário barroco espanhol. Estes não compunham, entretanto, um modo de realizar sátira ou paródia, mas de atingir o estilo único de abstração do fotógrafo. O uso, por exemplo, de “A Vênus Adormecida”, de Giorgione, ou “O Nascimento da Vênus”, de Botticelli, tem uma significância bastante diferente da

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monomaníaca paródia de “Evening Bells” de Dalí. Se o fotógrafo deve criar obras que representem seu espírito do mesmo modo que artistas de outros gêneros, ele precisa primeiro – sem ter nada pronto, nenhum componente abstrato como palavras ou sons –, fornecer outros meios para a alcançar a abstração.   Antes de tudo, portanto, a exterioridade dos objetos a serem fotografados deve ser precisamente definida, e um certo estado de coisas estabelecido, de modo que, por exemplo, o olho do modelo possa ser, de maneira bem simples, seu olho e suas costas. Diante da câmera de Hosoe, fui treinado até que significasse exatamente a mesma coisa, para mim, olhar diretamente para a lente ou virar completamente minhas costas para ela. Se a carne das minhas costas e a retina de meu olho fossem ambos tratados simplesmente como exterioridades, que sentido poderia ter olhar?   – CONTUDO, EU NÃO ERA O ÚNICO COLOCADO NUMA POSIÇÃO EM QUE OS OLHOS NÃO CONTAVAM. Era o mesmo para Hosoe como fotógrafo. De modo bastante óbvio, à medida em que espreitava a ocular do visor, ele aguardava que alguma metamorfose tomasse os objetos que via dali. Do início ao fim, suas operações eram destinadas a preparar um estado de coisas em que seus próprios olhos pudessem ser traídos, em que uma reversão bem-sucedida, do tipo de imagens primárias já vistas em seu mundo subconsciente, pudesse ser atingida. Assim, os objetos a serem fotografados eram escolhidos, dispostos... algumas vezes, literalmente presos – e, junto com o próprio

fotógrafo, consagrados à metamorfose incerta que deveria ocorrer como resultado da situação ritual tão diligentemente organizada. Para mim, eu estava em um mundo objetivo no qual olhos abertos ou fechados, rejeição e afirmação, eram reduzidos a precisamente o mesmo significado.   Parece-me que antes que a fotografia possa existir como arte, ela deve, pela sua própria natureza, escolher se será registro ou testemunho. Mesmo que se use lentes especiais, o assunto é distorcido, a câmera só sabe como relacionar as coisas diretamente. Ainda que abstrata, a composição, ou seja, o significado individual da relação estabelecida entre objetos, permanece, inevitavelmente, como um tipo de precipitado não dispersível. A maior função do fotógrafo é extraí-lo através de dois métodos. Estas alternativas são o registro e o testemunho.   As obras-primas da fotografia jornalística pertencem à primeira classe. As imagens que o fotógrafo extraiu da realidade, sejam de eventos particulares, seja da reação angustiada dos homens aos mesmos, já carregam em si um selo de autenticidade que o fotógrafo é incapaz de alterar, mesmo que minimamente; o significado dos objetos, por um processo de purificação, torna-se, ele próprio, tema da obra. Pode-se dizer que a fotografia que escolhe o registro toma a autenticidade absoluta do objeto fotografado como sua forma, e a purificação do significado como seu tema. Por outro lado, quando o fotógrafo escolhe testemunhar, o significado dos objetos descritos pela câmera perde algumas partes no processo de ser extraído, enquanto outras partes são distorcidas e encaixadas

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em um novo ambiente, para assim servirem como elementos formais da obra; já o tema da obra reside unicamente na expressão do juízo subjetivo do fotógrafo. Seu testemunho é tudo:   – Isto é verdade. –   – Isto é uma fotografia, e é como você a vê: não há mentiras nem enganos. –   A arte de Hosoe é, de modo supremo, aquela do “testemunho”, a definição dada há pouco pode se encaixar em exemplos concretos de seu trabalho. No modo como ele trata uma única rosa, por exemplo... Essa rosa em particular incorpora o conceito geral da coisa chamada “rosa” que a maioria dos homens guarda em seus cérebros, assim como vários significados especiais implícitos em seu local de origem, a espécie, a forma e a cor. A lente da câmera descreve, não somente a rosa, MAS TAMBÉM O SEU SIGNIFICADO. É, de fato, somente este significado – e não a imagem – com o qual se pode brincar e retorcer no processo de desvelamento do testemunho. Numa fotografia documental, o significado seria ele próprio o tema da obra, mas, aqui, o significado da rosa é transformado e trabalhado como um elemento formal da composição. É aqui que ele pode se tornar, pela primeira vez, uma rosa na forma de um palácio, uma rosa como um elefante, uma rosa-útero, uma rosa fálica... E ainda assim, o elefante e o útero permanecem, não o tema da obra, mas como meros elementos formais. O tema consiste tão-somente no testemunho de Hosoe:   – ESTA É A VERDADEIRA ROSA. –   – ISTO É UMA FOTOGRAFIA, E É COMO VOCÊ A VÊ: NÃO HÁ MENTIRAS NEM ENGANOS. –

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Pode-se detectar aqui, elevado a um nível incomparavelmente mais alto, o mesmo apelo emocional patético que reside oculto em toda falsa fotografia espiritualista, em toda fotografia pornográfica; pode-se suspeitar que o estranho, que o perturbador apelo emocional da arte fotográfica consiste somente nesse mesmo e repisado refrão: este é um fantasma verdadeiro... isto é uma fotografia, e é como você a vê: não há mentiras nem enganos. Esta alegação, este testemunho, eu sinto, constituem o todo da mensagem pessoal de Hosoe. Seria, de fato, somente através desse monótono refrão que qualquer auto-revelação se faz possível ao fotógrafo?   Ainda que suas obras sejam vibrantes, com um frágil, mas intenso tremular de emoção... a emoção do testemunho não pode tomar parte na credibilidade objetiva. Por que você não acredita, quando é uma fotografia? Por que você não acredita, quando é algo que realmente ocorreu perante meus olhos? Mal sonhavam os antigos fotógrafos, com suas engenhocas em forma de caixa, cobertas com forro vermelho, que a fotografia... este produto da civilização da máquina, este todo-poderoso monarca do realismo, mais realista que o mais realista dos pintores... seria utilizada para um testemunho tão irônico! A solidão destas obras origina-se daí, da repetição do mesmo testemunho a cada vez numa chave diferente; e aqui, eu afirmaria sem hesitação, reside a poesia da fotografia. O fotógrafo olhou atenta e claramente, com seus próprios olhos, para metamorfoses desconhecidas, e testemunhou em seu nome.

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Retribuição da rosa Por seus rígidos costumes, os xeiques ofereciam seu sêmen, cuidadosamente preservado em água de rosas como prova de poder masculino. Allen Edwards: Jewel in the Lotus [Jóia na Lótus]


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O Relógio que ri e a testemunha inerte A boca de uma mulher é sempre pura. Assim também é o pássaro que apanha o fruto. O bezerro é puro quando flui o leite da mãe vaca, e o cão de caça que apanhou o veado também é puro. Código de Manu*

Profanações diversas Ey, Parvutee! Parvutee veyshah-sey Sumvhaushun punyeh hey, Paupeh nushow hey! Oh Tu de Peitos Montanhosos! Ter relações carnais com a deusa Parvutee é uma virtude que destrói todo pecado. Allen Edwards: Jewel in the Lotus [Jóia na Lótus]

A ronda diária do cidadão Ele, de postura ereta e inflexível, mas manso e perseverante, que se esquiva, do cruel e não faz mal aos seres viventes: se ele assim viver para sempre, então pela limitação de seus ganhos e através de doações ele alcançará a benção do céu. Não permita a dança. Não permita o canto. Não permita o tocar de instrumentos, nem o bater de palmas, nem o ranger de dentes. Não permita qualquer grito estranho de excitação. Código de Manu*

* Código de Manu: Conjunto de livros redigidos entre os séculos II a.C. e II d.C. que constituem a legislação na Índia

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Embrace Yukio Mishima A beleza lancinante da série de fotografias do Sr. Eikoh Hosoe intitulada Embrace me tocou profundamente desde que as vi pela primeira vez, publicada numa revista. Aquela viscosidade que se associa ao sexo – aqueles odores terrosos e temperaturas de órgãos internos macios e de formas indeterminadas – foi meticulosamente removida destas fotografias. Para mim, esta é uma série repleta de uma beleza forte e atlética. Mais que tudo, é uma série sobre a “forma”.   Não se deve pensar no Sr. Hosoe como alguém vagando nos domínios do abstracionismo. Não é do seu feitio criar uma obra abstrata sobre a carne humana e então associar outros sentidos a ela. O brilho original que a carne humana possui é insubstituível e não pode ser alterado pelo estilo. A carne não tem nenhuma característica própria além de sua luz; ainda assim, ao dividi-la em partes, como Hosoe o fez, ela libera ainda mais luz natural por um certo tempo e espaço. Movendo-se para perto da carne, sua câmera captura habilmente estas imagens únicas do corpo – como uma raposa sagaz desce o morro e captura um frango no galinheiro.   Embrace cria uma consciência do ser humano como uma criatura patética, elegante e poderosa. Contudo, eu hesitaria em chamá-la de cântico de louvor à humanidade, pois ela também possui uma corrente subterrânea de melancolia. Esta melancolia atravessa toda a arte de Hosoe e pode ser melhor expressa como uma sensação

de isolamento que recusa a se emancipar. Essa mesma corrente subterrânea aparece em sua série cômica e cruel, Kamaitachi, ou “The Weasel’s Sickle” [A Foice da Fuinha] – Deus está morto e seres humanos nus encaram o mundo sem vergonha ou orgulho.   Uma das razões para o sentimento de pathos que Embrace propicia decorre da representação dos humanos como sendo empurrados com força para o canto, capazes de expressar seu arrebatamento somente por meio de uma tensão rígida e obstinada. Os modelos nas fotografias parecem estar lutando uns contra os outros. Então, de repente, a carne alva, reluzente e lírica aparece como neve suave que cai por entre eles. A alvura desta carne não é uma alvura fluida que desaparece num instante, mas uma alvura de extrema elegância, que inspira espanto e nunca desvanece.   A dignidade de Embrace é capaz de fazer balançar aqueles acostumados a ver fotografias comuns de nu. Ela expressa a verdadeira nobreza da natureza e representa os eternos anseios do mecanismo da câmera. Como amigo íntimo de Eikoh Hosoe, eu o tenho acompanhado na jornada que o levou à criação de sua obra, e sempre o respeitei como um mestre da autodisciplina – como alguém que não deixa de colocar a sua frente patamares cada vez mais altos. Nesse sentido, pode-se dizer que Embrace foi um patamar especialmente desafiador, alcançado com um nível adicional de maestria. Setembro de 1970.

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A Fotografia de Eikoh Hosoe Donald Keene Capturar um momento precioso que, de outra maneira, passaria desapercebido, é uma das funções da câmera. E é também o cerne das formas breves da poesia japonesa. O poeta Takuboku Ishikawa (1886-1912) relata por que preferia escrever poemas tanka1 – em apenas trinta e uma sílabas – em vez de poemas sem limite de extensão: “As pessoas dizem que a forma tanka é inconveniente porque é muito curta. Eu penso que ser curta é precisamente o que a faz conveniente. Nós somos constantemente submetidos a tantas sensações, vindas tanto de dentro como de fora de nós mesmos, que as esquecemos assim que elas ocorrem, ou mesmo que nos lembremos delas por um instante, acabamos nunca, nem mesmo uma única vez em todas as nossas vidas, expressando-as… Apesar de uma sensação poder durar apenas um segundo, é um segundo que nunca mais retornará. Eu me recuso a deixar tais momentos escaparem. A maneira mais conveniente de expressar tais experiências é através do tanka.”2 1 [N.T.] Forma poética breve típica do Japão. 2 Ishikawa Takuboku, Dawn to the West [Alvorecer para o Oeste], vol. 2. Nova Iorque: Holt, Rinehart e Winston 1984, pp. 43-44.

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Uma maneira igualmente conveniente de registrar tais experiências é com uma câmera fotográfica. Frequentemente, costumava-se retratar os japoneses, em desenhos, carregando uma ou mais câmeras, prontos para fotografar qualquer coisa que momentaneamente atraísse sua atenção. Essa representação era indelicada, mas apontava uma verdade: tirar fotos e compor pequenos poemas japoneses (tanto haiku quanto tanka) revelam a mesma sensibilidade. O poeta haiku tenta capturar, da maneira mais econômica, um instante em particular; isso também é verdade para o fotógrafo. Um poeta europeu poderia se sentir reprimido se obrigado a confinar seus insights líricos a meras dezessete ou trinta e uma sílabas, preferindo alongar seus poemas até ter esgotado o assunto – mesmo que a segunda ou a terceira estrofe sejam inferiores à primeira. Um poeta japonês, através de rigorosa seleção, encapsula em poucas palavras uma experiência momentânea, tornando-a importante e memorável. O poema curto e a fotografia, ambas artes que reduzem a experiência criativa a um momento evocativo, tem sido particularmente próprios aos japoneses.   Entretanto, nem todos os poetas japoneses escrevem haiku. Em 1946, logo após o fim da Guerra do Pacífico, um professor da Universidade de Kyoto publicou um artigo que rotulava o haiku como uma arte de segunda classe. Era particularmente doloroso para os poetas lerem tais comentários naquela época, quando todos os valores japoneses eram vistos como tendo sido negados após a derrota da nação na guerra. Alguns poetas defendiam o meio; outros deliberadamente distorciam a forma do haiku

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para provar que eles podiam fazer mais do que celebrar a beleza da mudança das estações. Mas muitos dos melhores poetas do período pós-guerra escolheram se expressar em formas não tradicionais que permitiam a eles ventilar totalmente suas emoções como homens modernos que passaram pelo suplício do conflito. Depois da guerra, Eikoh Hosoe, então com doze anos, retornou a Tóquio. Lá, ele foi cercado pela devastação da grande cidade onde crescera. Alguns anos depois, quando obteve sua primeira câmera, teria sido completamente natural para ele fotografar as ruínas. De fato, muitos fotógrafos o fizeram, frequentemente incluindo em suas cenas algum elemento da natureza que fazia um comentário silencioso sobre a loucura do homem que travava guerras – algumas flores numa cerca escura, a neblina pairando sobre um prédio vazio, pássaros empoleirados numa chaminé quebrada. Este não foi definitivamente o caminho escolhido por Hosoe. A maioria de suas fotografias era precisa e cuidadosamente arranjada para obter o efeito que ele havia visualizado. Indiscutivelmente, a mais conhecida delas, de Yukio Mishima com uma rosa em frente ao rosto, não poderia ter sido uma foto instantânea. Cada uma de suas fotos era planejada para produzir o máximo efeito dramático – é por isso, provavelmente, que Mishima cooperou com tanto entusiasmo na série Barakei.   A série de Hosoe, Kamaitachi, mostra sua arte em suas formas mais diversas. O nome que o artista deu à série se refere a um demônio-fuinha mitológico que assombra a zona rural japonesa. Kamaitachi também se refere a um corte na pele


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causado pelo vento, literalmente “um talho de fuinha”. Hosoe escolheu uma vila como cenário por conta de suas características mantidas de um Japão do passado, contraste perfeito para as loucas ações improvisadas por seu colaborador Tatsumi Hijikata, fundador do movimento de dança Ankoku Butô. Outro fotógrafo provavelmente teria feito fotos muito diferentes nesta vila, talvez buscando retratar a persistência da tradição japonesa no mundo moderno, ou talvez contrastando a vida simples dos aldeões, o “sal-da-terra”, com a superficialidade daqueles que vivem nas grandes cidades. Isso é o que Hosoe não fez.   Em vez disso, entre 1965 e 1968, nesta colaboração com Hijikata, os dois criaram na vila uma série de eventos inesquecíveis para Hosoe fotografar. No meio dos anos 60, Hijikata estava no processo de combinar formas tradicionais de dança japonesa com as ideias colhidas das artes performativas e outras fontes, como um meio de desafiar a identidade japonesa contemporânea e de romper tabus sócioculturais. Nas imagens de Hosoe, uma mulher, vestida com seus finos trajes de casamento, está parada em frente a uma casa antiquada. Ela segura em sua mão um copo de saquê do qual ela vai beber no ritual sansan kudo (três-vezes-três trocas de copos). Ela sorri alegremente, prestes a embarcar em uma nova vida. Mas no telhado, um homem estranho e nefasto está agachado como uma ave de rapina. Quem é ele? Um demônio que vai zombar da felicidade desta menina? Ou simplesmente um observador, vigiando silenciosamente o casamento, assim como tudo mais na vila? Hosoe não nos conta, e talvez ele

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ficasse relutante em explicar. Mas a foto, uma vez vista, é difícil de esquecer.   Em outra fotografia, a mesma menina é confrontada por uma feiticeira, também vestida em trajes japoneses, cuja boca aberta parece estar tecendo exclamações sobre a aparência da garota ou talvez rogando pragas, prevendo que a felicidade da garota não vá durar. O significado do choque dramático está aberto para qualquer interpretação que o espectador escolha. Provavelmente não existe nenhuma interpretação correta. O momento, planejado pelo fotógrafo, é material para devaneios – ou pesadelos.   A figura no telhado retorna em uma impressionante fotografia de uma estante de madeira na qual o arroz colhido será empilhado. O céu é ameaçador, mas o que dá à foto sua qualidade memorável é a figura agachada olhando para o espaço. Quem é ele? Por que está ali? Talvez ele seja a solidão propriamente dita. Outra fotografia de Kamaitachi é preenchida com ainda mais assombro de isolamento: uma lua maligna ilumina a pequena figura de uma mulher deitada numa praia deserta.   As faces dos aldeões, tais como capturadas por Hosoe, são de uma expressividade tocante. Eu duvido que ele os tenha escolhido (como outro fotógrafo faria) por parecerem convincentemente simples aldeões. Tampouco Hosoe tentava sugerir em suas fotografias a vida dura que essas pessoas levavam (na maneira da fotografia americana sobre o Dust Bowl3). Em uma fotografia de Kamaitachi, alguém segura uma lente de aumento no rosto de um jovem 3 [N.T.] Dust Bowl foi um período de severas tempestades de areia que atingiram os EUA e o Canadá na década de 1930 e duraram quase dez anos.

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vestindo um largo quimono. O que ele está tentando ver? Provavelmente não o rosto, ou os poros da pele do homem, mas em vez disso, algo que nenhuma lente de aumento pode revelar: o que está em seu coração.   Algumas das cenas de Kamaitachi são surrealistas – um homem parcialmente vestido voa pelo ar, em outra imagem ele é carregado no alto de um tipo de plataforma utilizada para carregar um altar portátil, uma figura (homem ou mulher?) sentada num campo de ervas altas realiza um encantamento com braços agitados. Estas imagens são cativantes e permanecem na memória, mesmo que não consigamos desvendar seu significado.   A fotografia no Japão percorreu um longo caminho desde que foi introduzida no país. Ela começou principalmente como um meio de satisfazer a vaidade de governantes, e mais tarde se tornou o meio de capturar a beleza do país. Nas imagens de Eikoh Hosoe, ela é a expressão de uma mente complexa e especialmente moderna. Maio de 2009


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Kamaitachi: Em direção ao ninho do vácuo Shuzo Takiguchi Quando somo fotografados, nossos corpos e almas se tornam vítimas de um sacrifício num ritual que subtrai nossas sombras. Os esquimós acreditavam que seus espíritos residiam em suas sombras, e que os xamãs tinham o poder de roubá-la. O Ramo de Ouro, de Sir James George Frazer, não é o único trabalho a narrar o deslumbrante drama do destino, ou da vida e da morte, que se desdobra entre o homem e sua sombra.   Como a vida, a morte vem e vai – talvez por pouco tempo, talvez por mais. A história de Narciso vai continuar a dominar nossas vidas de maneiras que vão se tornando cada vez mais complicadas com o passar do tempo; entretanto, a câmera (ou, de acordo com os aldeões em Sikkim, “o olho mau na caixa”) parece ter nos reduzido, num só golpe, à física da luz e sombra. As lentes objetivas parecem abertas ao todo da natureza, para onde tudo converge. O fato, contudo, é que uma vez na escuridão, tudo vira de ponta cabeça para só depois ser transformado em natureza.   Até que ponto estavam Katsu Kaishu1, Baudelaire, e outros luminares do início da era moderna que posaram diante da câmera – sutentados, de maneira tênue, pelo reconhecimento da natureza no meio da estranha 1 Oficial tido como responsável pela modernização da marinha japonesa (1823-1899).

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confusão de afetação e narcisismo – cientes de que nas lentes espreitava o mal? Em todo caso, nós eventualmente iremos notar que, tal como o olho nu, as lentes sempre existem “em seu estado selvagem”2. Poucas vezes estamos cientes do fato bizarro (ou talvez nós apenas aceitemos isso como uma verdade auto-evidente) de que ambos, seja o ladrão de sombras (o fotógrafo), ou as vítimas do ladrão (os temas), são seres humanos.   Eu acho quase impossível acreditar que a câmera possa realmente capturar, por exemplo, o desejo de um pássaro em voo num momento específico – ou mesmo em qualquer momento. Muitas vezes, o fotógrafo inadvertido perde a realidade de vista, e a realidade foge ou desliza exatamente para fora do enquadramento. Ou, surpreendentemente, a realidade pode estar ali, no canto da imagem, invisível e completamente despercebida.   E então, aqui estou, lembrando da corrosiva máxima de Man Ray: “Fotografia não é arte.”   Antes de olharmos para as imagens de Kamaitachi, quero enfatizar a importância de distingui-las do conceito genérico que se refere à fotografia encenada. Elas são estritamente, categoricamente diferentes das fotografias posadas dos narcisistas atuais. Se Hosoe não tivesse encontrado Tatsumi Hijitaka, o fenomenal mestre de Butô, ele não poderia ter criado esta série extraordinária. Hijitaka é um homem que, falando metaforicamente, pode se transformar, em instantes, num pássaro fantasmagórico. Isto não é uma fotografia teatral, mas, sim, uma 2 Alusão a André Breton em “O surrealismo e a pintura”.

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rara ocasião na qual a câmera obscura se torna um teatro. E é a existência paradoxal da câmera – que pode fotografar um vasto vazio quando pretendíamos capturar um objeto concreto – que se revela como um golpe de sorte para Hijikata, o mestre do movimento.   Tal como as lentes, Hijikata é um dançarino único, sempre consciente de que “o olho existe em seu estado selvagem”3. Sua “experiência da dança” não é nunca uma questão de saltar através do palco, fingindo ser um cisne: se é um pássaro o que ele tem em mente, Hijikata se torna um corvo. O corvo mergulha no chão, bem abaixo do palco. Então corre, se quiser correr, ou voa, se quiser voar. Para Hijitaka, não teria o vácuo paradoxal que habita a câmera se tornado, num certo momento, uma máquina divina? E então, voluntária ou involuntariamente, podemos alcançar as luzes do purgatório, pela qual ansiávamos, para além dos milênios da história humana.   No mínimo, eu vejo aqui uma força inevitável que luta para preservar a relação entre o fotógrafo e o tema. Muito provavelmente, nenhum outro trabalho se aproxima tanto do significado original do termo “happening” (por mais simplificado que possa ser nesse caso) como esse. Tatsumi Hijikata usa sua maestria na dança para penetrar abruptamente no centro do vácuo que existe entre o tempo e o espaço, descendendo para o ponto mais próximo do local em que nascemos.   Ele chegou ao ninho do vácuo, o lar de kamaitachi, a “fuinha-foice”. 3 Ibid.

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Hoje, ao que parece, kamaitachi pertence à lenda e à mitologia. E o que seria kamaitachi? Memórias da minha infância me inundam: meu pai era um médico rural, e diversas vezes eu vi fazendeiros serem carregados para a soleira de nossa casa, afirmando terem sido mordidos por um kamaitachi. Para mim, estes eram momentos assustadores, que cheiravam a sangue, tal como o primeiro raio de relâmpago cruzando o céu escuro. Eu ouvia os fazendeiros falando que foram atacados do nada, embaixo de hastes de arroz secando, ou sob uma antiga árvore de caqui. Mas ninguém guardava rancor contra aquela fuinha invisível. Aliás, uma família de fuinhas de verdade fez sua toca no sótão da cabana de palha que ficava atrás de nossa casa. De vez em quando eu as via sair em disparada através de um campo, sempre tomando a rota mais curta, e então desaparecendo. Elas viviam entre as pessoas mas as evitavam. O rumor era que aquelas pequenas criaturas mal conceituadas eram tão cautelosas e ágeis que nunca tomavam o mesmo caminho duas vezes. Fico imaginado o que será que aconteceu com elas. Um livro define kamaitachi como a laceração de um pequeno vácuo criado por um demônio de poeira. Ninguém sabe a verdade de fato. Os dias dos kamaitachi há muito tempo se foram.  Seria o kamaitachi um espírito da terra, um fantasma que aparecia apenas para fazendeiros? Se sim, aquela lâmina invisível deve ter sido incrivelmente afiada para saltar através do céu e perfurar a carne.   É difícil dizer se Tatsumi Hijikata é um espírito da terra ou do ar; entretanto, mesmo antes


de podermos contemplar a questão, ele se aproxima do chão quase que verticalmente e corre como uma ventania por uma vila rural. Esta vila é um distrito de cultivo de arroz onde persiste, anonimamente, a realidade social japonesa mais absurda e incoerente. Hijikata aparece subitamente, como um falcão mergulhando em direção ao chão – ou um sequestrador vindo do paraíso.   O deus dos campos de arroz sorri com essa cena. Um tímido traço deste sorriso está na máscara de dança teatral kagura, mas não é o sorriso envergonhado reprisado infinitamente na televisão. É um sorriso que só pode existir entre os demônios, um sorriso presente até mesmo numa trilha entre campos de arroz estéreis durante uma terrível penúria, um alarmante mas cômico sorriso do reino do inconsciente.   Num momento preciso, nosso dançarino e fotógrafo chegam numa vila desgastada pelo tempo – seus passos quase não são escutados – e eles capturam um breve momento nessa vila esvaziada, onde zínias e outras flores desabrocham cobertas pela poeira branca do solo. A vila inteira, hipnotizada como se diante de uma casa mal assombrada, os cativa.   Seria ele um falcão que acabou de pousar – ou uma fuinha saltadora? É uma tolice perguntar. É o nosso dançarino que seria ferido. Os aldeões o encaram inocentemente, como se ele os recordasse de um sacerdote há muito esquecido. Eles sorriem, sem saber por que, na chegada do tolo distraído. Seu sorriso se torna o mesmo sorriso da trilha entre os campos de arroz. É um sorriso que está nas bordas do terror.

Uma garota sorri como a virgem de um santuário a quem os deuses dotaram do mal e da inocência em perfeito equilíbrio. Onde as garotas nascem fadas? Cedo ou tarde elas vão experimentar o orgasmo da vida e da morte. E então elas irão partir. Será que elas irão retornar para a terra ou para o céu? Ninguém sabe qual caminho vão tomar.   De qualquer modo, duas intermináveis e contraditórias jornadas as aguardam.   Vácuo peludo! Vácuo sangrento! Vácuo cortante! Você precisa continuar a existir nesta terra!   O desejo pelos céus leva inexoravelmente a um desejo pelas entranhas da terra. E então a excrescência vai levar ao imenso vazio, e vice-versa. A metamorfose cósmica que esse fenômeno busca vai ocorrer, de maneira extrema e tangível. O teatro de vácuo é, também, parte da evolução.   Para chegar à fonte do fantasma de êxtase, precisamos cavar mais e mais, dia após dia. E a testemunha é um flash instantâneo.

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O Teatro Fotográfico Eikoh Hosoe “Estas fotografias expressam o verdadeiro êxtase do masculino diante do feminino”, disse meu bom amigo Kokichi Asayama, editor de uma revista científica. “E uma mulher, repleta de medo, flutua no ar, perde-se e geme de prazer, grita ‘Ah, estou morrendo’. Para mim, este é o momento de alegria em que vida e morte se fundem”, acrescentou. Penso que este é o maior elogio feito ao meu Ukiyo-e. De fato, eu mesmo me empolguei durante sua encenação e durante as sessões de fotos. Três dias depois, então, experimentei essa excitação mais uma vez enquanto estudava as provas. Para mim, aquele era um momento raro para se desfrutar. Eu havia preparado uma espécie de teatro fotográfico no estúdio de dança Asbestos, em Tóquio – espaço criado por Tatsumi Hijikata, fundador do Butô, e Akiko Motofuji, sua viúva. Projetei sobre os dançarinos slides de ukiyo-e, as xilogravuras eróticas japonesas do século XVIII, de artistas como Harunobu e Hokusai – e, vez ou outra, Jakuchu, cujas imagens utilizadas retratavam galos e flores. A sessão de fotos principal aconteceu logo antes do fechamento do estúdio de dança Asbestos, no final de 2002, e em janeiro e fevereiro de 2003. Era uma época que dificilmente se poderia chamar de normal para o estúdio, e fico aliviado que este novo trabalho tenha tido resultados tão bons. De fato, os resultados, miraculosamente bons, certamente

se deveram à ajuda que recebi da mão invisível de Tatsumi Hijikata. De outro modo, teria sido impossível para mim tirar estas fotografias sob condições tão frenéticas. O estúdio de dança Asbesto não era apenas um lugar para aulas de dança, mas também era uma espécie de salão em que artistas como Yukio Mishima, Tatsuhiko Shibusawa, Shuzo Takiguchi, Tadanori Yokoo e muitos outros se reuniam para discutir arte, para beber e para contrapor suas visões de mundo – reuniões das quais participei regularmente durante as décadas de 1960 e 1970. Quando ouvi dizer que esse centro da intelectualidade estava prestes a fechar – um sacrifício em prol da nossa economia moderna – senti uma tristeza profunda; era como se essa tragédia não pudesse ser enfrentada com meras palavras de adeus. Senti que devia criar alguma coisa nova, ainda que experimental, a partir do que foi o estúdio de dança Asbestos, como forma de expressar minha gratidão por tudo o que ele havia produzido. E eu precisava usar necessariamente o espaço do estúdio, espaço que havia absorvido o suor, as lágrimas, e até o sangue vertido de incontáveis dançarinos e artistas no desempenho de seus ofícios. Tendo pensado bastante que o Butô de Hijikata era uma derivação do ukiyo-e, tão apreciado pelo povo do Japão da Era Edo; eu diria que o Butô é um tipo de ukiyo-e, e que o substrato do Butô é o ukiyo-e. Na dimensão das artes performáticas japonesas, tanto clássicas como modernas, o teatro Nô e o teatro Kabuki são criações originais de seus tempos, mas também poderíamos nos perguntar se a performance artística de

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vanguarda que atualmente se produz representa, hoje, nosso tempo e nosso mundo. Caso partamos do pressuposto de que a performance artística de vanguarda de hoje está arraigada à tradição, perceberemos que o Butô, criado nos anos 1960 por Tatsumi Hijikata, é uma forma de arte contemporânea prestigiada tanto no Japão quanto internacionalmente. Nos seus últimos anos de vida, Hijikata chamou o Butô de “Tohoku Kabuki” – kabuki da região nordeste do Japão. Como amigo de Hijikata desde seu primeiro recital de dança em 1959, assisti a muitas de suas performances e o fotografei com frequência até sua morte, em 1986. Agora, tendo chegado a setenta anos de idade, entendi seu Butô como um ukiyo-e moderno. Essa, é claro, é minha teoria pessoal, mas, como fotógrafo, queria testar essa ideia – e esta série é minha resposta. Agora, ao que parece, Hijikata retornou [da performance demoníaca] do demônio de Kamaitachi para participar deste projeto, que envolve imagens de ukiyo-e do século XVIII. Creio que ele deve ter dançado em frente à minha câmera com sua amada Akiko Motofuji e com seu então jovem Yoshito Ohno, além de seus antigos estudantes de dança que agora são artistas proeminentes – dentre eles Koichi Tamano, Saga Kobayashi e Mitsutaka Ishii. Ao tirar estas fotografias, projetei slides de ukiyo-e nos corpos pintados de branco de jovens dançarinos do workshop de dança do Asbestos, cujos movimentos eram realizados sob minha direção. Para conseguir o tempo de exposição de quatro segundos de que precisava para as fotografias, eu tinha que gritar “Pare,

um, dois, três, quatro”, e era durante aquele intervalo que o mundo misterioso do Tempo, a quarta dimensão, aparecia. Essa revelação ainda permanece um mistério para mim, ainda que eu tenha experimentado a técnica por muitas vezes e tenha vivenciado momentos desse tipo em outras ocasiões, em trabalhos como “Gaudí e Tatsuhiko Shibusawa” (1965); “Shohaku e Kazuo Ohno” (1999); e na série “Meus Amigos e Minhas Fotografias” (2000). Na pintura, a questão da dimensão do Tempo surgiu durante o início do século XX. Picasso, por exemplo, ouviu falar da Teoria Especial da Relatividade de Einstein e se perguntou como seria possível expressar o tempo/espaço como uma segunda dimensão em suas pinturas. Sua solução apareceu em “Les Demoiselles d’Avignon” (1907), na qual ele apresentou a ideia ao novo século. Na fotografia, Moholy-Nagy publicou “Pintura, Fotografia, Filme” (1925), obra na qual discutiu o problema do espaço/tempo e, a partir daí, estimulou fotógrafos de peso a buscar uma solução para esse desafio constante no trabalho com a câmera. Desde os anos finais do século XX, a tecnologia digital se expandiu muito. Agora parece ser o momento certo para que tanto a fotografia digital quanto a analógica lidem de maneira séria com a relação que estabelecem entre espaço e tempo. As imagens de Ukiyo-e são apenas a minha tentativa pessoal de integrar espaço e tempo com o meio analógico da fotografia de sais de prata, com a qual trabalhei ao longo de toda a minha vida. 10 de janeiro de 2004, Tóquio.

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the butterfly dream

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Admirável aquele Cuja vida É um contínuo relâmpago Matsuo Bashô

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Com Argentina, together Kazuo ohno Eu, com Argentina, together, sempre. Já faz 50 anos. Mas se eu por um acaso morrer, por doença ou acidente, quando isto acontecer, sabe, quero persegui-la mesmo que transformado em cinzas, em cinzas. E eu estou andando. As cinzas são a alma de seu interior, é o coração, spiritual. Para onde quer que estenda a mão, há cinzas. Como eu mesmo sou cinza, as cinzas e a alma se tornam unas. Não há nada, só as cinzas são a chave. Cinzas – antes de se persuadir que são cinzas, bem, não há nada...   ...me enviaram um pequeno panfleto com uma foto da Argentina sorrindo. Nesse dia, quando voltei pra casa de tarde, abri e lá estava, falavam da Argentina. Que felicidade! Me mandaram. Ah, é Argentina, estava pensando, quando ela, a foto... me dirigiu a palavra: “Ohno-san, dance. Dance para mim”. A foto, olhando assim pra mim, sem afastar os olhos, o coração, a alma, a foto: “dance para mim”. Não sabia mais o que fazer. Nessa hora, que apuro! Porque não tenho forças. E aí, ela de novo: “Ohno-san, vou eu dançar, me acompanhe”. Aquela Argentina, sorrindo: “dance comigo”. Eu, diante disso, era o máximo, eu só disse “obrigado”, e um ano depois pisei no palco.

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“Borboleta a atravessar o mar podem ser mar e borboleta. Pode ir voando dentro do mar. Como ela voaria? Está nadando no mar.“ Anzay Fuyue

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De uma crisálida, uma borboleta Kazuo ohno De uma crisálida, transformou-se numa borboleta. É certo que havia uma energia por mim desconhecida. “Não dá mais, eu não posso mais do que isso”. Mas tudo continua... Você pode se transformar numa borboleta. Este é o Xis da questão. As asas transformadas da borboleta eram extremamente imaturas. Tocaram o ar, naquele instante. Mas naquele começo não podiam voar. Durante um curto espaço de tempo. Durante quanto tempo? E como agiu a vida? Foi a consciência que agiu? Acho que não! Eu não consigo explicar. Mas neste curto espaço de tempo, até a borboleta conseguir voar, isto é dança pura...

Um monte de gente nasce dentro de mim Kazuo ohno O espírito vai se alargando. Essas coisas a gente faz no dia-a-dia, não é mesmo? Dá pra fazer. Como nascemos do universo, temos relação com as coisas do universo. Dá pra fazer o que quiser.

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Sobre Hosoe Yoshito Ohno Maio de 1959, Kinjiki, performance de Tatsumi Hijikata, desempenhada por ele e por mim. No outono desse mesmo ano, uma versão atualizada de Kinjiki, na qual Kazuo Ohno participa, foi representada. Era o ponto zero do Butô.   O encontro com Eikoh Hosoe aconteceu nesse exato momento.   Hijikata enfocava a forma e dizia que, uma vez a forma decidida, ela conduziria a alma; Kazuo, por sua vez, dizia que deveríamos valorizar a alma e que, partindo dela, a forma acompanharia. Logo após o Butô começar, foi lançado o livro Kamaitachi, de Eikoh Hosoe com Hijikata. Eu particularmente achava que não seria prático para Hosoe fazer um livro sobre Kazuo Ohno, pois a alma é invisível e não é fácil de ser capturada numa imagem. No entanto, no dia em que Kazuo celebrava seu centésimo aniversário, Hosoe apresentou um livro para ele. Era o The Butterfly Dream, feito dessa tal maneira, passados meio século desde que nos conhecemos.

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HINO A KAZUO OHNO Kazuko Shiraishi Quem da divindade foi amado Miraculoso homem de Butô Se ora és uma de volúpia misteriosa dançarina Ora és um aviador da floresta dos espíritos que cruza] A galáxia Ou então um general barbudo de espesso humor Satírico e espirituoso com Napoleão de boneco Nas suas costas E Neném de pureza de noventa e tantos anos Quem até Judas amou e por sua vez Amado de Jesus Daquele sou comparsa a este peço mil perdões Sim! Foi em Nancy Maio de 1980 No Festival de Nancy de França As folhas brilhavam verdes E Kazuo Ohno carregava consigo a tristeza daquele Judas] Rezei longamente por este infeliz Desejo dançar como um Judas Creio em Jesus Quanto mais assim creio Penso eu ser o próprio Judas que a Jesus traiu (Entendes este peso?) Finalmente O Jesus até Judas perdoa

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Rezo por este que se matou sem saber do seu perdão] Na igreja daquela Nancy Dancei o Butô “Chamada de Jesus” Quem é este que dança naquela igreja de Nancy Lágrimas, lágrimas de Kazuo Quem dança é Judas Neste se transmuta e dança e dança Repentinamente É Bach! O cego Estende a mão que faz soar o órgão A mim e Kazuo Ohno E então o pé de Jesus sobre as mãos de Maria Vem a minha palma E as flores de pano se tornam cócegas cócegas Abraçada no pé de flores Maria, Jesus e eu brincamos felizes os três Rezamos na alegria Para Judas, por ele Ah, e mais: Aquela “rubra bandeja festiva” É uma “rubra bandeja festiva ou então sonho de um embrião”, viu?!] Eu não sabia Que era o assento vazio Deixado por Jesus Para Judas


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un homme rodin

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Fotos: Kenji Takahashi | Cortesia da Taka Ishii Gallery Photography / Film

A vida plena em Un Homme Rodin

Ricardo Muniz Fernandes Em poucas palavras Hosoe nos conta a gênese da série Un Homme Rodin:

“Michelangelo era um deus para Rodin, e Rodin é um deus para mim. Comecei com o desejo imprudente, cheio de irreverência, de expressar o ‘homem-Rodin’, mais do que registrar ‘fotografias de esculturas’. Senti que essa abordagem seria a melhor maneira de demonstrar minha adoração e meu respeito por Rodin. A caminho de Paris, decidi que esse método era absolutamente necessário para fotografar sua obra, nestes tempos. Eu sigo trabalhando com o corpo humano. Produzi estas fotos, com esta câmera – uma câmera digital de bolso, uma câmera de escala humana –, porque a obra de Rodin me permitiu sentir que não fotografava esculturas, mas sim seres humanos.”

Nesta série, composta em 2010 e construída como um livro que se desdobra, Hosoe mergulha na obra do escultor francês – obra pela qual ele sempre foi apaixonado – até conseguir revelar sua essência: o movimento da vida em si, a vida plena, este fluxo e refluxo que Rodin nos traz de baixo, de dentro, cercando a matéria bruta – a pedra.

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Fotos: Kenji Takahashi | Cortesia da Taka Ishii Gallery Photography / Film


Com este livro-obra, Hosoe cria, mais uma vez, um diálogo único com a obra de um artista, fazendo da camêra um outro cinzel, uma batuta que vai nos conduzindo pelas dobras do livro, nos fazendo dançar ao seu redor e, neste movimento, descobrir Rodin e suas formas intangíveis, inesgotáveis. Dançamos com o corpo e com nosso olhar ao redor desta infinitude da obra, através desta imensidão voltada a si mesmo – potência única da obra de arte.   Hosoe, aqui, não comenta Rodin; pelo contrário: é junto com o escultor, e sob o olhar do espectador, que ele – mestre que é – cria uma narrativa. Narrativa de um duplo, de fantasmas, do avesso de um avesso, do centro de um dentro, de movimentos que nunca se completam e que sempre guardam ainda alguma outra possibilidade, algum lugar a ser explorado: qualidade de toda obra de Rodin, seja ela um monumento, seja uma figura mínima, e de toda a obra de Hosoe, com suas séries-histórias-memórias. Vidas imbricadas e reiventadas, que nós, espectadores-dançarinos, vamos descobrindo ao circunavegar estes muitos dentros – de Rodin, de Hosoe e de nós mesmos – que se desdobram no ritmo desta obra-sanfona-livro-potência.

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navel and A-bomb

Direção: Eikoh Hosoe | Fotografia e edição: Meiki Higashikata e Eikoh Hosoe | Butô: Tatsumi Hijikata e Yoshito Ohno | Música: Norio Maeda | Texto Introdutório: Taro Yamamoto | Recitação: Hiroshi Mizushima | Duração: 15”

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Umbigos e Bombas-A: Algumas Notas sobre o Filme Experimental da década 1960 de Eikoh Hosoe

Fotos: Vídeo Stills

donald richie Por volta de 1960, uma década de extraordinária atividade artística se iniciou no Japão. Havia muitas razões para isso, algumas delas econômicas e/ou políticas; como resultado, deu-se a formação de uma contracultura. Nova arte (o grupo Gutai, Tadanori Yokoo), novo drama (Shuji Terayama, Juro Kara), novos filmes (Nagisa Oshima, Shohei Imamura) questionavam o status quo e sugeriam inovações ao establishment.   Entre outras manifestações, ocorreu a súbita emergência do filme experimental, um gênero até então pouco conhecido no Japão. Em outubro de 1960, uma noite dedicada ao cinema, jazz e poesia teve lugar no Video Hall, em Yurakucho, empreendimento de um grupo autodenominado Jikkenshitsu Jeune, composto pelo poeta Shuntaro Tanikawa, o dramaturgo Shuji Terayama, o escritor Shintaro Ishihara (hoje prefeito de Tóquio1), o compositor Toru Takemitsu e o fotógrafo Eikoh Hosoe, entre outros. Naquela noite, três curta-metragens foram exibidos, incluindo Navel and A-Bomb, de Eikoh Hosoe.   Na ocasião, Hosoe dissera que o umbigo era algo como “a própria energia da vida – a sexualidade”, e que a bomba era seu oposto, 1 [N. T.] Seu mandato encerrou-se em 2012.

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2 Japanese Experimental Film & Video: 1955-1994, Image Forum: Tóquio, 1994, p. 47.

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Fotos: Vídeo Stills

“aquilo que pode destruir todas as coisas.”2 É a oposição entre eles que origina o filme de Hosoe.   Seus métodos de produção foram bastante característicos daquele tempo. Hosoe havia escrito um roteiro, hoje perdido, e ele próprio ajudou a fotografar e editar o filme. O companheiro na direção de fotografia era um colega de faculdade desempregado, e Hosoe utilizou uma Bolex de mão. A trilha sonora foi improvisada (e gravada) durante a exibição de estreia, e o poema de Taro Yamamoto foi adicionado após ele ter visto os primeiros cortes do filme. Tal criação, de improviso, era padrão no período e contava muito para o frescor desses novos trabalhos.   Os elementos visuais do filme são também bastante característicos de seu tempo. A bomba atômica era, então, quinze anos após seu uso inicial, um símbolo ubíquo. Ela já se distanciava do seu contexto de guerra, sendo agora vista como símbolo do Japão enquanto vítima. Hosoe, em seu filme, a utiliza duas vezes, numa delas de forma abstrata (tinta derramada sobre água, fotografada de cabeça para baixo) e, outra, como a coisa real (imagem de noticiário cedida pelo Signal Corps dos EUA), mas o Japão como vítima não é algo por ele enfatizado. Antes, a recuperação da bomba, da própria guerra, este é o tema pouco ortodoxo do filme.   Outro elemento daqueles tempos foi o uso da recém-surgida forma de dança Butô. Aqui, o dançarino é seu próprio fundador, Tatsumi Hijikata (com quem Hosoe mais tarde viria a criar um distinto portfólio de fotografias) e suas


Fotos: Vídeo Stills

erupções coreografadas, que se encaixam numa obra que traça o renascimento da vida.   Do campo da morte (exemplificado não só pela bomba, mas também através do frango sem cabeça, algo que também aparece numa produção anterior de Hijikata) nos movemos através de uma era pastoral (homens carregando bodes) até uma era de construção (homens com cordas). Bem distante, vemos mãos lutando pela maçã de demasiado conhecimento (e guerra consequente) e, depois, estamos na terra dos muito jovens, aquelas nuas “crianças cintilando de luz” das quais fala o texto de Taro Yamamoto. E quando um pênis minúsculo, porém afirmativo da criação, é enquadrado com uma ilha distante de mesmo formato3, nós somos apresentados a uma similaridade, uma inteireza, um renascimento após “a placa negra da noite da morte ser quebrada”.   O umbigo, símbolo e cicatriz da própria vida, é marcado por um X. No Japão, como em qualquer lugar, um X pode significar exclusão ou eliminação – o filme de Tanikawa/Takemitsu, exibido no mesmo programa de Hosoe, se chamava Batsu [X] e tratava exatamente desta natureza probatória do símbolo. A contracultura estava pondo um fim num sem-número de coisas enquanto assistimos aos personagens riscando seus X’s por todo o mundo do establishment.   No filme de Hosoe, no entanto, são os próprios X’s que estão sendo erradicados. O dançarino ele mesmo, afirmativo da vida, os esfrega e apaga. Ao final deste filme extraordinariamente otimista, somos apresentados diretamente ao que o poeta 3 Japanese experimental Film: 1960-1980. Introduction and notes by Donald Richie, New York: American Federation of the Arts, 1981, p.14.

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4 “The Dawn of the Japanese Short Film,” Toshio Matsumoto in A Retrospective of the Japanese Short Film, Oberhausen Short Film Festival, 1994, p.19.

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descrevera anteriormente. “De pé, nus sob o céu/ Nós somos os menores filhos do Sol.”   Tudo isso era de fato diferente do cinema japonês comum do pós-guerra. Tão experimental quanto, era esta afirmação direta do sexo e da vida. Sobre este e os outros dois filmes exibidos naquele noite, Toshio Matsumoto escreveu que “diferente dos padrões tradicionais dos filmes feitos naquele tempo, estes três trabalhos desenvolveram possibilidades para um outro tipo de filme”.4   Um dos fatores que gerou este “outro tipo de filme” foi o próprio estilo de Hosoe – experimental em seu sentido mais amplo. À medida que assistimos ao filme, vemos a evolução da iconografia que Hosoe também vinha criando em sua fotografia. A “montagem analítica” de mãos, cotovelos, joelhos e nádegas, que operam como abstrações nos minutos de abertura do filme, são reminiscências do trabalho que Hosoe estava para criar em 1961, na sua série Man and Woman. As figuras mascaradas nuas, e o modo como se apresentam, remetem à primeira série de fotos de Hosoe (também de 1961) com o escritor Yukio Mishima. E, claro, o próprio tema lembra a obra posterior, Return to Hiroshima (1971). Tanto o que vemos, como o modo como o vemos, são criados através da reflexão do ethos de sua década, bem como do estilo em evolução do artista. Em seu sentido mais pleno, Navel and A-Bomb, de Hosoe, é verdadeiramente experimental.


Fotos: Vídeo Stills

A placa negra Da morte Da noite Se quebra, A luz Chamusca As frontes Que pertencem A ninguém. A chama Vem do Oeste, As barbas dos deuses Definham Pelo céu. Nuvens de veneno Fluem Tra-la-la, Tra-la-la Tra-la-la. Oh, este não é O som das ondas O movimento perpétuo Da mãe mar, Aquele que flui Da fonte da vida Não é “ira” Mas incandescentes crianças de luz. Nós nascemos, Não há retorno, Inesperadamente lançados Na luz Nós viemos Viver mais ferozes Que todos De pé, nus Sob o céu Os menores Filhos Do Sol Poema de Taro Yamamoto

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O dualismo esférico da fotografia Eikoh Hosoe Eu pensei, por um longo tempo, em como obter uma teoria da fotografia dotada de liberdade. Penso que a fotografia é “a arte da relação entre o fotógrafo e o objeto a ser fotografado”. Creio que nessa relação tecida entre ambos, quanto maior a proximidade entre o objeto e o lugar em que a fotografia se situa, mais o registro documental objetivo é valorizado, ao passo que, quanto menor a distância entre esse lugar e o fotógrafo, mais a autoexpressividade subjetiva do fotógrafo é manifestada. Além disso, como a fotografia necessita inevitavelmente do objeto a ser fotografado, ela se inicia no encontro do fotógrafo com o objeto. Tal fato não depende deste último ser figura humana ou coisa material, ou dessa confluência ser fortuita ou necessária: nunca deixará de ser um encontro. Desse modo, podemos constatar que “fotografia é a arte do encontro”.   Contudo, no dualismo fotográfico normalmente estabelecido, – “registro documental = objetivo” X “autoexpressividade = subjetivo” – as duas polaridades são concebidas como oposição linear e ambas se confrontam, o que torna impossível obter uma unidade entre elas. Porém, isso é válido apenas na teoria ou na linguagem verbal porque, na expressão fotográfica real, esses dois aspectos ora se aglutinam, ora independem, ora se entrelaçam, desenvolvendo a diversidade do universo da expressão fotográfica por meio dessa

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convivência entre elementos antagônicos. Pensei, então, em um modelo para resolver essa oposição. Vamos imaginar uma esfera como o nosso globo terrestre e que o “objetivo” seja o polo norte e o “subjetivo”, o polo sul. Nessa esfera, o viajante “fotografia” busca um dos polos e, depois de muito sacrifício, poderá chegar a uma das extremidades. Porém, se continuar a viagem, ele pode voltar ao ponto de partida. O viajante pode fixar-se por um longo tempo em algum lugar da esfera que lhe agradar ou pode continuar livremente o seu deslocamento e desbravar terrenos desconhecidos.   Por exemplo, no meu caso, chamo tanto Barakei (Ordeal by Roses) quanto Kamaitachi de “documentários subjetivos” porque ambas as obras unificam o terreno “subjetivo” da “autoexpressividade” e “objetivo” do “documentário”. O lugar onde essas obras se situam fica na zona próxima da região subtropical, entre o “polo norte” e o “polo sul”, perfazendo uma existência majestosa e sem contradição sobre a esfera.   Eu gostaria, agora, de denominar “Dualismo esférico da fotografia de Eikoh Hosoe” a teoria esférica capaz de produzir a diversidade dessas fotografias a fim de buscar a minha própria maneira de ver a existência desta arte, dotada de liberdade.   Gostaria de pensar a fotografia de uma maneira livre, na qual os fotógrafos se sintam mais flexíveis e libertos do feitiço da teoria que os faz infelizes e também de apostar na possibilidade de uma fotografia mais fértil e rica.


1953 [20 anos] Visita a exposição de Edward Weston, proeminente fotógrafo americano, que o marca profundamente. 1933 Nasce em 18 de março em Yonezawa, Yamagata, cidade do interior do Japão. Filho de um sacerdote budista, recebe o nome de Toshihiro Hosoe. Aos três meses de idade, muda-se com a família para Tóquio, onde passa a infância. 1944 [11 anos] Durante a Segunda Guerra, refugia-se com a família na casa de seus avós em Yonezawa. Seu irmão mais velho, Uichiro, é morto na guerra. Daquela época, Hosoe guarda os mitos e lendas que seu tio contava, inclusive sobre o demônio-fuinha, kamaitachi. 1945 [12 anos] Em agosto, com o fim da guerra, volta com a família para Tóquio. 1947 [14 anos] Por sugestão dos primos que o aconselham a escolher um nome mais apropriado para a nova era, altera seu nome para Eikoh Hosoe. 1949 [16 anos] Entra para a Escola Secundária Sumidagawa, onde participa de um clube de Inglês e de um clube de fotografia. 1950 [17 anos] Começa a frequentar a área militar de habitação americana no Japão para aprender Inglês. Durante esse período, ele passa a fotografar crianças americanas. 1951 [18 anos] Vence o prêmio mais alto do Concurso da Fuji Photo (categoria de estudante) pelo seu trabalho “Poddie Jawoski”. Decide se tornar um fotógrafo profissional. 1952 [19 anos] Entra para a Faculdade de Fotografia de Tóquio, conhecida como “Shadai” (hoje é o Instituto Politécnico de Tóquio). Sua fotografia intitulada “Criança” é selecionada para a edição de novembro da revista de fotografia, Shashin Salon. O crítico Tatsuo Fukushima demonstra interesse pelo seu trabalho. Os dois se encontram e Fukushima o apresenta para o grupo de artistas “Demokrato”, que tem como líder o artista Ei-Q, cujo trabalho exerce grande influência sobre Hosoe.

1954 [21 anos] Gradua-se na Faculdade de Fotografia de Tóquio e decide se tornar fotógrafo independente. Começa a trabalhar para revistas femininas e revistas sobre fotografia. 1955 [22 anos] Publica seu primeiro livro de fotografias intitulado “35mm Snaps”. 1956 [23 anos] Primeira exposição individual – Galeria de Foto Konishiroku, em Ginza, Tóquio. Nela, apresenta a foto-narrativa intitulada “Uma Garota Americana em Tóquio”. 1957 [24 anos] Participa da exposição coletiva, “Olho de Dez” (curadoria de Tatsuo Fukushima) – Galeria de Foto Konishiroko, em Ginza, Tóquio. Nela, apresenta a série de trabalhos intitulada “O mundo das crianças: um registro do jardim de infância”. Sua família se muda para Kameari, em Tóquio. Seu pai abre uma loja de materiais fotográficos. 1958 [25 anos] Participa da segunda edição da exposição coletiva, “Olho de Dez” (curadoria de Tatsuo Fukushima) – Galeria de Foto Konishiroko, em Ginza, Tóquio. Nela, apresenta a obra “Nu de jovens irmãs”. Abre um escritório conjunto com amigos em Ginza, Tóquio. 1959 [26 anos] Fica profundamente impressionado com o recital de Butô de Tatsumi Hijikata. No mesmo ano, os dois se tornam amigos. Abre um escritório conjunto com amigos em Ginza, Tóquio. Participa da terceira edição da exposição coletiva, “Olho de Dez” (curadoria de Tatsuo Fukushima) – Galeria de Foto Konishiroko, em Ginza, Tóquio. Nela, apresenta a obra “Os deuses loucos”. Funda, junto com Kikuji Kawada, Akira Sato, Akira Tanno, Shomei Tomatsu e Ikko Narahara, a agência “VIVO” (que significa “vida” em esperanto) – seguindo o modelo da famosa Agência Magnum, fundada em 1947 por Robert Capa. O fotógrafo holandês Ed van der Elsken visita o Japão e lá conhece Hosoe, de quem se torna amigo. Na ocasião, Elsken afirma a Hosoe que seu trabalho é “bem japonês” – isso leva Hosoe a meditar profundamente sobre o significado de ser japonês.

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1960 [27 anos] Apresenta a série Man and Woman [Otoko no Onna/ Homem e Mulher] em exposição individual – Galeria de Foto Konishiroku, em Ginza, Tóquio. Pela exposição da série Man and Woman, Hosoe recebe o prêmio de “Fotógrafo mais promissor” da Associação Japonesa de Críticos de Fotografia. Recebe o prêmio de “Fotógrafo do ano” do Concurso da Fuji Photo. Suas fotografias aparecem na publicação “Tatsumi Hijikata’s 306 Dance Experience”, com subtítulo “Portfólio de Eikoh Hosoe, dedicado a Tatsumi Hijikata”. Essa publicação é vista pelo escritor Yukio Mishima, e desperta seu interesse por Hosoe. Dirige o filme experimental Navel and A-Bomb [Heso to Genbaku/ Umbigo e Bomba-A], exibindo-o no “Modern Jazz and Film Festival” – Yurakucho Video Hall, Tóquio. 1961 [28 anos] O fotógrafo Daido Moriyama torna-se assistente de Hosoe por um certo período. A “VIVO” é dissolvida. O livro Man and Woman é publicado com poemas de Taro Yamamoto e textos de Ed van der Elsken e Tatsuo Fukushima. Suas fotografias aparecem na publicação “Tatsumi Hijikata’s Dance Experience 2”, com subtítulo “Portfólio de Eikoh Hosoe, dedicado a Tatsumi Hijikata”. Yukio Mishima publica um livro de artigos e, impressionado com o trabalho de Hosoe para Hijikata, convida o fotógrafo para produzir a capa e seu retrato para o livro. Em seguida, Hosoe convida Mishima para posar para ele. O processo dura seis meses e o resultado é a série Barakei. 1962 [29 anos] Inscreve a série Killed by Roses [Barakei/Morto pelas rosas] para a exposição de fotografias “NON”, (curadoria de Tatsuo Fukushima) – Matsuya, Ginza, Tóquio. O título da série foi dado por Mishima a pedido de Hosoe. Casa-se com Misako Imai (irmã mais nova do fotógrafo Hisae Imai). 1963 [30 anos] Nasce seu filho, Kenji. O livro Killed by Roses é lançado pela Editora Shueisha, de Tóquio. Com préfacio de Yukio Mishima e design gráfico de Kohei Sugiura. O livro Killed by Roses recebe o “Prêmio Associação Japonesa de Críticos de Fotografia”. Primeira exposição internacional: apresenta a série Killed by Roses na exposição “Fotografia Contemporânea de 1963” – Museu de Fotografia da George Eastman House, Nova Iorque, Estados Unidos. 1964 [31 anos] Viaja pela primeira vez para a América e para a Europa. É profundamente marcado pela arquitetura de Gaudí ao visitar Barcelona.

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1965 [32 anos] Nasce sua filha, Kanako. Convida Tatsumi Hijikata para uma viagem à cidade natal do dançarino, Akita. Os dois começam a visitar a região de tempos em tempos para sessões de fotografia. Colabora com Kon Ichikawa num projeto de documentário sobre as olimpíadas no Japão, dirigindo a parte de Judô e Pentatlo. Viaja novamente para a América e para a Europa e, desde então, passa a viajar ao exterior anualmente. 1966 [33 anos] Seu trabalho Kimono é selecionado para a exposição “Dez Fotógrafos” – Museu de Arte Moderna de Tóquio. 1967 [34 anos] Publica o livro infantil Taka-chan and I [Taka-chan e Eu] com texto de Betty Jean Lifton – Norton & Co., Nova Iorque. Participa da exposição “Fotografia no Século XX” (curadoria de Nathan Lyons) – Galerie Nationale du Canada, Ottawa. 1968 [35 anos] Exposição individual “Uma extravagante tragicomédia – Um drama fotográfico estrelando o gênio japonês do Butô, Tatsumi Hijikata” – Ginza Nikon Salon, Tóquio. Esta exposição formará a base para o livro Kamaitachi. Faz a curadoria da exposição “World Masters of Photograph” para a Coleção da George Eastman House, organizada pela Sociedade Japonesa de Fotógrafos Profissionais. 1969 [36 anos] Exposição individual internacional na qual apresenta Man and Woman – Instituto Smithsonian, Washington. D.C., Estados Unidos. Hosoe contribui na edição da revista “The Photo Image”, cujo primeiro exemplar traz 32 imagens da sua série Embrace [Hoyo/Abraço]. O livro Kamaitachi é publicado pela editora Gendai Shichosha. Com prefácio de Shuzo Takiguchi, poemas de Toyoichiro Miyoshi e design gráfico de Ikko Tanaka. 1970 [37 anos] Exposição individual internacional na qual apresenta Barakei – Focus Gallery, São Francisco, Estados Unidos. Recebe, do Ministro da Educação japonês, um Prêmio na categoria de Arte pela série Kamaitachi. O Instituto Smithsonian adquire para seu acervo a série Man and Woman assinada pelo artista. Yukio Mishima comete seppuku, suicídio ritual. Publica o livro Return to Hiroshima [Retorno à Hiroshima] com texto de Betty Jean Lifton – Athenium, Nova Iorque.


1971 [38 anos] Reedita o livro Barakei, mas o título em inglês é alterado para Ordeal by Roses [Provação pelas Rosas], com prefácio de Yukio Mishima e design gráfico de Tadanori Yokoo. Essa versão de Kamaitachi recebe varias reedições, tanto no Japão quanto no resto do mundo. Nasce a segunda filha de Hosoe, Kumiko. Exposição individual com retrospectiva das suas séries mais famosas – Galeria Shunju, Ginza, Tóquio. A série Embrace é publicada como livro pela Shashin Hyoronsha. Prefácio de Yukio Mishima, posfácio e design gráfico por Eikoh Hosoe. Hosoe publica um prelúdio da série Simmon: A Private Landscape [Simmon: paisagem íntima] na revista “The Photo Image”, com fotos do ator Simon Yotsuya, famoso por suas bonecas japonesas. 1972 [39 anos] Apresenta uma conferência no Visual Studies Workshop, Nova Iorque. 1973 [40 anos] Publica a série Modern Days Elder [Idosos dos dias atuais] na revista Seasonal Keiei Mondai. Realiza uma série de workshops no Phoenix College, Arizona, e no Columbia College, Chicago. Nos próximos anos, voltará a dar palestras e workshops em várias faculdades do mundo. Exposição Individual com retrospectiva – Light Gallery, Nova Iorque. 1974 [41 anos] Participa da Exposição “Nova Arte Japonesa” (curadoria de John Szarkowski e Shoji Yamagishi), com as séries Kamaitachi e Man and Woman – Museu de Arte Moderna (MoMA), Nova Iorque. Ajuda a criar e participa do projeto “The Photo WORKSHOP School”, uma escola gratuita em Tóquio para fotógrafos emergentes que funciona até 1976. 1975 [42 anos] Torna-se professor titular na Faculdade de Fotografia de Tóquio (Shadai). Ajuda a criar o acervo de fotografias da Faculdade de Fotografia de Tóquio e contribui para a implantação de uma galeria de arte no campus da faculdade. Expõe a série Simmon: A Private Landscape – Light Gallery, Nova Iorque. 1976 [43 anos] Expõe a série Simmon: A Private Landscape – Shiseido The Ginza, Ginza, Tóquio. Participa da exposição “Nova fotografia no Japão” – Kulturhaus, Graz, Áustria. É condecorado cidadão honorário de Tucson, Estados Unidos.

1977 [44 anos] Inicia sua série sobre a obra de Gaudí, apresentando parte dela meses depois numa exposição individual – Nikon Salon, Ginza, Tóquio. Volta a Barcelona em dezembro, ficando até janeiro para fotografar mais obras de Gaudí. 1978 [45 anos] Visita Juan Miró em Maiorca, Espanha. Participa da exposição “VIVO: Seis fotógrafos japoneses” – Museu de Arte de Santa Bárbara, Califórnia, Estados Unidos. 1979 [46 anos] Participa da exposição “Fotografia japonesa: Hoje e suas Origens” – Galleria d’Arte Moderna, Bologna, Itália. Exposição individual da série Kamaitachi – Silver Image Gallery, Ohio, Estados Unidos. A exposição depois é levada para Salzburg, Áustria, e Lausanne, Suíça. Retrospectiva – Photographer’s Gallery, Melbourne, Austrália. 1980 [47 anos] Exposição individual com apresentação de Barakei e Kamaitachi – Fnac Fórum, Paris, França. A exposição depois é levada para Antuérpia, na Bélgica, e Zurique e Basel, na Suíça. 1981 [48 anos] Eleito vice-presidente da Sociedade Japonesa de Fotógrafos Profissionais. Exposição individual retrospectiva – Fnac Fórum, Lille, França, e depois no Fnac Fórum, Toulouse, França. 1982 [49 anos] Exposição individual “A Figura Humana 1960-1980” – Museu de Fotografia da George Eastman House, Nova Iorque, Estados Unidos. Nesse ano, Hosoe apresenta mais duas exposições individuais em Nova Iorque, que depois são reunidas num só evento que viaja pelos Estados Unidos. Exposição individual “35 pioneiros do crescimento econômico do pós-guerra” – Fuji Photo Salon, Ginza, Tóquio. Exposição individual “Retrospectiva de Eikoh Hosoe 1960-1980” – Musée de Art Moderne de la Ville de Paris, Paris, França. É condecorado com a “Medaille de Vermeille de la Ville de Paris”. O livro Human Body é publicado pela Nihon Geijutsu Shuppansha. Navel and A-Bomb é exibido no festival “Filme experimental japonês 1960-1980” (Curadoria de Donald Richie), que depois viaja para sessenta cidades dos Estados Unidos.

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1983 [50 anos] Recebe uma “Medalha Honorária” no Encontro Internacional de Fotografia em Arles, França. Exposição individual com seu trabalho recente – Light Gallery, Nova Iorque.

1991 [58 anos] Participa da exposição “Inovações na fotografia japonesa nos anos 1960” – Museu Metropolitano de Fotografia de Tóquio. Participa da exposição “Fotógrafos no Japão 19551965” – Museu da Prefeitura de Yamaguchi, Japão.

1984 [51 anos] Edita o livro “As fotografias de Toyo Miyatake”, publicado pela Bungeishunjusha. O livro The Cosmos of Gaudi [Gaudí no Uchu/O cosmos de Gaudí] é publicado pela Shueisha. Com prefácio de Shuzo Takiguchi, poemas e ilustrações de Juan Miró e design gráfico de Yusaku Kamekura. Exposição individual intitulada “Eikoh Hosoe: Zen e transcendência” – Padiglione d’Arte Contemporanea, Milão, Itália.

1993 [60 anos] Participa da exposição “Fotógrafos que criaram uma nova era” – Museu Metropolitano de Fotografia de Tóquio.

1985 [52 anos] Exposição individual – Burden Gallery, Nova Iorque. Expõe sua série sobre Gaudí em Ginza. Participa da exposição “Sol Negro: o olho de quatro” – Museu de Arte Moderna, Oxford, Reino Unido. Publica A place called Hiroshima [Um lugar chamado Hiroshima] com texto de Betty Jean Lifton – Kodansha International. 1986 [53 anos] Exposição “Homage to Gaudi” [Homenagem à Gaudí] – Printemps, Ginza, Tóquio. Participa da exposição “Japão de vanguarda 1910-1970” – Musée National d’Art Moderne, Paris, França. Hijikata Tatsumi falece aos 57 anos. 1987 [54 anos] Vai a Nova Iorque estudar processo de impressão fotográfica por metais de platina e paládio. De volta ao Japão, abre um estúdio para continuar praticando a técnica. 1988 [55 anos] Exposição “Fotografia: O mundo de Eikoh Hosoe” – Ikeda Museum of 20th Century Art, Ito, Shizuoka, Japão. Essa exposição viaja para o Museu Municipal de Arte de Niigata e o Museu Nacional de Arte de Osaka. 1989 [56 anos] É jurado no Comitê de Celebração do aniversário de 150 anos da fotografia. 1990 [57 anos] Exposição “Eikoh Hosoe: Fotografias 1955-1988” – Festival de Foto de Houston, Texas, Estados Unidos. Essa exposição viajou pelos Estados Unidos e Europa até 1999 com o título de “Eikoh Hosoe: Meta”.

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1994 [61 anos] Recebe o prêmio de “Melhor fotógrafo do Ano (1993)” da Sociedade Japonesa de Fotografia. Participa da exposição “Grito contra o céu” (curadoria de Alexandra Monroe) com Navel and A-Bomb – Museu de Arte de Yokohama. Essa exposição depois viaja para o Museu Guggenheim, Nova Iorque, e para o Museu de Arte Moderna de São Francisco, Estados Unidos. 1995 [62 anos] Torna-se diretor do Museu Kiyosato de Artes Fotográficas, em Yamanashi, Japão, cargo que mantém até hoje. 1998 [65 anos] Recebe a “Medalha de Honra com faixa roxa” do governo japonês, pela sua contribuição no campo artístico. 1999 [66 anos] Sua obra é publicada num volume integrante da série de livros “Mestres da Fotografia”, da Fundação Aperture, de Nova Iorque. 2000 [67 anos] Retrospectiva “Eikoh Hosoe: 1950-2000” – Museu de Arte de Yamagata. Essa exposição viaja para vários locais do Japão até 2003. 2002 [69 anos] Ao saber que o estúdio de dança Asbestos, fundado por Tatsumi Hijikata, estava para ser fechado, realiza a série Ukiyo-e como homenagem. As sessões de foto ocorrem entre 2002 e 2003. Retrospectiva “Eikoh Hosoe – Morto pelas rosas” – Gallery Priska Pasquer, Colônia, Alemanha. 2003 [70 anos] Recebe a Medalha Especial de 150 anos da Royal Photographic Society. Hosoe é o único fotógrafo japonês a receber essa honraria. Retrospectiva “Eikoh Hosoe” – Galeria Kowasa, Barcelona, Espanha. Participa da reedição da exposição “Nova Arte Japonesa 1955-1970” (curadoria


de John Szarkowski e Shoji Yamagishi), com as séries Kamaitachi e Man and Woman – Museum of Modern Art, MoMA, Nova Iorque. 2004 [71 anos] Exposição individual da série Ukiyo-e intitulada “Eikoh Hosoe: projeções Ukiyo-e” – Howard Greenberg Gallery, Nova Iorque. Participa da Bienal Internacional de Fotografia de Brescia com Kamaitachi – Brescia, Itália. Exposição da série Ukiyo-e – Acte2Galerie, Paris, França. 2005 [74 anos] Participa de uma série de exposições menores em diversos locais do mundo. 2006 [73 anos] Em homenagem ao centenário de Kazuo Ohno, publica o livro The Butterfly Dream com uma seleção de fotografias que Hosoe fez de Ohno durante 46 anos, entre 1960 e 2005. Retrospectiva “O dualismo esférico da fotografia: o mundo de Eikoh Hosoe” – Museu Metropolitano de Fotografia de Tóquio. Publica a edição definitiva Kamaitachi, Butterfly Dream pela editora Seigensha, reunindo num só volume as séries Kamaitachi e The Butterfly Dream. 2007 [74 anos] Publica o livro Deadly ashes: Pompeii, Auschwitz, Trinity Site, Hiroshima [Cinzas mortais: Pompeia, Auschwitz, Trinity e Hiroshima], pela editora Maso Sha. Com texto de Robert Jay Lifton, ainda trazia o manifesto de Rusell e Einstein. É consagrado com a “Ordem do Sol Nascente”, uma das maiores honrarias japonesas. Retrospectiva “Eikoh Hosoe: Obras de arte: Começando com o Daguerreótipo até…” – Photo Gallery International, Tóquio, Japão. 2008 [75 anos] Recebe o ”Prêmio de Arte Mainachi” do Governo Japonês. Exposição de Embrace e Kamaitachi – Gallery White Room, Tóquio, Japão. Retrospectiva “Eikoh Hosoe e o Butô: Fotografando estranhas ideias” – Museu de Arte de Los Angeles, California, Estados Unidos.

2010 [77 anos] É condecorado como “Pessoa de Mérito Cultural” pelo Ministro de Educação do Japão. Publica o livro de artista, “Un Homme Rodin”, pela Taka Ishii Gallery de Tóquio, Japão, com sua série recente Human-Rodin [Ningen-Rodin/Homem-Rodin]. Exposição Individual “Eikoh Hosoe” – Galerie Photo4, Paris, França. Retrospectiva “Êxtase e memória” – Galleria Carla Sozzani, Milão, Itália. Retrospectiva “Teatro da Memória” – Instituto de Cultura Japonesa, Colônia, Alemanha. Recebe a “Medalha de Honra pelas conquistas na arte da fotografia” do National Arts Club, Estados Unidos. 2011 [78 anos] Retrospectiva “Eikoh Hosoe: Teatro da Memória” – Art Gallery of New South Wales, Sydney, Austrália. Retrospectiva “Eikoh Hosoe” – CLAIR Galerie, Munique, Alemanha. Exposição “Emakimono” – Three Shadows Photo, Pequim, China. Retrospectiva “Irracionalidade” – Kahmann Gallery, Amsterdã, Holanda. 2012 [79 anos] Recebe a “Medalha ao Mérito Veracruzana”, do México. Na ocasião, dá um ciclo de palestras e apresenta suas séries mais recentes no Centro da Imagem da Cidade do México. Exposição Indiviual “Eikoh Hosoe” – BLD Gallery, Tóquio, Japão. 2013 [80 anos] Exposição da série sobre Rodin intitulada “Un Homme Rodin” – Taka Ishii Gallery, Tóquio, Japão. Retrospectiva “Curated Body: 1959-1970” – Miyako Yoshinaga Gallery, Nova Iorque. Participa do Festival “Kyotographie 2013” – Kyoto, Japão. Participa da exposição “Fotogravura: Mestres da Coleção” – Museu de Arte da Filadélfia, Estados Unidos. 2014 [81 anos] Pela primeira vez na América do Sul, apresenta a retrospectiva “Eikoh Hosoe: Corpos de Imagens” – Sesc Consolação, São Paulo, Brasil.

2009 [76 anos] Publicação do livro Hana Dorobou [Ladrão de flor] pela editora Tosei-Sha. Com texto de Rui Hayakawa, o livro apresenta uma série de fotografias, registradas há quarenta anos e por muito tempo esquecida, de bonecas artesanais feitas pela designer Yoko Kamoi. O lançamento foi seguido por uma exposição na galeria de fotos da editora Tosei-Sha.

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SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO Administração Regional no Estado de São Paulo PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL Abram Szajman DIRETOR DO DEPARTAMENTO REGIONAL Danilo Santos de Miranda SUPERINTENDÊNCIAS Técnico-Social Joel Naimayer Padula Comunicação Social Ivan Paulo Giannini Administração Luiz Deoclécio Massaro Galina Assessoria Técnica e de Planejamento Sérgio José Battistelli GERÊNCIAS Artes Visuais e Tecnologia Juliana Braga de Mattos Adjunta Nilva Luz Assistentes Juliana Okuda, Sandra Leibovici Ação Cultural Rosana Paulo da Cunha Adjunta Kelly Adriano Assistentes Heloisa Pisani, Juliano Azevedo Artes Gráficas Hélcio Magalhães Adjunta Karina Musumeci Assessoria de Relações Internacionais Aurea Leszczynski Vieira Gonçalves Consolação Felipe Mancebo Adjunta Simone Avancini Coordenação Tiago de Souza, Sabrina Popp Marin, Nancy Hitomi Korim Coordenadores de área Programação Tiago de Souza Comunicação Elaine de Sousa Administrativo Marco Antonio da Silva Alimentação Fernanda Mendes Conejero Manutenção e Serviços Antonio Zacarias de Carvalho

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ficha técnica

Realização: Sesc São Paulo Apoio: Japan Foundation, Art Center - Keio University, Studio Hosoe Curadoria: Ricardo Muniz Fernandes, Christine Greiner e Takashi Morishita Colaboração: Michiko Okano Projeto Expográfico: Hideki Matsuka Assistente: Vinicius Cardoso Ferreira Produção: prod.art.br Comunicação: Carminha Gongora Direção Técnica: Júlio Cesarini Coordenação técnica: André Lucena (som), Ana Irias (iluminação), Rodrigo Gava (vídeo) Construção/Montagem: Wanderley Wagner da Silva, Wiliam Torres, Ednomar Mendonça, Nelson Fracola Filho, Enrique Casas e Alba Rezende Intervenções/Pintura Mural: Futoshi Yoshizawa Tradução de textos (inglês): Daniel Cordova, Isabela Sanches Tradução de textos (japonês): Michiko Okano, Lucio Kubo Revisão: Isabela Sanches Design gráfico: Érico Peretta Agradecimentos: Kenji Hosoe, Minori Miyake, Sergio Minehiro Kitayama, Taka Ishii Gallery Photography, Toshio Mizohata, Yoshito Ohno, Yukio Waguri

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Agendamento de visitas monitoradas: agendamento@consolacao.sescsp.org.br tel. 11 3234-3000 112



realização

apoio

produção

Sesc Consolação Rua Dr. Vila Nova, 245 CEP 01222-020 São Paulo - SP TEL.: +55 11 3234 3000 email@consolacao.sescsp.org.br sescsp.org.br /sescconsolacao


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