toda nudez será castigada texto de Nelson Rodrigues direção Antunes Filho
XIV Festival Iberoamericano de Teatro de Bogotรก de 11 a 14 de abril de 2014 Teatro Nacional Fanny Mikey
toda nudez será castigada texto Nelson Rodrigues direção Antunes Filho
A única nudez realmente comprometedora é a da mulher sem quadris.” (N. R.)
DESPIDOS ATÉ A ALMA DANILO SANTOS DE MIRANDA Diretor Regional do Sesc São Paulo
A alma humana abriga infinitas possibilidades e contradições inerentes ao complexo desafio de viver nossa condição. Diferentemente dos demais seres vivos, o exercício dessa natureza em nós se concretiza pelos atos conscientes e, também, pelo que é construído a partir da memória. Contudo, o recurso à memória se configura insidioso na medida em que envolve com suas brumas até a maior das certezas, abrindo fissuras no edifício social. Nelson Rodrigues, jornalista, escritor e dramaturgo, que completaria 100 anos em 2012, permanece como modelo do incômodo e obsessivo inquiridor das atitudes e omissões na cena social – a exemplo de alguns escritores russos de sua preferência – oferecendo uma contundente autópsia das grandes e pequenas vilanias praticadas pelos nossos semelhantes, com extrema agudeza e atualidade. Nele, discussões de relevo filosófico, como moral e ética, ganham abordagens desconcertantes e inspiradoras também para outros criadores. Neste sentido, as questões essenciais do ser rodriguiano, trágico ou cômico, fazem parte do universo habitualmente revisitado por Antunes Filho – à frente do Grupo de Teatro Macunaíma e como responsável pelo Centro de Pesquisa Teatral (CPT/Sesc) – para conceber obras carregadas de simbolismos, conflitos e reflexões sobre a sociedade contemporânea e o nosso lugar neste mundo de excessos e escassez de referências e valores. Para o Sesc, tão importante quanto apresentar novas criações, é manter em movimento o fluxo cultural, desenvolvendo cursos e encontros para atores e criadores, publicações temáticas, estabelecendo parcerias e intercâmbios nacionais e internacionais, além de ampliar a apropriação de conteúdos em programas disponíveis pela Internet e pelo SescTV. Na mesma medida em que valoriza o acesso e a difusão cultural para o aperfeiçoamento do bem-estar e da qualidade de vida de todos os cidadãos, priorizando uma vivência educativa dos sentidos com força transformadora para repercutir em cada um de nós até a alma.
A mulher se corrompe menos do que o homem. Na mais degradada das mulheres sobrevive algo de intacto, de intangĂvel, de eterno. Esse mĂnimo de inocĂŞncia sempre a salva.â€? (N. R.)
A mulher pode ser grã-fina. O homem, não. O homem tem que ser macho.� (N. R.)
NUDEZ: PARA ALÉM DE EROS E DE TÂNATOS MOISÉS NETO Mestre e Doutor em Letras pela UFPE, dramaturgo recifense.
Que fazemos nós desde que nascemos, senão teatro, autêntico, válido, incoercível teatro? A ficção para ser purificadora tem que ser atroz. O personagem é vil para que não sejamos...” Nelson Rodrigues
Herculano, Patrício, Serginho, as tias, o libidinoso ladrão boliviano... todos estão de volta. Escutamos a voz de Geni: Aqui quem te fala é uma morta... e tudo recomeça; são eles que voltam, somos nós mesmos a ouvir Nelson Rodrigues (cem anos sem solidão: o autor está vivo!) com regência de Antunes Filho, que retorna ao texto por ele trabalhado em 1981. Lares e lupanares acendem-se intensamente qual origami se desdobrando, qual flor da obsessão desabrochando em plena noite paulistana. Em Nelson, é a partir da tragicidade e do mergulho no inconsciente (onde estariam os rejeitos do consciente) que o desespero, o êxtase, o retorno do recalcado fazem a negociação intensa entre real, simbólico e imaginário (ou o poético). A linguagem é usada para livrar os personagens do sentimento de culpa. O inconsciente coletivo seria a camada mais profunda da psique: um material herdado da humanidade, nele todos os humanos são iguais. Nelson busca essa raiz comum, dentre outras coisas e o faz de maneira um tanto quanto cínica e exagerada na expressão. Está atento ao perigo do homem se ligar ao papel (persona) e se esquecer de si. Mas o registro aqui vai além dos clichês freudomarxistas e os põe em xeque. O choque de ricos / grã-finos com pobres é também transgressão. Há que se estilhaçar esse painel rodriguiano e reorganizá-lo acentuando o que há de comédia, não de cômico, em Nelson, afastando-se do naturalismo, mas partindo da constituição realista. Para Antunes montar Nelson Rodrigues é algo similar a um desafio cósmico: desdobrar a totalidade da existência, observar o todo desdobrado em si e sua relação com a “realidade”. Ele talvez queira oferecer-nos mais uma vez sua catalisação num espetáculo onde cada parte, no contexto do todo, se coloca em
superposição. Isto é, cada acontecimento cruza o outro, em simultaneidade (tão presente na vida), em ritmo frenético. Fazer nossos sentidos ficarem ligados em várias coisas, simultaneamente. Fazer o tempo comprimir-se ao ponto de explodir. No barroquismo do texto o sentido dialético é levado ao extremo e a verdade dramática, as formas estéticas, tempo, espaço e ação não se dobram a disposição de análises sociológicas ou psicológicas, o castigo pela nudez é também imagem caleidoscópica sempre aberta a um novo giro, novo desenho, oferecendo múltipla percepção e estabelecendo insólitas relações. “Quando com dificuldade não conseguimos entender ou ver claramente um acontecimento, seja em lugar público ou num espetáculo teatral, a nossa imaginação vem sempre nos socorrer preenchendo os vazios”, sentencia Antunes Filho. Desde sua última versão para A Falecida, ele vem aprimorando seu método com vieses bem peculiares, como sempre. Propondo cenas articuladas de tal modo, que gestos e olhares, efeitos plásticos e sonoros, tudo calcado, neste caso, no sugestivo texto rodriguiano, incitando a percepção aguda, que não quer se alienar e que se mantém longe do convencional, em linguagem própria e dinâmica onde o ator é um servidor do poeta, sendo ele mesmo um poeta, um criador. É bom não esquecer que Nelson é também essa expressão brasileira, não através de filtros intelectuais ou conceitos generalizantes, mas de um farto material humano que é oferecido à criação do ator. E você? Nunca pisou num rendez-vous? É um habitué? Conhece o método do nosso regisseur? Leu os registros
anteriores? Sabe onde está se metendo? Tem conhecimento de causa? Acredita em anjo pornográfico? Antunes desenha, pinta, arquiteta meticulosamente: nem santa nem dominatrix, Geni é claro enigma do bordel à sala da família: noiva, esposa, morta rediviva, muito além de Eros e Tânatos. Da cornucópia verbal do autor estão intactos o sarcasmo e o humor nas montagens de Antunes. Nelson escrevia escutando ópera, seu método abarca tudo, suas dezessete peças ecoam tragédias para rir, são textos escandalosamente líricos e Antunes extrai de maneira primorosa o implacável senso crítico do autor na sua crítica ao cretino fundamental, aos imbecis que o arruinavam. Há dentro da mente oceânica de Nelson, um Pierrô de antigos carnavais cheio de fúria, frustração, insatisfação ao constatar sempre que todos nós somos cruéis e ferimos, que o brasileiro é um cafajeste em seu complexo de vira-lata, no seu empate pior do que a derrota. Os personagens de Toda Nudez... detonam frases como “o ser humano é louco” (o maquiavélico Patrício), “eu mesma não me entendo”, “vou me entregar a qualquer um, na primeira esquina”, “beije meus sapatos, como eu beijei os teus”, “não quero nada senão um prato de comida e um canto para dormir” (a suicida Geni), “pederasta, eu matava”, “o menino serviu de mulher [...] o guarda viu, mas não fez nada” (a tia solteirona), “o sujeito mais degradado tem a salvação dentro de si, lá dentro” (o médico). Em seu folhetinesco mundanismo vermelho-sangue dito reacionário Nelson explora os limites da virtude e do maniqueísmo em ritmo frenético, compulsivo, desconstruindo o senso comum. O câncer no seio que matou a falecida esposa de Herculano é o mesmo da praga rogada pela mãe de Geni à filha.
Para salvar a plateia, Rodrigues encheu o palco com seus “monstros”, quis forçar ao seu público um “pavoroso fluxo de consciência”. Suas frases curtas, o jeito malcriado de escrever, seu conhecimento das condições do gênero teatral. O bom teatro sacode o público, não teme o grotesco e questiona conceitos, afinal o homem só se salva se reconhecer sua própria hediondez, não é? O teatro é também uma espécie de expurgo, acerto de contas do ser humano com sua história, com todos os homens, com a vida e Nelson o faz de modo cético, sombrio e até... romântico. Sábato Magaldi enquadrou Toda nudez... como uma tragédia carioca, mas o que temos aqui, com essa montagem do CPT, é a voz de todos os homens e mulheres de todos os tempos e lugares. Pausa. Grito. Rompe-se o limite entre lua de mel e separação final dos amantes. Como anda sua nudez? Você pensa que sabe de tudo? Você não sabe de nada!
Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico.” (N. R.)
TODA NUDEZ SEBASTIÃO MILARÉ Crítico e teórico
O Bailarino Solitário é puxado lá de trás. Constituiu-se nos espetáculos “Nelson Rodrigues, O Eterno Retorno” (1981) e “Nelson 2 Rodrigues” (1984), viajou no tempo e ressurge nas cenas iniciais de “Toda Nudez Será Castigada”, última incursão de Antunes Filho, com os atores do CPT-Centro de Pesquisa Teatral, ao insólito universo do Poeta. Outra citação de obra anterior, que na época aprofundava a visão do diretor sobre o drama rodriguiano, vem no final, rememorando o momento em que Zulmira entra no caixão fúnebre em “A Falecida”, no “Paraíso, Zona Norte” (1989). Embora conceitualmente muito bem justificadas no contexto dramático em que surgem, tais citações parecem também um “à parte” do diretor, destinado aos espectadores, lembrando o profundo estudo que fez da obra de Nelson Rodrigues, cujos resultados se espalham pela história do teatro das últimas décadas em espetáculos de altíssimo nível e em imagens antológicas da cena brasileira. Se assim for, não implica certamente bravata do diretor, mas a confissão sincera de que ao fim de tão longo, profundo e seminal mergulho, acredita ter chegado à essência do poeta, ao possível fundo-do-poço dessa dramaturgia incomum. E que isto é o que está em cena. Vendo o ensaio na sala munida de escassos elementos cênicos e luz normal, nota-se o pensamento do diretor manifestado no gesto exato e na voz precisa dos atores, que vão desvelando aos olhos e à sensibilidade do espectador o delírio de Geni na situação limite, dentro da qual o Poeta organizou sua narrativa dramática. Nada ali é excessivo. Sequer as referidas lembranças
de incursões anteriores, somadas a outras mais, como as prostitutas seminuas em cortejo pagão no casamento de Geni, excedem os contornos dessa escritura cênica minimalista. Pelo contrário, as imagens se constituem e se movimentam no âmbito do pensamento. Mas não para ilustrá-lo, somente para torná-lo matéria visível. As citações abrem espaços, fendem as paredes da estrutura do drama pessoal fundindo-o ao drama coletivo. Brechas por onde passeiam arquétipos, tirando as situações do prosaico e redimensionando-as no plano das imanências, onde o efêmero digladia com o eterno, o profano copula com o divino, a aparência da coisa é apenas a indicação de infinitas possibilidades. O que detona a ação é a palavra. Vislumbra-se aqui o principal cavalo-de-batalha de Antunes Filho em seus processos criativos com os atores do CPT. Como tornar a palavra funcional preservando-lhe os sentidos simbólicos e sem lhe castrar as contradições? Como emitir a palavra com decisão e precisão sem torná-la automática, mas plena de significados ocultos? Tudo começa na preparação do corpo, pois ele fala antes das cordas vocais serem acionadas, e culmina na ressonância, onde a palavra se libera sem constranger o corpo em seu contínuo discurso mudo. Entre uma coisa e outra está o profundo entendimento do universo poético em questão. Sem dúvida na longa pesquisa de modos expressivos e técnica vocal, desenvolvida no CPT, textos de Nelson Rodrigues apresentavam-se como exemplos e desafios. Frequentemente deparamos com encenações de obras de Nelson Rodrigues onde os criadores se deixam levar
pelo pitoresco das expressões e situações, banalizando as palavras e ignorando os abismos que nelas se ocultam. Pode até ficar “engraçadinho”, mas nada tem a ver com a poética vulcânica de Nelson. Nela a palavra é arma de difícil manejo, mas letal, em todos os casos. E é para os abismos das palavras que Antunes conduz seus atores nesta versão de “Toda Nudez Será Castigada”. Na verdade, a palavra do poeta sempre foi matériaprima para suas criações cênicas. Todavia, ao se examinar as muitas montagens que realizou a partir de obras de Nelson Rodrigues, evidencia-se a sua “circumambulação” em torno do objeto, na busca impenitente de alcançar os significados mais profundos. Como meio de questionamento sobre a matéria, às vezes permite-se também a associação livre, mas sem abandonar os movimentos circulares. E da associação livre, surgem imagens referenciais, que desembocam em formas estéticas emblemáticas. Curioso observar, por exemplo, três abordagens à “A Falecida”, com resultados formais, estéticos, diversos, mas movidas pelo desejo de apreensão da essência poética. A primeira é de 1965, com alunos da EAD, e estava presa a conceitos do teatro psicológico, realista, embora com traços de ruptura. A segunda, no “Paraíso, Zona Norte”, resolvia-se em ambiente gótico agitado por arquétipos, com claras referências (associações livres) ao inconsciente coletivo. A terceira, cujo título completou-se por irônico “Vapt, Vupt”, resolvia-se na linguagem pop. Em todas elas, no entanto, a busca mais profunda do sentido expresso (ou oculto) nas palavras prevalecia sobre a forma, ou ia para além
da forma. Agora, em “Toda Nudez Será Castigada”, as imagens referenciais surgem como licenças poéticas colocadas sobre o discurso cênico detonado pelas palavras do texto, e a “circum-ambulação” atinge o núcleo do objeto. O espaço aparentemente vazio está pleno de pulsações. Não apenas o drama de Geni se manifesta no tablado, mas o drama humano. Anseios e frustrações criam o cenário de angústias e descaminhos, atmosfera densa, labirintos gerados pela fantasia e pelo medo de cada um. Não há salvação possível a esses seres que buscam a remissão por caminhos tortos ou por meios sórdidos. A essência de Nelson Rodrigues é assim revelada pelo artista que compreendeu como ninguém a sua natureza poética. Por isso, dentre tantos eventos e encenações em homenagem aos cem anos de Nelson Rodrigues, a montagem de “Toda Nudez” por Antunes Filho e atores do CPT ganha especial relevo. Dá-se ali o diálogo sobre a condição humana, estabelecido por poetas que se entendem e se complementam, pois um é da escrita e outro é da cena.
texto Nelson Rodrigues direção Antunes Filho
ELENCO (por ordem de entrada) MARCOS DE ANDRADE (Patrício) RUBER GONÇALVES (Dançarino) NATÁLIA KWAST (Menino/Jovem Prostituta) LEONARDO VENTURA (Herculano) ALINE GUIMARÃES (Jovem Prostituta) MARIANA LEME (Tia n°1) FERNANDO AVEIRO (Tia n°2) NAIENE SANCHEZ (Tia n°3) SHEILA FAERMANN (Jovem Prostituta) MAYARA LUNI (Jovem Prostituta) ONDINA CLAIS CASTILHO (Geni) LUCAS RODRIGUES (Serginho) FELIPE HOFSTATTER (Padre Nicolau/ Mordomo/ Médico)
Diretor de Palco FELIPE HOFSTATTER Assistência de Direção NARA CHAIB MENDES Figurinos e Adereços ROSÂNGELA RIBEIRO Costureira NOEME COSTA Iluminação EDSON FM e ANA CATARINA ROMITELLI Assistência de Iluminação FÁBIO ALBINO e MARCIO MARTINS Trilha Sonora ULISSES COHN e ANTUNES FILHO Operação de Som ANDERSON FRANCO Assistência de Som LENON DE ALMEIDA Preparação de Corpo e Voz ANTUNES FILHO Produção Executiva EMERSON DANESI Fotos EMIDIO LUISI Secretaria do CPT LIGIA ALVES DE LIMA Agradecimentos SEBASTIÃO MILARÉ, MOISÉS NETO, KLAUS KUHN
SOBRE O CPT
Em 1982, face à seriedade da proposta do Grupo de Teatro Macunaíma, sob o comando de Antunes Filho, o Sesc SP criou o CPT - Centro de Pesquisa Teatral, promovendo a continuidade tanto das pesquisas estéticas do Grupo Macunaíma quanto das suas atividades no campo da formação de atores, de técnicos e de outros criadores cênicos. Centenas de jovens atores estagiaram no CPT, desde então, aprendendo novas técnicas interpretativas, contribuindo para a pesquisa de meios que, sistematizados, resultam agora em um novo método para o ator. Também cenografia, figurino, iluminação e design sonoro têm no CPT núcleos, que unem a pesquisa de meios e de materiais à formação de artistas e técnicos dessas áreas. A dramaturgia é, igualmente, objeto de pesquisas e estudos no CPT. O repertório do Grupo de Teatro Macunaíma (que mantém sua autonomia de empresa), constituído a partir de 1982, foi totalmente elaborado a partir das pesquisas efetivadas no CPT do Sesc. Obras de Nelson Rodrigues (“Eterno Retorno”, “Paraíso, Zona Norte” ou “Nelson 2 Rodrigues”, “Senhora dos Afogados” e “A Falecida Vapt Vupt”), de Jorge Andrade (“Vereda da Salvação”) e de William Shakespeare (“Romeu e Julieta”; “Macbeth - Trono de Sangue”) compõem esse repertório, que inclui a adaptação de obras literárias (“A Pedra do Reino”, de Ariano Suassuna; “A Hora e Vez de Augusto Matraga”, de Guimarães Rosa; “Gilgamesh”, baseado no poema sumério) ou de fábulas universais (“Nova Velha Estória”, baseada no conto do “Chapeuzinho Vermelho”; “Drácula e Outros Vampiros”, inspirado nas histórias em quadrinhos e na literatura de terror) e de episódios históricos (“Xica da Silva”). Depois de sistematizado o método para o ator, o repertório recebeu importantes acréscimos: três tragédias gregas, duas de Eurípedes – “Fragmentos Troianos” (adaptação
de “As Troianas”) e “Medeia” –, uma de Sófocles – “Antígona”. Enriqueceu-se também com a revelação dos jovens dramaturgos Paulo Santoro, autor de “O Canto de Gregório”; e Sílvia Gomez, autora de “O Céu 5 Minutos Antes da Tempestade”, integrantes do Círculo de Dramaturgia do CPT coordenado pelo diretor, cujas peças foram encenadas pelo grupo. Os processos criativos desenvolvidos no CPT, abrangendo os diferentes aspectos da manifestação cênica, provocam a desconstrução de velhos códigos e sua posterior transformação em novos códigos. A pesquisa se move não visando a constituição de novas formas, mas de meios que possibilitem o surgimento de novas formas. Os instrumentos teóricos da linguagem são colhidos em áreas influentes do pensamento contemporâneo, como a nova física (particularizando a mecânica quântica); a psicologia profunda; correntes filosóficas orientais (taoísmo, hinduísmo). Obras-primas do cinema, o trabalho de grandes intérpretes, imagens cênicas dos mais importantes encenadores contemporâneos são metodicamente estudados pelos atores, assim como artes plásticas e literatura. Depois de diferentes etapas, evidenciando de uma montagem para outra a evolução da pesquisa, o CPT realizou demonstração pública do método sistematizado, em 1998, com as jornadas de “Prêt-à-Porter”, nas quais a dramaturgia elaborada pelos intérpretes compõe o quadro dos procedimentos e técnicas desenvolvidos pelo CPT e Grupo de Teatro Macunaíma na busca de novos horizontes do teatro. Desde então, até hoje, realizam-se as jornadas de “Prêt-à-Porter”, com espetáculos formados por três peças curtas, criadas pelos atores no processo de trabalho. A cada ano substituem-se as três peças, mantendo o mesmo formato. A continuidade da pesquisa por mais de duas décadas, de um trabalho em permanente
transformação; as técnicas descobertas e aprimoradas; o fato de funcionar como escola de teatro, são fatores que tornam o CPT - Centro de Pesquisa Teatral do Sesc - o principal núcleo de investigação teatral da América Latina na atualidade. Fato que a Casa das Américas, de Cuba, reconheceu, premiando Antunes Filho, CPT e Grupo de Teatro Macunaíma com o “Gallo de Habana” (2005) – honraria só concedida a personalidades, instituições ou grupos artísticos que tenham contribuído com relevância para a evolução estética do teatro na América Latina.
SOBRE O GRUPO DE TEATRO MACUNAÍMA
A estreia do espetáculo Macunaíma, em setembro de 1978, marcou o início das atividades do Grupo Pau Brasil, mais tarde Grupo de Teatro Macunaíma. Com este nome, tendo por emblema o espetáculo da estreia, o Grupo se tornou conhecido internacionalmente. Macunaíma, o “herói sem nenhum caráter”, foi criado por Mário de Andrade na rapsódia literária que se tornou uma das obras centrais do Movimento Modernista Brasileiro. Narra as aventuras do herói mítico, suas viagens e sua vivência entre a selva e a urbe, entre uma era primitiva e o furacão da Modernidade. A transcrição cênica, dirigida por Antunes Filho, não só abriu novas perspectivas à narrativa dramática como atualizou os significados transgressores e críticos do original, resultando numa das obras mais importantes da história do teatro brasileiro. Nas muitas viagens por países das Américas, da Europa e da Ásia, sempre com aplausos da crítica e do público, “Macunaíma” foi um dos maiores sucessos artísticos do teatro internacional das últimas décadas. Abriu caminho para futuras montagens do grupo apresentarem-se em mais de 20 países. E abriu definitivamente o mercado internacional para o teatro brasileiro. O segundo espetáculo do Grupo de Teatro Macunaíma, “Nelson Rodrigues - O Eterno Retorno” (1980), reunindo quatro peças do mais importante dramaturgo brasileiro (o espetáculo depois foi sintetizado, ficando com duas peças, sob o título “Nelson 2 Rodrigues”, 1984), consolidou o prestígio internacional do grupo e deu continuidade à pesquisa estética que o caracteriza. O grupo ampliava as atividades, invadindo o campo da formação de ator, de técnicos e de outros criadores cênicos, sempre sob o comando de Antunes Filho. Face à seriedade da proposta, em 1982 uma das mais poderosas instituições brasileiras, o Sesc - Serviço Social do Comércio, criou o CPT - Centro de Pesquisa Teatral, promovendo a continuidade tanto das pesquisas estéticas do Macunaíma quanto das suas atividades formativas.
O MÉTODO
Mais do que um conjunto de recursos técnicos, o método desenvolvido por Antunes Filho, coordenador do Centro de Pesquisa Teatral do Sesc, é um sistema ideológico que se fundamenta em princípios filosóficos não cartesianos, abrindo-se, todavia, para todos os movimentos humanos e seus sistemas de ideias, propondo sempre a reflexão sobre o homem e a sociedade. Um método baseado, portanto, na ética e no compromisso intelectual e social do artista. Para lá das questões espirituais, filosóficas e morais nele implícitas, o método se constitui por uma série de pressupostos teóricos e envolve rica gama de exercícios físicos e vocais, visando a habilitação do ator para uma atuação orgânica em cena. Enganosa a ideias de que o método corresponde a uma forma estética específica, pois na verdade ele visa a habilitar o ator a todo estilo interpretação, conforme a ideias do encenador ou a natureza do texto que interpreta. A proposta de Antunes Filho é no sentido de capacitar o ator a desenvolver trabalhos em qualquer linguagem, estilo ou gênero dramático.
SOBRE ANTUNES FILHO
Nascido em São Paulo, em 1929, Antunes Filho destacouse em meio à primeira geração dos encenadores modernos do Brasil. Dirigindo grandes nomes da cena nacional, consolidou seu prestígio com espetáculos marcantes como “Yerma”, de García Lorca (1962), “Vereda da Salvação”, de Jorge Andrade (1964), “A Cozinha”, de Arnold Wesker (1968), “Peer Gynt”, de Ibsen (1971). Alcançou projeção internacional a partir de 1978 com a adaptação teatral do “Macunaíma”, de Mário de Andrade. No decorrer do processo de adaptação e criação de “Macunaíma”, Antunes passou a sistematizar uma série de recursos técnicos para o ator, que havia descoberto ao longo da sua trajetória, buscando atualizar e adequar técnicas criativas, de várias escolas, à realidade cultural e ambiental do ator brasileiro. Em 1981 realizou “O Eterno Retorno”, composto por quatro peças de Nelson Rodrigues, introduzindo como ferramentas teóricas do sistema a psicologia analítica, de Jung, e elementos da filosofia das religiões. Desse modo, o Grupo de Teatro Macunaíma desdobrou-se em companhia teatral e núcleo de estudos e pesquisas dramáticas, atraindo centenas de jovens atores sempre que se abriam testes de admissão. E assim uma importante escola de teatro começou a se configurar em São Paulo. Em 1982 o Sesc - Serviço Social do Comércio criou na sua unidade da Consolação o CPT – Centro de Pesquisa Teatral, entregando a direção a Antunes Filho e abrigando como núcleo principal o Grupo de Teatro Macunaíma. A partir daí a pesquisa sobre técnicas de ator e estéticas cênicas se aprofundaram de modo surpreendente. Sempre inquieto, Antunes Filho buscou recursos em todas as áreas do conhecimento – incluindo a nova física – para fundamentar e consolidar seu processo criativo. Com o decisivo apoio do Sesc, conseguiu sistematizar o método para o ator, enquanto criava repertório dos
mais expressivos e brilhantes do teatro contemporâneo. Todavia, suas investigações estéticas continuam, como continua seu trabalho prospectivo sobre as técnicas já sistematizadas. A concepção cênica de Antunes Filho capta um universo em contínuo movimento, correspondendo a um sistema interpretativo e criativo e buscando expressão nova, sempre à luz de novas teorias, além de orientar, desde 1997, o “Prêt-à-Porter“, cenas que os próprios atores do CPT/ Sesc escrevem, dirigem e atuam. Recentemente a TV Cultura exibiu retrospectiva dos teleteatros realizados por Antunes Filho naquela emissora, na década de 1970. A retrospectiva revelou um momento de extraordinária criatividade, como poucas vezes a televisão brasileira viveu. Também no cinema Antunes Filho marcou presença, com a direção do longa-metragem “Tempo de Espera” (1975), obra sobre alienação e racismo. Entre os inúmeros prêmios recebidos em sua carreira figuram as mais importantes honrarias que destacam o talento do intelectual e artista brasileiro, entre os quais o Prêmio Shell de Melhor Diretor em 2014, além de prêmios internacionais, como o concedido pela Associação Internacional de Críticos Teatrais, o prêmio de melhor diretor – Poeta da Cena – do Festival de Montreal e o Gallo de Oro, concedido pela Casa das Américas, de Cuba. Sebastião Milaré Crítico e Pesquisador de Teatro
Jairo Goldflus
O SESC SÃO PAULO A ação do Sesc - Serviço Social do Comércio - é fruto de um sólido projeto cultural e educativo que trouxe, desde sua criação pelo empresariado do comércio e serviços, há 68 anos, a marca da inovação e da transformação social. Ao longo dos anos, o Sesc inovou ao introduzir novos modelos de ação cultural e sublinhou, na década de 1980, a educação como pressuposto para a transformação social. A concretização desse propósito se deu por uma intensa atuação no campo da cultura e suas diferentes manifestações, destinadas a todos os públicos, em diversas faixas etárias e estratos sociais. Isso não significa apenas oferecer uma grande diversidade de eventos, mas efetivamente contribuir para experiências mais duradouras e significativas. No Estado de São Paulo, o Sesc conta com uma rede de 36 unidades, em sua maioria centros culturais e desportivos. Oferece também atividades de turismo social, programas de saúde e de educação ambiental, programas especiais para crianças e terceira idade, além dos pioneiros Mesa Brasil Sesc São Paulo, de combate à fome e ao desperdício de alimentos, e Internet Livre, de inclusão digital. O Sesc desenvolve, assim, uma ação de educação informal e permanente com intuito de valorizar as pessoas ao estimular a autonomia pessoal, a interação e o contato com expressões e modos diversos de pensar, agir e sentir.
Alguns de nossos números em 2013:
117.896.398 é o número total de atendimentos 21.797.113 pessoas estiveram no Sesc 9.723 espetáculos teatrais foram realizados 3.934 sessões de cinema realizadas 5.626 espetáculos musicais aconteceram 1.158 apresentações de dança aconteceram 1.039 exposições foram montadas 3.862.474 consultas e empréstimos nas bibliotecas 8.676 oficinas artísticas organizadas 996 seminários e palestras aconteceram 38.837.464 refeições complementadas pelo Mesa Brasil SESCSP
13.784.517 atendimentos em Saúde aconteceram 83.660 alunos em cursos de ginástica e iniciação esportiva 98.713 participantes em torneios e campeonatos fonte: www.sescsp.org.br
Serviço Social do Comércio - Sesc Administração Regional no Estado de São Paulo Presidente do Conselho Regional Abram Szajman Diretor Regional Danilo Santos de Miranda Superintendentes Técnico-Social Joel Naimayer Padula Comunicação Social Ivan Giannini Administração Luiz Deoclécio Massaro Galina Gerentes Ação Cultural Rosana Paulo da Cunha / Adjunta Kelly Adriano / Assistentes Armando Fernandes, Rodrigo Eloi e Sérgio Luís V. Oliveira Estudos e Desenvolvimento Marta Colabone / Adjunta Iã Paulo Ribeiro Artes Gráficas Hélcio Magalhães / Adjunta Karina Musumeci Consolação Felipe Mancebo / Adjunta Simone Engbruch Avancini Silva
Coordenador do Centro de Pesquisa Teatral Antunes Filho
Foto/capa: Lenise Pinheiro. Originalmente publicada no livro “Prêt-à-porter 1, 2, 3, 4, 5...” Ricardo Muniz Fernandes (org.) Sesc SP, 2004