(Quero ser) O PRIMEIRO DA FILA

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VIAGENS AO VIRAR DA ESQUINA

(Quero ser)

O PRIMEIRO DA FILA


QUERO SER O PRIMEIRO A FAZER A INSPECÇÃO À MOTO! O 21 está a dar o berro e ainda não tinha dado um arzinho da minha graça na Motojornal. Esta é época de balanços e projectos. Como este foi mais um ano parvo, esqueço os primeiros e vou contar-vos qual o meu primeiro desafio para 2022! E vai ser logo no início: quero ser o primeiro a fazer a inspecção obrigatória à minha moto! Isso mesmo! O primeirinho...logo no dia 2 de Janeiro. O primeirinho...

Antes de me começarem a insultar ou a pontapear com o pé

...logo no dia 2 de

que estiver mais à mão, deixem-me explicar porquê. Pode

Janeiro!

ser?

Em primeiro lugar porque tenho (quase) a certeza que a minha moto passa com distinção.

Afinal,

os

únicos

acrescentos

dignos de nota visam acrescentar segurança: crash-bars, faróis de nevoeiro, protecções de motor, cárter e punhos... Em segundo lugar e principalmente porque entendo que é meu (e nosso) dever cívico fazê-lo! Depois de nas últimas décadas os sucessivos governos por nós eleitos terem tomado inúmeras medidas que visam proteger os utentes das estradas e ruas deste País, diminuindo

drasticamente

sinistralidade

e

o

alterando

flagelo

claramente

da a

percepção que todos temos do que é a prevenção beneficia,

rodoviária

e

colaborarmos

como

isso

nos

aderindo

às

inspecções é o mínimo que se espera de motociclistas conscientes.


Os primeiros passos foram aliás as mudanças de paradigma: o Estado deixou de se esconder no preceito de que ”o desconhecimento da lei não é desculpa para o seu não cumprimento” e passou a acreditar que é sua missão dá-la a conhecer a cada um por todos os meios possíveis e finalmente percebeu que as mudanças de comportamento se fazem pela compreensão e não pela repressão a qualquer preço! Foi tão importante esta mudança que diria tratar-se de uma quase revolução...um 25 de Abril rodoviário! Dou exemplos para que a memória não nos atraiçoe: - A excelente campanha de sensibilização destinada aos peões que travou de forma decisiva a sinistralidade, com destaque para o comportamento no atravessamento de passadeiras (os cuidados a ter na abordagem à passadeira, a atenção a dispensar ao trânsito, a não utilização de telemóveis e afins, etc.); - A campanha abrangente - que foi aliás premiada internacionalmente, como orgulhosamente recordamos - destinada aos utentes das ciclovias, ciclistas, patinadores, trotineteiros, skaters e que teve como resultado não só a diminuição de acidentes como também um melhor e mais são convívio destes com os demais utentes das vias; - As acções permanentes de identificação dos “pontos negros” de sinistralidade que permitiram não só uma aprendizagem sobre o modo

como

o

estado

e

as

condições

da

via

influem

na

sinistralidade e sua aplicação no futuro, como a imediata correcção dos mesmos fruto de uma acção integrada com as entidades responsáveis pela sua manutenção;


- As medidas tomadas contra a utilização de telemóveis e outros dispositivos similares durante a condução (automóvel e não só), com sucessivas campanhas de sensibilização e algumas acções repressivas mais musculadas (por exemplo, a circulação de

veículos

policiais

de

2

rodas

descaracterizados no meio do tráfego urbano visando identificar malta em flagrante); - O aproveitamento de algumas experiências internacionais destinadas a melhorar as condições de circulação urbana para veículos motorizados de 2 rodas, como sejam a continuação do

alargamento

das

faixas

“bus”

aos

motociclos

ou

a

introdução de um pequeno corredor de circulação “entre faixas” nas vias com duas ou mais faixas, com regras rígidas de utilização, de modo a possibilitar a circulação e escoamento do tráfego de motociclos. Neste

enquadramento,

também

a

introdução de regras claras quanto à utilização

de

equipamentos

de

segurança por parte dos motociclistas (acabaram as viagens de calções e havaianas...) e....as inspecções de que falei no início; - Os cursos de formação específicos e a preço simbólico, ministrados por instrutores credenciados das forças de segurança (GNR e PSP) destinados à rapaziada das entregas ao domícilio - merecidos até pelo excelente

serviço

que

prestaram

à

comunidade durante os confinamentos cujo o objectivo é garantir que conseguem exercer

a

sua

actividade

minimizando

riscos e melhorando o seu convívio com os demais utentes das vias públicas e que no final se traduz na certificação oficial de cada um desses condutores;


Finalmente acabou o aprender para o exame

- As alterações radicais introduzidas no ensino da condução e pelas quais passou a haver um interesse objectivo em ensinar a conduzir, em dotar os novos condutores dos conhecimentos necessários a uma condução segura em

todas as condições de tráfego. Finalmente acabou o “aprender para o exame”; - A introdução dos cursos gratuitos de reciclagem para

Introdução dos

condutores, na altura das renovações de carta de condução

cursos gratuitos de

para garantir a sua permanente actualização face às regras

reciclagem para

e às condições de circulação;

condutores - A possibilidade de dedução fiscal do custo

Dedução fiscal do custo dos cursos dos cursos de condução suplementares que de condução suplementares e

os condutores entendam frequentar como

redução do IVA nos equipamentos

complemento da sua formação inicial e a

de segurança para motociclistas

redução

do

IVA

nos

equipamentos

de

segurança para motociclistas; E mais acções foram para o terreno, com o sucesso que conhecemos, pois não só temos as melhores auto-estradas da Europa como somos o País que mais e melhor evoluiu na prevenção da sinistralidade rodoviária...


PI...PI...PI...PI...PI............R’AIS PARTAM O DESPERTADOR!!! ESTAVA A TER UM SONHO TÃO BOM!

Vou mesmo querer fazer a inspecção à moto no dia 2 de Janeiro? Claro que não! Só em sonhos... Tenho mais que fazer e não acredito que a regulamentação necessária esteja pronta na altura...afinal o Governo até está em águas de bacalhau e esta deverá ser uma das suas menores preocupações. A não ser que.... o lobby dos centros de inspecção

O relatório da ANSR de

esteja mesmo aflito e necessite do acréscimo de

2019 deixava perceber

receita.... (já o relatório da ANSR de 2019 deixava

que o negócio estava em quebra

perceber que o negócio estava em quebra...).

Mas não tenhamos dúvidas. As inspecções vão para a frente, mais cedo ou mais tarde. Por duas ordens de razões que explico: 1 - São impostas por uma Directiva da União Europeia. E as Directivas são para cumprir sob pena dos Estados Membros serem penalizados ( por exemplo, através de multas a deduzir nos subsídios que nos mantém vivos...). Como em muitas outras situações, a UE não é radical. A UE deixou a porta

Também neste caso deixou a porta aberta aos Estados que

aberta aos Estados

não quisessem adoptar as inspecções para que tomassem

que não quisessem

em devido tempo, alternativas que as evitassem.

adoptar as inspecções para que tomassem

E

estas

eram:

adopção

em devido tempo,

rodoviária

concretas

alternativas que as

motociclos

(os

evitassem

de

medidas

nomeadamente

veículos

alvo

destas

de

prevenção

aplicáveis inspecções)

aos e

comprovar através de estatísticas oficiais os resultados das mesmas.


O que fez Portugal? Simplesmente, adoptou a repressão como método (a loucura na introdução de radares de velocidade é notória) não de prevenção mas sim de recolha de receita adicional e, desde 2019, a Autoridade Nacional de Prevenção Rodoviária deixou de fornecer

dados

estatísticos

desagregados

sobre

sinistralidade

rodoviária

(por

exemplo, quantos acidentes com automóveis e quantos com motociclos, respectivas vítimas, etc.).

É impossível saber

Assim, é impossível saber se quaisquer medidas foram ou serão eficazes.

se quaisquer medidas foram ou serão eficazes

E deixa de haver capacidade de argumentar... (que foi o que impediu que as inspecções fossem adoptadas em 2019). Bem...a não ser que os nossos governantes se congratulem com a redução de sinistralidade em 2020, como já vi acontecer. Afinal, se estivermos meio ano fechados em casa, a coisa tenderá para metade, certo? Assim sendo, este ou outro Governo que lhe suceda está de mãos atadas. Ou paga multas substanciais à UE ou regulamenta e introduz as inspecções. E a ANCIA agradece... 2 - Nós motociclistas temos vindo a falhar no esclarecimento da opinião pública principalmente sobre a falácia que é a importância das inspecções a motociclos na prevenção da sinistralidade. Entre nós sabemos as razões...mas é fundamental ter a opinião pública do nosso lado e isso não se passa. O Tó Manel muito bem se esforçou na televisão, recentemente. Mas este não é tema sexy....e não abre telejornais!


Dizer que é mais um custo acrescido (e é!) é argumento que não passa. E aceitar o argumento de que se os automóveis fazem então as motos também deverão fazer também não está correcto. Aliás, como cerca de 20% dos mortos são peões vítimas de

CHUMBADO!!!

atropelamento, se calhar também teremos que implementar inspecções aos transeuntes...(se porventura tiver uma sola furada ou as meias solas não forem certificadas pela UE, chumba e não pode andar!).

Os motociclistas não são suicidas!

É

fundamental

perceber

que

os

motociclistas

não

são

suicidas. E conduzir uma moto em mau estado é mais de meio caminho andado para tal.

Mas há factos e estatísticas que confirmam que as inspecções não são solução. Dois estudos, um patrocinado pela UE e outro realizado por uma seguradora francesa (com base numa recolha de 18.000 sinistros com motos), revelam que 0,3% no primeiro e 0,4% no segundo são as percentagens de acidentes com motos cuja causa do acidente é deficiência técnica do veículo. Já agora, a grande maioria dos acidentes ocorridos com motociclos têm intervenção de um outro veículo e, na sua maior parte, é deste a responsabilidade da ocorrência... Ou seja, vai ser tomada uma medida imperativa que resolve uma fracção ínfima das razões de sinistralidade em vez de se tomarem medidas concretas de prevenção! A isto chama-se hipocrisia. Pura hipocrisia! As medidas de prevenção

E um aspecto determinante que também não tem

da sinistralidade que os

passado para a opinião pública: todas as medidas de

motociclistas defendem

prevenção da sinistralidade que os motociclistas

são benéficas e aplicam-se

defendem são benéficas e aplicam-se a todos os

a todos os utentes das vias

utentes das vias.


Não são exclusivas dos motociclistas. Até porque se as ruas, avenidas ou estradas forem mais seguras, sê-lo-ão para todos. E nem é preciso sonhar para saber o que é necessário.... Bem...ainda faltam uns quantos dias até ao Ano Novo. Acho que vou voltar a adormecer. O Mundo dos Sonhos é bem melhor.... maldito despertador, estava tudo a correr tão bem!

Para todos, um Natal muito feliz e que o Novo Ano vos traga tudo de bom...e muitas e muitas curvas! Em segurança!

(Texto originalmente publicado na edição #1523 da Revista Motojornal - 17.12.21)

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