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A porta de entrada
Em um país em que se atingiu um marco de déficit habitacional de 7,78 milhões de unidades, apresentando um crescimento de 7% em 10 anos, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas e a Associação Brasileiras de Incorporadoras Imobiliárias - ABRAINC (2017), falar sobre o direito à moradia digna é uma urgência.
A questão habitacional brasileira é urgente por inúmeros fatores, como a desigualdade social, e está diretamente relacionada ao sistema capitalista e a história da expansão das cidades. O crescimento da urbe aconteceu de maneira intensa e sem a orientação de políticas públicas e planejamento urbano que auxiliassem a evitar as diferenças sociais de forma tão clara.
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Com o processo de descentralização, intensificado nos anos de 1950, os moradores que habitavam os cortiços centralizados perderam suas casas e foram expulsos para as periferias, as margens da cidade, e foi nesse contexto que houve uma distorção no entendimento da moradia não como um direito, mas sim como uma mercadoria. Essas transformações nos valores da sociedade, consequentemente refletiram no acesso aos melhores espaços, os terrenos de qualidade foram apossados pela elite, classe desde sempre dominante, deixando disponível para a população de baixa renda locais mal localizados, sem infraestrutura urbana, e carente de serviços, assim, cada vez mais reafirmando espacialmente a disparidade de classes.
Incomodados a situação habitacional e reivindicando uma Reforma Urbana, na década de 1980, os movimentos sociais por moradia digna começaram a se destacar no cenário de luta. Em 1989 a União Nacional por Moradia Popular (UNMP) iniciou a sua articulação, no entanto, só no ano de 1993 ocorreu a sua consolidação, no Encontro Nacional por Moradia Popular, com os movimentos de moradia dos estados de Minas Gerais, São Paulo, e Paraná. É importante frisar que atualmente a UNMP já conta com a participação de 23 estados 47
brasileiros.
Um dos maiores pilares que sustentam os Movimentos de Moradia, é o modelo organizacional da autogestão. É uma política pública baseada na empatia e alteridade, em que a justiça social, o saber popular e a ação coletiva são os grandes protagonistas.
A definição de autogestão na produção habitacional refere-se a ações em que a produção de moradias, ou a urbanização de uma área, ocorra com o controle de recursos públicos e da obra pelos participantes dos movimentos populares, de associações e de cooperativas (UNMP, 2019, p.12)
Através do movimento, a comunidade está no controle das decisões, com isso, consequentemente nasce o sentimento de pertencimento que empodera cada cidadão a lutar pelos seus direitos enquanto membro da sociedade civil. O questionamento da gestão das produções habitacionais, é uma forma de contestar a privatização das obras financiadas pelo Estado e de resistir ao sistema.
É extremamente importante destacar que as notórias conquistas para assegurar o direito à moradia no Brasil, foram obtidas através de mobilizações e pressões do Movimento de Moradia sobre o Estado. Um dos exemplos mais significativos, foi em 2001, a elaboração do Estatuto da Cidade, um instrumento urbanístico que ressaltou a função social da propriedade e ampliou o acesso a moradia. O Estatuto criou meios para facilitar a Regularização Fundiária e controlar o uso e o ocupação do solo, como por exemplo, a criação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS).
Outra vitória fundamental para os brasileiros foi a inclusão do direito à moradia na Constituição Federal de 1988, no artigo 6 º juntamente a outros direitos sociais
e econômicos.
Artigo 6 São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdências social, a proteção à maternidade e a infância, a assistências aos desamparados, na forma desta constituição [grifo do autor] (BRASIL, 1988).
Essa vitória, torna o poder público responsável pela viabilização de uma moradia adequada a todos os participantes da sociedade civil, transferindo aos diferentes níveis de controle do Estado o papel de criar políticas públicas que supram a essa demanda e assegurem esse direito.
Consolidar o direito à uma habitação adequada em um cenário nacional, em legislações que permitam um diálogo mais condizente com a realidade brasileira, é profundamente importante para um diálogo mais direto entre cidadãos e poder público. Assegurar uma moradia digna, é assegurar cidadania, como é popularmente dito, a moradia é a porta de entrada para outros direitos.