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Estudos de Caso

URBANISMO TÁTICO

Partindo da premissa de que as grandes cidades estão fortemente consolidadas, e que atualmente não existem tantos espaços disponíveis para grandiosas proposições urbanas, muitos encaram as grandes propostas urbanísticas como utópicas. As propostas em grande escala frequentemente não entram em vigor por questões que fogem do âmbito projetual, como por exemplo, a falta de ação do poder público. Por esse, e outros motivos, nota-se a necessidade de atenção para outras estratégias de realização de transformações urbanas, que não necessariamente precisam de provisão estatal e nem de planejamento em “macro” escala, e que mesmo assim, provoquem mudanças significativas no contexto da cidade.

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Koolhas (1994), em seu texto O que aconteceu com o urbanismo?, já mencionava as falhas do urbanismo moderno, tais falhas que se refletem como herança da atual malha urbana. O autor discorre sobre as soluções prontas que preconizavam quantidade e não qualida120 de, e que resultaram em uma insatisfação e distorção do conceito de cidade. O mesmo aponta a necessidade de uma nova maneira de se pensar e planejar a urbe.

Se existe um “novo urbanismo”, ele não será baseado em nas fantasias gêmeas da ordem e da onipotências; ele será o estado da incerteza; ele não estará mais preocupado com o arranjo de objetos mais ou menos permanentes, mas com a irrigação de territórios com o potencial; não terá mais como alvo configurações estáveis, mas a criação de campos capazes de acomodar processos que se negam a cristalizar-se em formas definitivas; não será mais sobre definições meticulosas, imposição de limites, sobre separar e identificar entidades, mas sobre descobrir híbridos inomináveis; não será mais obcecado pela cidade, mas pela manipulação de infraestrutura para intensificações e diversificações infinitas, atalhos e redistribuições – a reinvenção do espaço psicológico.

(KOOLHAS, 1994, p.3)

Através dessa mesma inquietação e urgência por mudança nas formas de planejamento urbano, no século XXI despontam novas estratégias para se pensar a cidade, que justamente entendem a condição efêmera da sociedade contemporânea que necessita de flexibilidade.

Em 2011, os urbanistas Mike Lydon e Anthony Garcia, apresentaram o conceito de urbanismo tático, em uma publicação intitulada Tactical Urbanism: Short-term Action, Long-term Change, como uma nova resposta a maneira de se intervir nas grandes cidades. Segundo Lydon e Garcia (2015) o urbanismo tático se baseia em ações de pequena escala com um propósito maior, capazes de obter respostas rápidas para situações específicas. São experimentos em espaços urbanos subutilizados, residuais ou vazios que promovem mudanças permanentes. Tais práticas, de baixo custo e pequeno prazo, podem partir da iniciativa de diferentes agentes, desde a mobilização da comunidade a provisão estatal. Essas proposições almejam testar possibilidades que podem ser de fato consolidadas mediante a aceitação dos usuários. O guia Urbanismo Tático – 2 (2012) elencou em cinco características a abordagem do conceito:

-Uma abordagem voluntária e gradual para instigar a mudança; -Um processo de criação de ideias para os desafios do planejamento à escala local; -Um compromisso de curto prazo e de expectativas realistas; -Uma atividade de baixo risco com a possibilidade de gerar recompensar elevadas; - E o desenvolvimento de capital social entre cidadãos e a construção de capacidade institucional entre as organizações públicas, privadas, não lucrativas e ONG’s e os membros.

Marino (2018) acredita que a consolidação desse conceito se deu a partir do momento em que se instalou uma descrença na provisão estatal e que a população se mobilizou socialmente para se apropriar de seus direitos e espaços. E Pfeifer (2013) enfatiza a estratégia do urbanismo tático, em não se basear em esperar provisão estatal, o próprio pode entrar em prática a partir da mobilização de agentes que estejam dispostos a provocar mudanças, sem necessariamente depender do poder público. Como essas intervenções se apoiam na base do experimento, elas promovem a oportunidade da comunidade e os profissionais de planejamento trabalharem de maneira colaborativa.

Neste trabalho, o conceito de urbanismo tático será utilizado como ferramenta, uma forma de planejamento urbano que permite que a cidade seja usada como laboratório, e que encontra nas brechas oportunidades. E principalmente, como instrumento que possibilita e entende a importância de um processo participativo na 122 elaboração de propostas urbanas.

AMABILIDADE URBANA

Fontes (2013), arquiteta e urbanista, incomodada com a impessoalidade e hostilidade muitas vezes resultante do processo de crescimento desenfreado das cidades, propôs a criação de um conceito que pudesse enxergar como oportunidade espaços não visibilizados e estimular um vínculo entre o cidadão e a urbe. Esse conceito foi denominado pela autora como amabilidade urbana.

Para construção da almejada amabilidade urbana, a autora permeou por diversas áreas que pudessem embasar e sustentar o seu conceito, que vão desde cientistas sociais a arquitetos, dessa forma, reforçando a necessidade da interdisciplinaridade na hora se de planejar a cidade.

O termo amabilidade já carrega consigo o ideário de proximidade, vínculo e abertura, e quando aplicado ao espaço urbano, pode ser manifestado como amabilidade urbana “Nesse sentido, poderia considerá-la como um atributo do espaço amável, que promove ou facilita o afeto e a proximidade, opondo-se ao individualismo, por muitas vezes característico das formas de convívio coletivo contemporâneas” (FONTES, 2013, p.26)

No entanto, para que esse conceito se manifeste a autora afirma que são necessárias intervenções, mesmo que pequenas e transitórias, que provoquem rupturas intencionais no cotidiano. Tais intervenções que se contrapõem ao ideário de que o sucesso de uma ação depende de um projeto “macro”, permanente, e de grande escala, elas podem ser apropriações espontâneas, intervenções de arte pública, festas locais, entre outras.

É importante destacar que Fontes (2013) ressalta que essas proposições temporárias se apoiam na condição de efemeridade, proporcionadas pelas condições aceleradas da vida contemporânea, e que isso é para ser visto como algo positivo, que proporciona diversas possibili-

dades e testes.

A complexidade do conceito por ser interpretada como

Sendo um conceito de dupla formação, a amabilidade urbana relaciona-se tanto à criação de vínculos entre a pessoa e o espaço (intervenção temporária como intensificadora dos atributos físicos e potencial “reformatadora” do lugar) quanto às conexões entre as pessoas – conexões que podem decorrer de encontros, intercâmbios, cumplicidades e energia e que reagem ao individualismo e a à hostilidade que caracterizam as formas de convívio coletivos contemporâneas. De certa maneira, se trata da expansão da ideia da intimidade para os espaços urbanos contemporâneos. (FONTES, 2013, p.30)

A idealizadora do conceito acredita que essas intervenções teriam a função de catalisar as relações de 124 proximidade e pertencimento, entre o usuário e o espaço urbano, logo, sintetizando A amabilidade urbana, portanto, é uma qualidade física e social ao mesmo tempo: poderia considera-la como resultado da soma do contexto físico (espaço potencialmente atraente) com o contexto social (pessoas) que use unem através da presença da intervenção temporária (e com isso reforço a importância do contexto físico atraente, indispensável para a intervenção “sob medida”). (FONTES, 2013, p.30)

Na presente pesquisa a amabilidade urbana é o que se pretende alcançar, através de intervenções pontuais sugeridas com a intenção de experimento e construção conjunta para de melhorias da qualidade de vida urbana aos moradores locais. O objetivo é que as proposições estimulem laços entre os usuários e a cidade.

Figura 27: Sonoridade Urbana Fonte: Elaborado pela autora.

estudos de caso

PROGRAMA CENTRO ABERTO - LARGO SÃO BENTO

Fotografia 48 : Largo São Bento. Fonte: Centro Aberto: Largo São Bento (2017, p.4). Autor: Sp Urbanismo; Agente: Prefeitura de São Paulo; Local: Largo São Bento, São Paulo; Ano: 2014.

A intervenção no Largo São Bento, promovida pelo Programa Centro Aberto da Prefeitura de São Paulo, foi escolhida como estudo de caso, pois se assemelha em muitos aspectos com intenções do trabalho. Trata-se de intervenções realizadas com o caráter experimental, que através de suas mudanças pontuais geraram uma 128 mudança de maior impacto em seu contexto urbano, e que mediante a aprovação dos usuários puderam se tornar permanentes, ou seja, uma demonstração prática do conceito de urbanismo tático sendo aplicado.

O projeto possuiu diretrizes como a transformação de um local subutilizado (antes um estacionamento murado para veículos particulares) em espaço de fruição, promoção de diferentes formas de assento, qualificação em travessias de pedestres, estímulo a novos usos e novas atividades, além de incentivar a criação de espaços de permanência. Tais diretrizes se mostram pertinentes e passíveis de aplicação no projeto pretendido.

A intervenção consistiu em três ações, a primeira foi na praça localizada próxima ao metrô que contou com bancos de madeira e uma mesa de pingue pongue. Já segunda consistiu na implantação de uma faixa de pedestre na de curva acesso à Rua Líbero Badaró. E, a terceira foi a implantação de um deque, que conta uma

Figura 28: Planta São Bento Fonte: Centro Aberto: Largo São Bento. (2017, p.5).

Figura 29: Perfil do deque. Fonte: Centro Gráfico 19: Permanência. Fonte: Centro Aberto: Largo Aberto: Largo São Bento (2017, p.18) São Bento (2017, p.20) série de mobiliários portáteis, xadrez gigante, espaços para permanência e assento, além da base de apoio de programa (onde são guardados os mobiliários).

Através de dados fornecidos pelo caderno Centro Berto: Largo São Bento (2017) foi possível notar algumas características das intervenções, como por exemplo, a área mais utilizada pelos usuários é o platô do deque nos dias de semana. É importante ressaltar algumas mudanças ocorridas no contexto urbano, que se pretendem atingir no projeto a ser desenvolvido, segundo as informações do caderno, 47% das atividades durante a semana no Largo São Bento estão concentradas no Centro Aberto, 71% dos entrevistados se sentem mais seguros, e houve um aumento de 29% da média de atividades de permanência durante a semana. Tais dados demonstram que o projeto foi muito bem sucedido no quesito promoção de apropriação de espaços que antes eram despercebidos, no entanto, a questão é quem passou a apropriá-los. 129

Gráfico 20: Proporção entre gêneros Fonte: Centro Aberto: Largo São Bento (2017, p.12)

Gráfico 21: Proporção entre gêneros Fonte: Centro Aberto: Largo São Bento (2017, p.12) 130 O próprio caderno apresenta informações que comprovam a disparidade de gênero refletida no espaço público, e como o planejamento urbano ainda não soube lidar com esse obstáculo, mais de 80% dos usuários são homens, e em relação aos horários, quanto mais entardece menos mulheres frequentam. Portanto, mostra-se pertinente utilizar as intervenções do Programa Centro Aberto como objeto de estudo, uma vez que são intervenções experimentais, atuais, que já detectaram essa disparidade de uso.

URB. TÁTICO: ARQUITETURA DA INFORMALIDADE

Autor: Isabella Madureira; Local: São Paulo; Ano: 2017; Universidade: Uniritter Laureate Universities - Porto Alegre/RS.

Figura 30: Implantação Fonte: Fonte: Isabella Madureira. Disponível em Archdaily.

Figura 31: Perspectiva Fonte: Fonte: Isabella Madureira. Disponível em Archdaily.

Figura 32: Perspectiva Fonte: Fonte: Isabella Madureira. Disponível em Archdaily. 132 O trabalho final de graduação Urbanismo Tático: Arquitetura da informalidade trata-se de intervenções realizadas na Zona Leste de São Paulo, em um contexto urbano e social carente, assim como o pretendido nesta pesquisa. O projeto analisado transita em diferentes escalas de intervenção, que vão desde mobiliários urbanos a equipamentos específicos, dando destaque as experiencias temporárias que buscam soluções rápidas e respostas que permanecem a longo prazo.

Foi proposto um levantamento que identificasse dez lugares que poderiam receber uma intervenção em prol de promover ativação e dar suporte a vida cotidiana do bairro. Em cada local foi sugerido a implantação de um equipamento específico, de acordo com a necessidade e a capacidade espacial disponível.

A grande premissa do projeto foi partir do princípio de que a comunidade local precisa participar desde a elaboração a execução. Por esta razão, se propõe o uso

de materiais acessíveis, modulares e que sejam de fácil execução, mesmo os de maiores escalas, são constituídos do mesmo material. O processo participativo, e a facilidade do sistema de construção, pretendem ser abordados no trabalho a ser desenvolvido.

É importante ressaltar a flexibilidade nas possibilidades da utilização dos equipamentos. Os de menores escalas permitem e replicação e uso em outros lugares não estipulados. No entanto, os de maior escala foram elaborados para necessidades específicas, o que pode ocasionalmente ocorrer no projeto que vai se propor na pesquisa, e que pode utilizar a mesma metodologia de desenvolvimento.

Figura 33: Equipamentos Fonte: Fonte: Isabella Madureira. Disponível em Archdaily. 133

GLICÉRIO ABERTO: INTERV. NOS INTERSTÍCIOS DA CIDADE CONTEMP.

Figura 34: Glicério Aberto Fonte: Fonte: Fernanda Mesquita. Disponível em Issu.

Autor: Fernanda Cardoso Mesquita; Local: Bairro Glicério,SP; Ano: 2019; Universidade: Universidade Presbiteriana Mackenzie; Orientador: Débora Sanches e Guilherme Motta.

O Glicério Aberto: intervenções nos interstícios na cidade contemporânea, tem como princípio ressaltar a potencialidade das estruturas efêmeras, e destacar as mudanças permanentes que podem ocorrer através de134 las. Semelhantemente a área pretendia de intervenção deste trabalho, o Glicério Aberto, trata-se de um projeto de proposição para uma área designada pelo Plano Diretor Estratégico (PDE) como ZEIS (Zona Especial de Interesse Social).

O projeto apresentado destaca a importância do indivíduo enquanto frequentador do espaço, seja ele público ou privado. A intenção é que cada usuário ao se deparar com as intervenções, experimente uma sensação única, de surpresa em seu cotidiano, que o levaria a criar vínculos com o local. Com o propósito de construir um modelo urbano aberto e social, requalificando os espaços com potenciais, essas ações buscam integrar de maneira efetiva os edifícios com a cidade, a ideia é que as intervenções funcionem como uma ferramenta de dissolução entre edificação e malha urbana, como se pretende fazer nesta pesquisa.

O Glicério Aberto, para a realização de suas interven-

Figura 35: Glicério Aberto Fonte: Fonte: Fernanda Mesquita. Disponível em Issu.

ções, elaborou um módulo comum, que a partir de suas variações, puderam assumir diferentes composições e usos. Esses módulos comuns, desenvolvidos com a premissa de serem facilmente executados e possuírem diversas formas de conexões, são feitos de andaimes (aço galvanizado).

No trabalho que será desenvolvido, será levado a consideração a facilidade do sistema construtivo, e principalmente a flexibilidade do mesmo, que através de seus desdobramentos é capaz de atender diversas demandas e proporcionar diferentes usos. Essas estruturas ao conversarem e darem respostas as necessidades da população, promovem uma transformação na realidade e no subjetivo dos moradores, assim como se busca nesse TFG. 135

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