e-vilacondense 005 JUNHO 2013
MEMÓRIAS DO MEU S. JOÃO DE VILA DO CONDE
A PROCISSÃO DO CORPO DE DEUS Antes dos Tapetes de Flores
“UM OLHAR SOBRE VILA DO CONDE” POR FRANCISCO MESQUITA
e-vilacondense 005 JUNHO 2013
CAPA Fotografia de Tiago Ferreira Título A Praia do Castro de São Paio Local Labruge Maio 2013
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CONTEÚDO
003 EDITORIAL OLHAR SOBRE 005 “UM VILA DO CONDE” Por Francisco Mesquita DA 013 CRÓNICAS CIDADE E DO MUNDO MUNDO QUE NÓS 021 OPERDEMOS 4
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Religião em terras do Ave no período pombalino A PROCISSÃO DO CORPO DE DEUS Antes dos Tapetes de Flores “ACONTECEU POR CÁ...” Tapetes de Flores 2013 FOTOVILA Concurso de Fotografia ARTE NA VILA À conversa com os Vespa MEMÓRIAS DO MEU S. JOÃO De Vila do Conde INVENTARIAR PARA PRESERVAR Espólio do Mosteiro de Santa Clara
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EDITORIAL Mês de junho, mês de cheiros mil em Vila do Conde! Se, por um lado, a feitura dos tapetes de flores deixaram a cidade com um perfume inigualável, que traz memórias e recordações de outros tapetes, de outros anos, por outro avizinha-se a festa do padroeiro, S.João, com o seu manjerico e alho-porro que também invadem a cidade e libertam o seu aroma tão tradicional! Assim, nesta edição, Hélder Guimarães debruça-se mais atentamente sobre a Procissão do Corpo de Deus, as suas origens, e a sua ligação aos afamados tapetes de flores; na linha deste artigo, optamos por incluir algumas imagens relativas à realização dos tapetes do corrente ano, em jeito de homenagem a todos quantos desfolharam noites sem fim, saíram para pedir flores nos jardins, e passaram a noite e a madrugada
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em branco a criar verdadeiras obras de arte que embelezaram esta vila espraiada entre pinhais, rio e mar, como dizia o nosso poeta. Em relação às festas sanjoaninas, não as podemos apartar dos Ranchos Folclóricos do Monte e da Praça; por isso, decidimos ir às origens e Hélder Guimarães foi perguntar como era o S.João de Vila do Conde a quem conhece as tradições desde sempre, surgindo dois pontos de vista que, apesar de diferentes, acabam por convergir na importância da tradição, de a manter, de a viver, de a contar. O olhar sobre Vila do Conde coube, desta vez, a Francisco Mesquita, que partilha as suas memórias desta vila de todos nós, enquanto Mónica de Sousa nos traz as crónicas que refletem sobre temas da cidade e do mundo. É ainda a mesma Mónica de Sousa que, em
colaboração com Valquíria Costa, continua o exaustivo inventário de Sta.Clara, dando a conhecer várias peças existentes no Mosteiro que está hoje envolto na enorme polémica da sua preservação, ou, melhor dizendo, da falta desta. Apresentamos ainda nesta edição uma nova rubrica, “Arte na Vila”; António Colónia esteve à conversa com os Vespa, e desta resultou uma interessante entrevista a este grupo vilacondense. Por último, continuamos a dar voz ao mundo que perdemos, por Hélder Guimarães, desta vez versando sobre os caminhos da fé e da religião da população vilacondense no período pombalino. Mês de junho, mês de cheiros mil em Vila do Conde! Viva a sua cidade!
Alexandre Maia Diretor e-vilacondense alexandre.maia@lexart.com.pt
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“UM OLHA
AR SOBRE VILA DO CONDE” POR FRANCISCO MESQUITA
Nasci na Rua da Lapa. Numa casa dos meus avós, ladeada pelo aqueduto das clarissas, de que presenciei a queda de alguns arcos nos idos anos sessenta. Alguns no meu quintal. Já lá vão quase 60 anos… Na altura, esta zona nascente de Vila do Conde, com caraterísticas muito rurais, como que estava separada do casco urbano do burgo, do mesmo modo que tal também acontecia e se sentia com os tradicionais lugares de Caxinas e Poça da Barca, com uma cultura própria muito arreigada, assente numa respeitada comunidade piscatória e nas florescentes indústrias conserveiras, a que se aliavam a fábrica do leite e a extinta unidade industrial da Maconde. Creio ser-me permitido afirmar que a sede do nosso concelho estava então dividida, grosso modo e numa descrição obviamente rudimentar, em três polos absolutamente distintos: o citadino (no casco histórico e na zona balnear), o rural (a nascente) e o piscatório (a norte). e-vilacondense 006
No que à zona envolvente da Lapa diz respeito, deve referirse a existência de alguns imóveis de referência obrigatória, ou mesmo classificados de interesse público e monumentos nacionais, bem como outras referências da memória histórica da nossa terra, aqui se deixando menção a uma parte apenas do que seria possível descrever. A poente da rua: a Casa de S. Sebastião (antiga Biblioteca
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Municipal, atual Centro de Memória) e o solar do Conselheiro Faria, mesmo do outro lado do largo onde viveram Antero de Quental, Camilo Castelo Branco, o poeta Ventura do Paço, o investigador Eugénio da Cunha e Freitas e o médico Teófilo Bernardes, e onde se situaram as primitivas instalações da fábrica de chocolates Imperial); Depois: a casa de José Maria Andrade Ferreira Mansinho (figura proeminente da época, edil e
com a sua antiga capela dedicada a S. Pedro, a desaguar no alagadiço lugar de Calçadas e no acesso a Touguinha; A norte, a Escola dos Sininhos e a Rua das Mós, mais os campos agrícolas e bouças a perder de vista, até Alto de Pega e Casal do Monte, numa zona em que atualmente se situam o pavilhão desportivo, a ESEIG, o quartel dos Bombeiros, o complexo do Rio Ave Futebol Clube e a Cooperativa Agrícola;
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abastado proprietário), também algumas partes do antes referido Aqueduto de Santa Clara, a linha do caminho de ferro (muito perto da antiga estação, onde Antero e Eça se encontraram, numa visita deste ao velho amigo) e ainda - de um modo particularmente marcante - a Igreja de Nossa Senhora da Lapa e S. Bartolomeu, atribuída a Nicolau Nasoni e cujo culto deu nome à rua; Do lado nascente: os lugares de Pocinho, Casalinho e Formariz, este
Do lado sul: o lugar de Santo Amaro, o antigo Castro de S. João (onde nasceu Vila do Conde), o Mosteiro e a Igreja de Santa Clara (no qual repousam Afonso Sanches, Teresa Martins e a filha de D. Nuno Álvares Pereira, e em cujas instalações os saudosos Salesianos nos levavam ao culto religioso, em troca do usufruto de equipamentos desportivos e culturais), o Aqueduto, o Mosteiro e Igreja de Nossa Senhora da Encarnação (atual Ordem Terceira de S. Francisco); Ainda nesta zona, no lugar de Pedreiras, situavam-se a já referida estação ferroviária, a antiga cadeia civil (hoje Centro de Ciência Viva), o Bairro Social Delfim Ferreira e o Bairro Alto, a Estação Aquícola (por cuja recuperação tanto anseio), as então florescentes empresas têxteis Valfar e Rio Ave, as duas pontes sobre o Ave (a do comboio e a de Retorta) e a zona ribeirinha nascente (sobretudo entre o açude junto à azenha e o lugar de Sobreirinhos), onde nos banhávamos enquanto as nossas mães e avós lavavam e secavam as roupas de casa, ao mesmo tempo que nos deleitávamos a observar, na outra margem do rio, a beleza e quietude do Monte de Sant’Ana. Em paralelo com esta vivência, ocorriam (e ainda ocorrem), ao longo de todo o ano, vários eventos de cariz multifacetado, que têm o condão de animar a comunidade e
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retirar a população das suas rotinas, acrescentando novos alentos para enfrentar as dificuldades do dia-adia: As festas concelhias em honra de S. João e a divisão dos vilacondenses pelos dois ranchos das rendilheiras, aqui com uma preponderância de adesões ao do Monte, pelos compreensíveis motivos de proximidade; As festividades de S. Pedro (em Formariz) e a festa de Santo António (na Rua das Mós), nascida em tempos mais atuais, por iniciativa do carismático Manuel Cunha; A romaria de Santo Amaro, com arraial popular e a presença sempre ansiada das bandas de música, cujos concertos eu não perdia, na companhia do meu avô Francisco; As festas dedicadas a S. Lourenço e S. Bartolomeu, dois dos santos que são venerados na igreja local, ambas realizadas em agosto; A procissão de velas, em 12 de maio, dedicada a Nossa Senhora de Fátima, com tradição mais recente e com a particularidade de ser percorrida pelo meio de belos tapetes de flores; Finalmente as grandes festas do templo da Lapa: a devotada a Nossa Senhora da Lapa (em setembro) e as tão apreciadas festividades em honra do Deus Menino (dezembro), que terminam com o cortejo dos Reis Magos pelas casas da rua e de outras espalhadas pelo burgo.
Naturalmente que é curto o espaço que nos é deixado para esta rememoração, pelo que as referências sintéticas e as lacunas referenciais explicam-se por esta necessidade de não alongamento do texto. Todavia, penso ser importante ainda referir que, tanto para mim, como para muitos dos meus companheiros e amigos desse tempo (alguns já partidos, como recentemente ocorreu com o Tó Zé Pacheco), este tempo de infância e adolescência teve o condão de nos moldar no amor à nossa terra e na necessidade que sempre tivemos de ser participativos e de a defender nas suas causas mais profundas, como agora acontece com o Mosteiro de Santa Clara, que muitos de nós tiveram o prazer de frequentar na meninice. Prender-nos às referências das nossas origens é mantermos os princípios que nortearam a formatação da nossa educação e a sua conservação é a garantia de idoneidade ao longo dos percursos de vida que nos foram destinados. Como escreveu Marcus Tullius Cícero: “Assim como gosto do jovem que tem dentro de si algo do velho, gosto do velho que tem dentro de si algo do jovem: quem segue essa norma, poderá ser velho no corpo, mas na alma não o será jamais”.
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CRÓNICAS DA CIDADE POR MÓNICA SOUSA Licenciada em História
A TRAGÉDIA DO BANGLADESH SOCIEDADES AGRILHOADAS Os números da tragédia no Bangladesh não deixam de ser impressionantes. O balanço de mortos no colapso do edifício onde funcionavam fábricas que forneciam marcas de vestuário cujas lojas proliferam nos centros comerciais de todo o mundo é avassalador. As invenções que marcaram os séculos XVII e XVIII foram aplicadas na construção de máquinas para a agricultura e indústria. No século XXI os valores das chamadas sociedades desenvolvidas ou em vias de desenvolvimento e os paradigmas sociais que se foram conquistando estão a ser bruscamente alterados pelas classes dirigentes e políticas e interesses duvidosos, esquecem-se valores e direitos conquistados pelas sociedades que nos precederam. A Revolução Industrial iniciou-se na Inglaterra no século XVIII e progressivamente alargou-se a outras regiões do mundo. A revolução dos transportes acelarou as trocas de produtos, de técnicas e ideias, transformando o quotidiano das pessoas. A industrialização contribuiu para o desenvolvimento do capitalismo gerando contrastes sociais entre a alta burguesia detentora das grandes fábricas e o operariado. As familias pobres acumulavam-se nas cidades, o salário das crianças era necessário para o rendimento familiar, pelo que muitos pais entregavam aos empregadores crianças de 6 e 7 anos. O dia de trabalho começava cedo, antes do sol nascer. Ao toque da sineta entravam na fábrica ou desciam a mina e ai ficavam 12 a 16 horas, em locais mal iluminados, sem ventilação, respirando pó do algodão e do carvão, aguentando o calor dos fornos das metalurgias ou encolhendo-se nos pequenos tunéis das minas. O pauperismo, o estado de pobreza generalizado da classe operária levaram a um clima de descontentamento e agitação social. Esta poderia ser a descrição de muitas cidades atuais de países como a Índia, o Paquistão ou a China. Em prol do progresso, do consumo desmesurado das sociedades verificámos um retrocesso civilizacional. 013 e-vilacondense
E DO MUNDO
Duas semanas depois do trágico acidente no Bangladesh, a questão da falta de segurança no sector têxtil voltou à ordem do dia depois de um incêndio numa outra fábrica do país ter feito mais vítimas que morreram por asfixia, encurraladas nas escadas pelo "fumo tóxico causados pela roupa em acrílico a arder". Muito graças à sua mão-de-obra barata, o Bangladesh é o segundo exportador mundial de vestuário, um sector-chave para a sua economia representando 80% das exportações do país e empregando quatro milhões de pessoas. Nas 4500 fábricas têxteis a funcionar no Bangladesh - muitas vezes situadas em edifícios de construção defeituosa e com instalações elétricas antigas - os incêndios e tragédias são comuns. As condições de trabalho e as normas de segurança nesta indústria são denunciadas por várias ONG. As marcas ocidentais criticam as fracas condições de segurança em que trabalham os operários do Bangladesh, num constante diálogo
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surdo, na verdade continu encomendas nas fábricas paga 10 ou 20 cêntimos po Depois das inflamadas público e da cobertura do as condições de trabal esquecidas e substituida jornalisticos. A derrocada várias fábricas têxteis em mortos e é uma das maio da história e um dos mais atentados recentes contra o ou “capital humano” co denominam a classe trab mais que se queira desvia de falhas e negligências envolvidas, o horror está p à busca incessante e dese central do sistema capital sociedades atuais são mui a cadeia alimentada pe económicas: das poderosas mundo da moda, dos “emp de Bangladesh, aos con são culpados! O salário m Bangladesh mereceu cens de “trabalho escravo” po Papa Francisco. Estamos perante sociedades agrilhoadas a
uam impunemente a fazer s daquele país onde se or hora aos trabalhadores. intervenções no palco os meios de comunicação, lho do Bangladesh são as por outros destaques do edifício que albergava m Daca, fez mais de 1000 ores tragédias industriais s dramáticos e simbólicos o direito dos trabalhadores omo os políticos atuais balhadora. Desta vez, por ar o olhar para a miríade s cometidas pelas partes profundamente associado enfreada pelo lucro, motor lista. Os desiquilibrios das ito significativos. É ampla elas vantagens políticos marcas internacionais do preendedores” e políticos nsumidores finais, todos mínimo praticado no sura e classificação or parte do s
interesses económicos, os proprietários tinham sido alertados sobre a possibilidade de um desabamento do prédio, autorizado a funcionar somente até o quinto andar. Quando os sobreviventes começaram a falar, denunciaram que os patrões ignoraram as recomendações dos engenheiros de fechar as fábricas e ameaçaram de demissão quem faltasse. Estas revelações causaram indignação internacional e mostraram a situação da indústria têxtil do país, o setor que mais gera divisas por ano. Apesar de estas acusações não serem novas, esperemos que esta fatídica tragédia sacuda a indústria o suficiente para levar à implantação de leis de efetiva segurança do trabalho. O que nos conta a História deve ser respeitado. Os falhanços das sociedades atuais são infelizmente muito significativos, como historiadora equaciono-me como a sociedade é ainda tão inepta e imatura e a memória tão seletiva. A cobardia física e moral prevalece face à coragem.
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Os te o risco cancro forma p Angelina nos seus não tive ela pass nova. A um artig The Ne por que mastecto mamas) uma sér preditivo portador BRCA1, de vir a (87%) e No te choice” ( afirma: “ mulhere mastecto feliz por tornar p ajudar o benefici "Não é interven cura tota os espe o tato, a sensib
MEDICAL CHOICE” - A ESCOLHA DE ANGELINA JOLIE
estes genéticos permitem avaliar que temos de vir a desenvolver da mama ou do cólon e dessa prevenir a doença. Aos 37 anos, a Jolie fez uma escolha a pensar s filhos. E diz tê-la feito para que essem de passar pelo mesmo que sou - ver a mãe morrer demasiado actriz norte-americana escreveu go de opinião publicado no diário ew York Times em que explica e razão decidiu fazer uma dupla omia preventiva (remoção das depois de descobrir, através de rie de exames médicos - testes os ou pré-sintomáticos, que era ra de um gene “defeituoso, o apresentando forte probabilidade a desenvolver cancro da mama dos ovários (50%). exto a que chamou “My medical (A minha escolha médica), a actriz “Quis escrever para dizer a outras es que a decisão de fazer uma omia não foi fácil. Mas estou muito r tê-la tomado”. A actriz resolveu pública a decisão na esperança de outras mulheres, fazendo com que iem da sua própria experiência. uma decisão fácil.” Este tipo de nção preventiva não significa uma al e há efeitos colaterais, segundo ecilistas a mama fica fria, perde a reconstrução não restabelece bilidade, somente a estética. Os
custos elevados dos testes genéticos deixam muitas mulheres de fora desta possibibilidade de escolha pessoal, com os cortes atuais na saúde esperemos que todas as mulheres em Portugal tenham o direito de informação e opção, todas nós somos filhas e muitas também mães pelo que devemos ter o direito e as condições para tomar as nossas decisões e ter ao nosso dispor um serviço nacional de saúde eficaz e para todos. Todas devem ter esse direito de opção mesmo que optem por o não exercer. As palavras de Angelina Jolie são o exemplo de superação, coragem, saúde e vida. Os testes genéticos realizados em pessoas saudáveis levantam questões específicas devido às consequências que podem ter na vida futura das pessoas. É importante o aconselhamento genético por parte de profissionais na consulta de genética. Estes testes são realizados depois dos 18 anos para se detetar a mutação de genes de doenças como a paramiloidose ou a doença MachadoJoseph. A sociedade deve combater o baixo nível de informação pública em áreas como a saúde e educação visto tratarem-se de dois setores estruturantes da sociedade civil. Eu defendo uma Escola Pública e um Serviço Nacional de Saúde de qualidade. Só uma população qualificada e saudável pode produzir de forma competitiva, atuar de forma consciente, com vitalidade e coragem cívica. e-vilacondense 018
O DESCONTROLO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA Nas últimas intervenções públicas, Anibal Cavaco Silva, apresenta uma sucessão de erros de comunicação, demonstrando algum descontrolo. Erros de português, tentativas falhadas de usar humor para aligeirar alguns dos mais relevantes temas da sociedade nacional ou ainda fazer referências religiosas são algumas das falhas do Presidente da República. O Doutor Cavaco Silva concebeu a sua atividade e ação política baseada em “tabus” e silêncios, não
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é portanto de estranhar que quando fala cometa erros demonstrando dificuldades de comunicação. Frases ocas e autoelogios caraterizam o seu discurso. Aníbal Cavaco Silva por vezes vive como Alice no País das Maravilhas, fez uma visita de Estado à região do Minho e diz que ficou maravilhado com o que viu, terá fechado os olhos num território periférico onde prolifera o desemprego, cresce a pobreza, o despovoamento e a emigração?
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Não se podia deixar em claro, uma secção da memória da Vila do Conde que nós perdemos, que é estudo da vida das diversas comunidades religiosas que existiam nestas terras. A igreja, com a sua torre, os sinos, os santos, e os seus altares mais ou menos dourados constituía a verdadeira casa da comunidade paroquial. Mas, ao estudar a Igreja não nos deteremos na sua suposta santidade. Pelo contrário, encontramos histórias de poder, sexo e dinheiro que contrastam com os valores evangélicos e fora, por isso, vilipendiando a imagem de Cristo na terra. É mais uma história deste mundo que nós perdemos, que nos propomos contar. 021 e-vilacondense
O MUNDO QUE NÓS PERDEMOS 4
Religião em terras do Ave no período pombalino POR HÉLDER GUIMARÃES Mestre em História Contemporânea Investigador do CITCEM
Pormenor da tela da Lenda da Berengária existente na sacristia da Igreja de Santa Clara
1. O QUE DIZ A HISTORIOGRAFIA A historiografia portuguesa confirma a ideia de que o clero era a primeira ordem social. Numa concepção trinitária da sociedade, o clero tinha a função primordial de estabelecer a relação entre a divindade e a sociedade. Ora, tendo-se mantido a sociedade predominantemente agrária, e sabendo nós como os agricultores dependem do tempo para o sucesso das suas colheitas, logo, a maioria da população dependia daqueles que se propunham fazer de medianeiros entre Deus e a Humanidade. Em muitos casos, aplacar a divindade era sinal de tempo favorável para as colheitas, favorecendose assim toda a sociedade. E este prestígio que advinha do poder sobrenatural do sacerdotes nas diversas religiões do mundo mediterrânico, tendia a ser de maior relevância porque o sucesso nas colheitas dependia mais da relação entre o sagrado e o terreno, do que do próprio trabalho nos campos. O papel dos sacerdotes e druidas dos tempos antigos foi substituído pelo clero católico, dominante já neste período de decadência de Roma, que foi sendo capaz de capitalizar esta realidade em seu proveito. Se foi isso foi legítimo ou não, deixamos à consideração e fé de cada um dos leitores. E, estando de tal forma interligada a questão da independência política do Reino de Portugal face ao Reino de Leão e Castela com a questão de independência da Sé Bracarense face à Sé Compostelana, adicionando-se, naturalmente, todas as questões relacionadas com as incertezas da guerra contra os Mouros e de o próprio Alto Clero ser a única Ordem dirigente capaz de ler e escrever, perceberemos que desde logo se estabeleceu uma relação proeminência social do clero, de relação entre dominantes e dominados 1. RÉMOND: 1994, 35
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na sociedade do Antigo R chegará praticamente até a Em Portugal, a Igreja go privilégios. E, portanto, com de controlo pela coroa, o c seu poder, prestígio e influ panha 2 enumera os segui de foro (justiça) próprio e d sos que não envolvessem c nas igrejas; direito a cole muitas regiões é ainda hoje ou direitos paroquiais); dire A religião estava acima Santo Ofício exercia violên quem ousasse escrever co costumes. Portanto, pouca nos podemos valer para e ditório ao pensamento do porém, uma fonte impress que aborda o tema da pied no, no final do Antigo Regim es of Portuguese Life”, de A sempre que acharmos opo o referido contraponto. É escrita por um protestante ridicularizar os costumes c presente na obra. Mas o nela um ódio de estimaçã contra o clero católico, ódio ido do tempo em que trab reinado de D. Maria I e de D Do confronto do que Memória Paroquiais e no Life” tentaremos elucidar s ligião em Portugal, e muito ras do Ave. 2. HESPANHA: 1998, 257-264
Regime 1. Essa relação aos dias de hoje. ozou sempre de muitos m maior ou menor grau clero foi aumentando o uência social. A. M. Hesintes privilégios: direito de arbítrio em certos caclérigos; direito de asilo ectar o dízimo (que em e conhecida por côngrua eito de asilo nas igrejas. de qualquer crítica. E o ncia física e moral sobre ontra a Igreja e os seus as são as fontes de que estabelecer um contraominante da Igreja. Há, sa em Londres em 1826 dade dominante no Reime. Trata-se dos “SketchA.P.D.G. que utilizaremos ortuno para estabelecer certo que esta obra foi e, logo a tendência para católicos estará sempre autor, parece empregar ão particular ou pessoal o que parece ter adquirbalhou em Portugal, no D. João VI. se deixou escrito nas “Sketches of Portuguese sobre este tema da Reo concretamente nas ter-
Frade Dominicano, pormenor de tela existente no coro alto de Santa Clara
2. O CLERO PAROQUIAL O clero secular é aquele que vive no mundo, ou século, que contata diretamente com as populações e os seus problemas. É o clero que, tal como no mundo que nós perdemos, está ao serviço das paróquias. Das trinta e duas paróquias que existiam no atual concelho de Vila do Conde, duas desapareceram: tratase de S. Pedro de Formariz e S. Miguel de Santiagões. Uma, entretanto nasceu, em 1944, Nosso Senhor dos Navegantes de Caxinas. E esta atualização das circunscrições paroquiais têm a ver com as dinâmicas populacionais. Quando em 1758 existiam aquelas paróquias, Caxinas não passava de um extenso areal. Hoje, é das maiores Paróquias da Arquidiocese de Braga. Há um costume curioso que nas Paróquias se vai conservando, de chamar o Pároco por título eclesiástico. Isto é, em muitos casos, motivo de orgulho para as comunidades paroquiais. De facto, muitos dos título que atribuímos aos párocos nos dias de hoje, têm fundamento histórico e correspondem em larga medida à forma como eram tratados no mundo que nós perdemos (ver mapa 1). As Paróquias eram abadias, priorados, vigairarias, reitorias ou curadorias, consoante o título do seu pároco fosse, respetivamente, o de abade, prior, vigário, reitor ou cura. Em 1758 eram Abade os párocos de Touguinhó, Bagunte, Ferreiró, Tougues, Retorta, Fajozes, Canidelo, Malta, Vilar e Vilar de Pinheiro. Quem podia usar estes títulos? Abades eram os superiores dos mosteiros, e Fortunato de Almeida menciona, de 025 e-vilacondense
3. ALMEIDA: 1970, 94 4. Note-se que Cura d’Almas deveriam ser todos os páro pela administração dos sacramentos.
Mapa 1
ocos, porque a cura de almas significa que eram responsáveis
facto, um antigo mosteiro em S. Vicente de Tougues 3. Mas relativamente às outras paróquias nada há qualquer mosteiro beneditino a assinalar, para além do de Vairão, onde, curiosamente, o pároco não era tratado por abade. E assim, resta-nos pensar na antiguidade da Paróquia ou no significado do próprio termo, que deriva do hebraico abbas, que quer dizer pai ou padre. Portanto, poderá ser uma extrapolação popular, muito comum em diversas paróquias do Minho, chamar Abade com o significado de padre, ao seu cura de almas. Vigário, ou aqueles que exerce algo em nome de alguém, era o pároco Rio Mau, Arcos, Junqueira, Touguinhó, Outeiro, Parada, Azurara, Vila Chã e Mosteiró. Quanto a Reitor, título que deriva do latim e que significa aquele que governa, que dirige, usava-se em Labruge, Gião e Guilhabreu, e segundo constava ao Prior de Vila do Conde, era o título da primitiva igreja paroquial da vila. Cura eram os párocos de Santagões, Macieira, Árvore, Fornelo, Vairão, Mindelo, Modivas e Aveleda 4. Prior, era-o, de facto, o de Vila do Conde. E isto tem a ver com a dignidade da Igreja Matriz, cuja construção recebeu o alto patrocínio do Rei D. Manuel, que logo nela mandou instituir uma colegiada, que neste caso era menor. Isto é, o Pároco, desde então conhecido como Prior, era o chefe por quatro raçoeiros ou beneficiados.
É curioso que, no gráfico 1, os números apresentados por Fortunato de Almeida para a derrama lançada às igrejas no reinado de D. Dinis, observamos que a velha igreja de S. João de Vila do Conde, pagava as mesmas cinquenta libras que Outeiro, Parada ou Fajozes, ficando atrás de igrejas como Bagunte, Arcos, Rio Mau, Touguinhó ou Vilar de Porcos (Vilar de Pinheiro). Esta pequena contribuição dada pela igreja de Vila do Conde indicia que a igreja era pequena e pouco importante em termos populacionais. Se tivesse um relevo maior certamente contribuiria mais. Aliás, e atendendo aos números apresentados por aquele autor, a contribuição de Vila do Conde não só era realmente modesta quando comparada com outras localidades do futuro concelho, e realmente empalidecemos quando comparamos com igrejas de outras localidades, na época realmente importantes, como Santa Maria de Barcelos, cuja matriz pagava trezentas libras e, pasme-se, a vizinha Argivai, que contribuía com 350 libras 5. Vila do Conde Contudo, esta situação parecia ter mudado com a construção da igreja nova, que ora conhecemos como Igreja Matriz de Vila do Conde. Apesar de os dados não serem comparáveis, a realidade expressa no gráfico 2, reporta-se aos rendimentos das paróquias, ou benefícios paroquiais. E, apesar de os párocos não apresentarem valores 027 e-vilacondense
uniformes, havendo muita confusão entre o rendimento do Pároco e o da Paróquia que, geralmente, era enviado ao padroeiro. Da análise do gráfico deveremos reter algumas ideias: primeiro, Vila do Conde apresenta rendimentos elevados, porque, embora o Pároco aufira uns 500.000 reis, não podemos esquecer que tinha quatro beneficiados a auferir, cada um, 410.000 reis, pelo que só a soma de 2.150.000 reis. E o Prior omitiu o que se pagava ao sacristão e não informou quanto recebia o mosteiro por ser padroeiro da Igreja. Já Touguinhó, Bagunte, Rio Mau e Vilar de Pinheiro, mantinham os rendimentos do benefício acima dos 500.000 rs.. A rondar os 500.000 reis entravam, também Labruge, Macieira e Touguinha. Naturalmente que os números apresentados servem para comprovar, mais uma vez, o crescimento populacional de Vila do Conde após a época dos descobrimentos, não só pela sua capacidade contributiva para sustentação do clero, como também atesta a grandeza da nova igreja, que hoje conhecemos como Matriz de Vila do Conde, como o mais grandioso templo das redondezas, e confirma o Prior, superior da colegiada da Matriz, como o pároco mais preeminente da região. Isso dava-lhe poder sobre as outras Paróquias? Tal como hoje, é óbvio que não, porque a sua jurisdição paroquial terminava nos limites de Vila do Conde.
Grรกfico 1
Grรกfico 2
5. ALMEIDA: 1971, 144
O gráfico levanta-nos, ainda, outras questões, sobretudo aquelas que se relacionam com a relação entre o rendimento das Paróquias e o salário do pároco. Como acontecia no caso de Árvore, em que o cura “só” recebia 8.000 rs., e de cuja Memória se denota uma leve queixa salarial, pois comparado com os 410.000 reis que recebia um simples beneficiado da Colegiada Matriz de Vila do Conde, era realmente um salário muito baixo. Segundo Fortunato de Almeida, a provisão das igrejas paroquiais era efectuada em grande medida por curas de alma recrutados entre os indivíduos que, por todos os títulos se mantinham em mais modesta condição 6. Em outros casos, como o de Bagunte, o salário do pároco era 18.176 rs., enquanto o rendimento total da Paróquia era de 650.000 rs.. É caso para perguntar para onde foram os restantes 631.824 rs? Foram parar, direitinhos para a bolsa do seu padroeiro. Não, não eram os bolsos de Santa Maria a Nova, santa padroeira de Bagunte a que nos referimos. O Padroeiro era outro e nem sempre se revestia de santidade. A Paróquia do mundo que nós perdemos era bem diferente do
hoje que se entende. O termo paróquia deve, pois, ser substituído por Benefício Paroquial e, como o nome indicia, não é tanto uma comunidade de crentes é, antes do mais, uma forma de obtenção de lucros ou benefícios da posse da igreja paroquial. Tal se passava, por exemplo, com Bagunte, cuja padroeira era a duquesa de Bragança, futura D. Maria I. Esta realidade entende-se, se tivermos em conta que bastaria a um senhor, ou seu descendente, fundar uma igreja para dela se tornar padroeiro . Portanto, era um bom investimento a fundação de igrejas, porque, delas adviriam direitos e proventos que qualquer senhor, eclesiástico ou laico, possuía na sua carteira nobiliárquica. Muitos também adquiriam estes direitos por doação. Eram direitos que assistiam ao padroeiro, para além de apresentarem o pároco (direito que hoje pertence exclusivamente aos prelados diocesanos) os direitos de aposentadoria (aposentar-se em deslocação), comedoria (comer à conta do Benefício), casamento, etc.ª, direitos esses que, com tempo, foram-se sendo convertidos em dinheiro.
6. ALMEIDA: 1967, 304-305 7. Fortunato de Almeida considerava que nunca os monarcas perderam de vista a tentação de aumentar os direitos do padroado real, isto é, a capacidade de nomear ou como se diria antigamente apresentar os gestores dos benefícios eclesiásticos, os curas para as paróquias e os superiores das Ordens, Mosteiros e Conventos, bem como de deles se retirarem os direitos senhoriais como a aposentadoria, comedoria, cavalarias, casamentos etc.. Não obstante, este direito podia ser alienado, hoje diríamos privatizado, porque o rei, supremo padroeiro e defensor da Igreja no reino, tinha a faculdade de conceder o direito de padroado a um senhor laico ou eclesiástico, ou podia ser adquirido por este se fosse ele o construtor da igreja, mosteiro ou convento. Ou seu herdeiro. Cf. ALMEIDA: 1967, 306-307
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No futuro concelho de Vila do Concelho, várias eram as pessoas ou instituições que detinham direito de padroado 8 sobre as paróquias (mapa 2): Senhorios laicos: a coroa apresentava Fajozes e a Casa de Bragança apresentava Bagunte. E estas eram as únicas Paróquias apresentadas por senhorios laicos. Todas as outras eram da apresentação de senhorios eclesiásticos monásticos ou seculares. Comecemos pelos monásticos: o reitor do Mosteiro de Santo Elói era padroeiro de Aveleda, enquanto os demais membros, apresentavam o pároco de Macieira; a abadessa de Vairão apresentava Fornelo e o Mosteiro de Vairão apresentava os párocos de Gião, Modivas, Vairão e Santagões; o Prior de S. Simão da Junqueira apresentava Rio Mau, e o Mosteiro apresentava Junqueira e Parada; Santa Clara de Vila do Conde apresentava o Prior e Colegiada de Vila do Conde 9; O mosteiro de Moreira da Maia apresentava Labruge e Mindelo; a Ordem de Malta apresentava Malta e Touges; o Mosteiro de Santo Tirso apresentava Vilar; Mosteiró era apresentado pelo Mosteiro de S. Bento da Avé Maria, Outeiro por S. Bento e S. Jerónimo de Coimbra e Vila Chã pelos Padres da Companhia de Jesus do Colégio de S. Paulo em Braga. Relativamente a senhorios eclesiásticos seculares, competia à Sé Apostólica (papado), nomear, 031 e-vilacondense
diretamente, os seguintes párocos: S. Pedro de Canidelo, Guilhabreu e Vilar de Pinheiro (em alternância com a Mitra Diocesana e o Mosteiro de Moreira da Maia); Árvore era apresentado pelo Vigário de Azurara que, por seu turno, era apresentado pelo Cabido da Sé do Porto; os abades de Touguinhó apresentavam Formariz. E de todas estas quantas restavam aos Arcebispos de Braga (paróquias a norte do Ave) ou aos Bispos do Porto (paróquias a sul do Ave) apresentar? O Arcebispo apresentava, diretamente, Touguinhó e Touguinha enquanto Ferreiró era provido por concurso à porta da Sé de Braga, tal como acontecia com Retorta, mas cujo concurso era efetuado na Sé do Porto. Depois desta explanação, restanos uma questão de uma pertinência evangélica: como podia um servo ter dois senhores? E isto, muito simplesmente, quer dizer: a quem devia obedecer o pároco? Ao senhor que o nomeia ou ao bispo que tinha o encargo de manter a disciplina na sua diocese? E isto é uma questão bastante pertinente quando nos apercebemos da imoralidade que grassava nas paróquias e a que alude A.P.D.G., nos “Sketches of Portuguese Life”. Se atendermos à queixa do reitor de Santo Estêvão de Gião que se refere às religiosas do mosteiro de Vairão, suas padroeiras, como as que “comem os frutos desta terra”, também não é menos verdade que
Mapa 2
8. No provimento das Igrejas Catedrais, isto é, dos Prelados, tinha ainda a cláusula de ad praesentationem d’El Rei. Ou seja, o Rei escolhia os futuros Arcebispos e Bispos do Reino, que deveriam ser confirmados pelo Papa em Roma, conforme decisão de Bento XIV, tomada a 12 de dezembro de 1740. Considera Fortunato de Almeida que, pelo “terror pombalino apagara em alguns o zelo pastoral” e se perdeu, assim, o múnus pastoral, esfumada pelos interesses partidários e pela maçonaria, já em pleno século XIX. Cf. ALMEIDA: 1970, 23 9. Para os casos da influência dos mosteiros destas terras ver mapa 3
A.P.D.G. dizia se se avistas ela era inva pelo que, ap deveria viver Nos seus rela à conduta se “em incestuo irmã" ou o à das ovelhas Mais afirmav casa as suas de filhas ilegí do brandy qu de prata que era a atitude refletia-se, s Conta-se, no certo sarge Napoleónicas assim como do seu super e, perante a cura que à q servo com um Quando efet morrer de ina o funeral, a n superior paga limitou-se a Outros exem que se passa tinham direit a vizinhança a soma requ enterro. Ou
10. G., A.P.D.: 1826, 11. G., A.P.D.: 1826, 12. G., A.P.D.: 1826, 13. G., A.P.D.: 1826, Santíssima Trindade, pormenor de tela existente no coro alto de Santa Clara
a que, quando se ia para o campo, sse uma casa de dois andares ariavelmente a do Pároco 10, pesar das queixas, o Pároco não r pior que os seus paroquianos. atos vão aparecendo referências exual: um franciscano que vivia oso comércio com a sua própria à vontade com que os párocos femininas dos seus rebanhos. va o autor que nessa mesma sobrinhas, “para não as chamar ítimas” lhes esvaziaram os cantis ue transportavam, ou as colheres lhes roubaram 11. Mais chocante e do clero face à pobreza e ela sobretudo, na hora da morte. o “Sketches of Portuguese Life” ento, veterano das Guerras s, caíra em extrema pobreza, a sua família. Um dos servos rior, foi inspeccionar a situação emergência, pediu a ajuda do qual se escusou, despachando o m simples “não é nada comigo”. tivamente o oficial acabou por anição, o cura nem queria fazer não ser que recebesse do oficial amento adiantado e, no cemitério fazer umas breves orações 12. mplos mais gritantes eram os avam com os indigentes que só to a serem enterrados quando a, farta do mau cheiro, reuniam ueria pelo cura para realizar o os que morriam afogados e
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davam à costa, eram arrastados para a porta da igreja, onde existia uma laje, e aí, com uma tigela sob o corpo ficavam expostos à piedade popular ou à Misericórdia 13. E isto acontecia mesmo existindo caixas de esmolas espalhadas por toda a Paróquia para atender a esta ou a diversas necessidades. Mas temia o autor que tal como outras ofertas dadas à Igreja, estas fossem aplicadas apenas para os fins privados dos sacerdotes romanos 14. Esta mentalidade, altamente incompatível com a própria moral cristã, pôs em causa a imagem do clero paroquial. Historicamente não se possa reduzir o papel dos curas a meros feitores dos padroeiros, porque o seu papel comunitário era imensamente considerado, senão veja-se o comentário que A.P.D.G. faz aludindo aos confessores que se imiscuíam de tal forma na vida privada que “que um pai de família dificilmente tinha voto” 15. Mas o advento do liberalismo, que trouxe a extinção dos dízimos (1/10 de tudo o quanto era produzido), foi suficiente para fazer desparecer alguns dos padres mais afeiçoados ao dinheiro do que a vocação sacerdotal. Foi o que aconteceu com os beneficiados da colegiada Matriz, extinta por abandono dos beneficiados, porque não tinham meio de sustentação 16. E assim sendo, o título de Prior (tal como outros) tem cabimento histórico, mas está completamente esvaziado de sentido prático, porque não existe um colégio de padres para liderar, nem isso significa que tenha poderes especiais do que qualquer outro pároco. 14. G., A.P.D.: 1826, 247 15. G., A.P.D.: 1826, 18 16. ALMEIDA: 1970, 35-36
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3. AS INSTITUIÇÕES MONÁSTICAS/CONVENTUAIS O desejo de recolhimento do mundo, ou do século, a fuga ao pecado levou à criação das instituições monásticas. Com S. Bento de Núrsia essa vivência em comunidades de pessoas com o mesmo fim, foi regulamentada. A essa regulamentação chamamos regra. Por isso, o clero que habitava nos mosteiros ficou conhecido por clero regular. Porque é que estas casas se tornam em verdadeiros potentados económicos e porque é que muitos nobres, como Afonso Sanches e Teresa Martins e o próprio D. Dinis (pai do primeiro), fundadores de Santa Clara de Vila do Conde, se dedicavam a fundar mosteiros ou conventos? Provavelmente pelos mesmos motivos que expressavam nas suas cartas de fundação, isto é, a salvação da alma. Mas, porque o espírito humano muitas vezes alia o útil ao agradável, a fundação de mosteiros podia ser um investimento rentável, uma vez que, se aspirava ao direito de padroado, ficando-se senhor de avultadas somas resultantes dos inúmeros legados pios ou bens de mão-morta com que, os cristãos receosos das suas más condutas e, procurando aplacar os céus através de missas e
orações, compravam o tão almejado lugar que não haviam merecido na terra. Para isso faziam avultadas doações em terras 17. Ora, o Direito Canónico proibia que estes legados pios fossem transaccionáveis, pelo que, uma vez entrados no circuito da Igreja, dele jamais poderiam sair. Percebendo que, prática continuada dos temerosos cristãos de Portugal, tornaria a Igreja a única proprietária do país, e o temor do seu poder crescente, levou os monarcas portugueses a publicarem sucessivas leis de desamortização. Como inclusivamente, até os Reis não tinham bem seguro o céu, estes eram os primeiros a infringir a lei. A Igreja, através dos seus numerosos mosteiros e conventos continuavam a rezar pelas almas dos defuntos benfeitores, e o seu património ia crescendo, para além do imaginável. Segundo as Memórias Paroquiais eram cinco as instituições monásticas que existiam no espaço do futuro concelho de Vila do Conde: as beneditinas de S. Salvador de Vairão, os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho de S. Simão da Junqueira, os frades capuchinhos de Azurara, os frades Franciscanos do Convento de Nossa Senhora da Encarnação e as monjas
17 .A terra é o bem mais precioso e os principais títulos em carteira. Cf. RIOUX: 1996, 27
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Mapa 3
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clarissas do Mosteiro de Santa Clara 18, ambos em Vila do Conde. A fonte não menciona, mas nós sabemos que em 1758 existia mais uma congregação, recém-chegada a Vila do Conde – os carmelitas. Vejamos qual era a situação de cada uma destas casas: O Mosteiro de S. Salvador das “Senhoras Bentas” 19 de Vairão era a instituição monástica mais antiga do futuro concelho de Vila do Conde. Atribuía o cura memorialista a sua primeira fundação a uma senhora “de grande qualidade” chamada Marispalla, que viveu no reinado de Veremundo, rei dos Suevos 20. Nada mais se diz sobre as rendas e a composição do mosteiro. Pela confrontação com outras memórias, sabemos que as religiosas do
mosteiro eram padroeiras de outras freguesias, para além de Vairão, como Santagões, Fornelo, Gião e Modivas. Relativamente ao Real Mosteiro dos Cónegos Reformados de Santo Agostinho de S. Simão da Junqueira, sabe-se que o pároco era Vigário colado trienal (exercia a sua função durante três anos) apresentado in solidum entre os membros do cabido e o D. Prior apresentava anualmente o cura que, de facto, ministrava os sacramentos à população. Segundo a memória, o Mosteiro contava com vinte cónegos, com uma renda anual de cinco mil cruzados que lhes provinha das Igrejas do seu padroado: Junqueira, Rio Mau e Parada. A sua fundação parece-se perder no tempo. Pelo menos, este mosteiro já existia no tempo da fundação da
17 .Recentemente levantou-se uma questão, muito pertinente, sobre se Santa Clara é um mosteiro ou um convento. Tendemos a ensinar que nos mosteiros habitam os monges ou monjas que seguem a regra de S. Bento e suas derivadas, prestando votos de obediência, castidade e clausura. Num momento radicalmente diferente apareceram as Ordens Mendicantes, que serviam o século: Dominicanos e Franciscanos. É, precisamente nesta última que devemos inserir as clarissas. Os franciscanos, ou frades menores, não vivem em mosteiros, mas sim em conventos, abertos ao mundo, pelo que o voto de clausura é substituído pelo voto de pobreza. Ou melhor, era-o até Roma interferir na matéria. Como a História não é uma ciência exata e os “homens põem e Deus dispõe”, a investigadora Isabel Pinho afirma que desde o século XIII Roma interferira com a Regra das clarissas, impondo-lhes a Regra Beneditina, situação que foi mais tarde confirmada pelo Concílio de Trento (cf. PINHO: 2010, 54). Portanto, desvirtuando-se, desde cedo, o caráter desta Ordem, impondo-lhes a clausura. Desde a sua fundação, em 1318, que as clarissas de Vila do Conde viviam encerradas no seu claustro, submetidas à obediência à abadessa (superiora dos mosteiros), pelo que, desde o seu nascimento, Santa Clara foi logo mosteiro. Aliás, a confusão nas fontes e na historiografia é imensa: por exemplo e pela lógica acima apresentada, não identifica o cura de Vairão as “religiosas franciscanas do convento de Santa Clara de Vila do Conde”, para logo de seguida, chamar convento às beneditinas de Vairão, suas padroeiras, quando lhes deveria chamar mosteiro? Na Memória Paroquial de Vila do Conde, na descrição do rio Ave, o Prior diz que o rio é navegável até ao Mosteiro das Religiosas de Santa Clara, para mais à frente tratá-lo como Convento das Religiosas de Santa Clara. Inclusivamente, a própria Canção das Rendilheiras, de Artur Cunha Araújo diz-se no verso dedicado a Santa Clara: “Freiras de Santa Clara/ Lindas monjas feiticeiras”. Ora, freiras habitam os conventos, monjas habitam os mosteiros. E neste pequeno verso se traduz a grande aleatoriedade na aplicação dos conceitos. 19. Como a elas se refere o Cura de Santagões nas Memórias Paroquiais. 20. Numa pesquisa rápida na internet descobrimos que Veremundo terá sido um rei da Galiza, que viveu após a morte de Hidacio, pelo que não existem crónicas desse tempo. Curiosamente, a página que fala deste chefe suevo relaciona-o diretamente com o mosteiro de Salvador de Vairão, e as referências que a ele se fazem. Cf. http:// es.wikipedia.org/wiki/Veremundo acedido em 24 de maio de 2013.
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nacionalidade, pois, refere-se a determinada altura que os cónegos andavam em litígio, no tribunal de Barcelos, com a Casa de Bragança pela posse da jurisdição civil da Junqueira, alegando a existência de um documento de doação no seu cartório em que Afonso Henriques lhes doa como couto a freguesia. Também se denota, da leitura da fonte, uma certa decadência quando o cura se refere à existência de um hospital, cuja memória se perdia na documentação do cartório do mosteiro. A existência de um hospital é perfeitamente plausível porque o mosteiro estava na rota do caminho português de Santiago. Quanto ao convento dos
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capuchos, de Azurara, as informações transmitidas pelo Vigário memorialista são muito escassas. Sabemos que eram religiosos capuchos, cuja invocação era Nossa Senhora dos Anjos. Não tinha padroeiro e, por isso, pensamos que o seu património era muito diminuto. Caso contrário, teria algum nobre senhor ou eclesiástico a tentar controlar as suas rendas, como repetidas vezes temos abordado ao longo deste artigo. Situação muito semelhante deveria passar-se com os religiosos carmelitas cuja referência foi omitida na Memória de Vila do Conde. Sabemos por Monsenhor José Augusto Ferreira 21, que os carmelitas se instalaram em Vila do Conde, por
volta de 1755, para ocuparem o cargo de confessores das clarissas. E deste lapso pode inferir-se que o Prior considerasse esta comunidade pouco expressiva ou numerosa e instável, dada a sua recente instalação à data do relato. Também é possível que, não podendo Mons. José Augusto Ferreira dar a certeza absoluta quanto à data, que em 1758, de facto, ainda não se tivesse produzido a sua instalação em Vila do Conde. Já em relação ao Convento dos Franciscanos, do Convento de Nossa Senhora da Encarnação, o Prior é mais preciso. O convento não tinha padroeiro, unicamente na capela-mor
havia instituído direito de sepultura um abade de Brufe. E, curiosamente, com o mosteiro das clarissas, a geografia das instituições monásticas/conventuais fica completa, instalando-se os franciscanos na parte alta da vila. Passou a ser o monte dos franciscanos. Por outro lado, os conventos ou mosteiros franciscanos implantaramse na Vila e Azurara, confirmando a vocação urbana das Ordens Mendicantes a que pertenciam. Já os mosteiros das Beneditinas e Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, inseriram-se nos meios rurais.
21. Seg. Mons. José Augusto Ferreira, os carmelitas começaram por se instalar na rua do Barroso (atual General Lemos, perto da Praça Velha e só em 1778 é que se mudaram para o edifício do Hospício das Urselinas onde hoje está o edifício municipal conhecido por Igreja e Convento do Carmo. Cf. FERREIRA: 1923, 20
Analisemos, por fim, o Mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde. Nas Memórias, o Prior, identifica, e bem, a observância franciscana deste mosteiro, no qual os fundadores “Afonso Sanches e Dona Teresa Martins jazem sepultados”. Sem grandes comentários, remata a informação com a aspiração da Casa de Cantanhede, descendestes dos fundadores, em se tornarem padroeiros do mosteiro. Ora, se praticamente nenhum dos outros mosteiros e conventos existentes, à época, nas redondezas, tinham padroeiro (exceto no caso da Junqueira que o cura afirmava ser Real, pelo que se supõe que pertencia ao padroado real) porque haveria de tê-lo Santa Clara de Vila do Conde? Provavelmente porque era dos mais ricos mosteiros da região. Senão 041 e-vilacondense
vejamos: segundo lista elaborada por Fortunato de Almeida das igrejas que em 1320-21 22 tinham de custear a guerra de D. Dinis contra os mouros, Santa Clara e as Igrejas anexas de S. Vicente da Plaina, S. Salvador de Fervença e Alcoente, pagavam 1500 libras, quando outros mosteiros, de fundação mais antiga, pagavam quantias menos avultadas: Vairão (250 libras), Junqueira (410 libras), Tibães (1000 libras), Rendufe (1200). Sublinhe-se que, na época desta derrama, Santa Clara havia sido fundada há pouquíssimo tempo 23 e já possuía um grande património; em segundo lugar, porque, como nos afirma Isabel Pinho a “fina flor da aristocracia portuguesa recolhiase habitualmente nas Clarissas (segunda Ordem de S.Francisco) e em Cister, segundo as áreas geográficas
e as modas.” 24, reforçando-se a mesma a ideia de que as artes e as letras “floresceram quase sempre nos mosteiros franciscanos de Santa Clara para onde ia a fina flor da aristocracia. 25” Ora, por muito que uma sociedade seja civilizada, não há produção artística sem riqueza. Esta informação também se torna preciosa quando sabemos que a aristocracia não entrava nos mosteiros de mãos vazias, nem apagava o seu passado. Além do dote, cada monja transportava consigo uma rede de conexões entre famílias aristocrática, que permitia ao mosteiro ter influência, mesmo ao nível da corte; em terceiro lugar, a própria fonte fala-nos da época em que as monjas clarissas foram donas 22. Ver gráfico 3 23. A Carta de Fundação data de 1318 24. PINHO: 2010, 47
da Vila, tendo-a perdido em litígio com a coroa, no tempo de D. João III. Segundo a Memória de Vila do Conde, esta questão desenrolou-se com “inquietação do público e da vida monástica”, pelo que supomos que as freiras não aceitaram, de bom grado, a perda do senhorio da Vila, ainda que o outro litigante fosse o rei. Mas alguns dos direitos senhoriais, de que nos fala Francisco Ribeiro da Silva 26, a que as freiras tinham direito não foram todos extintos com a perda do senhorio de Vila do Conde. Damos, a título de exemplo, o caso da Barca das Freiras, único meio de transpor o rio Ave entre a Vila e Azurara ainda em funcionamento no período em que foram escritas as Memórias 25. PINHO: 2010, 112 26. SILVA: 2002, 54-59
Gráfico 3
Paroquiais; Por último, e porque as provas apresentadas são todas anteriores ao século XVIII, como prova final que atesta a saúde financeira do mosteiro de Santa Clara está o programa de edificações levadas a cabo em pleno século XVIII. É o caso dos «Dormitórios Novos» e do aqueduto, referido pelo Prior nas Memórias como “obra magnífica que começa na freguesia de Terroso: aonde se vê uma bem disposta arca com a imagem de Santo António de escultura lapídea”, sendo os arcos “de altura elevadíssima, ainda que a vão diminuindo quando se vão aproximando ao sítio da dita arca.” Justificava-se esta construção com a necessidade de abastecer de água o mosteiro, que até então se fazia com
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grande esforço à custa de uma nora “obra magnífica e custosa”, para cujo funcionamento eram necessários criados. Portanto, e ainda que S. Francisco e Santa Clara tivesse preconizado uma Igreja despojada e pobre, esta não era a vida que levavam as clarissas de Vila do Conde. E a causa do apogeu da vida monástica ou conventual foi, também, a causa do seu súbito desaparecimento. De uma forma geral, no final do Antigo Regime, as Ordens Religiosas estavam já em ponto de decadência material e, sobretudo, moral. Recorrendo, mais uma vez, ao “Sketches of Portuguese Life”, em que o autor vai explanando o asco que nutre por estas pessoas a ponto de considerar que deviam ser
“caçados, como todo o verme deve ser”. E explica com exemplos como o caso dos frades da Santíssima Trindade, que habitavam em Alcântara, e que o autor os via “quase todos os dias em total perseguição atrás de mulheres dissolutas: sem dúvida com a imagem de as confessar.” A influência que os monges e frades detinham era transversal à sociedade portuguesa e muito concretamente na corte. O autor acusou o confessor da Rainha D. Maria I de a manter refém, governando-a “até à deterioração da sua razão.”, pois a monarca nada decidia sem consultar o seu confessor. E a realeza era mantida cuidadosamente arredada dos seus súbditos, e o confessor assumia o papel de medianeiro entre os monarcas e a população de peticionários, cujos pedidos só eram considerados se tivessem o favor do sacerdote. E o meio para se alcançar esse fim “era untando as palmas das mãos desses sagrados usurários, cujo único deus real era Pluto” 27. Estas atitudes causavam grande escândalo e, muito naturalmente, inveja nos círculos da corte. Mas a alienação a que os monges votavam os monarcas ia mais longe. Conta o mesmo autor que em 1807, com os exércitos de Junot nas fronteiras do reino, os monges de Mafra mantinham o Príncipe Regente, futuro D. João VI, 27. G.: 1826, 18-19 28. G.: 1826, 17-18
29. G.: 1826, 17-18 30. G.: 1826, 19
ocupado com a aquisição de um par de órgãos para aquele convento 28. Os portugueses tinham consciência deste estado de coisas e a explicação dada ao autor que, como já afirmamos, não era português era que os jovens frades eram desmoralizados de todas as formas possíveis, “por esta alegada razão (a verdadeira é a sua própria gratificação), que não há salvação sem arrependimento, que para haver arrependimento alguém deve ter pecado, e que portanto é necessário começar por pecar 29.” Era, portanto, na opinião deste autor, eram grandes “os abusos decorrentes do investimento de tal poder nas mãos da ignorância, fanatismo, e cobiça. 30” Mas considerava A.P.D.G., em 1826, que a influência do clero regular e secular estava a diminuir em Portugal, relatando um episódio curioso: em 1819, o cardeal patriarca de Lisboa havia publicado um édito proibindo as casas de pasto de vender carne em dias abstinência, o qual foi ridicularizado com a publicação, em todas as esquinas de Lisboa, de um boi ajoelhado ante o Prelado para lhe agradecer a proteção 31. Quanto ao panorama da disciplina nos mosteiros destas terras, ela deveria ser muito semelhante aos do que se passava por todo o país. Em relação ao Mosteiro de Santa Clara, onde os relatos são mais abundantes, 31. G.: 1826, 19-20
Isabel Pinho comenta diversos casos de insubordinação e depravação que por cá se passavam. Na reforma das Ordens Religiosas empreendidas por D. Manuel, e que se destinavam a darlhes um caráter mais aproximado à originalidade as regras, num espírito avant Trento. Pois as monjas de Santa Clara, em virtude da guerra que estalara no seio da sua comunidade, só aceitaram a reforma depois de muitas ameaças do poder real e episcopal 32. Um outro caso reteve a nossa atenção. Em meados do
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século XVIII a plantação da folha de tabaco apareceu em todas as hortas conventuais, incluindo na de Santa Clara. Fruto da sua generalização, a Coroa chamou a si a produção e exploração das plantações deste tipo de cultura. Qual não é o espanto, quando se descobre na cerca deste e de outros mosteiros pejados de folha do tabaco, o que prefigurava crime de contrabando e tráfico. E, posto de parte o caráter medicinal desta planta, sabemos que a sua proliferação nas cercas monástica,
tinha o mesmíssimo fim para, uma vez reduzido a pó, ser inalado sob a denominação vulgarizada como rapé, que as próprias monjas consumiam na clausura. Portanto, cometiam estas rebeldes monjas os crimes de tráfico, contrabando e consumo vicioso. Mas desengane-se quem pensar que de seguida se contará a história de como a polícia invadiu o Mosteiro e as monjas, de hábito arregaçado, fugiam monte abaixo ante a perseguição dos
reais inspetores. Nada disso. Como as monjas eram imunes às justiças civis, o caso passou para a alçada do Arcebispo, cujas admoestações surtiram pouco ou nenhum efeito 33. Numa palavra de resumo o sentimento mais comum na clausura era a impunidade.
32. PINHO: 2010, 384 33. PINHO: 2010, 148
Pormenor da tela da Lenda da Berengária existente na sacristia da Igreja de Santa Clara
CONCLUSÃO Estes são alguns casos que ilustram, em tão pequeno espaço, os crimes da clausura que corroíam os pios propósitos, com que haviam sido fundados os mosteiros, séculos antes. Para a sua leitura mais atenta deve-se ter em conta a tese da Dr.ª Isabel Pinho ou o livro de Joaquim Pacheco Neves. Eles ilustram bem a decadência moral que grassava tanto na clausura, como no século. Seriam as caraterísticas do que hoje se convenciona chamar de Igreja Santa e pecadora ao mesmo tempo. Como aliás qualquer instituição humana, que tende, invariavelmente, para a corrupção dos costumes. Nem um século terá passado sobre as Memórias Paroquiais de 1758, quando, sob o pretexto da mesma imoralidade que acima descrevemos, se publicou o decreto de extinção das Ordens Religiosas. O seu autor, Joaquim António de Aguiar, tinha o significativo epíteto de “matafrades”. E assim, de uma penada, desceu o pano sobre séculos de História. E a burguesia triunfante em 1834, foi-se apoderando dos despojos dos mosteiros. Mas não
foi a única a saciar-se com os despojos dos conventos e mosteiros extintos. Tal como acima relatamos, os próprios Ordinários ou Bispos, não eram senhores do seu próprio clero paroquial, o qual, pelo menos no caso do futuro concelho de Vila do Conde, estava largamente dependente da nomeação por um senhorio monástico. Com o seu desaparecimento, poderá o Bispo controlar com maior eficácia a nomeação do clero paroquial e, portanto, fazer depender unicamente de si a provisão destes cargos. Por esta faculdade conquistavam os bispos a fidelidade do seu clero paroquial. Mas, no meio de tanto pecado e tanta depravação moral há algo que ainda hoje nos assombra: a coragem das monjas de Santa Clara que, sendo mulheres em tempo de exclusivo governo masculino, defenderam arreigadamente o seu património. Houvesse espíritos assim, e o país não voltaria ao mundo que nós perdemos e com quem, continuadamente, nos voltamos a deparar.
BIBLIOGRAFIA 047 e-vilacondense
Santa Clara
À hora que este texto vier a público, já terá passado o perfume que invade as nossas ruas, de quatro em quatro anos, por ocasião da Procissão do Corpo de Deus. Terão passado as horas a fio que as mãos laboriosas dos vilacondenses passaram a desfolhar milhares de pétalas e verdes com que se enfeitam a ruas para, num momento efémero, passar o Santíssimo Sacramento, na vila que se engalana em Sua honra. Na passada edição da Procissão do Corpo de Deus de 2009, houve um encontro para o qual fui convidado a participar e onde me encontrei com o saudoso Sr. Artur do Bonfim. Na época, e talvez com algum desalento dos presentes, afirmei que pelos estudos que tinha efetuado e pelo menos até 1926, não havia notícia de que a Procissão se fizesse da mesma forma como hoje acontece, isto é, com as ruas atapetadas. A minha informação foi confirmada pelo Sr. Artur do Bonfim, que era testemunho da época. O texto que a seguir se publica é a parte em que abordei, de forma pouco intencional, a Procissão do Corpo de Deus, na minha dissertação de mestrado.
A PROC
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CISSÃO DO CORPO DE DEUS Antes dos Tapetes de Flores POR HÉLDER GUIMARÃES Mestre em História Contemporânea Investigador do CITCEM
© ACMVC
Entre as várias solenidades religiosas que a Câmara dinamizava, ressaltava a Procissão do Corpus Christi 1. De forma ininterrupta, desde 1871 até 1894, a Câmara organizou esta festa. Em 1872, informava o Presidente Agostinho Machado que: “na quinta feira trinta do corrente mez havia de ter logar a solemnidade da funsão religiosa do Santissimo Corpo de Deus, a cargo d’esta Camara; e por isso esperava que todos os seus vereadores concorressem a ella, para se tornar o acto mais respeitavel e servir
de exemplo a todas as auctoridades e pessoas que são convidadas para tão augusta solemnidade. 2” A Vereação, era convidada a assistir ao acto religioso, pois a sua presença, como principal autoridade política da localidade, teria o duplo efeito de abrilhantar o evento e de servir de exemplo às outras autoridades. Ana Bernardo concorda com esta postura, ao afirmar que a solenidade da Procissão do Corpo de Deus, tinha o papel de relacionar a igreja com os componentes institucional e
1. PINTO, 2000: 174. 2. A.M.V.C. – Livro de Actas da Câmara, Sessão de 15 de Maio de 1872, livro 58, fl. 186v 3. BERNARDO, 2001: 65. 4.3 de Junho de 1882. 5. A.M.V.C. – Livro de Actas da Câmara, Sessão de 31 de Maio de 1882, livro 62, fls. 168v a 169
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formal do poder temporal 3. São várias as referências à procissão do Corpo de Deus, e à preocupação demonstrada pela elite em assegurar a solenidade dos actos, a decência com que se apresentava a Procissão e a assistência de figuras de relevo no contexto local. Mas, a partir de 1882, começa-se a falar em dificuldades na realização da festa. Nesse ano a principal alegada era a de má comunicação com a Vila. Disso dá conta a proposta de João Francisco de Lima, que propunha que a Vereação ficasse dispensada da sessão camarária marcada para as vésperas da Festa do Corpo de Deus 4, uma vez que teriam que estar no dia seguinte pelas quatro horas nos Paços do Concelho, seguindo daí para a Matriz a fim de se incorporarem no préstito religioso. Segundo o mesmo Vereador era-lhes “bastante penozo o terem de vir também na quartafeira” 5. E, de facto, assim devia ser. A Vereação que serviu a Câmara entre 1882 e 1884 era composta por dois elementos de Vila do Conde e cinco de fora da Vila. É uma prova de que as vias de comunicação eram
más e dificultavam as deslocações no espaço concelhio, não obstante, de os Vereadores perderem dois dias da sua vida pessoal para se deslocarem à sede do concelho, que não ficava geograficamente localizada no centro do território, mas sim no extremo noroeste. Não obstante, essa reunião realizou-se com carácter extraordinário e contou com a presença de toda a Câmara, exceptuando o Vice-Presidente, João da Silva Barros, que curiosamente era o que mais perto residia dos Paços do Concelho, na própria Rua da Igreja 6. Em 1894, sob presidência do Dr. Júlio Graça Craveiro, decidiu a Câmara não realizar a Procissão do Corpo de Deus. Era uma forma de suprir as dificuldades por que atravessava o tesouro municipal e canalizar as verbas para o combate de epidemias que assolaram a Vila nos finais do século XIX 7. A partir de então, são intermitentes as referências à realização desta Festa, que desde tempos idos, era obrigação dos Municípios realizar. Elas voltaramse a realizar em 1896, sob patrocínio da Câmara 8. Em 1899, escusavamse a realizar a referida festividade: “attenta à exiguidade dos redditos da Camara e os encargos que sobre ella pesam e esta obrigação ser facultativa.” 9
6. A.M.V.C. – Livro de Actas da Câmara, Sessão de 3 de Junho de 1882, livro 62, fl. 170 7. A.M.V.C. – Livro de Actas da Câmara, Sessão de 9 de Maio de 1894, livro 71, fl. 141v 8. A.M.V.C. – Livro de Actas da Câmara, Sessão de 21 de Maio de 1896, livro 72, fl. 21v. 9. A.M.V.C. – Livro de Actas da Câmara, Sessão de 17 de Maio de 1899, livro 73, fl. 112v.
Não obstante, nesse mesmo ano, entendia a Câmara despender a quantia de vinte e oito mil e quinhentos reis, para custear a despesa efectuada com a vinda de policiais para vigiar as festas de S. João, padroeiro da Vila 10. Em 1872, refere o Correio do Ave, as festas tinham duas componentes: uma religiosa, com a pregação e procissão no dia de S. João, realizada na Igreja Matriz; a outra, essencialmente profana, eram compostas de música e grupos de foliões que se deslocavam em direcção à praia, para “tomar as ondas ao mar”, iluminações até à alvorada, e no próprio dia 24 de Junho, pela tarde, se deslocavam para junto da cerca do convento, onde as freiras que ainda viviam no Convento faziam a sua procissão privativa e entoavam cânticos, acompanhadas de “tambores, pandeiros e ferrinhos”, sendo replicadas pelas raparigas essencialmente do povo, embora a fonte refira que a nobreza e pelo clero da vila também se juntavam nas saudações às antigas donas de Vila do Conde 11. Pelo seu carácter essencialmente popular, nesta época, as festas sanjoaninas começavam a ter a primazia nas preferências do povo. Adelina Piloto, no estudo que
fez sobre os Expostos da Roda de Vila do Conde, demonstra que o maior número de gravidezes indesejadas, tendo em conta que o período de exposição se seguiria ao de uma gestação completa de nove meses, essa incidiria sobre o mês dos festejos do S. João, onde desde sempre foi “festejado… com cantares, danças e arraiais nocturnos.” 12 Já a Procissão de Chorpus Christi, face aos rigores do Concílio Vaticano I, começava a perder o carácter carnavalesco que atraía as multidões, enquanto que o S. João era um misto de religioso e profano, que sofreu com a extinção do Convento de Santa Clara 13. A festa de S. João, parecia encaixar-se no modelo traçado por Ana Bernardo: à solenidade das missas e procissões, contrapunha-se o arraial, que acompanhava as festas do calendário religioso. Aí reinava a convivialidade popular 14. O carácter essencialmente lúdico desta festa pode ter pesado nos interesses do povo da Vila. Por isso, a elite não podia estar desatenta a esta alteração de comportamentos, passando a contribuir para uma festa mais querida dos meios populares. Em 1907, por exemplo, já não eram só as despesas efectuadas com as
10. A.M.V.C. – Livro de Actas da Câmara, Sessão de 28 de Junho de 1899, livro 73, fl. 116v. 11. B.M.J.R. – O Correio do Ave, n. 6 de 28/06/1872, p. 2. 12. PILOTO, 1996: 29 13. As freiras deste Convento desempenhavam um papel fulcral nestes festejos. Constituíam-se dois coros: um composto pelas freiras e o outro pelo povo da Vila. A festa constituía em formular quadras que eram cantadas em despique entre os dois grupos. Ainda hoje essa forma subsiste nos dois ranchos de Vila do Conde: o do Monte que assumiu o papel das freiras e o da Praça que ficou com o papel desempenhado pelo povo, sendo esta rivalidade o mote principal das principais festas do Concelho. cf. NEVES, 1982: 193-197. 14. BERNARDO, 2001: 66.
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doenças que afectavam as populações de Caxinas e Poça da Barca, mas sim qualquer eventualidade “cuja necessidade se venha a reconhecer.”15 Apenas em 1910, tendo na presidência um sacerdote, o Dr. Acácio Barbosa, pároco de Touguinhó, é que a Câmara voltou a patrocinar a realização da Procissão do Corpo de Deus, solenidade marcada para o dia 26 de Maio daquele ano. Dizia o autarca que ela deveria percorrer o itinerário do costume, usando-se “n’ella a pompa do estylo.” 16 Percebe-se a afinidade do Presidente com esta festividade. Não obstante, alguns membros da elite civil e religiosa desculpavam-se por não poder comparecer à festividade. Disso dava conta dois ofícios de 23 e 25 de Maio daquele ano, um procedente do pároco de Malta e o outro do Juiz de Direito: se, por um lado, o primeiro escusava-se a participar na festa, porque tinha que presidir a igual solenidade na sua paróquia, o outro alegava invocava “falta de saude.” 17 Ainda assim, segundo o periódico “Villacondense”, a procissão decorreu com a afluência de muitas pessoas e com brilhantismo, embora não nos refira a que classe pertenciam essas pessoas. Deixa, contudo, uma suspeição: é que segundo o jornal, as pessoas que assistiram ao acto não estariam somente em apreço à Vereação, mas sobretudo em protesto
contra a “opulenta confraria do S.S. Sacramento” por ser o segundo ano que se recusava a custear a procissão. Isto prova que, de facto, já seria extemporânea a participação do poder político como organizador e financiador do evento, como essa tarefa já pertencia à referida Corporação religiosa. A notícia diznos mais que quem proferiu o sermão foi o próprio Presidente da Câmara 18. Aqui termina o texto que apresentei na minha tese de mestrado e que representa o que consegui investigar para este trabalho. Diga-se, a propósito, que não tinha por objeto de estudo a procissão em si, mas a expor as maneiras de que se servia a elite vila-condense para aparecer ao povo, aproveitando para realçar outros gostos e interesses (como o S. João) e o mau estado da rede viária concelhia no século XIX. Mas, voltado ao âmbito da temática do Corpo de Deus, deste pequeno trecho dos meus estudos depreendemos que, de facto, não se fala em tapetes de flores. Caso se realizassem tamanhas festividades, com esplendor que hoje nos são familiares, não deixaria a Câmara a sua organização por mãos alheias ou mencionar de a mencionar nas suas actas. Por outro lado, evidenciase que a Procissão de Corpus Christi era uma despesa facultativa inscrita nos diversos Códigos Administrativos e que o advento da laica República deixou de patrocinar, legalmente.
15. A.M.V.C. – Livro de Actas da Câmara, Sessão de 20 de Maio de 1907, livro 76, fl. 26v. 16. A.M.V.C. – Livro de Actas da Câmara, Sessão de 12 de Maio de 1910, livro 77, fl. 17v. 17. A.M.V.C. – Livro de Actas da Câmara, Sessão de 27 de Maio de 1910, livro 77, fls. 18v a 19. 18. BMJR. – O Villacondense, Manuel da Costa Nogueira (dir. de), n.º 489, de 28 de Maio de 1910, p.3.
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Portanto, a questão que se coloca é: quando começou a «tradição» de se fazer os tapetes? Como referi, no início deste artigo, tive a sorte de conhecer o Sr. Artur do Bonfim, que me deu as pistas necessárias para ir no encalço do início desta bela festa. Ambos, como já afirmei, concordamos que esta tradição não teria mais de noventa anos, eu pelos meus estudos e ele pela sua bela memória. Aliás, o testemunho do Sr. Artur do Bonfim era de que os tapetes teriam aparecido pelos anos de vinte e oito a trinta, altura em que se renovaram e reinventaram algumas tradições da vila, como o próprio S. João. Afirma, peremptoriamente, nas suas memórias o sr. Artur, que, até então, não havia tapetes. O que existia era uma forma rudimentar de atapetar as ruas com heras e funcho. que a sua mãe e outras mulheres da vila iam apanhar aos campos e junto ao mar 19. Precisamente, pela festa do Corpo de Deus de 1928, encontro esta notícia, nas páginas do “O Vilacondense”: “Foi verdadeiramente brilhante a procissão em louvor do SS. Sacramento, efectuada no
domingo passado, abrilhantada pela nossa afamada Banda de Música. As ruas do trajecto estavam caprichosamente engalanadas, vendo-se lindos e artísticos desenhos feitos com «verdes» e flores.” 20 Daqui realço alguns aspetos: primeiro fala-se, sobretudo, da procissão, da banda e a informação sobre os tapetes é completamente acessória; por outro lado, note-se que a notícia aprece perdida no meio de tantas outras, na página três. Seria hoje possível abrir um jornal local sem parangonas de primeira página aos tapetes? E isto pode ser encarado como um sinal de que era dado pouco interesse aos tapetes que se organizavam para a procissão. Aliás, esta prática era tão desvalorizada que em 1930, encontrei esta notícia, cujo teor era tão absurdo aos nossos olhos, como aos do jornalista de “A União”: “Acabam de nos informar que a festa a realizar na Egreja Matriz em honra do S.S. Sacramento ficou adiada por causa da festa do concurso de beleza das rendilheiras. Não acreditamos que fosse esse o motivo ou então temos infelizmente de constatar que a desorientação é mais grave do que o imaginavamos.” 21
19. BONFIM, 2009: 72 20. BMJR – “O Vilacondense”, dir. de Carlos Alves da Costa, número 14 de 8 de junho de 1928, p. 3 21. BMJR – “A União”, dir. de Firmino Gomes da Silva e Tadeu Pereira Neves, nr.º 231, de 21 de junho de 1930, p. 2
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Alguma associação ou coletividade vila-condense, dos dias hoje, ousaria fazer concorrência com este grande evento que são os tapetes de flores? E isto prova que, se um concurso de beleza para eleger a rainha das rendilheiras fazia adiar a procissão do Corpo de Deus, nos anos 30, a tradição dos tapetes de flores não era minimamente considerada. Só a partir dos anos 50, com a comemoração do milenário de Vila do Conde, é que esta tradição começa a ocupar o lugar cimeiro entre as tradições vila-condenses, como hoje estamos habituados. Houve procissão em 1954, com tapetes de flores, mas dou particular relevo à que se realizou em 1956, pela explicação que se dá nas páginas da “União”: “Desde que, pela reforma do Decreto n.º 38.596, foram considerados de feriado obrigatório, dias santos de guarda, logo a Confraria do SS. Sacramento resolveu restituir a antiga e tradicional festa do Corpo de Deus, que noutros tempos, era muito justamente considerada a festa maior de Vila do Conde. E assim, há dois anos, a Procissão Eucarística teve já um cunho de excepcional grandeza que impressionou com agradável recordação os milhares
que a ela assistiram. (…) Os tapetes de flores que cobriam, sem interrupção, o itinerário do soleníssimo préstito, foram este ano, talvez, mais belos e artísticos que em anos anteriores.” 22 Além da evidente referência aos tapetes, note-se que a notícia aborda o tema da reintrodução do feriado do Corpo de Deus, que deixou de ser celebrado durante a I República e voltou a ser assinalado nos anos 50, em plena vigência do Estado Novo, situação que ora, em virtude do estado de exceção económica, se vive. E, pela última vez se refere a incorporação na procissão do elemento mais tradicional e caraterístico destes préstitos processionais, que, diga-se em abono da verdade, não são exclusivos de Vila do Conde, mas são celebrados em Portugal e em todos os países maioritariamente católicos. Falo da imagem de S. Jorge 23, conservada na Igreja do Carmo. Se elemento havia de ligação entre a tradição da procissão e a modernidade dos tapetes de flores, era a incorporação desta imagem, que por esta altura deixou de acontecer. Desde então a procissão foise realizando com periodicidade incerta, com mais ou menos pessoas
22. BMJR – “Renovação”, dir. Artur do Bonfim, n.º 789, de 9 de junho de 1956, p. 1 23. S. Jorge foi considerado padroeiro do Reino, a partir de D. João I, e durante a dinastia de Avis, quando se impõe a todo o Reino esta demonstração pública de fé. A Procissão do Corpo de Deus era única considerada universal e obrigatória. Tradições muito populares evocam este santo, e ainda hoje se celebram por todo o país. Exemplo disso é a “Coca” em Monção. Mas se quisermos, a “vaca das cordas” é um exemplo do mal, que é aprisionado por este santo.
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ou materiais, até que no início dos anos 80, e sob sugestão de D. Eurico Dias Nogueira, Arcebispo Emérito de Braga, ela passou a festejar-se de quatro em quatro anos, quando calhasse em ano bissexto. Por algum motivo, que agora não consigo 24. BONFIM, 2009: 72
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determinar, ela passou para o ano subsequente ao bissexto. E assim se operou este autêntico milagre, que, graças ao labor dos vilacondenses se manteve, com outras roupagens, a tradição da Procissão do Corpo de Deus. Uns,
talvez a maioria, gostam. Outros, nem por isso. Estou em crer, pelo pouco que conversei com o sr. Artur, que ele era dos que não apreciavam muito estas invenções. E tinha algumas razões para isso: primeiro porque os vilacondenses tendem a desvalorizar muito o que é recente. E o sr. Artur era contemporâneo delas, atribuindo-
as ao “velho Francelino”, homem habilidoso que morava na rua do Lidador que, a par dos tapetes, também fazia ornamentações. Foi, portanto, na rua do Lidador que nasceu a tradição dos tapetes de flores; por outro lado, além de vila-condense de gema, o sr. Artur era um católico militante, daqueles da velha-guarda, e o que mais o desagradava era que esta tradição nascesse mais do despique, da rivalidade entre as ruas, do que do louvor ao SS. Sacramento, cuja manifestação visava enaltecer acima de tudo. Por isso, refere o mesmo o sr. Artur nas suas memórias: “Eu sou do tempo da Festa do Corpus Christi, que era a verdadeira… havia mais fé, mais entusiasmo, vivia-se mais, digamos, o Cristianismo.” 24 Aliás a festa é mais conhecida por procissão dos tapetes, do que do SS. Sacramento. Partindo destas palavras, e admitindo que este seja um dos préstitos mais antigos de Vila do Conde, deve ressalvar-se que, do antigamente, pouco ou nada resta. Em boa verdade há que dizer que esta tradição não é tão antiga quanto a procissão, em si. Mas seja por amor à rua, a Vila do Conde ou ao SS. Sacramento o que aconteceu (e acontece) com esta festa foi um milagre. Foi pela genialidade dos vila-condenses, que se foi mantendo, longe da cristalização, e portanto do desaparecimento, a procissão do Corpo de Deus. É uma capacidade de se vestir coisas antigas com roupagens novas. E assim, Vila do Conde relançou uma das suas mais tradições.
obstante viver-se uma época em que todos temos que nos preocupar com as finanças públicas, o investimento público nesta festa vale cada cêntimo dispensado: o retorno com o comércio, sobretudo da restauração e a imagem que se passa da cidade é imensurável. A Procissão do Corpo de Deus acontece todos os anos, sessenta
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Curiosamente, a elite tardou em reconhecer este feito, a reboque da população. Como não há duas sem três, e a História se vai repetindo de tempos a tempos, a Câmara Municipal, reconhecendo a importância da manutenção desta tradição, retomou uma sua obrigação antiga de custear, em grande medida, esta festa. E fá-lo bem, porque não
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de pessoas que nesse dia nos visitam. A todos os que empregaram os seus serões e perderam noites para a realização desta obra, a minha homenagem e gratidão. E sei que o sr. Artur do Bonfim, penso que no céu, não me levará a mal ter invocado a sua memória em vão! BIBLIOGRAFIA
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dias após a Páscoa. Mas este milagre fruto do engenho, da dedicação e delicadeza das gentes do centro histórico (e dos amigos que a eles se juntam) acontece de quatro em quatro anos. Pode não ter a antiguidade que julgávamos ter. Mas tem a particularidade de exalar um perfume, que a maioria das tradições não tem, capaz de atrair os milhares
FOTOGRAFIA POR... ALEXANDRE MAIA / PAULO MARTA 065 e-vilacondense
“ACONTECEU POR CÁ ...” TAPETES DE FLORES 2013
GALERIA COMPLETA (116 FOTOS)
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TEMA JUNHO
“PRAIAS”
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REGULAMENTO 1. Tema Livre nos procedimentos técnicos a empregar, deverá obedecer a um tema genérico “Vila do Conde” e ao sub-tema do mês, definido na revista e-vilacondense, registando qualquer pormenor, situação ou acontecimento, desde que ocorridos dentro do concelho de Vila do Conde. 2. Obras O número máximo de fotografias a apresentar por concorrente é uma. A dimensão mínima é 21cm por 30cm, sendo requisito a orientação vertical. 3. Prazos e formas de entrega Os trabalhos deverão ser enviados através de e-mail para o endereço fotovila@vilacondense.pt até ao dia 15 de cada mês. O e-mail deverá conter os seguintes dados. - Nome do fotógrafo; - Título da fotografia; - Local da fotografia; - Data da fotografia (mês e ano) 4. Prémios 1º Prémio - Utilização da fotografia como capa da revista e-vilacondense com os devidos créditos do autor. 2º e 3º Prémio - Publicação da fotografia na revista e-vilacondense com os devidos créditos do autor. 5. Juri O juri sera composto por todos os utilizadores do nosso site (www. vilacondense.pt), através da atribuição de uma classificação (rating) a cada fotografia. Os premiados serão os trabalhos que obtiveram a classificação mais alta até ao dia 25 de cada mês. Os trabalhos premiados ficam propriedade do Vilacondense - Roteiro Online, o qual se reserva o direito de os poder utilizar no nosso site www.vilacondense. pt e na revista e-vilacondense sempre que entenda conveniente, referindo sempre os respetivos direitos autorais. Quaisquer informações adicionais podem ser solicitadas através do e-mail fotovila@vilacondense.pt.
PREMIADOS MAIO 1º LUGAR Tiago Ferreira
Título A Praia do Castro de São Paio Local Labruge Maio 2013
2º LUGAR
Maria Moreira
Título Um olhar sobre o Vilarinho Local Vilarinho Maio 2013
3º LUGAR Paulo Renato Título “My little funhouse” Local Macieira da Maia e-vilacondense 080
“ARTE NA VILA” COM OS VE POR ANTÓNIO COLÓNIA Licenciado em Ciências da Comunicação 081 e-vilacondense
ESPA
Š Rui Pinheiro
À CONVERSA COM OS VESPA Com a chegada dos dias mais quentes, surgem diversas espécies de insetos que visitam todos e cada um de nós, de forma mais ou menos acentuada. Mas quem pensa que isso é mau não conhece uma espécie, natural de Vila do Conde, que contagia ouvidos com o seu Rock Hermafrodita desde 2007. Falamos,
é claro, d’ Os Vespa. Uma banda de cinco elementos que surgem com um novo projeto de originais. O e-vilacondense aproveitou o lançamento do seu último single e esteve à conversa com o vocalista Hugo Rei, que falou sobre o percurso da banda, e desmitificou o que está por trás deste projeto.
e-v: Como surgiram os Vespa? HR: Os Vespa surgem da necessidade que foi criada ao longo do tempo, por mim e mais dois ou três, de fazer rock. Depois de algum tempo parados, tínhamos que avançar para outra, e os vespa surgiram em 2007 precisamente para dar resposta isso, para fazermos canções, para voltarmos a fazer o que não fazíamos há dois ou três anos. Surgiu uma ideia, umas canções novas, e chamamos-lhe Vespa para ser um nome que não denunciasse de todo o estilo de musica que esta por trás e ao mesmo tempo que fosse uma palavra universal e que levantasse algumas questões para aguçar a curiosidade.
HR: Sim, para ser fácil. À partida, quando se ouve Vespa, não é uma banda de Trash Metal, porque é um nome fresco demais para isso. Mas também não se sabe se é uma banda de Pop ou de Rock, ou de Jazz, ou de TripHop. Era essa a dúvida que queríamos criar, até porque nem tão pouco sabíamos muito bem que caminhos iriamos seguir, mas está visto que o Rock é a referência.
e-v: Vocês auto denominamse como uma banda de Rock Hermafrodita. O que é isto? HR: Isso diz algures na nossa página (risos). Essa resposta vem da necessidade das perguntas dos sítios onde a banda está alojada, dizer se é do sexo masculino ou feminino. E o e-v: Esse foi o principal intuito rock não tem sexo, é como os anjos, dos Vespa, criar uma misticidade em daí essa brincadeira. torno do nome da banda? e-vilacondense 084
e-v: Qual a mensagem inerente à essência da banda? O que se predispuseram a fazer desde a vossa génese? HR: Sermos muito genuínos musicalmente e em termos de mensagem. Ainda há uns dias falava sobre isso a propósito de outra coisa qualquer; eu acho que toda a gente tem a legitimidade de fazer qualquer tipo de arte, logo que lhe apeteça e logo que a sinta. Escrever é igual. E a parte que mais gosto, é talvez escrever as letras. E sinto que tenho todo o direito de o fazer desde que realmente sinta o que estou a dizer. Acho que não tenho o direito de falar sobre fome ou guerra porque nunca lá estive. Mas tenho todo o direito de falar do que acho. Portanto, eu não me posso fazer passar por aquilo que não sou. Se calhar também há uma certa legitimidade nisso, mas eu não acho tanta graça. E objetivo é mesmo só esse, daí termos um percurso tao underground, nunca termos calcado nada de muito simbólico, porque quase sempre quando isso esteve perto, exigia uma cedência do que estávamos a fazer, e não era o que queríamos. Portanto o objetivo é mesmo esse, fazer o que nos vai na alma. e-v: Quais são as influências da banda? HR: Quando se pergunta as influências, a maior parte das bandas ou dos artistas, costuma responder aquilo com o qual não se importa de ser comparado. E nem sempre corresponde ás suas verdadeiras influências. Eu não sei se sei. Pessoalmente, gostaria de ser uma mistura de Iggy Pop e Zeca Afonso, sem ser muito parecido com António Variações (risos). Mas as influências e até nas estruturas das canções, acho que nós – Vespa – estamos a passar uma fase de Rock Progressivo, no sentido em que em quase 085 e-vilacondense
todas as canções há uma para o outro, quase semp para um estado mais a querer e sem saber citar q estamos a ser influenciad ainda hoje.
e-v: Vocês anunciaram singles, acompanhados de artistas diferentes. Fale-m HR: Já vamos no sétimo Tempo, que é o último. Ag o Sorte. Ora bem, isto é u nós, à indústria discográf editora, nos
a evolução de um estado pre de um estado calmo agressivo. Portanto, sem quais bandas, eu acho que dos por Rock Progressivo,
m o lançamento de nove e nove ilustrações de nove me sobre isso. o single. Saiu há pouco o gora faltam dois, o Terra e uma alternativa criada por fica. Como não tínhamos nem ninguém que representasse assim com
um papel que valesse a pena, achamos (pelo menos para as pessoas que nos conhecem, e também para aumentar esse número de pessoas), lançar os temas em single, um a um, e criar-lhes uma imagem, porque nenhum de nós é grande ilustrador, desenhador ou o que quer que seja. E portanto, sempre foi uma parte que se calhar descuramos e decidimos falar com amigos da banda. Cá de Vila do Conde são uns quantos: a Isabel Lhano, o Luís Silva, o Chico, o António Pinto, o Mário, entre outros. Eles são pintores, fotógrafos e ilustradores. De alguma forma, também fizemos um teste. Demos uma música a cada um deles, e pedimos que eles a interpretassem, o que é giríssimo para nós, saber o que afinal lhes transmitimos com a nossa música. Foi muito bom, porque já vamos no sétimo tema e já temos sete rostos. Isto até nos abre portas para algumas coisas como por exemplo, ao vivo se for possível, cada musica ter um ambiente criado em redor dessa imagem. É uma experiencia e está quase a chegar ao fim. Chegando ao nono, algures em Junho, fica feito. O que significa que em Julho ou Agosto sai o disco com esses temas. Quer estes temas, que as ilustrações, estão disponíveis num bandcamp, que é um sítio de bandas, na internet, que possibilita o download gratuito a quem quiser. e-v: No vosso último single – Tempo – pretendem transmitir exatamente o quê? O tempo, na sua ampla definição, é por só um entrave? HR: É possível. Há o culto da juventude. Deixa-me só dizer, que essa versão que lançamos, tem um convidado que é o Pedro Lima – ex MOSH – também vilacondense, e acho que deu um contributo muito positivo. O tempo que a gente fala na música, é a
relatividade do tempo. Para algumas coisas o tempo é tão pouco, e para outras é tanto. Se pensarmos na vida de uma pessoa que chega ao fim, parece um segundo, se for uma criança parece uma eternidade. O tempo aqui serve de veículo para dizer meia dúzia de coisas. Fala de quando associado a muito poder, transforma as pessoas. “O tempo dá poder aos governantes, para que seja tudo como dantes”: estou a referir-me à ditadura. Quando pensei nesse tempo, pensei exatamente no meu envelhecimento. Mas depois, conforme fui escrevendo, a coisa passou a ser muito mais abrangente, cheguei inclusivamente a pensar em gerações, ou seja, nos meus pais e eu. Uns substituem os outros e isto continua. Pronto, o tempo, assim numa maneira abstrata foi algo com todas as condicionantes boas e más. e-v: Os Vespa já levam na bagagem dois ep’s. O que aprenderam nesse percurso? HR: Boa pergunta. Aprendemos que compensa, mesmo que o nosso público neste momento seja muito reduzido. Dadas as quantidades de downloads que há dos nossos temas e as visualizações e tal, um tema que corra muito bem chega a quatro mil pessoas, mas a média anda por metade disso ou menos. Mas isso não importa nada, porque está feito. A determinada altura a preocupação foi mesmo isso, deixar feito. Está visto que é como os filhos, nunca é hora de os fazer, mas se a gente não os tiver… e os discos têm que ser feitos, melhor ou pior têm que ser feitos e no 087 e-vilacondense
fim aprendeu-se. E quant disco que se fez há uns an é bom sinal. Eu já não go trabalhos que fiz e se nã de eles não terem tido u que não tinha crescido ta acho que nós crescemos c medo e também o entusia
e-v: Colocando as d comente a seguinte cit insetos considerados com como predador natural. E a razão da sua existência HR: O rock tem que te O Rock não pode pactuar exemplo. O Rock tem a a função que ele quer t
devidas aspas, peço que tação: “Quase todos os mo praga, têm uma vespa Esta vespa não é exceção e é o bio controlo natural.” er uma atitude irreverente. r com a música pimba por função dele, ou melhor, ter e a de quem o faz, é
precisamente combater esse tipo de música. Pimba para mim, é a praga. Daí a vespa que controla a praga. Num processo natural eles são as carraças e nós, o bichinho que salva a fruta. Além de ter alguma graça, e de falar da vespa (inseto) até para afastar da vespa (veículo), fomos por aí. E o bio controlo natural é precisamente isso, por cada banda pimba tem que haver uma que não o seja! (risos)
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to menos se gostar de um nos, mais se cresceu, logo osto muito de alguns dos ão os tivesse feito, apesar um grande impacto, acho anto. Fazer vale a pena e com isso, perdemos algum asmo fácil.
e-v: Como surgiu ou quando é que descobriu a sua aptidão artística? HR: Eu não descobri. Reconheço que tenho uma grande necessidade de o fazer. Não digo aptidão, porque isso exige um julgamento de terceiros, mas necessidade sei que tenho. O meu desporto é ensaiar e posso dizer que se não puder ensaiar por algum motivo, ou não conseguir escrever letras ou cantar, sinto-me mal. Isto também vai de uma questão de educação, porque quando era adolescente comecei a fazer isto e agora é quase um caso de dependência.
e-v: Quem é que compõem as letras da banda? Qual o seu local de eleição quando escreve? HR: Tenho sido só eu a compor. Onde me sinto particularmente bem é na sala de ensaio. Depois, para alinhavar as coisas, gosto de estar em casa, tranquilo, a brincar com as palavras, a mudá-las, a corrigi-las e a melhorá-las. Mas o ideal é estarmos todos em jam a fazer barulho, e aquilo a sugerir um tema, ou uma conversa, ou duas ou três palavras que depois vão ser trabalhadas. Volta e meia surgem as palavras primeiro.
© Rui Pinheiro
e-v: O que o inspira n HR: É como eu digo que ter passado por aq são meras imagens. E e sei explicar muito bem, determinadas coisas. Às como um catalisador, ou de consciência. É aquela acho que está mal, e as de o dizer. E eu ao faze levezinho, porque de a parte. Portanto, há um letras, que me alivia e o inspiração é precisamen e a música também me coisas que têm a ver com buscá-las.
e-v: O que ouve para HR: Eu não ouço V muita coisa. O rock que de todo – é Rock anti Zeppelin ou do Jimi He ouvir Rock, ouço entre São aqueles vinte anos q também. Ouço Rage Aga preciso de sentir aque casa ouço de tudo, meno alguma música brasileir da forma com alguns br O Lenine é um músic Funk muito fácil de ouv consegue dizer coisas d gente consegue, com m dá-me a crise dos Blue E depois estou exposto facebook com as suges vezes por lá a passear.
nas suas criações? o, são experiências. Tenho quilo ou ter visto, ás vezes essa é a parte que eu não , a tal necessidade de dizer s vezes as letras funcionam u melhor, como um descargo a determinada coisa que eu s pessoas têm a obrigação er a minha letra, fico mais alguma forma fiz a minha m lado de intervenção nas o resto são constatações. A nte alguma coisa que sente, inspira, faz-me lembrar de m aquilo, e como tal vou lá
a além dos Vespa? Vespa, praticamente. Ouço ouço – e não ouço só Rock igo, dos anos 70, dos Led endrix. Quando me apetece Led Zeppelin e Metallica. que ali estão. E ouço Grunge ainst The Machine, quando ele powerzito. Depois em os pimba (risos). E gosto de ra. Gosto muito das letras, rasileiros abordam a língua. co brasileiro que toca um vir e eu adoro-o porque ele de uma maneira que pouco muita graça. Volta e meia es... Ouço de tudo mesmo. ao meio, nos e-mails e no stões dos amigos. Ando às
e-v: Qual o momento que mais o marcou enquanto músico? HR: Boa pergunta, nunca tinha pensado nisso. A primeira coisa que me veio a cabeça foi um show… Mas é uma boa questão. Lembro-me de um concerto que demos em Lisboa, mas pronto, musicalmente não foi nada de especial porque tocamos só duas ou três músicas, mas foi uma ótima experiência, que guardo na memória. Mas o momento mais marcante como músico, acho que são todos aqueles em sinto que alguém, honestamente, gostou do que ouviu ou do que leu, no caso das letras. Quando sinto que alguém que nunca ouviu passou a gostar, é uma vaidade enorme. É efetivamente o golo. e-v: Essa sensação ao fim ao cabo marcou-o como pessoa? HR: Sim, porque eu gosto muito de não ceder a pressões e a tendências, mas é certo que quando eu faço, quero que as pessoas gostem. Não vou estar com coisas, que quero ser super-underground e que ninguém goste de mim. Não, pelo contrário. Tem é que sair naturalmente. E quando acontece, é mesmo bom. e-v: Considera que Portugal é um pais em que a arte, quer seja musica, pintura e até cinema, é bem considerada e que dá condições aos artistas para criarem e mostrar o seu talento? HR: Eu acho que não. Maioritariamente não. Há sempre exceções, e há sempre coisas boas, mas isso não quer dizer que não haja bons artistas, pelo contrário. A injustiça é precisamente essa. Se começarmos a falar nas plataformas para artistas em início de carreira, são muito reduzidas. No plano intermédio, acho que agora até temos uma boa rede que são os auditórios e os cinemas distritais e e-vilacondense 090
concelhios que há por todo o país. Por exemplo o cinema está estatalmente tramado, tiraram-lhes os fundos. Mas há quem continue a produzir. Eu acho que Portugal não dá grandes condições. Não dá, efetivamente. Mas há muita gente a conseguir singrar; há pintores que vendem, há músicos que vendem e produzem, há cineastas que realizam e ganham prémios internacionais. Portanto, não há uma relação direta entre o acreditar e o criar, porque eu acho que sofremos da síndrome do ‘estrangeiro é melhor que o nacional’. Mas isso não tem limitado as criações, até acho que de alguma forma as tem estimulado. As pessoas arranjaram maneira de fazer as coisas por recursos próprios, e a internet é uma grande democracia, nesse aspeto. Mas concluindo, Portugal não dá condições aos artistas… dá poucas, vá. e-v: É da opinião de que há muito talento escondido e porventura perdido para sempre devido a falta de incentivo e em grande medida também por falta de verbas? HR: Sim. Há outra coisa aqui: Portugal acaba por ser um país pequeno. O mercado, neste regime que vivemos, decide tudo. Vemos por exemplo o
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fenómeno dos livros: sae dias que é preciso um co que vale a pena ler e não se faz e não aparecer po da estrutura dos apoios. de divulgação de espetác festivais e os canais de int Esses canais são monopo neste momento. Não h Portugal que não tenha companhias. Portanto os neste momento funcioná Inclusivamente quem toc alguma dificuldade de toc ou Optimus. E essa es quem domina a indústria outro lado, em simultâne da internet, põe as pes igualdade. Se o artista f muitos meios de chegar era mais fácil se já tocass telefónica vinha buscá-lo qualquer maneira faz-me efetivamente valer a pen tem como chegar. Mas a
pergunta, há efetivamente talento escondido, mas também há forma de ele se mostrar. Há de certeza alguns casos de injustiça máxima, mas existe aqui também um processo natural de seleção. Há espaço para toda a gente, tendo em conta que temos um mercado muito reduzido. e-v: Orgulha-se de Portugal ou acha que está a tomar um mau rumo? HR: Está a tomar um mau rumo, sem dúvida. Eu nesse aspeto tenho uma opinião muito vincada. Eu gosto muito de Portugal e adoro a língua portuguesa, por isso é que escrevo nela. E se um dia destes tiver que emigrar, que já esteve mais longe, continuarei a escrever em português porque me dá um prazer imenso. Mas que está a tomar um mau rumo está. Por exemplo, a cultura foi posta de lado, deixou de ser prioridade em nome de uma crise financeira pela qual nos responsabilizam. Pode ser que tenhamos culpa em termos governativos mas eu vejo famílias inteiras pagarem uma dívida e a perderem a alimentação, o mínimo de qualidade de vida, a dignidade de habitação e da saúde. E quando isso acontece eu acho que se ultrapassou todos os limites. © Rui Pinheiro
em tantos livros todos os onsultor para nos dizer o ler. E a qualidade do que ode ser responsabilidade Isto é, os grandes canais culos em Portugal, são os ternet como o iTunes, etc.. olizados pelas telefónicas há nenhum festival em o apoio de uma dessas s projetos musicais, são ários de uma telefónica. ca num festival TMN, tem car num festival Vodafone strutura monopolista de a, atrofia os artistas. Por eo, a tal disponibilidade ssoas em algum pé de for realmente bom, tem às pessoas. É óbvio que se nas rádios, porque a tal e punha-o a tocar. Mas de e acreditar que se aquilo na, vai chegar lá porque acabando de responder à
e-v: Eleja dois lugares de eleição para si: um dentro e outro fora de Vila do Conde. Aquele lugar especial que o cativa por alguma razão. HR: Dentro de Vila do Conde, a Azenha D. Zameiro, que é a responsável por eu ser rockeiro. Fora de Vila do conde, um lugar especial para mim… Tenho uma simpatia, que por coincidência tem a ver com o rock que fez sempre parte de mim, por Londres. Lá fala-se Rock em todas as esquinas. Poderia até ser mais romântico, mas em Vila do Conde, a Azenha, e no Mundo, Londres... Camden Town (risos). e-v: Qual foi a chave do seu sucesso? Ou acha que o melhor ainda está para vir? HR: Ah, o melhor ainda está para vir! Tive sucesso até agora, senti-me satisfeito com o que fiz. Agora, o sucesso de vender muitos discos e encher casas, ainda não tenho, mas espero vir a ter. Contudo, acho que sucesso é muito mais que isso, do que fama e feedback financeiro. Eu sinto-me com sucesso porque mantenho a vontade e força para fazer isto. A chave para o sucesso, é fazer o que se gosta, senão eu já estava farto de fazer música.
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e-v: Projetos para o fu Vespa, ou algum outro de HR: Continuar com o gostava de ser letrista d não cantasse. Já tive mu algumas até mais conheci ainda não saiu nada par artísticos o que eu gostav era isso, e estou a fazer, s ainda não resultou, mas p caminho.
© Rui Pinheiro
uturo? Continuar com os esafio? os Vespa, sem dúvida. E de outro projeto em que uitas pessoas a pedir-me, idas que eu. Eu já fiz mas ra o público. Em termos va de fazer só que para lá
MEMÓRIAS DO MEU S. JOÃO DE VILA DO POR HÉLDER GUIMARÃES Mestre em História Contemporânea Investigador do CITCEM
Estam véspera conside Percurs folia mi 095 e-vilacondense
CONDE
mos a uns dias dessa noite mágica, as as de S. João. O S. João de Vila do Conde é erado o mais antigo do país. Aqui, o Santo sor é festejado em toda a plenitude: a fé e a isturam-se no cantar das rendilheiras. © Jon Gavin
Para mim o S. João significava que podia ficar acordado até mais tarde. Depois, ia para a rua com o martelo, dar na cabeça de todos quantos passavam. E quanto mais alto fosse o transeunte, maior era o gozo de dar uma martelada. Depois vinham os ranchos e acabava a minha infantil ocupação. Começavam as marchas luminosas com enormes camiões T.I.R., que puxavam os carros alegóricos. Os carros, os arcos andavam na preocupação do meu avô, o “Manuel Cachimbo”, que nessa época era requisitado aos estaleiros do Samuel, onde trabalhava, para preparar as marchas. Da Praça, claro! Em maio e junho, aquele homem que, religiosamente, se deitava pelas 21h, chegava a casa tardíssimo, por volta da meianoite. Era assim que notava que se aproximava o S. João. Mas muito estranhava que o meu bisavô, precisamente o pai do meu avô, tivesse dançado no Rancho do Monte, e se orgulhasse de contar que ele, e um cunhado, roubaram um carneiro ao “ti João Cachimbo”, para fazer rifas e comprar-se as blusas das tricanas do primeiro rancho do Monte. Guiado pelas informações que a minha avó, no alto dos seus 89 anos, me deu, aprofundeias, procurando o testemunho de outras “avós” do projeto da e-vilacondense. Procuramos, pois, na prata da casa resolver a situação. Outros testemunhos orais podiam e deviam ter sido procurados. E nada nos impede de o fazer no futuro. Os dois testemunhos não representam a mesma perspetiva das festas de S. João. A D. Elvira, representa um testemunho mais popular e comprometido, com o seu Rancho do Monte. A D. Ernestina representa o testemunho de uma pequena burguesia, que ficava à varanda e via passar o seu Rancho da Praça, sem, contudo, muito se envolver nos festejos populares, como convinha à boa burguesia vila-condense, daquele tempo. Hoje, praticamente desapareceu esse preconceito 097 e-vilacondense
e receio. Mas o que começo uma tradição das rendilh criadas e da gente de menor é hoje assumida pela s vila-condense como um Trabalhar com estes tes é como tocar num do muito fragilizado. Por repetições, as reticênci memórias cansadas. M como uma bela laranja, espremida, dá um belíssim Neste caso, uma excelent Estes testemunhos importantes para a c da memória social, etno gastronómica do tempo se refundaram as festas d padroeiro de Vila do Co função era amplamente pelas Festas do Carmo S. Bento de Vairão. No estas memórias são alh conflitos que se geravam elite vila-condense, no co início do século XX, i circunstâncias políticas, ec e sociais que levaram à re das festas de S. João, rainhas das festas do O Meu S. João de Vila é a Praça e o Monte. tradição vigente. Mas co sabemos, o desaparecim freiras levou a uma reinv tradição. A tradição reinven assim nasceu a festa do S. Ecos de uma época em q chegavam às praias do oc
ou por ser heiras, das r condição sociedade m todo! stemunhos ocumento isso as ias… São Mas são que bem mo sumo. te leitura. s são construção ográfica e em que de S. João, onde, cuja eclipsada ou pelo o entanto, heias aos m entre a onturbado ignorando conómicas efundação como a concelho. do Conde Esta é a omo bem mento das venção da e os rapazes daquele tempo, vencendo a escuridão nta-se para sobreviver. E da noite, saíam para tomarem as ondas ao mar. . João e das rendilheiras. E que viva o meu S. João de Vila do Conde… que as ruas da vila mal ceano e que as raparigas
O MEU S. JOÃO DO MONTE… e-vilacondense(e-v) No seu tempo de mocidade como se preparava o S. João? Elvira Barroso (E.B.) No meu tempo de mocidade, ia-se com o Rancho à Praia, íamos atirar a pedrinha ao S. João, uma tradição muito antiga, não sei se quer que cante uma cantiga… e-v: Quero, por favor: E.B.: Ó fonte de S. João De tradição tão lembrada Velhos tempos que lá vão Pedrinha da minha amada As pedrinhas que eu deitei Na fonte de S. João Só me deram, eu bem sei Muito amor, muita ilusão
Elvira Barroso, mais conhecida por Elvira “Rainha”, é uma simpática Hoje são as rendilheiras avó, com a maravilhosa idade de 93 Que me fazem relembrar anos. Nasceu em Vilar do Pinheiro, Em doces canções vagueiras mas muito cedo veio para Vila do Conde, para o “seu” Monte. O seu As freiras a soluçar testemunho sobre o S. João do S. João é todo amor Monte é de extrema importância, No povo tão festejado porque fez parte do primeiro Rancho Todo desfeito em calor Infantil do Monte, da qual é a última No peito do namorado componente viva. Alma do Monte, de si e de seu marido, saiu mais uma geração de componentes do Rancho. A primeira vez que dancei no “Quando eu morrer morre o Rancho rancho, muitos ensaios, não foi no S. João. A primeira vez que dancei no do Monte comigo”. rancho fui dançar a Portalegre. Ainda 099 e-vilacondense
estava lá nessa altura, que já morreu também, o José Régio. Convidadas pelo José Régio fomos lá. Depois também dancei no S. João… mas dançamos em muitos lados: fomos dançar à Covilhã, Lisboa, Coimbra, na Curia, a um concurso de ranchos onde tivemos o primeiro prémio. Nesse ano tivemos muitas, muitas saídas. E dancei no S. João, no S. Pedro. Não havia a feira (Nacional de Artesanato) nessa altura. E depois só acabava no S. Bento de Vairão, que nós íamos todas esperar os ranchos. Vínhamos lá de cima, das Necessidades, em marcha, com os arcos iluminados e o rancho todo cantava. O fim do S. João era no S. Bento de Vairão. e-v.: Portanto, começava um mês antes do S. João, e só terminava no S. Bento de Vairão? E.B.: Cantávamos antes. Depois no Santo António. Cantávamos quando içava a bandeira, mas nessa altura não se cantava no Monte, como se canta agora. Nós íamos cantar à beira da igreja [matriz]. Nós cantávamos do lado de cá, e o Rancho da Praça do outro lado. E depois é que se içava a bandeira. Como é que nós cantávamos? Ao ver aquela bandeira/ Lá no alto da Matriz/ São vésperas de S. João/ Logo o meu coração diz.
E depois içava a bandeira. Depois vínhamos em marcha, cada um ia em marcha para o seu lado. e-v: E era à noite ou de manhã? E.B.: Era de manhã cedo. Ao romper o dia nós já íamos. A faltar oito dias para o S. João… Nós chamávamos a alvorada. e-v: E já havia este despique que hoje há? E.B.: Havia sempre. Assim que se cantasse no dia 24 de maio, a gente já nunca mais se compreendia uns aos outros. Mas antigamente havia muito mais. Eu nunca me dei mal com ninguém… A sua avó é da Praça e eu fui sempre muito amiga dela. Sim, a Virgínia é da Praça. É uma alma da Praça. Ia com o rancho à praia, e tudo! O pior era quando íamos com o rancho à praia, e ainda hoje é! Mas antigamente era muito pior. Mas nessa altura, muitas vezes, nem música tínhamos. Nós saíamos a qualquer hora, com a bandeira. Mas antigamente era muito melhor. Fazia-se a fila do Rancho Infantil à frente, a bandeira do Rancho Infantil à frente. Depois era o Rancho Atual… nessa altura nem rancho havia. Escolhia-se as raparigas mais bonitas, tudo em marcha, fazia uma carreira muito grande. Nós íamos a cantar em marcha. Agora um vai, outro vem. Um atravessa, outro atravessa. Andam naquela volta, assim. No nosso tempo era certinho.
e-v: Li num jornais da época em que se dizia que ia tudo preparado muito em segredo ou que até nem se ensaiava nada… E.B.: No princípio, quando se dançava no chão. Eu era pequeninita, nessa altura não tínhamos pavilhão. Depois é que fizemos este rancho, que era o primeiro. Depois tivemos o primeiro ensaiador em condições, que veio para ensaiar o rancho, que era o Raúl e era de Coimbra. Para a Praça também veio um de Coimbra que era o Pio. A gente dizia: “Tínhamos o Pio na Praça e o Raúl no Monte”.
E.B.: Não nos davam alma… e-v: Claro, digo antes d E.B.: Não… A sardinha ranchos. Sardinha era só n
e-v: O que sentiam quando se aproximava a véspera de S. João? E.B.: Era uma folia:
e-v: Era muito popular, E.B.: Não era nada do mais alegre. Nós não tính Principiamos a ensaiar no ali à beira do Hospital. D nem porque não, nós ti dali… fomos para a Praç dos Chocolates. Depois já ensaiar, arranjamos a ir p tem as caixinhas, em San um S. João ali). E depoi ali na Covinha. Depois fi e muitas de nós, nas hor sacos de areia para const casa construída pela alma
Só a folia do Monte é que vai a toda a parte A alma sabe cantar com todo o entusiasmo e arte. Se um dia o Monte se cala, morre na terra a alegria A triste Praça coitada não tem alma para a folia. Ainda dancei a folia. É do meu tempo esta cantiga. e-v: E como era vivida a noite de S. João? E.B.: Na noite de S. João, o que a gente fazia era atirar a pedrinha ao S. João. Mas antigamente não era ali. Antigamente, no João, íamos – chamavamlhe a cerca – por uns caminhos velhos. Tinha um ribeiro, que era o ribeiro de S. João, punham ali um nichinho com uma imagem de S. João por aquela altura, e atirávamos a pedra. Era a tradição de S. João. e-v: Havia tradição de se comer sardinhas, na véspera?
101 e-vilacondense
e-v: Como era antes os E.B.: Antes não havia n a festa. A Praça e o Mon Nós só dançávamos. Às v andávamos por aí…
e-v: E no dia de S. João E.B.: No dia de S. Jo acabava a procissão, a P Monte ia por outro, junt Agora é tudo de noite. No fim da procissão!
e-v: Não se aventurav ser muito escuras? E.B.: Naquela altura era nada! Não levávamos carr
de comer, era tudo por
de saírem para a noitada. a não era por causa dos no Santo António.
s desfiles da noitada? nada. Nós é que fazíamos nte é que faziam a festa. vezes nem à cama íamos,
, espontânea? o que é agora. Era muito hamos casa para ensaiar. o teatro Afonso Sanches, Depois, não sei lá porquê, ivemos que desaparecer ça Velha, para a Fábrica á não tínhamos casa onde para onde hoje o Vitorino nto Amaro (ainda fizemos is tínhamos aquela casa izemos a nossa sede: eu ras vagas íamos carregar truirmos a casa. Foi uma a do Monte.
o? oão era a procissão. Mal Praça ia por um lado o tavam-se para ir à praia. o nosso tempo era logo no
vam nas ruas que deviam
a. Não havia luz, nem havia ros, nem levávamos nada.
Era só a bandeira e a música. A [banda de] música da Vila ia quase sempre na Praça. Nós tínhamos a música da Correção. E nós lá íamos, para a praia. e-v: E depois vinha o S. Pedro… E.B.: Vinha o S. Pedro e tornava a nossa luta. Tornávamos a dançar e a ir à praia. Havia a procissão de S. Pedro (agora não há!). E depois terminava com o S. Bento. Íamos todos esperá-los à Azurara. Juntávamo-nos todos lá em cima e vínhamos em marcha, com os arcos. E o fim era o S. Bento. Agora é a feira do Artesanato, antigamente era o S. Bento. e-v: O que havia de diferente entre o S. João de hoje e o do seu tempo de mocidade? E.B.: No nosso tempo, era outro tempo, havia mais alma, havia mais alegria. Agora são ranchos que eu sei lá. No nosso tempo só havia o nosso rancho e o infantil. Depois, começaram a fazer isto, passado muitos anos. No meu tempo era muito diferente.
Rancho do Monte 1925
e-v: Vivia-se mais naquela altura? E.B.: Vivia-se mais. Agora é mais bonito e tem mais que ver. Naquele tempo, a bem dizer, era mais para nós e para mais algum povo das aldeias. Não vinha povo de fora como vem agora. No nosso tempo era mais pobre. Era mais pobre, mas havia mais alma, havia mais folia. e-v: E os namorados, como era nessa noite? E.B.: Algumas iam com os namorados. Eu nunca tive namorados no rancho. Nessa altura ia com as raparigas, ou melhor, íamos todos juntos, a bem dizer. e-v: E se um namorado ia de braço dado à praia com outra rapariga? E.B.: Quando íamos à praia não iam os 103 e-vilacondense
rapazes com as raparigas. não. Iam as raparigas e os Depois é que vinha a mú Tínhamos muitas pessoas Quem tomava conta de n Tintureiro”, a D. Ângela “d a Sr.ª “Mariquinhas Reco diretor connosco, o ensai Dr. António Silva, era raro vezes. O Dr. Canavarro i nessas altura tínhamos uns e as canções do rancho e Tanoeira” e a “Bina” Vidal, do rancho. Para fora vendía vendíamos. E ao sábado g não ganhávamos dinheiro Era para a ajuda dos ranch
. Agora vão. Antigamente rapazes iam atrás, na fila. úsica. Não havia mistura. s a tomar conta de nós. nós era a “ti Florinda do do Coutinho”, a “Tininha”, oveira” e ia sempre um iador… o Dr. Canavarro, o ir. O Dr. Pereira ia muitas ia sempre connosco. Nós s livrinhos com as marchas tinha na capa a “Marinha que eram as mais bonitas amos muito livro, aqui não ganhávamos. Ao Domingo o, quando íamos para fora. hos.
e-v: Mas isso era os do rancho, e as pessoas que iam atrás? E.B.: Ia muita gente. Ia Vila toda. Os que eram do Monte e os que eram da Praça. Ia sempre muita gente. e-v: Teria um namorado da Praça? E.B.: E algumas tinham namorado na Praça e outros no Monte. e-v: E como funcionava isso? E.B.: Olhe, a minha companheira era da Praça. No dia de S. João andávamos a passear as duas. No fim ela ia para a Praça e eu ia para o Monte. Ficávamos na mesma. Havia muita gente que não conseguia, não falavam! Mas eu falava na mesma, nunca me zanguei com ninguém, nem nunca andei ao barulho com ninguém da Praça. Mas havia muitas que andavam. Era uma rivalidade muito grande. e-v: O que é que se atirava quando passava o rancho rival? E.B.: Ui! Era o que calhava: ovos… Antigamente íamos para as escadinhas, porque o rancho passava ali, na ponte. Dava-se a volta, vinha-se da praia, rua Nova, Terreiro, vínhamos pela Rua das Hortas, e ali nas escadinhas do Monte era o fim. Nós atirávamos a elas e elas atiravam a nós. Era um pagode! Atiravam cebolas, batatas, até atiravam pedras. e-v: O que é para si ser do Monte? E-B.: É uma alma, que tenho pelo Monte. Uma alma muito grande! Dei quatro filhos ao rancho atual. E dei dois rapazes para o rancho infantil. Dancei lá muitos anos e hoje sou eu a última porque já morreu toda a gente, rapazes e raparigas. Quando eu for, vai o [o primitivo] rancho do Monte atrás.
O MEU S. JOÃO DA PRAÇA … e-v: D. Ernestina quais são as suas lembranças, do S. João dos seus tempos de menina? Ernestina Santos (E.S.): A minha mãe dizia, e deve haver lembranças, que quando estava para nascer (faço anos a 18 de julho), o Rancho da Praça, no dia de S. Bento (dia 11 de julho) ia à praia. Então os pracistas esperavam na ponte os ranchos, que vinham da romaria. E ia-se à Praia. O Rancho da Praça fazia gosto ir à praia nesse dia. O Rancho do Monte também. Havia a mesma briga, a mesma luta.
Maria Ernestina Almeida Macedo Vieira dos Santos, 87 anos, dos “Macedos”, é uma vila-condense de gema, nascida na Rua da Fraga e criada no Largo de Santa Luzia. Estava para nascer e, na barriga da mãe, já era da Praça. Era daquelas que via o S. João pela janela. “A festa é para rendilheiras”, dizia o pai. Mas sempre arranjava uma solução para se escapulir e atirar “rebuçados” ao Monte e flores à sua Praça. “Se fosse o tempo hoje, queria lá saber que ele me batesse, até. Eu ia!”
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e-v: Disse-nos que o seu pai era o “Rei” do Rancho da Praça? E.S.: O meu pai chamava-se Augusto Lopes Macedo. Era do grupo da organização. Iam ao estrangeiro. Eu era já nascida, tinha os meus 14 ou 15 anos, o meu pai ia ao estrangeiro com o Rancho da Praça. Não me lembro onde… talvez à Espanha. O meu pai era muito adepto. Até fez muitas asneiras, porque arranjou uma namorada, uma rendilheira. A minha mãe sofreu muito com esse desgosto… Mas dos principais era o senhor Antonino Reis, que trabalhava na alfândega, o Adroaldo… Era uma tradição muito bonita, como fazem hoje, mas faziam com aquela alegria. A minha mãe contava que o rancho começava ali no jardim do Senhor da Cruz, no largo dos Artistas. A Praça
não saía sem primeiro passar o Monte. Havia aquela ovação, aquele barulho, aquele desacato… e-v: Mas porquê? Os primeiros não vão sempre à frente? E.S.: Eles dizem que são os primeiros, mas não, porque o Rancho de Vila do Conde, o Rancho das Rendilheiras, começou mais cedo do que o do Monte. Eles é que dizem que são os primitivos, mas não são. A Praça é que cresceu mais cedo que o Monte. Era um grande homem, o dr. Artur da Cunha Araújo, que era médico, e fazia as quadras … do Monte era o dr. Canavarro. E da Praça era o Dr. Araújo. Até temos uma avenida com o nome dele, morava na casa onde hoje mora o senhor Prior. Quando passava o Monte, e já visse o outro adiantado é que se formava o Rancho da Praça, iam até à praia, cantavam uma cantiga muito conhecida, de que não tenho memória… a minha filha que é do Monte, sabe. Eu tive seis filhos, mas o meu marido e a minha sogra eram do Monte. Ela tanto andou que “chupou” aquela filha para o Monte. Mas no dia S. João iam à praia, cantavam essa cantiga [orvalhadas] e atiravam umas pedrinhas ao mar. E voltavam pela outra avenida. Iam de dia e já voltavam de noite, porque o Monte era muito aperreador, e só saía quando muito bem entendia, porque sabia que a Praça não ia sem eles. 21h já era um bocadinho
escuro. e-v: O que é que se atirava a quem se gostava? E.S.: A D. Adelaide Torres era a rainha das rendilheiras. A casa que é hoje a mercearia da Praça era a casa dela. Era ela e a Germana rendilheira, que vendia rendas ali na Misericórdia. Quando a Praça passava ali, enchiase a rua de flores. A D. Adelaide Torres, tinha muitas janelas e muitos filhos abriam-se aquelas janelas e atiravam-se flores de todo o lado, que era um encanto. Na entrada do Lidador havia ali uma do Monte, e enquanto passasse o Rancho da Praça, ela fechava a janela. A minha mãe contava-me isso. e-v: E o que se atirava a quem não se gostava? E.S.: Uma das histórias passouse comigo. Eu era muito alegre, muito brincalhona. Tinha uma rapariga, minha amiga que também era muito bem disposta. De que é que nos lembramos? Andamos pela rua a procurar umas pedrinhas pequeninas, todas quase do mesmo tamanho. E naquele tempo havia uns rebuçados dos jogadores. E nós embrulhamos aquelas pedrinhas todas. Perdemos uma tarde a fazer aquilo. Então disse-lhe: “Laura que vamos fazer?” e ela respondeu-me: “Não te preocupes, que eu arranjo um cesto, da minha madrinha (que era madrasta), e vamos para o poleiro
da Misericórdia.” Vinha o Rancho do Monte da praia e nós muito lampeiras, fomos para lá. Uma cesta para cada uma e começámos a atirar com força. Se visse tudo, uns por cima dos outros a apanhar aquilo, julgando que eram rebuçados. Assim que vimos aquela barulheira, eles descobriram que não eram rebuçados, vieram atrás de nós e nós escondemo-nos, fechamo-nos em casa. Nunca mais saímos e eu disse: “Ai Laura se eles vem aqui, dãonos pancadaria!” Nós também atirávamos coisas. Eles ali uns por cima dos outros! Mas o barulho maior era quando a Praça passava na rua das Hortas. Atiravam batatas, e havia agressões. Agora a Câmara acabou com isso. e-v: Disseram-nos que até ratazanas voavam das escadinhas… E.S.: Ora veja lá! Não há muitos anos atiraram ovos que acertaram no “Nelinho” coitadinho, Deus o tenha em bom lugar! Ele apanhou com um ovo na cabeça. O Monte fazia muitas asneiras. As da Praça tinham medo, porque elas eram muito agressivas e muito maldosas. E a Praça só fazia barulho. Mas temos que concordar que o Monte era mais forte que a Praça. As da Praça eram mais contidas, mais metidas dentro de casa. e-v: É verdade que o Rancho da Praça era o preferido da elite? E.S.: Era. O Monte também tinha, mas o Rancho da Praça era de nome. Os poetas que faziam os versos, eram de categoria. Mas o Rancho da Praça era só gente fina. Por isso era mais contida. e-v: Nos seus tempos de menina como se esperava o S. João? E.S.: Um mês antes punha-se a bandeirinha no alto da Igreja. Naquela altura era um mês antes. E cantava-se: o Monte cantava lá de cima e a Praça
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atrás do adro. Mas o Mont
e-v: Como era ter um m E.S.: Olhe que o meu proibia-me de abrir as a Praça. Mas eu era mar Monte eu fechava as jane de mim e abria as janelas fechasse as janelas e que mim apagava! Quando p abrir as janelas! Flores se a apanhar, flores para a bandeiras… cheguei a pô da Praça. Eu era folgazo ver o Rancho da Praça sa casa, para atirar flores. A 95 anos, e no ano antes flores à Praça, porque a m da Praça. Trabalhava na r Torres. Ela e a Germana é tinham rendilheiras a trab mãe nunca trabalhou na casa, porque a minha avó d namoros. O ano passado aqueles papelinhos. A out Monte, morava por cima d o Monte, ela tinha que at fechada. E ela dizia: “A m que a mãe fechou as jane o pai.” Eu dizia: “Eu não! O não sou, olha!” E assim er
e-v: E na noite de S. Jo E.S.: O meu marido anos de casada e só fui lhe fazer a vontade. Nunc muito menos! Tinha nasci a Maria Síria, e eu batia o Gostava era de ir para a P
te ouve-se mais.
marido do Monte? marido era do Monte e janelas quando passava rota e quando passava o elas todas, e ele ia por trás s, porque não queria que erias as luzes acesas. Por passava a Praça lá ia eu em conta, que eu andava atirar à Praça. Até punha ôr uma fita na bandeira ona mas não saía dali. Ia air, mas tinha que vir para A minha mãe morreu com s de morrer ainda atirou minha mãe era rendilheira renda para a D. Adelaide que compravam rendas e balhar para elas. A minha a mestra, trabalhava em dizia que lá se arranjavam já não atirei flores, atirei tra [minha filha] que é do de mim. E quando passava tirar flores. E eu de janela mãe é de uma marca! Olhe elas todas, nem respeitou O teu pai é do Monte e eu ra…
oão… respeitou-me. Estive 50 uma vez ao Monte, para ca mais foi ao Monte, e eu ido um filho, deve ter sido o pé e dizia: «Não vou!». Praça. Agora e ele ir para a
Praça? Era preciso eu andar ali meiguinha, que eu sei lá, para ele ir à Praça, um bocadinho. Quando os meus filhos eram pequenos eu dizia: “Com crianças não vou para o Monte. Aquilo tem jeito?” e-v: E zangavam-se pela noite de S. João? E.S.: Zangávamos! Ele dizia: “Tens a mania de dizer que os melhores autores dos versos que é o Dr. Araújo e não são. São os do Dr. Canavarro”. “Não é nada!”, dizia eu. E-V.: E na noite faziam a sardinhada? E.S.: Não! No dia das marchas, o meu marido ia sempre comer o caldo verde e cabrito. Naquele tempo não havia sardinhas, como agora. A Praça e o Monte faziam fogueiras no Santo António. Na noite de S. João chegámos a ir a um restaurante do sr. Garrido, e o do sr. Martins. Era a tradição da noitada de S. João. Era muito bonita a festa. Era muita gente, porque só se festejava ali no largo dos
Rancho da Praça 1920
Artistas e no Terreiro. Era só ali que havia iluminações. No Terreiro ainda havia o coreto… e ali na rua das Hortas, havia umas luzinhas muito fraquinhas. No Terreiro congregava-se muita gente. Até as do Monte. Agora é tudo muito barulhento. Mas o meu pai não nos deixava ir. Dizia que a festa era só para rendilheiras, e não para meninas! “Vós não tendes nada que ir atrás do Rancho.” Mas eu ia para a beira do Senhor da Cruz e via passar o Rancho. Eu ficava toda triste com a minha mãe. Mas ele não gostava. O meu marido também nunca ia. E eu sem ele também não ia. E assim ficávamos meios amuados. Depois passava tudo com o S. Bento! 109 e-vilacondense
e-v: E no S. Pedro como E.S.: No S. Pedro tornav os carros com aquelas qu mais vida que a Praça e m Eu sou da Praça e pago as não tenho tanta vida! O flores. Mas na avenida Há muitos prédios. Era o morreu… Poucas flores s em frente às nossas casas faziam igual, tanto a Pra hoje as minhas filhas dize gente na Praça que no Mo passar o Rancho. Antigam
o era? vam a ir à praia. Levavam uadras. Mas o Monte tinha mais dinheiro que a Praça. minhas cotas anuais. Mas que posso fazer é atirar pouca gente põe flores. o Mário Torres, mas ele se põem. Elas até param s a cantar. Mas no S. Pedro aça como o Monte. Ainda em: “No S. Pedro vai mais onte”. Tudo gostava de ver mente as críticas não eram
nos carros, eram vozes a cantar. A música gravada não tem graça nenhuma. Antigamente era a banda de música, aquilo é que era bonito. Como a Praça era mais pobre, ia menos tocadores. Era muito mais bonito… Mas agora, para mim, aquelas músicas altas não têm tanta graça, nem têm tradição. Antigamente o luxo da terra eram as bandas que iam tocar para os coretos. Não havia mais distracções. Quando houvesse festas eram as bandas que iam tocar para os coretos. Quando havia festas, festas de igreja como o S. Bento, a gente ia ver tocar essas bandas. Na avenida fui muitas vezes, porque temos ainda o coreto. E havia um na Praça [de S. João], mas atiraram abaixo esse. Também havia no Terreiro. Só ficou o do jardim… e-v: O que é ser da Praça? E.S.: Para mim ser da Praça é ser de Vila do Conde, porque se entendia que o Monte não pertencia a Vila do Conde. Era de gente mais rica, briosa e fidalga. A Praça era muito fina. Não é por ser da Praça, que eu sei que as do Monte cantam muito e têm muita vida. Mas quando passava a Praça eu andava uma semana a apanhar flores… eu tirava dos quintais, ia com uma saca com os meus filhos… a minha “Tininha” era “perra” para o Monte, ela é toda pracista e arranjávamos sacos cheios de flores. A minha filha de cima dizia: “Não admira! A mãe rouba flores para atirar à Praça”. Eu agora não tenho quem me vá apanhar, atiro os papelinhos! Vocês vão atrás? e-v: Vamos… Nem sempre, vai-se quando pode… E.S.: Eu às vezes digo: “Ó meu Deus! Eu se fosse nova – o meu pai não me deixava – mas se fosse o tempo hoje, queria lá saber que ele me batesse, até. Eu ia!” Eu era uma pracista! E podia estar muito doente, mas naquela altura, passava-me tudo!
INVENTÁRIO DO ESPÓLI
A primeira tentativa de inventariar os bens do Mosteiro é da iniciativa de D. João VI que, antes de partir para o Brasil, ordena que se faça um levantamento de todos os bens em prata do Mosteiro. Anos mais tarde, é realizado um novo inventário por ordem do Ministério da Justiça. Esse inventário encontra-se publicado no jornal “A Renovação” 1.. Neste levantamento constata-se que parte do espólio desaparecera – parte fora vendido num leilão realizado pouco antes da tomada de posse pelo Ministério da Justiça, outra fora removido para o Museu Municipal do Porto (na época dirigido por Rocha Peixoto) e para o Museu de Belas Artes em Lisboa. Em 2003, foi realizado, pelo núcleo de estágio de História da Escola Básica 2,3 Júlio-Saúl Dias e com o contributo do Sr. Padre Mendes, da Dr.ª Deolinda Carneio e do Dr. José Manuel Flores Gomes, um dos últimos processos de inventariação do espólio do Mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde. Este centrou-se na estatuária, pintura, mobiliário e paramentaria existente nos espaços do Mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde. Por se encontrarem guardadas e de acesso muito restrito, as alfaias religiosas mais valiosas não foram inventariadas. No presente inventário serão utilizadas estampas da autoria das investigadoras e do Dr. Flores Gomes. 1. “A Renovação”, Jornal; datas 5-2-1942; 12-12-1942; 02-01-1943 e 09-02-1943.
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IO DO MOSTEIRO DE SANTA CLARA INVENTARIAR PARA PRESERVAR Parte II
POR MÓNICA SOUSA E VALQUÍRIA COSTA Licenciadas em História-variante Arqueologia - FLUP
Pátio da entrada do Mosteiro de Santa Clara, em fevereiro de 2003.
ADORAÇÃO DOS REIS MAGOS Datação: Séc. XVII – XVIII
Material: Pintura a óleo sobre tela, com moldura em madeira pintada de vermelho e do Estado de conservação: Razoável. Transcrição da legenda: “ET . INTRAT(E)SDO/MVM . IN . VENERVN(T)/PVERVM CVM MARI(A)/MATRE ADORA/VERVNT . EVM”
Descrição: A pintura retrata um tema religioso muito frequente, a adoração dos Reis Mago é dedicado à Sagrada Família: a Virgem Maria, sentada, com o Menino no colo e, p São José. De ambos os lados da Sagrada Família, encontram-se os Reis Magos em estando o terceiro, de joelhos, ao lado da Virgem, a segurar e a beijar o antebraço todas as personagens concentram-se nesta atitude de adoração do rei. Outras p vestidas, compõem a pintura. O fundo retrata uma paisagem vegetalista muito uma estrutura arquitetónica em pedra, que se assemelha aos arcos do próprio Mosteiro de Santa Clara, da qual brotam elementos vegetalistas. Na parte inferior da tela encontra-se pintada a legenda. A moldura, em madeira, é predominantemente pintada em vermelho, sendo o filamento mais próximo da tela em dourado. A meio de cada perfil da moldura e nos cantos encontram-se pequenas decorações vegetalistas em dourado. Atualmente, encontra-se na Igreja do Mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde. Estampa de 2003. 113 e-vilacondense
ourado.
EIVS ETPRO/CIDENTES ..
os. O espaço central da tela por trás da Virgem, em pé, mpunhando as suas ofertas, o do Menino. Os olhares de personagens, nobremente o simples, predominando
Datação: Séc. XVII – XVIII
Material: Pintura a óleo sobre te
Estado de conservação: Razoável.
. Transcrição da legenda “COMPLETISVNT /DIES Descrição: A pintura retrata um do uma freira. No centro da pi A Virgem Maria encontra apresentação da criança a Virgem está um anjo, a ú todos os outros olham, ad freira, adorando-o. Os seu a inscrição “F”. Entre os p se a cabana, após a qual s anjinhos seguram a faixa se a legenda, pintada em vermelho, sendo o filame cantos encontram-se peq encontra-se na Igreja do M Estampa de 2003.
PRESÉPIO
ela.
:
. . a: SMARIE VT /PARERETFILIVM/ SVV(~) PRIM(O)GENITV(~)”
os mais frequentes temas religiosos: o presépio, este com o pormenor de incluir intura encontra-se o menino Jesus, deitado sob um manto branco na manjedoura. a-se sentada, por trás do menino, segurando as suas costas, numa atitude de aos pastores. São José, de pé, localiza-se por trás da Virgem Maria. Ao lado da única personagem da pintura cujo olhar se direciona para o rosto da Virgem, dorando, o menino Jesus. De joelhos e de frente para o menino Jesus, está uma us braços cruzam-se sobre o peito e segura com a mão direita um coração com pastores despontam as cabeças do burro e do boi. Por trás das personagens, vêse encontra ainda uma estrutura arquitetónica robusta, em granito. No céu, seis com a inscrição “GLORIA IN EXCELSIX DEO”. Na parte inferior da tela encontram dourado. A moldura da tela, em madeira, é predominantemente pintada em ento mais próximo da tela em dourado. A meio de cada perfil da moldura e nos quenas decorações vegetalistas em dourado, contornadas a preto. Atualmente, Mosteiro de Santa Clara de Vila do Conde.
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SANTA APOLÓNIA – VIRGEM E MÁRTIR Datação: Séc. XVII – XVIII
Material: Pintura a óleo sobre tela, com moldura em madeira pintada de vermelho e do
Estado de conservação: A tela encontra-se em mau estado de conservação, sobretudo na parte infer danos na pintura.
Transcrição da legenda: . . . “SANTA APOLLONIAVIR / GINIS : ET MARTIRES / CVIPERSECVTORES TEM/PO / PRIMVMEXCVSSERVN / ORAPRONOBIS / DASDEVOTAS”.
Descrição: A pintura retrata a imagem da Santa Apolónia com os seus atributos: na mão d tenaz e na esquerda uma palma e um livro. O fundo retrata uma paisagem veg estrutura arquitetónica. Na parte inferior da tela encontra-se pintada a legenda A moldura em madeira é predominantemente pintada em vermelho, sendo próximo da tela em dourado. A meio dos perfis laterais da moldura e nos can pequenas decorações vegetalistas em dourado. Estampa de 2003.
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ourado.
rior, com rasgos e
ORE DEÇIIDENTES
direito segura uma getalista com uma a. o filamento mais ntos encontram-se
Datação: Séc. XVII – XVIII
Material: Pintura a óleo sob
Estado de conserv A tela encontra-se restauro.
. Transcrição da leg “TVLERVNTDOMIN DISITOMIHI : ET EG
Descrição: A pintura retrata u A expressão “noli m alvo de algumas con de várias obras. A at movimento do seu b também para a expre de abraços abertos, p Na parte inferio predominantemente meio dos perfis later em dourado.
Estampa de 2003.
NOLI ME TANGERE
bre tela, com moldura em madeira pintada de vermelho e dourado.
vação: e em mau estado de conservação, sobretudo na parte central necessitando de
genda: NVM : / MEVMETNESÇIOVBI / POSVERVNTEVM : SI : / TVSVSTVLISTIEVM : / GO : / EVMTOLAM :”
um tema religioso: Maria Madalena vendo pela primeira vez Cristo ressuscitado. me tangere”, traduzida como “não me toques”, tem sido, ao longo do tempo, ntrovérsias pela sua interpretação e, simultaneamente, a nível artístico, tema titude de Cristo, demonstra mesmo essa controvérsia, mostrando, através do braço direito, preparar-se para tocar em Maria Madalena. Por sua vez, destaque essão de admiração e surpresa de Maria Madalena, que se coloca de joelhos e perante a imagem de Cristo. Ao fundo figura feminina em oração, de joelhos. or da tela encontra-se pintada a legenda. A moldura, em madeira, é e pintada em vermelho, sendo o filamento mais próximo da tela em dourado. A rais da moldura e nos cantos encontram-se pequenas decorações vegetalistas
.
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SANTA LUZIA Datação: Séc. XVIII
Material: Pintura a óleo sobre tela, com moldura em madeira pintada de vermelho e do
Estado de conservação: No lado esquerdo da pintura a madeira apresenta uma fenda e alguns danos. Transcrição da legenda: “S.LVZIA”
Descrição: A pintura retrata a imagem de Santa Luzia. A Santa é representada com ricas e uma atitude serena. Na mão direita segura uma palma e na esquerda uma (atributos da Santa). A moldura em madeira é predominantemente pintada em vermelho, send próximo da tela em dourado. A meio de cada perfil da moldura e nos cantos enc decorações vegetalistas em dourado. Estampa de 2003.
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ourado.
.
roupagens e adornos taรงa com dois olhos
do o filamento mais contram-se pequenas
Praça José Régio, 168 4480-718 Vila do Conde 252 645 983
e-vilacondense www.vilacondense.pt
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