F RE N T E VE R SO
PU BL ICAÇÃO POL ÍTICO- CU LTU RA L , GA S TRONÔMICA E L ITERÁ RIA DE A RMAÇÃO DOS BÚ ZIOS
N OV EM B RO 2 01 8
#004
GUANABARA:
Imagine um lugar
onde o sentimento de acolhimento seja o
& norte. - PG 06
EDITORIAL: As eleições de 2038
correram bem, as candidatas e
candidatos eleitos no Brasil e no
Rio trocaram mensagens amistosas com os que não venceram e a
democracia segue firme. - PG 02
EDUCAÇÃO: Ensino a
Distância hoje envolve tecnologia, inovação, plataformas integradas e complexas, vídeo-aula, chat e, sobretudo, enxugamento de custos. - PG 03
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EDIÇÃO 004 – ANO 01 – NOVEMBRO 2018
EDITORIAL
traços & troços MATTIAS
Chargista
ARMAÇÃO DOS BÚZIOS, 29 DE OUTUBRO DE 2038 As eleições de 2038 correram bem, as candidatas e candidatos eleitos no Brasil e no Rio trocaram mensagens amistosas com os que não venceram e a democracia segue firme. É primavera na cidade e a brisa lambe o rosto de quem circula. Quase não existem mais carros em Búzios. Todas as pessoas andam de bicicleta ou usam o bondinho público movido a energia solar. Os pedestres se movem devagar, na intermitência de um ou outro abraço, de uma palavra trocada ou de alguma saudável discussão política. A jornada de trabalho foi reduzida em todo o país. A desigualdade social caiu drasticamente. As pessoas já não têm mais pressa ou nervosismo no seu trajeto. Por toda a cidade, as árvores frutíferas tomam conta do espaço e basta estender a mão para a suculência de uma mordida. Hoje deu praia. Todas as areias estão com a Bandeira Azul. Crianças correm atrás umas das outras. Casais heterossexuais, LGBT, pessoas negras, brancas, indígenas, trocam carinhos e afetos sob o sol. A criminalidade em Búzios é quase zero e a Polícia nem precisa existir. Perto do mar, a cooperativa dos pescadores, uma das principais forças políticas do município, está realizando uma assembleia. Os trabalhadores debatem medidas para ampliar a segurança alimentar e a qualidade do que se come na região. As decisões serão levadas à gestão colaborativa da prefeitura. No bairro ao lado, a cooperativa dos produtores e pesquisadores da maconha está promovendo um ciclo de oficinas com a população da terceira idade. Cursos de programação e informática, design, produção musical, cinema, tecnologia e inovação. O esgoto de Búzios é 100% tratado e absolutamente todo o lixo da cidade é reciclado, de forma seletiva, gerando energia e novos produtos sustentáveis. A cidade é referência mundial, com suas duas universidades públicas, na área da ecologia, da pesquisa marinha, do turismo, dos esportes e da gastronomia. Assim como em todo o Brasil, a ciência é uma das principais preocupações do governo e de toda a população. Os quilombos de Búzios, detentores de conhecimentos avançados da medicina, da engenharia e da sociologia, também são visitados por pessoas de
todo o mundo, durante todo o ano. Os inúmeros festivais culturais e as bibliotecas públicas são outro atrativo. Nessa cidade, nesse dia, com a alma tranquila que era sua, uma jovem estudante de 21 anos saiu de casa, rumo à universidade, em sua bike. Pedalou por toda orla, passou pela estátua de Brigitte, cruzou a Rua das Pedras, deixou vários bairros para trás e, quando teve sede, parou perto do campo de futebol onde um dos muitos times da cidade praticava o esporte. Bem ao lado da Escola de Surf Theo Fresia, que revelava novos talentos das pranchas. A menina sentou-se para descansar e beber água em um dos bancos, debaixo de uma árvore, e lá estavam alguns dos vários jornais diários de Búzios, espalhados por quem já havia feito mais cedo a sua leitura diária. Ela pegou a edição do Frente e Verso e leu o editorial, onde corriam as seguintes linhas: “Há exatamente 20 anos, quando o Brasil saía da pior eleição de sua história, dilacerado, sob a ameaça gritante do fascismo e da ditadura a nos amedrontar, temíamos que era aquele o fim das utopias. Porém, felizmente, o tempo mostrou que não era”.
EXPEDIENTE FRENTE E VERSO É UMA PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS. JORNALISTA RESPONSÁVEL: Artênius Daniel - Contra Regras (DRT/MG 08816JP) COLUNISTAS: Alexandre Santini, Bento Ribeiro Dantas, Gessiane Nazario, Gustavo Guterman, Hamber Cannabico Carvalho, Hélio Coelho, Leandro Araújo, Léa Gonçalves, Luisa Barbosa, Manolo Molinari, Maria Fernanda Quintela, Pedro Campolina, Sandro Peixoto, Sheila Saidon, Tiago Alves Ferreira, Tonio Carvalho. CHARGE: Mattias. REVISÃO: Maria Cristina Pimentel TIRAGEM: 3.000 – Distribuição gratuita PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: Vinicius Lourenço Costa - Vico Design ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO: Contra Regras Produção e Comunicação ENDEREÇO: Feira Livre Periurbana de Búzios, Praça da Ferradura, Centro, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000 FALE COM A FRENTE E VERSO: frenteverso@contraregras.com.br
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PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS
Educação
ENSINO A DISTÂNCIA “Calo-me, espero, decifro. As coisas talvez melhorem. São tão fortes as coisas! Mas eu não sou as coisas e me revolto.” Carlos Drummond de Andrade
Nada relacionado aos cursos por correspondência, gibis com anúncios de guias, estudos impressos, exercícios enviados pelo correio. Nem vendedores de porta em porta, nem troca de carta. Ensino a Distância (EAD) hoje envolve tecnologia, inovação, plataformas integradas e complexas, vídeo-aula, chat e, sobretudo, enxugamento de custos. Por isso, tem sido pauta do movimento estudantil e de petições on line em todo o país, contra a substituição de aulas presenciais pelo contato frio e pouco dialógico entre o estudante e o tutor, mediado pela plataforma digital. Hoje, o ensino a distância, que serviu como instrumento fundamental para expandir e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação no país, especialmente à população mais pobre, às zonas rurais e aos indivíduos em defasagem idade-série, tem sido transformado em precarização do ensino, sobretudo na educação superior privada. Fatos recentes, entretanto, indicam que a onda não ficará apenas por aí. Tubarão de ensino tem sede de oceano. Como já dito no artigo de estreia desta coluna[1], a maior empresa privada do mundo, no ramo da educação, a Kroton Educacional, que tem mais 1,185 milhão de estudantes presenciais e 819.000 na modalidade EAD, acaba de adquirir o grupo Somos (ex-Abril Educação), líder no segmento da educação básica com editoras de material didático e escolas. Assim, o ensino básico passará a representar 28% do faturamento da Kroton, que
já avisou estar apenas no começo de sua empreitada, neste novo quinhão do mercado. A educação a distância voltar-se-á também para o ensino médio. O ensino a distância não é de hoje. Surge no Brasil, em inícios do século XX, com a Rádio-Escola Municipal no Rio de Janeiro, dirigida por Anísio Teixeira (1934). Em 1939 cria-se o Instituto Radiotécnico Monitor e aprimora-se a iniciativa. Na década de 1960, o Movimento Educação de Base (MEB), a Igreja Católica e o Governo Federal também utilizam o sistema de rádio educativo para formação religiosa e política. Na de 1970, a Fundação Roberto Marinho começa a oferecer o Telecurso – programa de educação supletiva a distância para o ensino fundamental e médio brasileiro com vídeo-aulas passadas na TV e revoluciona o processo ensino-aprendizagem. A vizinhança junta-se para ouvir a rádio educadora. Escolas tornam-se pólos do Telecurso. A novidade de hoje é que, além do avanço tecnológico, há forte atuação do setor privado nesse segmento, antes promovido pelo setor público ou comunitário. No período mais recente, com a expansão dessa prática, o MEC buscou conter a disseminação desenfreada do EAD e estabelecer, por meio da Portaria 4.059 de 10/12/04, que os cursos presenciais poderiam ofertar somente até 20% da carga horária total nessa modalidade. Algumas instituições, no entanto, ultrapassam esse limite ou definem
LUISA BARBOSA
Professora doutora de filosofia e sociologia do C. M. Paulo Freire e do C. E. João de Oliveira Botas
como online as matérias que deveriam ser obrigatoriamente presenciais. Em 2006, numa ação oposta, o Governo Federal aprovou o Sistema Universidade Aberta do Brasil (Decreto 5.800), um programa que apoia instituições públicas de ensino superior a oferecerem educação de qualidade na modalidade EAD. Embora o ensino a distância diminua custos, minimize distâncias, cumpra um papel importante na formação da sociedade, principalmente daqueles com dificuldade de frequentar a escola ou a universidade, seria mesmo essa a saída para a educação brasileira, quando marcada por um enfoque exclusivamente empresarial? Será que uma educação imune à comunidade, que cultue o individualismo, que estabeleça metas mensuráveis, supostamente neutras - numa sociedade que de neutra não tem nada - seria a solução? A universidade e, principalmente, a escola cumprem um papel fundamental na sociedade: partir do nível não elaborado, de senso comum, para o nível do conhecimento científico, capaz de compreender o mundo nas suas múltiplas dimensões.
É lá que sujeito-indivíduo e sujeito-social interagem. É na relação aluno-aluno, aluno-professor, aluno-merendeira-inspetor-educador-professor, que o conhecimento se constrói. O conhecimento, portanto, é uma construção social, dialógica, afetiva, humanizadora. Educação é processo de socialização e recriação da cultura. Conhecimento é mais do que repetir informações ou repetir operações básicas. Tudo isso tem uma finalidade maior: formar cidadãos capazes de interferir na história e de transformar sua existência. O estudante não é tábula rasa. Nem o professor um ser iluminado, dotado de todo o saber a ser transferido. Mas é na escola que essa profícua troca ocorre com maestria, porque as pessoas estão juntas, e podem se relacionar de maneira criativa. O homem e a mulher são seres sociais, ainda que muitas vezes tratados e agindo como robôs, como coisas, como máquinas.
1. Refiro-me ao artigo “Tubarões à vista” publicado na edição #000 do Frente & Verso, de junho de 2018.
O projeto Cidade Biblioteca é uma iniciativa sem fins lucrativos de promoção da cultura, da leitura e do acesso ao conhecimento em Búzios. Nosso sonho é que os livros estejam sempre ao alcance das mãos, seja na procura do ócio, na espera do café, do transporte público ou do pôr-do-sol. Os livros transformam o intelecto e a sensibilidade, fazem do mundo um lugar melhor. O Cidade Biblioteca promove ações como saraus, clubes de leitura, distribuição de livros pelos espaços públicos, bibliotecas itinerantes.
SEGUNDA-FEIRA - 5/11 e 19/11
SÁBADOS
SÁBADOS
1a QUARTA-FEIRA DO MÊS - 07/11
Praça da Lagoa dos Ossos
Feira Livre Periurbana de Búzio
Feira Livre Periurbana de Búzio
Praça Santos Dumont
19h às 21h
11h às 12h
DOE SEU TEMPO. DOE SEU LIVRO
8h às 13h @cidadebiblioteca
19h às 21h
cidadebiblioteca@gmail.com
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EDIÇÃO 004 – ANO 01 – NOVEMBRO 2018
CRÔNICA BUZIANA
SANDRO PEIXOTO
Empresário e jornalista
O VERÃO QUE NUNCA CHEGA
Por três décadas morando em Búzios, sempre ouvi a mesma história da boca de muitos comerciantes, antes da chegada da alta temporada. Basta a primavera dar seus últimos suspiros, e o verão apontar ao longe, que começa a empolgação: esse verão vai ser o máximo! Será a melhor temporada dos últimos tempos! O carnaval vai cair em março!
na essa que amortizará as dívidas dos últimos meses de baixa e que, se possível, deixará alguma sobra para a pós-temporada. Ninguém, a não ser os mais débeis, imagina ficar rico com o verão buziano. Pagar o que se deve e juntar uns trocados para as próximas dívidas. Foi nisso que se transformou nosso verão. Um alívio orçamentário.
A cantilena, disfarçada de expectativa, toma conta de quase todo mundo, pois a felicidade estará - é o que se espera - em curto prazo, ao alcance de todos. E eis que enfim chega a alta temporada com a explosão de preços, falta de água, de luz e de transporte público, os intermináveis engarrafamentos, mas ninguém, a não ser os turistas parece ligar. Ganhar dinheiro tem seu preço, remói o subconsciente a cada instante e a consciência não nos deixa sentir as dores, ouvir clamores ou sentir os odores típicos da época. A enorme expectativa anestesia.
Se empresários e trabalhadores nadam em suores de ansiedade, os gerentes dos bancos da cidade olham já com saudades para suas últimas drágeas de Rivotril. Afinal, os limites já passaram dos limites ainda em setembro. O Dia da Independência não foi aquilo que se esperava, e o 12 de outubro (os dois feriados mais aguardados antes do verão) também não somaram tanto, e Finados, sempre chove. Resta o verão, concordam todos de maneira inconsciente.
Somados, teremos pouco mais de cem dias para fazer grana. Gra-
Chega o verão. Chegam os navios transatlânticos, os paulistas endinheirados, os mineiros mão de vaca, argentinos, chilenos e até uru-
guaios. Gente do mundo todo aporta na cidade na expectativa de dias de alegria. Quem os recebe, não quer nem saber os nomes nem a procedência. Está de olho apenas no dinheiro. Búzios nunca explorou o turismo e sim, o turista. A falta de educação e o mau atendimento é praxe. Quer sentar na Azeda? 35 reais duas cadeiras e um guarda-sol. Uma anchova (ou será enchova?) de 800 gramas não sai por menos de 100 reais em qualquer praia. Mas vai com salada! - avisa um garçom de pés descalços e dedos encardidos. Por salada, leia-se duas folhas de alface, meia cebola e um tomate fatiado. Se quiser uma porção de arroz à parte, custa mais 25 reais. Batatas fritas, idem. Nas praias da cidade, a cerveja em garrafa mais barata não sai por menos de 15 reais. Long neck, dez reais, e latão de Itaipava, 7 reais. Some tudo isso, mais o flanelinha, e se prepare para deixar 300 reais somente na praia. No mínimo. Não é possível que com esses preços exorbitantes e mais de cem dias de vendas, o verão não gere lucros para patrões e empregados? Mas, por incrível que pareça, e antes mesmo da Semana Santa, começam as reclamações e a frase é sempre a mesma: o verão foi fraco né?
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PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS
Teatro
Zarzuela TONIO CARVALHO Autor, ator e diretor teatral
TEATRO PARA NÃO SEXUADOS Nestes tempos de hipocrisias, conservadorismos, preconceitos generalizados, prepotências, intolerâncias, intransigências, fundamentalismos, xenofobias, racismos, falsos moralismos, misoginias, homofobias, bom mocismos, salvadores da pátria, “tradição, família e propriedade”, extremismos ditatoriais da esquerda pelas tomadas de poder através das armas dirceusistas ou da direita armando criancinhas a partir de tenra idade para, boçalnaramente ter em seus graciosos polegares o gatilho do poder - nesse ninho de cobras, onde o ovo da serpente está prestes a fazer da desgraça uma omelete e não um genial “Hamlet”, a arte e a cultura e, muito especialmente, o teatro (sempre “perigosíssimo”!), são, em primeira instância, as vítimas visadas, condenadas em segunda e dizimadas em terceira, até quando, qual Fênix, em um novo futuro a renascer das cinzas? Pobre do país que renega sua cultura. Identidade em construção, posta abaixo. Pobre o rico país da arte tratada como degenerada. Pobre país cuja identidade naufraga sob a bandeira da ignorância desfraldada. Saibam, senhores feitores do poder, e idem aqueles que o desejam como pretensos futuros benfeitores: artistas são, por excelência, visionários, cientistas da alma, da imaginação sonhadora, criadora. Assim como os artistas, cientistas também o são: visionários, construtores do futuro, profetas de novos tempos, novos mundos, antecipando dias de conquistas para a humanidade. Aqui, entretanto, destroem-se, derrubam-se, incendeiam-se teatros, museus, bibliotecas, universidades. Não é, portanto, de se estranhar que mentes brilhantes estejam dando adeus a países repressores onde o saber é visto e tratado como mercadoria descartável, indo desenvolver seus talentos onde são acolhidos, assimilados para socializarem e difundirem descobertas, invenções e otimizarem o conhecimento. Artistas, salvo raras exceções, não têm tal sorte ou possibilidade. Atores e atrizes têm, como matéria prima de trabalho, a língua pátria. Sendo assim, o melhor lugar para a expressão de suas artes ainda é em solo pátrio. Para tal, seguem a mesma trilha de sempre, lutando para sobreviver, apostando que um novo futuro renasça das cinzas à qual foi, mais uma vez, reduzida. Cinzas que resultam da força e do fogo de Eros em oposição a Tânatos. A questão atual, senhores opressores, repressores, reacionários, do-
nos da verdade, algozes, conservadores, oportunistas imorais, sonsos, covardes e hipócritas, assassinos enrustidos e psicopatas sem moral: a questão é a saúde, a educação, a economia. A questão não é moral. A questão não é civismo ou cantar o hino, como salvação nacional, com mãozinha no peito, no lugar, onde, ao invés de coração, existe uma pedra. A questão é ambiental, não é moral. A questão é cultural, não é moral. A questão não é o nu artístico, cuidadoso, sensível, artesanal, lúdico e atual. A questão é a burrice, a ignorância, a ausência de uma política cultural tratada e cultivada por quem entenda do babado. Que eleve nossas expressões artísticas à contemporaneidade que o século XXI nos cobra, com a grandeza das conquistas tecnológicas, fruto de um mundo em constante transformação e que nos impeça de retrocedermos a meio século, quando convivíamos com a repressão batendo à nossa porta, invadindo teatros, censurando textos, cerceando a liberdade de imprensa, prendendo autores, atores, escritores, jornalistas, em nome da patética “família brasileira”. Se décadas atrás, o conceito já estava atrasado, hoje, nem se fala. O conceito de família é outro. Muito outro, senhores! O mundo mudou, as pessoas o fizeram mudar. Apenas os senhores mantiveram as esperanças nos dinossauros e trogloditas cujas máscaras usam tão bem, que estão incorporadas aos seus focinhos, pois: - subversivos são os retrógrados, reacionários, os sem a visão do futuro da humanidade; - anarquistas são os falsos moralistas que se guardam em armários de toda espécie, cúmplices em seus conchavos e falcatruas, horrorizados com os fantasmas das próprias fantasias; - rebeldes são os prisioneiros de si mesmos que reagem a qualquer tentativa de ir em frente, de olhar o mundo como uma eterna metamorfose e de contemplá-lo com a inocência da vez primeira do olhar de uma criança; são os que esperneiam a qualquer ameaça às suas convicções, guardados em seus mundinhos cor de rosa. Portanto, parem de espernear e de dar gritinhos de Capitão de Fragata ou de Cafetão de Gravata. Façam arte! Arte renova, salva da mediocridade! Um santo remédio é o teatro (sempre “perigosíssimo”!). A Criação é Eros. É sangue, é amor, é vida. É sexo. E para “exercê-lo” não são necessários fiscais sexuais de plantão ouvindo atrás das portas o que as pessoas fazem ou deixam de fazer às claras, nos “escurinhos do cinema”. Sexo pertence a cada um. Ninguém precisa de um
“HÁ CERTAS CULTURAS QUE QUEREM NOS VENDER UMA NOÇÃO DE VIDA QUE NÃO CORRESPONDE AO QUE A VIDA É DE VERDADE. O MURO DA DESINFORMAÇÃO É PROVAVELMENTE A FORÇA MAIS POTENTE E NEGATIVA QUE EXISTE” Roger Waters Aos 75 anos de idade, o lendário compositor britânico, Roger Waters, considerado o 22º melhor baixista do milênio, pisa em solo brasileiro. O ex-Pink Floyd apresenta a turnê Us + Them. Com um dos maiores palcos do planeta, cerca de 750 metros quadrados de área, porcos voadores, chaminés e um show de luzes, lasers e projeções fazem com que você se sinta em outro mundo, enquanto Waters toca clássicos do Pink Floyd e músicas próprias, grande parte encontrada no álbum solo Is This the Life We Really Want? O Srº Sombrio, sempre escreveu sobre horrores provocados pelas guerras. Servindo pelo lado dos Aliados (União Soviética, EUA, Reino Unido e a China), seu pai morreu na II Guerra Mundial - episódio que ele transformou em música na canção When The Tigers Broke Free, composta para a ópera-rock The Wall (1979) mas incluída apenas na versão cinematográfica, e registrada finalmente em The Final Cut (1983). Seu avô por parte de pai morreu na I Guerra Mundial. The Final Cut (1983), reflete sua raiva com a Guerra das Malvinas, o músico propõe reunir lideranças mundiais para que, ali, seja aplicada uma “solução final” - entre os governantes citados estão a então primeira ministra britânica Margaret Thatcher, Leonid Brezhnev (líder da União Soviética entre 1964 e 1982) e os presidentes americanos Richard Nixon e Ronald Reagan. Em Animals (1977), no qual o músico escreveu sozinho a maior parte das letras, ele se inspirou no livro A Revolução dos Bichos, de George Orwell, numa forte crítica ao capitalismo. O músico inglês é integrante BDS (sigla para boicote, desinvestimento chefe, general ou capitão que lhes diga o que fazer e com quem. Em teatro, não existem mistificações. Sexo é bom, sim. É gostoso. É vital, flui, é lúdico. Em teatro, mergulha-se fundo no autoconhecimento. Um poço sem fundo. E quanto mais profundamente, densas trevas assustam. Mas o retorno reserva uma intensidade tão luminosa que renova corpo e mente. Mas, para tal, é preciso coragem. E é justamente aí que encontramos homens de verdade. Os de mentira refugiam-se sob as máscaras diversas que vão do autoritarismo à degradação de costumes, encobertos sob o manto hipócrita do comportamento dissimulado, enrustido.
LÉA GONÇALVES
Radialista, DJ e programadora musical
e sanções), que se posiciona contra Israel e a favor da Palestina. Em terra brasilis, não poderíamos esperar que fosse diferente, duras críticas a Donald Trump, Putin, e líderes europeus como Theresa May e Emmanuel Macron, em São Paulo incluiu o presidenciável do PSL, Jair Bolsonaro, em uma lista de neofascistas, na Bahia homenageou o capoeirista assassinado, Mestre Moa do Katendê, e em Belo Horizonte ao cantar Another Brick in the Wall, o compositor levou ao palco algumas crianças vestidas de presidiárias, mas que ao final da música exibiam uma camiseta com “Resista” escrito. “As crianças não têm culpa”, “Respeitem as mulheres” e “Quebre o muro” são algumas das frases que aparecem no show. Música. política, inclusão social, defesa dos refugiados e uma luta constante pela democracia e contra os horrores do fascismo, assim é estilo Roger Waters. Até a próxima. Mande-nos uma mensagem, participe conosco: A coluna Zarzuela gostaria de saber quais são as dez músicas de todos os tempos? lea.leadj@gmail.com http://facebook.com/lea.leadj Para os inscritos no financiamento coletivo Catarse, este mês estará disponível no Spotify o setlist da turnê Us + Then. Para romper, desconstruir, o que fazer? Atirar na lixeira os velhos chavões e abraçar os novos tempos, os ventos de novas gerações, perder o medo e viver, de fato, o que tiver desejo de ser e viver. Faz bem gritar de tesão, de prazer, de dor. Faz bem liberar as lágrimas, as coxas, o peito, o riso, a bunda, a boca, a língua, a saliva, o cheiro e tudo o mais! Porque sexo é foda! É fogo, é chama de um, de dois, de três, de dez mil! Ainda mais sob este céu de anil onde todos sabem que não existe pecado do lado debaixo do Equador! Saravá, Axé, Alô, se achegue, minha fulô!
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EDIÇÃO 004 – ANO 01 – NOVEMBRO 2018
Guanabara
Ar dos Búzios
MAR NOVO LEANDRO ARAÚJO
MARIA FERNANDA QUINTELA
dos antepassados. Há também as canções líricas que falam de temas pessoais: seja celebrando alegrias ou lamentando dissabores, induzem a uma catarse coletiva que iguala os homens em sua pequenez e alivia o fardo da vida.
Heróis. Assim devíamos chamar nossos pescadores mais antigos. Heróis de infinitos contratempos a que se expunham para trabalhar, se deslocar, enfim, para viver. Hoje, quando vemos pescadores ao mar, dificilmente podemos imaginar o que era comum há apenas alguns anos. Ninguém mais pratica a pesca de Mar Novo da forma como era praticada antigamente. O que é uma boa notícia, frente à realidade perigosa do dia-a-dia desse tipo de pesca.
UM BOM LUGAR Imagine um lugar onde o sentimento de acolhimento seja o norte. Uma congregação onde as pessoas podem se reconhecer como iguais e pertencentes a um grupo coeso. Onde se pode conversar sobre coisas da vida, filosofar. Onde se façam rituais coletivos para extravasar os problemas, celebrar o sublime, e, eventualmente, alimentar o corpo também. Nesta congregação, existem os postos de honra, as lideranças reconhecidas pelos pares, que atuam no cotidiano do grupo. Há os cargos exercidos pelos mais antigos, conhecedores dos fundamentos, que dão conselho às lideranças mais novas. Há os cargos ritualísticos, que se ocupam de manter o bom andamento dos cultos. E como os rituais são embalados à música, há, obviamente, os cargos dos músicos. Você pode, se quiser, aprender a tocar um dos instrumentos musicais. Você pode cantar os hinos tradicionais. Se tiver inspiração e talento, pode até se arriscar a compor uma nova canção, que com boa aceitação pode virar um hino. Se quiser dançar, há os grupos que elaboram coreografias e encenações para relembrar as grandes passagens e feitos sagrados. Depois de muito ensaio, o grupo se apresenta nas festividades anuais. Os hinos são épicos e logram emocionar enquanto contam as histórias
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Mesmo havendo outras congregações parecidas, com estruturas, tamanhos e métodos diferentes, todas se reconhecem entre si e se chamam irmãs. Essas congregações são de verdade e estão espalhadas pelo Brasil inteiro. Apesar de existirem há quase 100 anos no país, ainda são alvo de preconceito, principalmente por ter uma base de seguidores vinda das camadas populares. E, pra piorar, há algum tempo, a força da grana anda seduzindo seus líderes. Não falo de igreja evangélica, hare krishna, budismo, umbanda, candomblé ou qualquer outra religião. Falo de Escola de Samba. Engana-se quem acha que escola de samba vive em função do carnaval. Existe um fazer comunitário durante o ano inteiro. Estamos em outubro e as quadras estão fervendo. Os sambas de 2019 acabaram de ser escolhidos: uma excelente safra que faz jus a uma das maiores empreitadas civilizatórias brasileiras, cada vez mais necessária em tempos de barbárie.
Jornalista
A pescaria de Mar Novo era tão simples quanto arriscada. Um barco grande partia em direção ao alto mar, carregado de caícos (pequenos botes a remo) empilhados. Uma média de trinta caícos. Após seguirem cerca de três dias, sem avistar nem um sinal do continente, os barcos eram lançados n’água e em cada um ia um homem. O pescador permanecia sozinho em seu caíco, pescando de linha o dia inteiro. Chovesse ou fizesse sol, ele estava ali, pescando. Ao final do dia, o barco grande vinha e recolhia todo mundo. O perigo era estar sozinho, em alto mar, sujeito a tudo o que pode acontecer em alto mar. Peixes grandes por vezes arrastavam os caícos e os afundavam, tempestades viravam os botes e ondas gigantes os engoliam. Por incrível que pareça, muitos pescadores não sabiam nadar e pouco podia ser feito, caso caíssem no mar. Os botes ficavam tão longe uns dos outros, que eles nem avistavam os companheiros. Em cada caíco apenas o pescador e sua fé em voltar para sua família. Por isso, não
é exagero chamá-los de heróis. Esses homens passaram trinta, quarenta anos de suas vidas pescando assim, e conseguiram voltar para suas famílias. E este era o prêmio maior que conseguiam conquistar. O sabor prazeroso de voltar. A seguir reproduzimos o depoimento de Oscar Lopes de Souza (In Memoriam), pescador tradicional de Búzios, que passou pela realidade do Mar Novo. Nossa homenagem ao Seu Oscar, que nos deixou mês passado, para sempre agradecidos pela sua alegria e generosidade. “Nós saía daqui pro Rio, chegava lá nós embarcava e andava três dias e três noites em direção ao alto mar. Quando parava onde ia pescar, cada um ia num caíco, ficava três no barco grande e o resto todo espalhado pelo mar. Começava cinco horas da manhã. Almoço a gente comia no caíco mesmo. Pegava o prato, era um bocado de comida outro bocado de água salgada no prato. O mar agitado, o pau quebrando, nós tamo aí. Quando era cinco horas da tarde, o mestre metia a bandeira em cima, aí já sabia que era pra ir juntando os botes. Porque largava um caíco aqui, outro lá e o barco não ficava fixo não. Nós largava aqui por exemplo, quando chegava na parte da tarde, a gente tava chegando em Cabo Frio porque a maré ia levando. Faleceu muitos daqui de Búzios. Perdia o barco no fundo, vinha peixe grande e embaraçava na linha, levava o bote pro fundo. Tinha muita viúva aqui antigamente”.
Biblioteca Pública Municipal Francisca Maria de Souza Funcionamento: segunda-feira a sexta-feira de 8h às 17h Praça da Ferradura s/n, Ferradura, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil CEP 28950-000 Fone (22) 2623-2510
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EU FINANCIO O
PARTICIPE DO FINANCIAMENTO COLETIVO Este espaço é dedicado as pessoas que mensalmente contribuem para que o Frente e Verso possa ser publicado e distribuído gratuitamente. www.catarse.me/frenteeverso
Alexandre Santini Artênius Daniel Carla Rimes Cris Anila Paramita Fabio Ferreira Gessiane Nazario Glamour Zero Gustavo Guterman Júnia Prosdocimi Leandro Araújo Luisa Barbosa Pereira Luisa Regina Pessôa Manolo Molinari Maria Cristina Pimentel
Marlene Gouveia Martha Pessôa Nome completo Pap Antonio Pedro Campolina Sheila Saidon Tiago Alves Ferreira Valéria Magalhães Vinícius Costa Xexe de Búzios
BAMBUZAL
NÃO ESTÁ TUDO BEM,
MAS É PRIMAVERA “Vamos precisar de todo mundo, um mais um é sempre mais que dois” Beto Guedes
HÉLIO COELHO FILHO Professor de Tai Chi
Foi-se o tempo em que homens e mulheres guiavam-se pelas estrelas, aguardavam as fases da lua para plantar e colher, davam-se ao luxo de viver conforme as estações, recolhendo-se mais no inverno e aproveitando a expansão proporcionada pelo verão, celebrando a vida sazonalmente, de diferentes formas. Disseram-nos que isso era coisa do passado e, portanto, sem muita importância (e valor). A ciência trouxe a promessa revolucionária de solucionar problemas, encurtar distâncias, tratar as coisas de forma objetiva, metódica e precisa. Assim, o progresso estaria garantido e, no futuro, o ser humano teria mais tempo para cuidar do que era realmente importante, não ficando à mercê das intempéries, dos deuses e mitos. Contudo, esta visão matemática e técnica, firmada no entendimento cartesiano e mecanicista, cavou sua própria sepultura. Ao mesmo tempo que permitiu ao homem produzir 24 horas por dia - e consumir no mesmo ritmo frenético - se esqueceu que a Terra também é um ser vivo e os bens naturais usados em suas indústrias não são ilimitados, além do que, mesmo os renováveis, precisam de tempo para se renovar. Na pressa de fazer e lucrar cada vez mais, envenenou com sua química premiada o ar, as águas, os alimentos gerando um grande estresse em nossa “Nave Mãe” e, consequentemente, em todos os seus tripulan-
tes. Assim, a seca, as enchentes, o frio intenso e o degelo nos polos, criam um desequilíbrio que a frieza dos cálculos não conseguirá, por si, solucionar. Estamos novamente à mercê da chuva, do sol, dos furacões, terremotos e tsunamis. O ser humano é mamífero, tem sangue quente, precisa de afeto, como precisa de comida; precisa de poesia, como precisa de ciência; precisa da razão, mas não pode deixar de lado sua capacidade/necessidade de encantamento e comunhão. Com toda sua luz e certezas, o homem moderno esqueceu que a vida é feita de sombras e incertezas. Esqueceu que viver não é preciso. Não há precisão no viver! A vida não é um cálculo matemático, é mais que o entendimento (como disse Clarice)! O ser humano é sapiens-demens, como ensina Morin. A vida é movimento e repouso. No meio de tanta informação, tantos dados, estatísticas, justificativas e teorias, estamos deixando de lado a reflexão, a pausa, o espaço, a articulação e a sabedoria para perceber que ter o bastante é ter o suficiente (e que todos têm o direito a ter o bastante, sendo, esta, uma noção que, necessariamente, deve envolver a coletividade). Estamos na segunda década do século 21 e milhões de pessoas continuam morrendo de fome diariamente, como há séculos atrás. Milhões de pessoas continuam vítimas da
violência das guerras oficiais e extra-oficiais (seja pela ausência do Estado, seja por fanatismo religioso, ganância, controle de preços, garantia de lucros absurdos para poucos, negócios escusos, tráfico de armas, drogas e pessoas, etc). Há milhões de escravos no mundo, ainda hoje! Como podemos fingir que está tudo bem sabendo que todo dia milhões de pessoas dormem sem saber se irão acordar e acordam sem saber se conseguirão comer ou dar de comer a seus filhos ou pais? Muitos dos problemas do mundo atual são reflexos dessa visão egoísta de querer se desenvolver inadvertidamente à custa de muito subdesenvolvimento alheio. Compartilhamos exagerada e desesperadamente no mundo virtual, isso demonstra que esse ato é um anseio natural; mas e na vida real? Trancamo-nos em nossas paredes, automóveis, mentes e telas? Não, as coisas não vão bem. Precisamos assumir e tentar alternativas, ser a mudança que queremos ver. Mas comecei este texto falando do tempo, pois queria falar da Primavera. Como gosto desta estação que, na visão da Medicina Chinesa, traz consigo as forças de renovação da vida, o brotar, o florescer. Oro, então, sem medo de parecer tolo ou irracional (até porque ser sóbrio e racional não adiantou muito até agora), para que essa energia da Primavera floresça cada vez mais em nossos corações e possamos
resgatar a vida como uma grande arte do encontro - embora haja tanto desencontro pela vida! Portanto peço que vocês juntem-se a nós e independente de credo - ou ausência dele - vamos canalizar nossas forças e as forças do Universo para que a bondade, a generosidade e a fraternidade, nutridas pelo AMOR maior, possam prevalecer e a humanidade possa sair deste inverno prolongado e rigoroso. Namastê!
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EDIÇÃO 004 – ANO 01 – NOVEMBRO 2018
Preto no branco
HAMBER CARVALHO - O O
Frente e Verso foi recebido de forma efusiva pelo Júnior (um vira-lata saltitante e participativo), a Mércia França
e Hamber Carvalho, em sua casa, numa tarde cinza de outubro. Nosso entrevistado se recuperava de um pós-operatório inusitado: “fiz uma cesária” disse ele, sério como só. Há pouco tempo, Hamber submeteu-se a uma cirurgia de hérnia mas, como não para quieto, foi obrigado a refazê-la e ainda realizar uma segunda: “como eu tenho bicho carpinteiro, não consigo ficar parado. Então rompeu uma e apareceu outra”. Nós, em nosso turno dizemos: o Hamber Carvalho é o bicho-carpinteiro em nome próprio. E tal como na carpintaria, edifica sonhos em madeira de lei que cupim não rói.
Como foi a sua história como militante político e advogado sindical? Eu, desde moleque, 13 e 14 anos, já gostava de ver o que as pessoas faziam. Meu pai participou das Ligas Camponesas[1], mas eu só soube disso depois que ele morreu. Ele me dava uns toques, mas nunca falou diretamente. Meu pai era nordestino, marceneiro, e eu ia sempre com ele, receber o pagamento dele em Niterói. Eu ia para Niterói porque era uma chance de comer uma coisa mais variada porque a gente vivia com dificuldade, éramos seis, o salário mal dava para as necessidades básicas da família. Então, nessas idas a Niterói, nos anos 1960, eu acabei conhecendo a célula do Partido Comunista. Depois, meu pai fez um concurso público e se tornou agente de endemias urbanas, mata-mosquito, aqueles que colocavam o pozinho no ralo. Foi isso que fudeu ele. Morreu de câncer em virtude dessa quantidade de veneno.
eu pedi dinheiro ao meu pai para comprar bola de gude. Mas ele não tinha dinheiro. Então cortou umas bananas do quintal e colocou no chão da rua para eu vender. Foi genial isso do cara. E eu consegui comprar as bolas de gude. Minha memória afetiva de feirante vem daí. Esse lance de feira tem muito a memória do meu velho. Ficou aqui guardada. Guardada do esforço dele.
Bem, mas como eu soube que o meu pai era do Partidão? Uma vez, eu fui fazer um piquete em Paracambi. Lá havia duas fábricas, a Brasil Industrial, e outra que produzia um saco roxo do whisky Royal Salute. Eu dormi na casa de um operário, militante do Partido, e quando acordei na casa dele, fui ao banheiro, e vi o nome do meu pai na lista dos militantes que ali já tinham estado. Essa era uma prática na época: anotar o nome de todos os militantes que passassem pelas células do Partido. Estava escrito num papel amarelado, antigo, na porta do banheiro e eu vi que o meu velho tinha estado no mesmo lugar que eu... Foi difícil segurar a emoção.
No passado existia uma feira na Praça Santos Dumont e, conforme o tempo foi passando, retomamos a ideia de uma feira ali perto do Banco Itaú, no Centro. Eu já queria voltar à militância social e pensei na feira. Mas eu cometi um grande erro: não organizei no início o pessoal. Faltou, naquele começo, assessoria técnica e judicial. Aí nós montamos um Projeto de Lei e aprovamos na Câmara dos Vereadores. Os próprios vereadores tinham interesse. Criou-se uma série de cargos... E aí pensei: quem toma conta disso? Opa. Isso precisa estar com a sociedade. Aí a gente montou a associação.
A Feira Periurbana de Búzios é hoje um espaço de convivência comunitária, produtor de cultura e gerador de renda. Fale-nos sobre o surgimento da Feira. Quando eu tinha uns seis, sete anos
Outra referência é o Sebastião Lan. Quando vim a Búzios, fazia reuniões da Zona Rural aqui em Zé Gonçalves. Era uma agitação tremenda sob a liderança desse grande homem que foi o Sebastião Lan que era do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). E essa coisa já me excitava muito. A luta era tão forte, a organização tão significativa. Mas acabaram assassinando o Sebastião Lan, quando ele vinha na reta da salineira com o seu fusquinha. Por isso o Mercado Municipal de Cabo Frio leva o nome dele, e é uma justa homenagem.
A feira hoje é o meu parquinho (ri). É um território livre. Onde pode se falar tudo. É um espaço de liberdade da cidade e começou muito pequeno, vocês se lembram, com 20 feirantes só e barracas emprestadas. Hoje já são 102 barracas.
Muitos dos que já estavam desistindo de ser agricultores, por questões econômicas, voltaram a ter gosto pela terra. Veio o Severino, o Gelson, a Dona Rosa, Dona Helena... O Fred faz um trabalho no assentamento dele que é do caralho. Ele paga o preço do Ceasa e traz produtos do seu assentamento, além dos dele. E já sai com metade da feira vendida.
Eu orientei ele e outros feirantes: você vê o preço do Ceasa e é esse o preço que você vai pagar ao povo que planta, no seu assentamento. E assim diversificamos os produtos. A gente ainda resolveu uma demanda que era a do artesanato, que ninguém conseguia resolver. Tem muita gente que tem aquele trabalho como única fonte de renda.
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O BICHO CARPINTEIRO Desse aspecto comercial eu não descuido. Isso para mim é que é economia solidária. Quando penso em criar um evento, é para que as pessoas consumam. Não é que eu seja estressado, mas eu tenho que cuidar para que a feira funcione bem. Os feirantes vivem disso. O feirante tem que faturar. A lei por exemplo diz que só pode descarregar até às 7h. É a lei porque depois o feirante entra com o carro no meio da feira, aí tem cachorro, criança... não é certo. E tem ainda a feira de quinta que quem teve a ideia nem foi a gente não, foi a própria Prefeitura que pediu. E a gente escolheu a quinta-feira exatamente para não atrapalhar o comércio local. Escolhemos um dia meio morto e deu certo. Ali não estão os comerciantes velhos. Mas os seus filhos, o que é muito interessante. No Rio, todo mundo que tem feira aluga a barraca. Aqui não. Cada um é dono da sua barraca e paga a montagem para o Crer-Vip (Casa de Recuperação de álcool e drogas). Tem uma taxa mensal que é 20 reais, para fazer um caixa. Queremos colocar uma tela na feira de sábado porque precisamos investir mais no sábado. A Feira tem 100% ainda de possibilidade de crescer. Agora, você viu, a gente abriu um nicho de comida para cachorros. E só com o trabalho na Feira, o grupo de defesa dos animais já castrou 230 bichos. Você promove um profícuo debate sobre a cultura canábica. Como caminha essa questão da guerra às drogas? No mundo está caminhando muito bem. No Canadá estão liberando o recreativo. O que eles entenderam é que não existe dicotomia entre a utilização medicinal e a recreativa. O recreativo também é medicinal. No Brasil o pessoal da Fundação Oswaldo Cruz já tá pesquisando isso a fundo. Mas agora, com a mudança da política, isso vai parar. Nós vamos retroceder para caramba. Eu estive recentemente com os coletivos de mães em defesa da cannabis medicinal e tinha uma procuradora do Ministério Público. A gente acredita que ao menos com essas mães ninguém vai mexer. Ninguém vai tocar nelas. Elas não têm grana para importar o medicamento e precisam disso para a vida dos seus filhos. Quando a gente olha uma criança que tem paralisia cerebral e está andando, depois de utilizar, não tem o que fazer ou discutir. Tem que apoiar. No Direito, a gente tem uma figura chamada “produção de lei”. A lei moral deveria se tornar a lei legal. Por exemplo: a Organização Mundial da Saúde diz: é droga. A Bolívia diz: é cultura. Os EUA dizem: tô cagando e andando para vocês. Os países que são signatários não estão cumprin-
do a orientação da OMS. É o moral se sobrepondo ao legal. E acabando com a guerra às drogas, teríamos mais recursos para aprovar programas voltados à questão. São 36 bilhões em arrecadação de impostos. Esse dinheiro você reverte. Como você vê o ambiente político atual? Eu só tenho uma coisa a fazer: ver televisão e perturbar na internet. Eu não tenho mais nada o que fazer. A esquerda não soube diferenciar o que é o Estado, o que é o Partido, o que é o movimento... a culpa não é do Bolsonaro. Ele só tirou o cadeado. O bicho estava lá dentro. E agora não tem mais como trancar. Eu tenho certeza que eu vou ter o maior cuidado no final do ano. Se ele ganhar, o pessoal vai dar tiro pro alto. Se ele não ganhar, vão dar tiro na gente. Vai acelerar. Vai ter um retrocesso danado. Aí quem vai chegar para salvar, vai ser a social democracia. A esquerda vai ter que se aliar à social democracia, que depois de quatro anos vai ser considerada a salvadora da pátria. Você vai ver. Não concordo com essa ideia de que pode vir a ter uma intervenção por um motivo simples: a balança comercial. A China é o maior comercializador de grão do mundo, comercializa pesadamente com o Brasil. Não interessa ao investidor internacional essa história de milico. Milico não paga. Para o investidor, não interessa isso. Não à toa, os grandes investidores, os donos de armas, já estão financiando a campanha dele. O lado bom disso tudo é que os intelectuais vão para a rua militar, construir suas pautas, para pressionar congresso, mídia.... Agora a gente não pode menosprezar o papel das redes sociais que têm um potencial tremendo. A nossa maior dificuldade é manter a mobilização após a primeira chamada no facebook (ri). Mas a partir desses tempos vai ter muita coisa na rede. Vai mudar o quadro. Com a votação do Leandro, do Serginho e da Gladys, a configuração política na cidade pode mudar. Se você quer democracia, tem que pensar na eleição daqui. Por que aqui, na cidade pequena, não cola fake. Você foi colunista do Perú Molhado e agora do Frente e Verso. Qual é o papel da imprensa na sociedade brasileira? Os jornais são fundamentais mas precisam ter mais capilaridade. A questão da leitura do papel não morreu. Nem numa cidade como Búzios morreu. Eu vejo, vira e mexe, pessoas humildes, da terra, sentadas no meio fio e lendo o nosso Jornal (Frente e Verso). Para mim tem sido muito interessante pois posso
fazer um debate mais elaborado sobre o tema da cultura canábica, de forma mais direta e fundamentada. E muita gente tem vindo me procurar. É impressionante. Do ponto de vista político, qual a principal diferença na Armação dos Búzios de quando você chegou para viver aqui e na Armação dos Búzios de hoje? Naquela época, no início dos anos 2000, tentávamos disseminar o partidarismo. Hoje o movimento está mais amplo, mais autônomo, porque esse movimento em torno das demandas da cidade é orgânico. Eu acho que hoje está mais rico, consegue-se aglutinar mais do que naquela época. Antes o único partido que tinha vida orgânica era o PT. Hoje, é verdade, que nenhum partido tem vida orgânica, para além da demanda eleitoral, mas existe um movimento vivo, como o que vocês fazem com o Cidade Biblioteca e outros. Na discussão do Plano Diretor, por exemplo, foram seis meses de mobilização intensa. E aí não era mais o partido. As associações ganharam autonomia. Como não tinha ninguém, eu fiquei responsável por organizar o orçamento participativo e passei a atuar nos movimentos sociais, para organizá-los. Para que eles pudessem atuar na gestão da cidade de forma protagonista, com as próprias pernas. Quando eu cheguei, só existiam 8 associações. Quando eu saí, tinham cerca de 70, considerando associações de moradores, quilombolas, ciclistas, meio-ambiente... os mais diversos segmentos. E fomos vitoriosos em muitas pautas. As ruas de José Gonçalves, por exemplo, a sede da Apae, foi tudo demanda construída no orçamento participativo. Existia uma grande efervescência social na cidade. Eu esperava que as associações se tocassem independente de estarem associadas a um partido. E, de certa forma, a semente que foi plantada lá, frutificou aqui. Hoje há mais esse comprometimento das pessoas e das instituições. Gostaria de acrescentar mais alguma coisa? Eu não estou podendo sentar, por conta da cirurgia, mas no último sábado do mês, dia de lançamento dessa edição do Frente e Verso, eu vou lá na Feira buscar o meu Jornal. Vou em pé na van, pego o Jornal e volto. Mércia: Entrega para a Sonia. É melhor, ela traz.
1. As Ligas Camponesas foram as organizações que mais ficaram identificadas com as mobilizações no campo ocorridas anteriormente ao golpe de 1964. Surgiram em Pernambuco e defendiam a Reforma Agrária.
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CIDADE
MOBILIDADE URBANA COM BETO BLOCH PEDRO CAMPOLINA Arquiteto e urbanista
A mobilidade urbana é um dos temas centrais quando se fala em desenvolvimento saudável e sustentável das cidades. Para falar sobre esse assunto, conversei com Alberto Bloch, arquiteto da prefeitura, mestre em meio ambiente e doutor em urbanismo sobre a questão da mobilidade urbana em cidades turísticas. Pedro Campolina - Como você acha que podemos evoluir na questão da mobilidade em Búzios? ALBERTO BLOCH - O planejamento da mobilidade vai muito além do atendimento às demandas de ir e vir. Envolve as preferências dos mora-
LIVROS Vidas secas (edição comemorativa de 80 anos) Autor: Graciliano Ramos Editora: Record Páginas: 320 Lançado originalmente em 1938, Vidas Secas é o romance em que Graciliano alcança o máximo da expressão que vinha buscando em sua prosa. O autor se mostra mais humano, sentimental e compreensivo, acompanhando o pobre vaqueiro Fabiano e sua família com simpatia e uma compaixão indisfarçáveis. Além de ser o mais humano e comovente dos livros de ficção de Graciliano Ramos, ´Vida Secas´ é o que contém maior sentimento da terra nordestina, daquela parte que é áspera, dura e cruel, sem deixar de ser amada pelos que a ela estão ligados teluricamente. O que impulsiona os seres desta novela, o que lhes marca a fisionomia e os caracteres, é o fenômeno da seca. ´Vidas Secas´ representa ainda uma evolução na obra de Graciliano Ramos quanto ao estilo e à qualidade estritamente literária. Esta edição comemorativa dos 80 anos da obra, em capa dura, contém, além do texto integral, o manuscrito original com as emendas – de próprio punho – do autor.
dores pelas diferentes alternativas de meios de deslocamento, e o reflexo dessas opções na oportunidade de encontros das pessoas nas ruas e na sensação de segurança, nos espaços públicos, que a presença das pessoas proporciona. No estudo que desenvolvemos para Búzios, desenhamos trajetos do transporte público passando pelos bairros, tornando-o atrativo para moradores e também para os turistas que poderão deixar seus carros na pousada para ir às praias, restaurantes e baladas. Menos carros circulando nas ruas e mais espaço para ciclofaixas, calçadas, e espaços para o lazer.
Brava, de Manguinhos à Geribá, passando pelo entorno das lagoas, estimulando a caminhada e o ciclismo e desestimulando o uso do automóvel, porque entendemos que o “estilo Búzios” - além da tipologia arquitetônica – é o andar a pé pelas ruas da cidade, e pelos caminhos e trilhas que levam às nossas praias e paisagens exuberantes. A vitalidade das ruas proporcionada pelos deslocamentos não motorizados - e pelo transporte público - aumenta ainda a segurança, valorizando também a nossa paisagem urbana, porque o “estilo buziano” da nossa arquitetura é hoje ocultado por muros e cercas elétricas.
O objetivo é a transformação dos diferentes lugares da cidade, que terão mais conectividade, vitalidade, valorizando também a atividade turística. Desenhamos parques lineares, do Centro à Ferradura, ao Forno e à
Pedro Campolina - Sabemos que um dos grandes desafios quando se trata de projetos urbanos é sua implantação. Como você acha que podemos materializar as transformações que queremos?
Filosofinhos - Coleção de Livros Coordenada: Maria de Nazareth Agra Hassen Editora: Tomo Editorial
Sócrates - Volume 3 “Não é difícil entender! Os outros que também não sabem nada, pensam TUDO saber. Eu, UMA coisa eu sei: eu sei que nada sei”.
Esta Coleção é um convite ao universo dos grandes, ops... pequenos filósofos e sua rotina, mostrando a forma como eles pensavam a si mesmos e ao mundo à sua volta, ainda quando crianças. Coordenada pela filósofa Maria de Nazareth Agra Hassen e publicada pela Tomo Editorial, estes 8 volumes irão apresentar de Sócrates a Sartre e Simone de Beauvoir de forma leve, bem humorada e acessível. Os textos são rimados e bilíngues, com versões em Português e Francês.
Sartre & Simone - Volume 4 Ele “a existência precede a essência”; Ela “não se nasce mulher, torna-se mulher”. Platão - Volume 5 “Mas o que Platão pensou mesmo foi um lugar bem organizado, que República foi chamado”. Karl Marx - Volume 6 “Se há um lugar a ser criado, nele não pode haver desigualdade: uns donos de tudo, outros só na saudade”. Immanuel Kant - Volume 7 “Para saber se é errado, vou pensar filosoficamente: se eu deixar a caca na rua, todo mundo pode deixar. E se todo mundo o fizer, o mundo piorará”.
René Descartes - Volume 1 “Quem pensa precisa existir, por isso agora eu insisto: o nada não pode pensar. Penso, logo existo!”. Sigmund Freud - Volume 2 “Sigmundo pegou a pata do Ego e o Ego todo. E foram para o ‘hospipapo’ fazer a pata de novo. ‘Hospipapo’ é um hospital sem injeção nem remédios, onde se bate um bom papo sobre dores, vidas e tédios”.
Jean Jacques Rousseau - Volume 8 “Liberté, Égalité, Fraternité” (liberdade, igualdade, fraternidade). “Para todos sermos livres, nós devemos combinar: cada um unido a todos, em bondade natural, formaria um mundo novo, do contrato social”. É agora como nunca - Antologia incompleta da poesia contemporânea brasileira Organizadora: Adriana Calcanhotto Capa: Claudia Espínola de Carvalho Editora: Companhia das Letras Páginas: 144
ALBERTO BLOCH - O problema urbano é político e depende de uma gestão mais eficiente e democrática. O desenho urbano é fundamental, mas a evolução das práticas urbanas para uma melhor mobilidade depende das decisões sobre o desenho dos trajetos do transporte público e sobre as prioridades de investimentos nos espaços de uso comum. As pessoas que têm carro, não vão deixá-lo em casa para se deslocar no transporte público precário que temos, nem pegar uma bicicleta para ir ao trabalho, à praia ou acompanhar o filho à escola sem um desenho viário que ofereça segurança e conforto ao ciclista. É preciso entender também que a cidade não mudará em um ano nem em uma gestão. As decisões sobre os investimentos nos espaços de uso comum a todos é que vão promover, ao longo dos anos, a transformação da nossa cidade, e as ferramentas do sistema democrático devem nos permitir participar dessas escolhas. Não é simples, mas a mudança é possível quando nos damos conta da nossa parte nisso tudo, de que nós mesmos construímos o nosso futuro.
TIAGO ALVES FERREIRA Produtor cultural
Ao assinar célebres parcerias com nomes como Waly Salomão, Augusto de Campos e Antonio Cicero, Adriana Calcanhotto consolidou sua carreira musical com os dois pés fincados na poesia. Leitora assídua da lavra contemporânea, ela selecionou 41 poetas nascidos no Brasil entre 1973 e 1990 para criar uma antologia “pessoal, intransferível, autoral, ou o contrário”. Numa viagem de verão, em vez de levar na mala 42 livros, a organizadora apresenta uma amostra dos poetas novos e novíssimos em um único volume. É o “meu livro de férias”, ela explica. Com humor e melancolia, os versos, reunidos, formam um panorama vibrante e múltiplo da poesia atual — espalhada em saraus, blogs e, por que não?!, livros. Cada um à sua maneira, os poemas têm uma característica em comum: falam sobre este momento, este minuto, este agora como nunca.
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Entre
SHEILA SAIDON
Psiquiatra e psicoterapeuta
RESISTIR É PRECISO a ódio e ressentimento, enfraquecidos, afastados daquilo que podemos?
Nos próximos dias estaremos escolhendo não só um presidente, mas também definindo que tipo de sociedade queremos ser, como queremos viver. A iminência da decisão, tem nos deixado a beira de um ataque de nervos. Um verdadeiro compêndio de sintomas do mal estar, insônia, medo, angústia, culpa, irritabilidade, ansiedade, desânimo e impotência. Como recuperar nossa posição de escolha no meio dessa maré de afetos, e não ficar à mercê das paixões, movidos
Atravessados pela desilusão e frustração , buscamos algo que alivie a nossa dor, alguém que resolva nossos problemas e assuma nossas responsabilidades, mas sabemos que nenhuma mudança verdadeira é possível se não olharmos para nossa própria história.
São os afetos tristes que nos separam das nossas forças. Precisamos expandir a potência . Permanecer ativos quando o medo toma o corpo, e a violência o fere. Quando vemos mulheres e homens sendo agredidos por pensar diferente, pela sua opção sexual, religiosa ou por ter uma origem distinta, precisamos resistir.
Precisamos encarar dores e feridas, reconhecer as marcas, no corpo e na subjetividade, do vivido e daquilo que nos foi transmitido, o dito e o não dito, tornar visível o que é velado. Iluminar o obscuro.
Nossa singularidade é a nossa voz. E é nessa mistura de vozes que a música acontece, nesse encontro com os outros e suas diferenças. Na diversidade de ideias, pessoas, formas, gêneros, gestos, cores e encantos.
Devemos ficar atentos, não podemos deixar que a tristeza se instale.
É preciso resistir nas nossas práticas cotidianas, na gentileza, no
pensamento, na palavra. Através da visibilidade LGBT, na força do movimento das mulheres. Resistir com criatividade, produzindo arte, encontros, subjetividade. Ocupando espaços, nas ruas, nas escolas, nas praças. Experimentando novas formas de organização, de luta, de vida.
Diálogos Quilombolas GESSIANE NAZARIO
28/10:
Quilombola da Rasa e doutoranda em Educação pela UFRJ
QUANTOS QUILOMBOLAS VOCÊ VAI MATAR COM SEU VOTO? 350%!!! Esta é a percentagem de aumento do número de assassinatos de lideranças quilombolas entre os anos de 2016 e 2017, o número foi de 4 (em 2016) para 18 assassinatos (em 2017)*. Cabe lembrar que 2016 foi o ano em que presenciamos o golpe na presidenta Dilma Rousseff. Esses números refletem uma política de austeridade e racismo institucional com relação à implementação de políticas públicas para a regulação fundiária dos territórios quilombolas. Em 2017, o governo Temer liberou apenas 3.531.065 e menos de um milhão neste ano de 2018 para regularização dos territórios. Este valor irrisório destinado às políticas territoriais quilombolas está relacionado à Emenda Constitucional 95, que estabelece o congelamento de verbas públicas destinadas a todas as áreas sociais (saúde,educação,segurança pública e políticas fundiárias).Tal quantia
inviabiliza qualquer ação de regularização dos territórios quilombolas. O resultado dessa política é o acirramento de graves conflitos que irão vitimizar as comunidades quilombolas e indígenas que lutam pela titulação de suas terras. Agora, imaginem um governo declaradamente contrário aos direitos das comunidades indígenas e quilombolas! [Cabe lembrar que o candidato fascista gritou em alto e bom som que nós quilombolas pesamos em arrobas (medida que serve para pesar gado) e que não servimos nem para procriar]. 68,4% das mortes dessas lideranças aconteceram por armas de fogo. Se nós quilombolas somos comparados a gado, podemos ser abatidos como animais? Imaginem um candidato a presidente que declara publicamente que vai liberar o porte de armas para o “trabalhador do campo” se defender! O trabalhador a quem ele se refere, é um fa-
zendeiro, latifundiário e empresário do agronegócio que ordenam aos seus capangas para dar cabo à vida dessas lideranças. Esse mesmo candidato votou a favor desta Emenda Constitucional contra a população pobre do país. O projeto de governo deste candidato à presidência pretende dar continuidade às políticas neoliberais iniciadas por Temer e de uma maneira ainda mais severa ao declarar o banimento daqueles que forem contra o seu governo, ou seja, disse que seus opositores terão que ir embora do país ou serão presos – provavelmente torturados também, pois ele defende a tortura. Está em nossas mãos barrar esse projeto racista, fascista e fatal para as comunidades quilombolas do Brasil. Lembre-se que a titulação do território é a garantia de sobrevivência dessas pessoas. Não tenha o sangue de inocentes em suas mãos! Cada voto pode ser
um tiro em um quilombola, indígena, LGBT e em todos que defendem a democracia e um país mais justo. Diga não ao fascismo e ao extermínio dos quilombolas! *Todos os dados numéricos sobre assassinatos de lideranças quilombolas e cortes orçamentários para a implementação de políticas fundiárias para comunidades quilombolas, foram retirados do livro: “Racismo e Violência contra quilombos no Brasil”. Disponível em https://terradedireitos.org.br/uploads/arquivos/ (final)-Racismo-e-Violencia-Quilombola_CONAQ_Terra-de-Direitos_FN_WEB.pdf
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cultura Política
BRASIL:
VERMELHO COMO BRASA
“A nossa bandeira jamais será vermelha”. A frase, uma velha conhecida da sociedade brasileira, andava em desuso, mas voltou a figurar com força no debate público nacional nos últimos meses. Do ponto de vista estritamente cromático, sem juízo de valor ou opinião política, é uma afirmação irretocável. De fato, no verde-amarelo-branco-azul-anil do nosso pavilhão nacional, o vermelho não figura. E talvez nem ficasse mesmo muito bem na policromia de cores já tão fortes de nossa bandeira. Mas, se o vermelho não está nas cores de nossa bandeira, para aqueles que tenham problemas políticos, cromáticos ou estéticos, com a cor, trago uma notícia desagradável: o vermelho não está nas cores do Brasil, mas está no nome. A origem da palavra Brasil tem, como um dos seus principais significados, a expressão “vermelho como brasa”. Vermelho, brasa, Brasil. Quando deram com os costados e atracaram as caravelas nestas terras d’além mar, nossos colonizadores portugueses encontraram muitos tons de vermelho em nossa exuberância, seja na pele e na indumentária dos nossos povos indígenas originários, no sol quente e no calor abrasador, mas especialmente em nossa fauna e flora. Nesta se destacavam, na extensão de nossa mata atlântica, as árvores de Pau-Brasil, madeira vermelha de lei, cuja seiva se tornou rapidamente conhecida e valorizada como matéria prima para a tintura de tecidos rubros que enfeitavam o vestuário e
ALEXANDRE SANTINI
Dramaturgo e gestor do Teatro Popular Oscar Niemeyer de Niterói a ambientação dos salões e palácios nas metrópoles europeias.
E o vermelho abrasador do Pau-Brasil se tornou a nossa primeira commodity e sua dimensão econômica foi tamanha que o nome da árvore batizou as terras que conformam hoje o nosso país. Mesmo com a extração desordenada e a derrubada de centenas de milhares de km de mata atlântica e árvores de Pau-Brasil pelo agronegócio colonial, a madeira vermelha já nos definia e nos nomeava perante o mundo desde esses tempos de outrora. O Pau-Brasil, e sua tintura vermelho-brasa, transformou a cor num símbolo de status e poder no período colonial. Eram vermelhos os mantos dos monarcas, as vestes dos cardeais, as cortinas dos palácios. Na revolução francesa de 1789, o vermelho mudou de lado: passou a identificar os pobres, os trabalhadores, os “sans-cullotes” com suas boinas, panos e bandeiras. E a partir daí, ganharam tons de vermelho as bandeiras das lutas do povo e dos trabalhadores em todo o mundo. As cores, ao longo do tempo, vão ganhando significados, que variam também de acordo com o momento, e com a cultura de cada país e de cada povo. E também nos ajudam a definir e expressar nossas preferências: as cores dos times, dos clubes, das escolas de samba, até dos partidos políticos. Temos assistido nestas eleições a uma preocupante subida de tom entre as “torcidas” de cada candidatura. Não podemos permitir que esta disputa seja tingida pelo vermelho-sangue da intolerância. Independente da cor ou do candidato de nossa preferência, devemos lutar para unir, incluindo todas as diferenças, o nosso Brasil verde e amarelo e vermelho como brasa.
Praça da Ferradura, Centro Armação dos Búzios Rio de Janeiro, Brasil SÁBADO DE 7H ÀS 15H Hortifrutigranjeiro, alimentação, DJ Léa, artesanato e livros QUINTA-FEIRA DE 19H ÀS 23H Alimentação, DJ Léa, música ao vivo e artesanato
@feiraperiurbanadebuzios
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EDIÇÃO 004 – ANO 01 – NOVEMBRO 2018
Cinema e histórias
CUIDADO! A NOVA HISTÓRIA É UM CONTO
MANOLO MOLINARI
Historiador Rosarino Buziano
GRAND CINE BARDOT Quinta-feira às 21h Sexta-feira às 21h Sábado às 19h e 21h Domingo às 19h e 21h Valor: R$ 30,00 @grancinebardot.buzios CINE CLUB GRAND CINE BARDOT Sexta-feira. Sessão: 19h. 2 de novembro O CÉU DE LISBOA, 1994, drama/ DRAMA MUSICAL, 1h43m. 9 de novembro ESTRELA SOLITÁRIA, 2005, drama/ cinema independente, 1h53m. 16 de novembro PINA, 2011, filme musical/ documentário, 1h43m. 30 de novembro ALICE NAS CIDADES, 1974, drama/ filme de estrada, 1h50m. Valor: R$ 10,00 facebook.com/segundas.projecoes
24º Búzios Cine Festival 23 a 25 de novembro
Travessa dos Pescadores, nº 88, Centro, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000
“Cada dia com a sua aflição” dizia sempre meu grande amigo Alfredito, com seu sotaque e sapiência de uruguaio. Muitas vezes lembro disso para animar meu novo dia. Tem-se visto, com grande preocupação, que nestes tempos de fake news e pós-verdades, sem deixar fora a ignorância que vai tomando, sorrateiramente, conta da humanidade, há uma série de afirmações que, através das redes sociais ou de algum novo meio de comunicação da mídia, distorce verdades históricas incontestáveis, principalmente sobre fatos que aconteceram no século XX, e que abrangem assuntos de tipo ideológico. A coisa é tão grave, que deu matéria no segundo caderno de O Globo. E, ao meu ver, temos elas refletidas nos resultados das recentes eleições.
É claro que as verdades históricas nunca se nos aparecem como absolutas. A História trabalha com matéria passada, morta, o que pode deixar sempre um interstício de dúvida ou de questionamento impossível de ser resolvido. A História reescrita, que chamamos de revisionismo, teve sempre intenções de mudar esse passado, seja para legitimar ações, origens etc. Quantas vezes, ouvimos dizer que a História a escrevem os vencedores, apagando o que não lhes convém, ou acrescentando o que nunca foi? Mais distante no tempo é o fato, mais dificuldades temos para trazer à tona a verdade. Isso foi, talvez, um dos maiores problemas dos historiadores do século XIX. Alguns, como Cooleridge, propunham, como solução, uma reencenação (re-enactment), como quem tenta reconstruir um crime repetindo a cena, o que sempre achei bonito, porém falso ou, pelo menos, tão impossível como voltar atrás no tempo. Coisa para Hercule Poirot e Sherlock Holmes. Já Benedetto Croce, na sua Filosofia da História, deixa claro que, ao escrever a história, escrevemos desde o presente e isso sim é uma verdade incontestável. Teatro e cinema abordaram também o assunto: Kurosawa
em Rashomon e Pirandello em Così é se le pare (Assim é se lhe parece) mostrando diversas verdades a partir de diversos relatos.
As demais ciências, como a antropologia, economia, sociologia, algumas disciplinas auxiliares como a arqueologia e outras tantas aportam suas ferramentas com fins de alumbrar mais o caminho dos historiadores, com fontes, registros, arte, espírito de época, documentos, fotos, ruínas, memórias etc. E é assim, desse jeito, que a gente vai reconstruindo os passados, mais recentes ou mais remotos, sempre cientes de que a aparição de um documento desconhecido ou um monumento ou alguma descoberta qualquer, podem modificar radicalmente qualquer construção histórica. Todas essas possibilidades serão sem dúvida, sempre bem-vindas em termos de evolução científica. O que é preocupante, e retomo o início deste artigo, é a tendência atual a revisar fatos com extrema má fé, com vistas a confundir as pessoas, para tirar alguma vantagem em seu favor ou criar alguma desvantagem que afete o outro. É o caso, por exemplo, da afirmação de que o nacional socialismo, partido fundado por Adolf Hitler, na década de 1920, era de ideologia de esquerda. A palavra “socialista” foi acrescentada à sigla só com fins enganosos. Ora gente, os fascismos partilhavam com o comunismo a rejeição ao liberalismo e o rol abrangente do Estado, porém divergiam completamente quanto ao regime de propriedade e o capital. Prova disso é que o Partido Socialista Alemão (Comunista) foi orientado a não votar junto com a Social Democracia o que acabou dando o triunfo a Hitler em 1932. O Holocausto é uma outra negação preocupante. Vítimas, testemunhas, fotografias, despojos e demais parecem não ser suficientes para alguns que insistem em que tudo não passou de uma grande invenção dos judeus. Posso não concordar com
algumas políticas judaicas, mas não posso deixar de compartilhar com eles, como foi exaustivamente provado, o horror do extermínio de milhões de pessoas nos campos de trabalho ou em qualquer lugar como forma de limpeza racial para glória do Reich dos Mil anos! Outra disputa que está, vamos dizer, na moda, é aquela que versa sobre as ditaduras na América latina a partir dos anos 1960. Pareceria agora, na medida em que o tempo passa e vão saindo do estágio de história recente, que a coisa não foi mais do que uma brincadeira com alguns equívocos por parte de uns generais cheios de boas intenções que tomaram umas aulas de tortura na Escola das Américas (Panamá), aliás, deixaram os respectivos países com uma economia mais do que saudável! E a última, bem fresquinha, me chegou da Espanha. O célebre quadro de Picasso, intitulado Guernica, encomendado pelo governo republicano, em 1937, para figurar no pavilhão espanhol da Exposição Internacional de Paris, e apresentar ao mundo os horrores da guerra civil e o covarde ataque da legião Cóndor (alemães aliados do franquismo), pasmem! Não era isso que achávamos! O quadro, segundo a nova história, representa a morte do famoso toureiro Ignacio Sanchez Mejía, acontecida em 1936, aquele a quem Federico García Lorca dedicara o célebre (e divino) poema do qual transcrevo uns poucos fragmentos: A las cinco de la tarde. Eran las cinco en punto de la tarde. Un niño trajo la blanca sábana a las cinco de la tarde. Una espuerta de cal ya prevenida a las cinco de la tarde. Lo demás era muerte y sólo muerte a las cinco de la tarde…Ay, que terribles cinco de la tarde! Eran las cinco en todos los relojes! Eran las cinco en sombra de la tarde! Vai que o poema foi encomendado para propaganda da Rolex! (García Lorca, uma voz única no mundo, foi fuzilado no mesmo ano pelos falangistas de Franco, em sua Granada natal, supostamente por homossexual)
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PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS
Cultura Canábica
HAMBER CANNABICO CARVALHO Ativista da maconha medicinal
VOCÊ SOFRE DE ALGUMA DESSAS ENFERMIDADES? GLAUCOMA, CROHN, ANSIEDADE, DEPRESSÃO, NÁUSEA, ARTRITE, INSÔNIA, CÂNCER, CÂNCER DE PELE, HIV, DOR NEUROPÁTICA, PARKINSON, EPILEPSIA, ALZHEIMER, FIBROMIALGIA MEDICINAL CANNABIS PODE AJUDAR
Shopping Aldeia da Praia, Avenida José Bento Ribeiro Dantas, nº 5350, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000 Fone: (22) 98111-7510
ZANINE
Arte na educação Instituto Dominus (Liter-arte) 30 de outubro a 4 de novembro
Centro Educacional Sonia Pio (Quintal da imaginação) 7 a 9 de novembro João de Oliveira Botas (Conectado consciente) 13 a 19 de novembro Escolas da Rede Municipal (V Armação literária) 22 a 29 de novembro FUNCIONAMENTO: SEGUNDA-FEIRA A SEXTA-FEIRA DE 9H ÀS 18H, SÁBADO, DOMINGO E FERIADO 11H ÀS 19H
@nucleodedancaodiliacuiabano
Estrada da Usina (ao lado da Prefeitura), Centro, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000 - Fone: (22) 2623-6502
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EDIÇÃO 004 – ANO 01 – NOVEMBRO 2018
Roda Cultural do C.U.B. Coletivo Urbano Buziano Batalha do Quilombo DATA: 8 e 22 de novembro, quinta-feira
CircoLo Social
HORA: 18h às 22h LOCAL: Praça Velha da Rasa
Educar e transformar
@coletivourbanobuziano
Memória Buziana
Há esportes, como a vela, o golf e o ciclismo, que o prêmio não se origina numa competição entre duas pessoas ou equipes. Pouca influência no resultado do jogo tem as interações dos competidores entre si. No ciclismo de estrada, o pelotão é sempre mais rápido do que os competidores solitários, a soma é maior do que zero. Numa regata, o resultado vem da correta leitura que cada participante faz das condições do vento e das ondas, aliadas a sua eficiência ao manobrar as velas e o barco, sob aquelas condicionantes. Mas com o tempo vem a certeza: não preciso de competição para uma gostosa velejada, em boa companhia, em dia de céu e mar límpidos. A existência de jogos onde a soma não é necessariamente zero, acontecem em nossas vidas, em setores muito mais importantes do que nos esportes. Teorias econômicas e sociais ditas de esquerda, contrárias ao lucro e à livre iniciativa, tentam justificar-se dizendo que na política, o jogo é sempre de soma zero. Defendem a tese que para que uma pessoa ou grupo social enriqueça e melhore de vida, será sempre necessário que outro empobreça. Daí a definir o lucro como prejudicial e a
@SocialCircoLo
Gastronomia
JOGOS Não gosto de jogos em que o resultado necessariamente soma zero. Num jogo de tênis, por exemplo, para que o atleta A derrote o tenista B por 2 a 0, este, necessariamente perde por 0 a 2 para o seu oponente. A soma vai ser sempre zero. Dá-se o mesmo com o futebol, o vôlei, o basquete e muitos outros jogos. Um dos competidores, para obter o prêmio, tem que derrotar o outro. No caso do futebol pode haver empate, o resultado é sempre zero. Já joguei tênis, não gosto de perder, ninguém gosta, mas como só jogava com amigos e conhecidos também não tinha prazer em derrotá-los.
Estrada da Usina Velha, nº 179, Centro, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000
E AMANHÃ?
BENTO RIBEIRO DANTAS
Escritor
estatização dos meios de produção. Nada mais falso. Os diferentes podem e devem se somar. O desenvolvimento econômico, social e da cultura de uma nação, pode e deve ser o conjunto do progresso de todos, da soma maior que zero do crescimento de seus indivíduos e de suas instituições. O contrário se dá quando a má gestão da coisa pública, e os empecilhos à atividade criativa dos indivíduos, empobrece a nação e a todos, a soma é menor do que zero. No conjunto das relações humanas, os jogos com soma diferente de zero mostram-se com maior importância e nitidez. Nas amizades, o intercâmbio acrescenta sentimentos definidos como a solidariedade, o carinho e a boa amizade. Bem como a troca intelectual entre amigos, aumenta o conhecimento e a cultura. Cada dia mais procuro ter perto de mim as pessoas queridas. E longe as amizades que não somam, estas levam a um empobrecimento dos parceiros. No jogo das relações amorosas, o resultado de soma diferente de zero é decisivo. O excelente escritor moçambicano Mia Couto, em seu rico e criativo vocabulário nos diz: “Em sua maior parte, o matrimônio é um maltrimônio. Os dois pensando em somar, afinal, se traem e subtraem”. Amar é dar, sem barganha, sem cobranças. Se o amar de duas pessoas se encontra, é maravilhoso, soma, gera alegria e felicidade, se o encontro não se dá, não há nada a fazer. E o resultado, zero.
A gastronomia passa por um importante processo de amadurecimento intelectual. A história demonstra que somente a aproximação da pesquisa com a prática, forja o respeito e progresso de um ofício. Centenas de alunos são semestralmente lançados ao mercado de trabalho, nos diferentes níveis educacionais da gastronomia sem saber ao certo o que esperar. Entender as características deste tripé educacional é vital. Mais importante ainda, é perceber as diferentes nuances que cada formação gastronômica possui. • Técnico - aquele que pratica • Tecnólogo - aquele que pesquisa a prática e a operação • Bacharelado - aquele que pesquisa a prática, a operação e os insumos Contudo, estes profissionais estão começando sua trajetória com os mesmos anseios, sem distinção ou reconhecimento. Incertos sobre o futuro, com inexistentes planos de carreira, onde o aprendizado é um errado sinônimo de uma inquestionável entrega (que muitas vezes atropelam direitos trabalhistas) e poucos são os que resistem mais do que alguns anos. É certa a necessidade de uma sólida experiência profissional baseada em anos de serviço. Porém a falta de um mínimo plano de carreira produz uma leva de profissionais iludidos. A Gastronomia não pode ser darwinista, pregando a adaptação do mais forte. A cozinha é baseada em percepções de afeto, sensibilidade e inteligência. Aprimora-se nos atos de permanente estudo e dedicação. Essa caricatura ridícula de uma cozinha cruel finalmente cai por terra, quando profissionais entendem que resistência física nunca aumentou o salário de ninguém, somente condenou a todos a salários ridículos, estagnação profissional e abusos trabalhistas. Estas desistências profissionais geram quantidades expressivas de ex-
GUSTAVO GUTERMAN
Professor do curso de Gastronomia do Instituto Federal Fluminense de Cabo Frio
-alunos e alunas da gastronomia, que hoje exercem funções adversas e mantêm a gastronomia como um instrumento do seu dia-dia. Então, dinheiro e tempo são questionados como capitais perdidos e um recomeço se faz necessário. Por outro lado, aqueles que nunca tiveram tempo, dinheiro e acesso a uma educação formal, sustentam nos ombros uma profissão que se importa mais com a imagem do que com seu conteúdo. A cozinha é um dos maiores elos entre o homem e a natureza. E a gastronomia é uma das maiores expressões culturais de um povo. Então, penso que ela não deva ser apresentada somente em superficiais concursos, produtos, serviços ou feitos profissionais como encontramos nos eventos gastronômicos atuais. Idealizadores destes eventos poderiam refletir sobre as objetividades pretendidas e terem como base organizacional dos eventos a tríade- Produto, Técnica e Informação, onde: • Produtos - A importância da cadeia produtiva local e das pessoas envolvidas • Técnicas - Desenvolvimento e releituras • Informações - Reconhecimento do mercado profissional e acadêmico para futuras ações Teríamos assim comunicação para avanços nas pesquisas, formando pontes entre essas ilhas que hoje caracterizam esses festivais e congressos. Possivelmente, as pessoas começariam a entender que a Gastronomia é a liga. Uma área que consegue conversar e colaborar com vários nichos de interesse coletivo. Não há espaço onde a gastronomia não esteja e possa de alguma forma contribuir com o bem-estar e melhoria da sociedade. Precisamos nos apropriar desta responsabilidade para seguirmos em frente!