RESPLENDOR DE AFETOS: Metáforas
Virgínia Leal Capa: Erick Bruno Bastos Barros – erickbrunobb@gmail.com Revisão: Ícaro Weimann Aguiar e Estela Carielli de Castro – rocarevisaotextual@gmail.com Virgínia Leal: virginiabarbosaleal@gmail.com
Olinda, janeiro de 2022
Sumário Rio criativo Tecitura da vida De que são feitos os afetos? Instantes translúcidos Devaneios do encontro Bênção e maldição Sabor de vida Votos A que se destina? Retorno Liberdade indomável Do que somos feitos Aquele que não veio a ser Afluentes Quanto pode o olhar Maternagem Desejo Sondagem O processo Saber-se Mulher plural Mulher, por ela mesma Alternâncias Delimitado e infinito Encantamento
6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30
Por quem os sinos dobram O que me toca Ritual Palavra em verdade Insuperável amor Carta ao pai Tempo de renovação Desejo dorido Medo, não te quero Estado de graça Metamorfose Identidade Efeito violino Insuficiências Carrossel de afetos O que me move e me toca Afetos Aquilo que me sustenta Do arco e da flecha Pistas Experiência de Deus O que pode o afeto O que nos interroga a Vitória-Régia? Aquarela humana Tormenta azul ressonante O que pode o amor Amor possível
31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57
Fim de mundo Autorrealização Conjugação de forças Estado de paixão A barca
58 59 60 61 62
Rio criativo Há um rio subterrâneo fluente na vida da mulher. Abundante e caudalosa é a força criadora a preencher depressões e canais, a criar afluentes na psique feminina. Essa torrente escorre no leito mental à procura de solo fértil. Ao encontrar estuário, a vida criativa fica exuberante. Quem por ela for tocada descobrirá seu próprio sítio inventivo. Se queres teu rio perene, cuides de não o represar ou desviar seu curso. Removas os entulhos, limpe a nascente. Evites a deterioração do feminino fecundo. Aceites elogios, sejas sensível e fluas com a natureza. Comeces e recomeces, protejas teu gênio e tempo imaginativos. Imprimas autenticidade em tudo que fizeres. A criatividade da mulher é seu maior trunfo, posto que é forjada no amor. Ela se derrama generosamente por todos os lados e direções, desaguando no mar da vida. (inspirado em Mulheres que correm com os lobos, de Clarissa Pinkola Estés)
6
Tecitura da vida A vida é o tear que trança as linhas da existência. Cada um tece a sua com o fio das escolhas. Há quem as ideias seduzam e se entretenha com elas, mas uma hora renda-se a inevitáveis experiências. Outros ficam enredados pela verdade, ainda que saibam ser ela uma ilusão. Há aqueles movidos pela realidade, malgrado hesitem em alcançá-la. Alguns o ceticismo permeia, e ainda assim praticam confiança. Tem quem se inspire em virtudes, mesmo ciente das restrições. Muitos caminham com fé, embora duvidem de Deus. Já eu sigo consciente dos tropeços e acertos, dos equívocos e atinos, das incoerências e contradições, do imaginário e do real. Tento viver o que a mim se apresenta, atenta às próprias respostas, sem renunciar às ilusões que me dão sentido à vida. E assim vou compondo o traçado de quem sou, do que penso e sinto, ora bordando, ora remendando, ora refazendo a costura, até o derradeiro dia em que a morte dê o último arremate, e eu me entregue à incerteza do porvir.
7
De que são feitos os afetos? É imprevisível a reação que uma pessoa exerce sobre outra no instante em que campos de energia se cruzam e acontece a combustão. Não se sabe por que um incendeia o outro e como se dá a reação, seja de embate, encontro ou colisão, atração ou repulsa. É um enigma esse fenômeno ora a aumentar, ora a reduzir a potência de agir, ora a estimular, ora a refrear o elo afetivo. É de pulsação, vibração e força a natureza dos afetos. É resposta de prazer ou de desagrado provocada pelo contanto com alguém. Afetos são a força motriz a incitar experiências de aprimoramento dos encontros. Só o amor catalisa, articula e restaura afetos confusos e contraditórios e os converte em sentimentos cristalinos, harmoniosos e convergentes entre si.
8
Instantes translúcidos Ao me ver ambivalente e aceitar o hermético que ainda há em mim, sou envolta em atmosfera de compreensão, de saber inexprimível, que vai além do crivo da mente. Essa dimensão que me escapa é o que há de mais precioso, é o que me move e que me faz sustentar o propósito. São ínfimos instantes de duração infinita que não cabem na memória nem na consciência menor. Instantes atemporais do tempo fora do tempo que me situam no todo e apascentam as muitas que sou em uma só direção numinosa.
9
Devaneios do encontro Inebriado pela pulsão afetiva o par vive a interação simbiótica de idêntica forma e intensidade. No afã de apreender o instante, os dois se querem do mesmo barro e das mesmas vontades. Na dimensão do desejo, nada mais há além da projeção da vontade de um sobre o outro, na tentativa vã de servidão recíproca. O tempo não pactua com o erro e ao romper a bolha do querer há que se escolher entre entregar-se à desilusão ou receber o hóspede da mútua intimidade em vias de ser erigida.
10
Bênção e maldição Ao limpar a lente da ilusão, vi-me única, diferente, diversa. Saber-me é bênção e maldição. Bênção, pela consciência de mim mesma, de quem sou, de que sou feita. Maldição, por precisar me firmar no mundo. Bênção ao me ver parte do todo, da rede que tece o UM. Maldição, ao sentir-me jogada no mundo feito de ilhas. Bênção, pela solitude afirmativa de mim. Maldição, pelo estranhamento que exila o singular. A derradeira benção é a provisoriedade da maldição, é seguir na direção da conversão da maldição em benção, com os passos da inclusão e do amor.
11
Sabor de vida Quem sabe o sentido da vida conhece o sabor de viver. Quem tem razão de viver prova de ricas iguarias, pois tudo lhe apetece: as doces alegrias as tristezas amargas, os cáusticos desafios e a acidez da verdade. O segredo do bem viver é saber preparar o alimento, degustar todos os palatos, saboreando o que vier. Para ter fome de viver, há que moderar apetites, temperá-los com acerto, servi-los em mesa farta e ofertá-los ao âmago da vida. Quem sabe o sentido da vida de tudo já provou com o prazer de quem apurou o paladar. (inspirado nas palestras do filósofo Renato Noguera)
12
Votos Minh’alma alia-se à Consciência Maior e penetra a mente que em mim habita. Sonda e investiga cada recôndito onde o erro se esconde. Liberta sentimentos e lhes dá vazão. A exuberância da vida se manifesta em todas as fibras do meu Ser, e eu apreendo o sentido da felicidade. Esse é meu desejo, anseio e aspiração. Intenciono, decido e entrego-me. Confio e sustento o propósito. Aceito os efeitos do que pus em movimento. Acolho a Vontade Divina.
13
A que se destina? O jovem crê que o destino se dará como foi projetado. Quando vêm revezes e abalam-se certezas, supõe que sejam eventuais desvios de curso do planejado. Chega o tempo da retrospecção e, com ela, gratidão e arrependimento. Arrependimento pelas oportunidades perdidas, pela inversão de valores e pelos amores não vividos. Gratidão pelos perigos afastados, pelas dores e alegrias sentidas, pelas vivências a modelarem a existência. Percebe, então, que o destino é a costura de eventos arranjados pelos fios das próprias ações. Entende que os efeitos das escolhas transpassam a rede invisível da vida, onde cada um é único e compõe o todo. E entende que ser feliz é a que se destina.
14
Retorno Tomada por súbita clareza, chega-me inefável compreensão de que tudo está bem, de que nada há a temer. No autoenamoramento há encantamento pela vida e pelo viver. O vislumbre de algo além me transporta a uma estrada em penumbra que aponta a luz ao longe. Sigo confiante meu desígnio, mantendo o olhar difuso, enquanto sondo a periferia repleta de segredos. A cada segredo que recolho, desdobra-se a visão de mim mesma. O vislumbre do que me aguarda dissolve o medo de me ver. A cada passo dado, a percepção se amplia e me fascina os contrastes do mundo interior. A sensação de estar em casa move-me a meu encontro e envolve-me de luz e de amor. De onde narro agora há memória e instante, há sonho e realidade. Por estar em casa, vejo-me em inteireza. Sou minha espectadora e alegro-me ao me observar. Percebo luz e amor na imperfeição que me habita, e isso me irmana. Nutro-me de mim para o retorno à aparente realidade.
15
Liberdade indomável Há em cada um indomável corcel a galopar por infinitas savanas, a testar seus limites, a provar novas direções. O tempo tenta domá-lo, prende-o ao carrossel do destino, que gira e sempre volta ao mesmo lugar. Mas essa força selvagem continua latente, à espera de ser cavalgada pela liberdade infantil, que não conhece cabresto nem espora.
16
Do que somos feitos Falo do singular que me define e do eu a quem me atribuo autoria. Falo da troca que deixa algo de mim no outro e algo do outro em mim. O que deixo no outro é meu e o que recebo do outro é dele e é também o acúmulo de outros que se acresceram a mim e a ele. Nessa mesclagem multiforme, o eu e o outro são apenas pontos de referência. Acaso se desse a separação, não seríamos uma página em branco. Há algo além do outro e do eu que é quem de fato sou e quem de fato ele é. Nesse intercâmbio de afetos, eu componho o outro e o outro me perfaz. Há sentido na existência, desde que eu esteja nele e que ele esteja em mim. O autêntico que em mim aflora surge do encontro afirmativo de meu lugar, na renda vital e coesa de díspares semelhantes.
17
Aquele que não veio a ser Assim como chegou, partiu, potencial de um sonho, sol em vias de nascer, lua que não chegou a brilhar, linha aguardando a costura, mente farta de ideias sem ânsia de realizá-las, rio de desejos, seco de vontade, em estado de eterno devir. Lindo projeto que não saiu do papel e que a morte, generosa, pôs fim à angústia daquele que não aconteceu. Ah, como amei e lamentei pelo que poderia ter sido! Quiçá, agora, encantado, possa despir-se dos empecilhos e encontrar seu destino. Ou, afinal, feliz se veja ao flutuar nas águas claras do imaginário.
18
Afluentes Engana-se quem se espelha na mansidão do lago. Não sabe das águas revoltas a lhe inundar de sensações. Águas que da nascente brotam e se avolumam em opulência nas vertentes. Águas caudalosas em queda livre, entregues à correnteza. Aquele que se vê cristal faz-se represa ou procura um sumidouro que as águas sorva. Desconhece a dinâmica das marés, a recolher as águas que darão impulso ao movimento. Ignora a regência da lua no curso dos sentidos e na fluência das emoções.
19
Quanto pode o olhar O olhar de outrem não me define, ainda que me perturbe. O olhar alheio é focado e me limita por me reduzir. Acolho o olhar abrangente que me vê na medida real. Procuro expandir o olhar sobre mim. Escrutino o que está escondido e que não quero ver. Realço o que aprimorei e o potencial latente. Aumento a lente sobre minha inteireza. Minha medida é o que quero ser e não o metro dos outros. Sigo ampliando o olhar no outro e em mim, para que eu veja aquilo que eu olhe.
20
Maternagem Maternidade não é virtude, é possibilidade e escolha, é condição biológica. Maternidade carreia a injunção de cuidar e educar. Há quem faça do cuidado ofício e do ofício maternagem. Pessoas que atuam como babás, cuidadoras, enfermeiras, professoras e gestoras. A maternidade é exclusiva, a maternagem é democrática. Há maternagem na avó, na tia, na irmã mais velha, no pai e no padrasto. Há maternagem recíproca entre o casal e entre amigos. Rendo homenagem à maternidade por trazer o ser ao mundo. Bem-aventurada seja a mãe materna. Honro quem é materno por vocação, quem tem o dom de cuidar com renúncia e dedicação, abnegação e devoção. Honro a maternagem, esse belo atributo do amor.
21
Desejo Quem dera não fosse o desejo a irresistível pulsão que move sonhos e alimenta devaneios. Quiçá que o esquecimento desbotasse os contornos do anseio e convidasse a ir além. Mas como ir além se é aquém que se guarda a saudade do que não se teve e a falta do que não se deu? Sem alvo ou destino o sonho desvanece, a chama se apaga, a estrada desaparece, por morrer a razão de seguir.
22
Sondagem Não é preciso ficar do avesso para volver-se para si. O movimento de retorno requer verdade e destemor. Mover-se para dentro é sondar as entranhas do coração. Há que se fazer perguntas sinceras e dar respostas honestas. Ouvir a voz que está dentro e ecoa no que está fora. Sondar a vida interior requer coragem para tirar o véu que esconde quem se é. Sondar-se exige ser o próprio espectador, com olhar questionador. Distanciar-se da visão egoica e do julgamento. Respirar em estado relaxado, deixar-se levar à fonte e acessar a centelha divina que se é.
23
O processo Sobreveio à notícia, o susto o impacto, o choque paralisante. Depois veio o choro, o cansaço, a prostração, a procura do alívio. Veio a contenção necessária a reportar a notícia. Tomou-me lembranças dos bons momentos registrados em fotos. Abrandou-se o choro, enquanto carrossel de emoções girava a pedir atenção. Chega a hora da despedida de agradecer e de soltar. Fica o vazio que será companheiro de muito tempo, enquanto a vida segue e aos poucos preenche a falta.
24
Saber-se A arte de saber-se divino enquanto humano e humano sendo divino está em suportar em si a potência e a fraqueza a feiura e a beleza a pureza e a malícia a vergonha e o encantamento a dor e o prazer de ver-se por inteiro.
25
Mulher plural A mulher que a mim se revela não cabe nas expectativas sociais. Ela vai além da estrutura biológica e da formação que a delineou. Guarda mistérios ainda não decifrados. Essa mulher plural expressa-se pela pulsação do animus projetado na ação, na atitude assertiva e na realização. O que lhe move é o desejo de conhecer e provar, é o impulso em compartilhar experiências. A sensibilidade da mulher que mora em mim expressa-se em vibrações e ondas, mais do que por comoção. Ela tem percepção aguçada que a leva à reflexão, ao questionamento, e à busca da verdade. Esse jeito de ser penetra o campo sutil e abre as portas da intuição e da inspiração. O amor dessa mulher é feito de atitudes para e pelo outro, de empatia e de compaixão. Ela interage com facetas que lhe complementam. Em todas, há persistência na busca de si mesmo, em posicionar-se na vida, em buscar atributos inerentes à sua natureza. É obra inacabada, sempre em construção.
26
Mulher, por ela mesma Ao despir a mulher da formação familiar, cultural e social; ao despojá-la da estrutura biológica que lhe é própria, revela-se o ente espiritual que escolheu ser feminino. Esse ser encoberto por camadas de proteção adquiriu habilidades e criou estratégias para resistir ao julgo, preservando-se, assim, do olhar invasivo. Compensou desvantagem física com astúcia, persuasão, acuidade, engenhosidade, perspicácia e sagacidade. Com tais habilidades travou batalhas secretas e obteve ganhos ocultos. Ao driblar a vigilância opressora, abriu caminhos para emancipação e para autoafirmação. Mesmo presa em papéis sociais, seu espírito é livre. Em seu hábitat, ela é uma força da natureza. A mulher enfim acessou o âmago e recordou quem ela é. A duras penas conquistou o direito de definir-se, de descrever-se e de assumir seu lugar no mundo.
27
Alternâncias Há momentos em mim de aparente apatia, que contrasta com o borbulhar da agitação interna. Minha natureza inquieta tende ao movimento e torna a espera suplício. O que me salva é saber do engenho criativo, da maturação de cada etapa e do tempo para cada evento. Há momentos em que sei o tempo de agir, de repousar e de sedimentar a vivência. Há instantes em que me entrego ao fluxo da vida e ao prazer da entrega. A memória desses instantes nutre-me de esperança no povir e equilibra-me na alternância entre a sustentação da espera e o impulso para a ação. Acolho-me nas inconsistências e oscilações. Sigo firmemente tentando.
28
Delimitado e infinito A gestação se dá numa bolha. Maturada a forma, o humano é lançado ao espaço que o receberá. Cresce dentro de limites entre teto e chão. Transita entre espaços de variadas funções. Para caber no mundo restrito o corpo se delimita e é pela forma que ocorre a interação com o entorno. Os contornos físicos não o impedem de ampliar o acesso a espaços internos e externos. A estrutura humana vai além da biológica e alcança o outro. Ela sofre mutações no decorrer da existência e a troca com outras acontece desde a concepção, ainda que alheia à vontade. A crença de isolamento decorre de não saber dos movimentos internos que alcançam outros em todas as direções. Somos seres de dimensões infinitas vivendo em espaços delimitados, espaços que se ligam a outros numa vasta e imperecível manta. Somos mais que a configuração. É possível ultrapassá-la ao criar formas cada vez mais maleáveis, flexíveis e inclusivas. Formas que favoreçam o afeto, e que se expandam ao infinito.
29
Encantamento Quando me distraio de mim a vida me captura. Cenários que tantas vezes vi agora se destacam, despertam-me atenção. Percebo e aprecio acordes de melodia tão conhecida, outrora ignorada. A capa do livro me chama, O texto aos olhos me salta, O aroma convida à inalação. Encanta-me e encoraja-me a sair da cama a alegria de alguém que tem todos os motivos para estar triste.
30
Por quem os sinos dobram O amor em si se basta, não sofre perda ou falta, no amor não há separação. O amor se retroalimenta, não depende da presença ou de ser correspondido. O luto é a dor por si, pela perda do que projetou e que o outro levou consigo. E se juntos já não estavam, a dor é anterior à morte, vem da convivência impossível, por não dar conta de se ver através do outro. A causa da separação foi aquilo que outrora os uniu, posto que o amor ama por inteiro, quem separa é o ego. Há que recolher as partes projetadas, resgatar a identidade e honrar o ser que lhe serviu de espelho. O amor, esse mantém-se intocável.
31
O que me toca Há momentos em que sou à flor da pele, na música que me comove, no lugar para onde me projeto, no personagem com quem me identifico, no impacto da notícia, no destroçar da dor alheia, na alegria estampada na criança. Minha face muda em expressões maleáveis de acordo com a emoção que emerge. O que me toca me traz compreensão intraduzível e me remete àquilo que ainda não toquei em mim.
32
Ritual A dança começa com a escolha do par e segue com o convite e a aceitação. Frente a frente os corpos se ajustam. Mãos sobrepostas, o apoio dela no ombro, o dele, na cintura. A condução do movimento pela pressão dos dedos nas costas é correspondida no mesmo tempo, ritmo e direção. A partir do primeiro passo abre-se um espaço dimensional de fusão de corpos, um ser a dois se desloca. O par em sintonia é arrebatado pela música que lhe anima a estrutura física. Ele é conduzido pelos acordes que desenham os passos. Ela se deixa levar pelos dois, trazendo sua própria expressão. Ali, a estética corporal, nível cultural, personalidade, caráter, até mesmo o nome são indiferentes. Não importa ainda onde os passos irão levar, se são rápidos ou lentos, retos ou sinuosos, se há oscilação ou paradas, giro, avanço ou recuo; importa a harmonia dos gestos. Na experiência da dança o casal desliza em sintonia no salão, tomados pelo menear dos passos. Ele cria, ela manifesta. Ele dá vida e exuberância ao traçado dela, feito com graça e sedução. Ambos desenham beleza. A dança é a experiência equilibrada do encontro, da interação do masculino com o feminino, da ação e da recepção. Como deveria ser no convívio entre o casal. 33
Palavra em verdade A palavra me toma. Não o signo fixo e vazio, aquela que transborda, a preencher lacunas de si. A palavra que se desfaz em verdade fluida, verdade que se desdobra, que se contrai e se expande. Essa palavra amorfa e ilimitada me assalta, desconcerta-me as certezas e caminha em construção do real em mim. Esse real se dissolve ao tentar retê-lo, abunda e vai além, busca a palavra indefinida, página em branco que acolhe todas as tintas da experiência, em eterno devir. Perturba-me a palavra que não me define, a que me causa estranheza. Acolho a palavra permeada de afetos, metáfora da verdade pulsante no cerne do Ser, a que me atravessa as coerências e segue com meu caos.
Vejo a verdade fundida com a mentira, no mofo dos conceitos. Recebo a verdade em gotas vertidas sobre a palavra que se derrama no oceano de mim.
34
Insuperável amor Há amores efêmeros, levados pelo vento, amores ardentes, consumidos tal qual chama, amores maduros, firmados com o tempo, amores fraternos, de coração e sangue, amores sublimes, fincados na fé, amores do ventre, perenes e eternos. Mas há um amor doce, belo, terno, venturoso, divino, que enleva, cativa e seduz. Amor de dengo, de carinho, amor de entrega, indescritível, uma dádiva que a vida ofertou e que supera todos os outros. O amor pelos netos só quem sente sabe o que é.
35
Carta ao pai Pai Quando penso em ti, volto a ser aquela menina a te pentear. A que te observava os gestos metódicos, no ritual diário, após o banho, de enxugar os pés dedo a dedo, a esticar e sacudir as meias antes de vesti-las, a calçadeira a introduzir os sapatos. De mãos dadas, íamos à “cidade”, onde me deleitava de uvas-passas embaladas em pequena caixa, que virava brinquedo. Encantada com o mundo de personagens que me apresentaste, transformei-te num deles. Vivia a sondar a mente do misterioso homem de poucas palavras e muitas letras, a transitar sem cerimônia entre a distraída austeridade e o olhar terno, da raiva ao choro. Recolho essas memórias saudosas em um instante que se eterniza e rendo humilde homenagem ao homem que me gerou, à minha referência masculina que sempre amarei.
36
Tempo de renovação Aproxima-se a madrugada onde o céu cintilará sonhos, fulgurará esperança, espargirá desejos de um diferente amanhecer. Um rápido luzir mutante exibirá coloridas aspirações de um novo ciclo promissor. A aurora anunciará a quietude após a tormenta e purificará os despojos em labor do ano redentor. A lua, compadecida, recolherá o resplendor dessa noite radiosa, em paciente espera do tempo de redenção de cada coração.
37
Desejo dorido Em minhas noites insones há um sonho em tocaia em atormentado paradoxo. Há uma ânsia ávida capturada pela indecisão. Entre me afirmar e temer existir. Entre ansiar sucesso e temer fracasso. Entre me ocultar e me tornar visível. Entre me boicotar, em vias de me realizar. É um desejo orgulhoso e inseguro, pretensioso e covarde, desejado e temido. Esse cabo de guerra tira-me o sono e o ar, invade-me os pensamentos, deixa-me em sobressalto, acelera-me o coração, tira-me o tino. Eis um sonho imerso no medo e na dúvida. Há de chegar a hora de soltar a expectativa e de deixar o sonho seguir seu curso. Tempo de rendição à Vontade Divina.
38
Medo, não te quero Há uma sombra à espreita, sorrateira a puxar o tapete, a sondar inseguranças, desejos egoístas e más inclinações. É um vulto hábil em manobras que se faz passar por cautela e prudência, que se alimenta de infelicidade e escraviza com sua voz insidiosa. Ele se disfarça de sabedoria, de sensatez e pouco a pouco é a única voz ouvida. Onde há temor há egoísmo, incapacidade de ver o outro, falta de discernimento, forças quebradas, afastamento de si mesmo. No medo não há alegria, criatividade ou espontaneidade; impera a agressividade ou a dependência, a pessoa se converte em espectro ambulante. Sem perceber, foge de si próprio, deixa o medo comandar. Muitas vezes é o medo quem decide. Há quem diga que o ódio é o oposto do amor, ledo engano. O ódio é o amor enfermo, o oposto de amor é o medo. Onde há amor, o medo se dissipa porque o amor a tudo acolhe, inclusive o medo.
39
Estado de graça Sinto-me afortunada por nascer em lar bem estruturado e abundante de amor. Sou penhorada por situações que me desafiam, me fortalecem e por todos os livramentos de perigos. Bem-aventurada é a saudade dos que caminharam comigo, de quem me ensinou pelo exemplo e de quem me tornou melhor. Fui contemplada por um teto e boa saúde na velhice, por amigos sinceros, por ter um propósito e estar a serviço dele. Sinto gratidão por ser grata. Exulto ao reconhecer as bênçãos que me fortalecem nos infortúnios e asseguram-me proteção e amparo. Bênçãos que me remetem a instantes plenos de graça.
40
Metamorfose Só vestígios de quem foi retêm a memória que se esvai, para dar lugar ao ser de surpresas que se desfolha, enquanto vive entre dois mundos.
41
Identidade Saio da linha, do trilho, do caminho reto e rígido, posto que ondulação é o paradigma que me inspira. Não me meço pelo outro, nem me movo por comparação. Prefiro focar nos valores que erigi, ainda que transitórios, mesmo que deles tenha apenas vaga ideia. O parâmetro é medida que me afasta de ser e que hostiliza quem suponho me superar. Tenho em mim o gérmen do que cobiço, que vejo manifesto em quem invejo e teve coragem de olhar para dentro. De que me vale potência que jaz sem desempenho? O horizonte me é intrínseco e me atrai como um ímã, é norte e referência que situa com precisão o lugar onde me encontro.
42
Efeito violino A anatomia do violino difunde o som, que segue até o alcance de suas ondas. Da mesma forma, ao corpo humano, há que propagar emoções, soltá-las. Som e emoções são frequências vibratórias, e como tais não convém se cristalizarem. O violino é o arco que difunde entoação. Ele provoca ressonância ou dissonância, conforme a harmonia ou discrepância dos acordes, assim como se dá com sentimentos humanos. A melodia é um arranjo de notas e ritmos que formam o concerto. É uma sequência equilibrada que agrega frequências variadas de tons. Ela é concebida pela mente sensível e operada por instrumento afinado. Da mesma forma, os sentimentos se expandem pelo corpo físico, sejam na composição orquestrada pela mente, sejam em notas dissonantes e caóticas. O violino requer comando de mãos hábeis e obedientes à mente talentosa. A produção musical é sequência de etapas, desde a concepção ao alastramento, ela sensibiliza e produz beleza ou desconforto se mal conduzida. Assim é nossa forma de sentir, agrega se bem orquestrada, aparta se desgovernada. Seja nosso corpo o violino afinado e nossa mente o maestro hábil a arranjar os acordes emocionais, produzindo ressonância no mundo sensível das frequências do amor.
43
Insuficiências Em mim transbordam insuficiências. Tenho inapetência à frivolidade e sou inábil com palavras rasas e conversas vazias. Sofro de profundidade. Não tenho vocação para ser ilha e padeço pelo desterro da interação. Pertenço à minoria reflexiva relegada à inadequação, num mundo reprodutivo da mesmice. Por vezes falta-me autonomia em sentir e sobram-me barreiras autoimpostas. Não caibo no discurso árido e apático. Careço de experiências vibrantes que me vivifiquem. Ocasiões há em que me critico por não encontrar elos para unir-me os pedaços. Falta-me tolerância a despropósitos, desalinhos e descaminhos. Não me cai bem a máscara da felicidade. Sou feita de alegrias e tristezas ocasionais. Para essas insuficiências, não traço políticas que me incluam onde não me encaixo. Passo ao largo de quem não me acha bastante, na hipocrisia que esconde o que lhe falta por trás de um sorriso falso.
44
Carrossel de afetos Lágrimas derramadas acordam a alegria oculta, que, ao emergir, ressoa com a dor. O riso traz em si o pesar, que, em sua expressão, reverencia o deleite. O germe se alterna e se sobrepõe ao vigor em rotação do carrossel pulsante de emoções. O contraponto nivela as vibrações vertidas no delinear da felicidade.
45
O que me move e me toca O que me toca é imponderável, é o que me atravessa no instante recortado e impresso na memória. O que me move é a força volitiva pelo que falta e a esperança no devir. Toca-me o que me acerca, move-me o que está além. O que me toca é o que ficou do encontro, a experiência vertida em afeto, inundada de desejo. O que me toca me move.
46
Afetos Quando alguém lhe causar estranheza ou espanto, quando lhe revolverem os sentidos e um estado de confusão lhe tomar; quando se sentir inebriada pelo turbilhão de sensações e quiser fugir, mas as pernas não obedecerem e suores e tremores forem inevitáveis, não adianta se debater nem virar o rosto ou fingir indiferença. Não duvide; ali um afeto lhe tocou. Só resta desbravar esse mar bravio, seguir as correntes em barco sem velas ou remos, impávida do porto que ele irá lhe levar.
47
Aquilo que me sustenta Como seria não ter arcabouço ou eixos, viver amorfa, moldável ao instante? Despida de filtros, transvalorada? Abandonar a impostora que copia reflexos? O que se daria ao me deixar inundar por intensidades que em mim desaguam? Ao vestir a linguagem mutante dos corpos, ao compor aquilo que me afeta? Quem eu seria ao viver o amálgama do encontro, da troca, despreocupada do enrosco ou de fazer recortes? No que me tornaria se deslizasse entre o real e o imaginário, como quem navega sem âncora ou leme? Que efeito em mim teria não nomear o que sinto? Seria eu um fio de águas que correm sem rumo ou direção? Como eu seria ao soltar aquilo que me sustenta?
48
Do arco e da flecha O arco é o bojo onde a criação acontece. Lá, aprende-se a se curvar sem se quebrar, a firmar fronteiras, a tornear ideias, a abaular sentimentos. Lá, forja-se a verdade como escudo, torna-se flecha, veloz e certeira. É o arco a força que impulsiona a flecha. É a flecha arma, ação e proteção. Chega o tempo de lançar-se. Tempo de escolher o alvo, mirar e disparar. Para caminhar em verdade, não convém à flecha olvidar do arco, nem do equilíbrio entre seguir e pausar, da impetuosidade e da moderação. À flecha cumpre observar os ciclos naturais de aumento e redução, consciente de que seu desígnio é o arco do coração. (inspirado em Cartas do Caminho Sagrado, de Jamie Sams)
49
Pistas A vida dá pistas preciosas a seguir. A doação da florada fora de época, o intento do arbusto a germinar no asfalto, a agitação subterrânea das águas do lago, a resiliência da árvore na intempérie, a obediência da folha em se fazer adubo. A vida dá recados secretos. Pode ser uma frase anônima que o vento soprou, agouro de nuvens escuras, mal-estar a alarmar doença, a alegria contida na tristeza, o choro por trás do riso. Os sinais falam do que convém sorver e do que precisa ser vertido. Eles falam do poder de estar alinhado com a sincronicidade.
50
Experiência de Deus Deixar de se debater, render-se ao inevitável, ao transitório e à impermanência é soltar, ceder ao irresistível, ao destino que lhe é inerente. Entregar-se ao movimento amoroso da vida, ao próprio propósito, é abandonar-se num ato de rendição. Rendição e entrega são passos em direção à transcendência, à autossuperação. Confiar na benignidade da vida, no amor divino, na própria potência é seguir com sabedoria. Rendição, entrega e fé são etapas da experiência de Deus para Lhe acolher a Vontade.
51
O que pode o afeto Quando o encontro de forças irrompe em sensações eróticas, a vontade se torna impotente. Há que fluir na torrente, até que as ondas se esgotem e outros eventos eclodam. Esse menear é autoperpetuador enquanto vida houver e para a vida existir. Vida é movimento e movimento é impulsionado pelo desejo. Há quem tente implodir a pulsão, causando efeitos danosos à saúde física e emocional. Há quem tente canalizá-la, desviar seu curso, criando descontentamento ou satisfação provisória. Há quem tente reter o desejo e assim desvirtuá-lo em vício ou perversão. Desejo sadio é desejo livre e só é livre quem se deixa por ele atravessar, quem tem força de vontade para escolher se quer agir a partir dele. Só é livre do desejo aquele que sabe o que é necessário, que sabe o que quer, que é capaz de conviver com a falta, com o hiato que ocorre entre o desvanecer e o nascer do desejo. Quando a combustão do desejo evolui para as águas do amor, desejo, vontade e querer confluem, retroalimentam-se e preenchem a necessidade humana de amar.
52
O que nos interroga a Vitória-Régia? Conta a lenda tupi-guarani que Naiá queria ser estrela para ficar com a Lua por quem se enamorara. Numa noite enluarada, Naiá se curvou para beijar o reflexo da Lua, caiu e afogou-se. Compadecida, a Lua a transformou na VitóriaRégia, a estrela das águas. A lua é o filtro que ameniza a luz solar e oferta clareza na medida certa de cada um. Dizem que a lua recolhe sonhos abandonados, à espera de serem maturados. Os sonhos são o motor que nos move ao empoderamento de nosso brilho. Quem sonha mergulha nas águas claras do sentir à procura da própria luz. Muitos lá permanecem embevecidos pelo canto das sereias ou se perdem em divagações. A Vitória-Régia nos ensina a deslizar em águas amenas, com a face virada para o sol e as raízes imersas nas águas das emoções. Ela simboliza a integração perfeita entre razão e emoção. Que possamos nos inspirar na estrela d’água e obter o equilíbrio certo para colhermos da lua os sonhos tão desejados.
53
Aquarela humana A paleta de cores étnicas compõe a junção de pigmentos forjados pelos afetos. Preto e branco se irmanam na formação da base de manejo de todas as cores. Ao emanar claridade, o branco cria a manhã e a manhã se faz noite ao ser sorvida pelo preto. É bela a alquimia e a confluência afetiva de cores a derivar o arranjo de tons pulsantes que formam a aquarela humana.
54
Tormenta azul ressonante O alerta azul anuncia a força destruidora da natureza que desterra velhas estruturas. Quando a tormenta ressoa, catalisa o poder escatológico da transformação. A dança da desordem, feita de terra, água e ar, chega ao olho do furacão. A tormenta tudo move, tudo arrasta. Reúne formas ressonantes que seguem em movimento circular, em sintonia com as ondas pulsantes de vida. Prepara a energia em ebulição para eventos revolucionários em soerguimento. Ao cumprir seu mister, nova ordem se instala, enquanto cada um integra em si a mudança, ao ancorar o caos na quietude.
55
O que pode o amor O amor é vulnerável, regozija-se nas afinidades, convive com diferenças; conforta dores, soma alegrias, acresce compreensão; amplifica o bem-estar do reconhecimento recíproco de cada um como é. Convida à mútua revelação, do consorte faz os gostos, edifica a sinergia do encontro, na confluência na intimidade. O amor tudo pode, tudo potencializa. É força de vida que atrai pares a caminharem juntos, alinhando-os à jornada um do outro.
56
Amor possível O amor requer preparo, é composição que não se repete, pois continuamente se refaz. É feito de movimento e coragem para seguir peregrino na estrada sinuosa do convívio. Há que ser ressonante, sensibilizar em uníssono as fibras coronárias de dois, pulsar e vibrar concorde com o impulso atrator dos afetos. O amor acontece quando o espectador dá lugar ao protagonista de conciliação de desejos. Quando se renuncia à ânsia insaciável pelo que falta, para se nutrir do que é possível.
57
Fim de mundo O mundo se acaba para quem é devastado pela dor diante dos reveses da vida, para quem morre e não crê na eternidade da vida, para quem fica e não solta quem partiu. É fim do mundo para comunidades aniquiladas por catástrofes, para quem enfrenta mazelas da guerra e não conseguem vislumbrar o devir. Ainda que haja sinais do final dos tempos, o mundo só acaba para quem sofre e não vê saída, para quem perdeu a fé e a esperança. O fim acontece para quem não vê clemência no fenecer para o advento do novo; para quem não crê na Providência Divina, a promover imperiosas mudanças em prol do surgimento da Nova Era. Achar que é fim de mundo a natural dinâmica de conversão da vida é questão de ponto de vista, é opção, é escolha.
58
Autorrealização Quando as várias camadas da consciência e as aparentes contradições se unificarem sem que a lógica seja maculada; quando sentimentos e formas de responder à vida adquirirem outra luminosidade; quando opiniões e convicções se expandirem, tudo será pleno; a destrutividade morrerá. O prazer será pleno porque seu oposto não será temido. Quando o ego se libertar do medo e não houver mais resistência à vida, à verdade, ao amor, o cerne do ser espiritual de cada um será revelado, como uma realidade viva de autorrealização. (inspirado na Palestra 165 do Pathwork)
59
Conjugação de forças Houve um tempo em que forças cósmicas nos mobilizavam. Respirávamos a Consciência Universal, o sopro da existência sempre viva. Não se sabe quando mudamos de direção. Ao nos afastarmos do Âmago, camadas sobre camadas passaram a encobri-lo. Sem nutrição da Fonte, começamos a andar em círculos e a sentir dor. Sofrimento, cegueira e desesperança fomentaram sentimentos danosos. Num determinado momento, a autopreservação inibiu reações violentas, manifestações da destrutividade desenfreada. A consciência repressora de instintos primitivos formou-se a partir da prática da razão, auxiliada pela vontade disciplinada. Com o passar do tempo, a experiência revelou que, ao conter impulsos negativos, o isolamento do Âmago Divino aumentou, e, sem a ajuda Dele, não é possível curar sentimentos adoecidos. Com o fortalecimento da vontade, já é possível aflorar a negatividade de forma consciente, sem que ajamos a partir dela. Há que vivenciá-la de forma plena, para permitir a conversão dos sentimentos ao estado original, o amor. Cumpre fazer o caminho de volta, na direção oposta à que estamos indo, ativar as qualidades de sentir e de experimentar espiritualmente. Só então, razão, sentimento e vontade caminharão juntos, de forma interativa, paritária e confluente. Um novo senso de realidade cósmica surgirá. (inspirado na Palestra 165 do Pathwork)
60
Estado de paixão Se desejas enfrentar o cinismo, o preconceito, a realidade fantasmagórica das relações; se é teu propósito lidar com frustração, desânimo, desencontro, vazio existencial; se não queres pousar de deusa ou de diva, nem ser o que não és; se intencionas afastar a exigência de formas ideais, e não fazer escolhas pela melanina; se pretendes soltar dores e dissabores, sem valorar o além ou o aquém; se é tua meta apagar a linha do tempo, assumir o protagonismo, acolher equivalências e arriscar elevar-te e cair; se tens cogitado mergulhar no poço de possibilidades, sem dar atenção a resquícios e respingos, e arriscar uma existência vibrante e rica, tenhas tesão por tudo, em tudo e para tudo; derrames libido sobre a pele e os ossos, incendeies cada órgão, cada membro; sejas paixão em todas as células e fibras do ser, qual um sol a gozar entusiasmo e enamoramento.
61
A barca Não há porto seguro. O porto é feito de angústias entre chegadas e partidas. O cais é ponto de parada para reabastecer e seguir. No mar da vida não há ancoradouro estável, posto que, ao existir, somam-se calmarias divisadas por tormentas. Assim é o limiar de um ano, ancora-se a barca para estocar esperança, recarregar energia e avaliar o rumo que será dado à viagem que se inicia. E então se zarpa com fé e otimismo, com Deus a guiar o leme.
62