Edição 21 Vírus Planetário completa

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Entrevista: Nalu Farias_A

militante da Marcha Mundial das Mulheres fala sobre a luta feminista

Vírus Porque neutro nem sabonete, nem a Suíça

Mulheres

Planetário

em luta

Por que as bandeiras do feminismo estão mais atuais do que nunca?

nº21

EDIÇÃO DIGITAL

Com conteúdo do

FAZENDO

MEDIA

R$5 edição nº 21 março 2013


Em defesa do projeto dos movimentos sociais para o petróleo, com monopólio estatal, Petrobrás 100% pública e investimento em energias limpas.

Leia: “Movimentos sociais interrompem seminário da Agência Nacional do Petróleo”

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traço livre

Notícias da campanha: www.apn.org.br www.tvpetroleira.tv

Por Paulo Marcelo Oz | Veja mais em: facebook.com/ tirinhasoz

organização: Participe do abaixo-assinado: www.sindipetro.org.br


Por Adriano Kitani Veja mais em: pirikart.tumblr.com


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Afinal, o que é a Vírus Planetário? Muitos não entendem o que é a Vírus Planetário, principalmente o nome. Então, fazemos essa explicação maçante, mas necessária para os virgens de Vírus Planetário: Jornalismo pela diferença, não pela desigualdade. Esse é nosso lema. Em nosso primeiro editorial, anunciamos nosso estilo; usar primeira pessoa do singular, assumir nossa parcialidade, afinal “Neutro nem sabonete, nem a Suíça.” Somos, sim, parciais, com orgulho de darmos visibilidade a pessoas excluídas, de batalharmos contra as mais diversas formas de opressão. Rimos de nossa própria desgraça e sempre que possível gozamos com a cara de alguns algozes do povo. O bom humor é necessário para enfrentarmos com alegria as mais árduas batalhas do cotidiano.

O homem é o vírus do homem e do planeta. Daí, vem o nome da revista, que faz a provocação de que mesmo a humanidade destruindo a Terra e sua própria espécie, acreditamos que com mobilização social, uma sociedade em que haja felicidade para todos e todas é possível.

Recentemente, unificamos os esforços com o jornal alternativo Fazendo Media (www.fazendomedia.com) e nos tornamos um único coletivo e uma única publicação impressa. Seguimos, assim, mais fortes na luta pela democratização da comunicação para a construção de um jornalismo pela diferença, contra a desigualdade.

Expediente: Rio de Janeiro: Aline Rochedo, Ana Chagas, Artur Romeu, Beatriz Noronha, Caio Amorim, Catherine Lira, Chico Motta, Eduardo Sá, Gabriel Bernardo, Ingrid Simpson, Julia Maria Ferreira, Livia Valle, Maria Luiza Baldez, Mariana Gomes, Miguel Tiriba, Noelia Pereira, Raquel Junia, Seiji Nomura e William Alexandre | Mato Grosso do Sul: Marina Duarte, Tainá Jara, Jones Mário, Fernanda Palheta, Eva Cruz e Juliane Garcez | Brasília: Alina Freitas, Luana Luizy, Mariane Sanches e Thiago Vilela | São Paulo: Ana Carolina Gomes, Bruna Barlach , Duna Rodríguez, Jéssica Ipólito e Luka Franca | Minas Gerais: Ana Malaco, Laura Ralola e Paulo Dias Diagramação e projeto gráfico: Caio Amorim Ilustrações: Carlos Latuff (RJ), Paulo Marcelo Oz (MG) e Adriano Kitani (SP) Revisão: Bruna Barlach e Jones Mário Colaborações: Juliana Rocha Capa: Juliana Florêncio e Bruna Barlach

Conselho Editorial: Adriana Facina, Amanda Gurgel, Ana Enne, André Guimarães, Carlos Latuff, Claudia Santiago, Dênis de Moraes, Eduardo Sá, Gizele Martins, Gustavo Barreto, Henrique Carneiro, João Roberto Pinto, João Tancredo, Larissa Dahmer, Leon Diniz, MC Leonardo, Marcelo Yuka, Marcos Alvito, Mauro Iasi, Michael Löwy, Miguel Baldez, Orlando Zaccone, Oswaldo Munteal, Paulo Passarinho, Repper Fiell, Sandra Quintela, Tarcisio Carvalho, Virginia Fontes, Vito Gianotti e Diretoria de Imprensa do Sindicato Estadual dos Profissionais de Edução do Rio de Janeiro (SEPE-RJ) Siga-nos: twitter.com/virusplanetario Curta nossa página! facebook.com/virusplanetario

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Comunicação e Editora A Revista Vírus Planetário - ISSN 2236-7969 é uma publicação da Malungo Comunicação e Editora com sede no Rio de Janeiro. Telefone: 3164-3716


Editorial Quando o Dia Internacional da Mulher é lembrado, temos o desgosto de ver reportagens reduzindo a data, de reflexão e de luta, à distribuição de flores, promoções em salões de beleza e presentes na forma de vestidos, joias e até de eletrodomésticos. De alguma forma, na imagem que vem sendo construída da mulher moderna, bem sucedida e independente, parece não caber o espírito de luta das gerações anteriores. Se não tentamos compreender o que foi o feminismo e as causas pelas quais outras brigaram antes de nós, não somos capazes de ver as amarras que ainda existem. Como vanguarda central da luta contra a opressão, as mulheres se levantam há mais de dois séculos por melhores condições de vida. A cada nova geração, novas militantes entram para essa luta, defendendo as bandeiras históricas do feminismo, contra as novas formas de opressão que surgem com o desenvolvimento do capitalismo. As lutas pelos direitos das mulheres, pelo fim da violência contra a mulher e pela emancipação das mulheres em diferentes espaços não deve deixar de ser travada ainda nos marcos do capitalismo. Não só porque essas lutas são emergenciais e necessárias para a sobrevivência e existência das mulheres no mundo de forma mais digna e plena, mas porque não podemos aceitar nenhuma opressão. Nessa edição pautamos não só os atos e a importância do oito de março (que deve ser reconhecido como dia internacional de luta das mulheres trabalhadoras), mas também falamos sobre o feminismo, seus aspectos históricos e como o machismo atua na sociedade desde a manutenção das condições objetivas de vida até a cultura do estupro, que causa a destruição não só física e psicológica da mulher, mas em muitos casos leva à morte. Nas atuais mobilizações feministas, vemos em evidência o debate sobre o corpo. O corpo feminino ainda é onde se manifesta tanto a opressão quanto a resistência feminina. Insistimos em lembrar que o nosso corpo é o nosso território, sobre o qual nem o Estado e nem as Igrejas devem ter ingerência. Mostramos, com isso, que há muito o que transformar no conjunto de valores relativos ao imaginário sexual que estão impregnados de ideologia machista. É também nesse contexto que vemos manifestações feministas que aliam o questionamento à persistência da banalização das violações sexuais às demonstrações contra o racismo, a homofobia, a desigualdade de acesso ao poder e o modo capitalista de vida. Tais manifestações nos ensinam que as matrizes de desigualdades não podem ser tomadas isoladamente, elas estão intrinsecamente associadas. No seu sentido mais amplo, o feminismo é a luta contra qualquer e todo tipo de opressão. Basta olhar em volta para que essa luta está longe de acabar.

Sumário 6

Ana Enne_Dia da mulher

8 Bula Cultural 10

Fazendo Media_Encontro de camponesas termina com ato em frente ao Congresso Nacional

12 Fazendo Media_Entrevista Nalu Faria

15 Saúde_A história de Chico 18 São Paulo_Viviane Wahbe 20 Minas Gerais_Nas ruas, nas praças... Mulheres em luta!

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Sociedade_O estupro como cultura

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CAPA_O feminismo de volta ao centro do debate

30 Sórdidos Detalhes 32 Passatempos Virais 34

O Sensacional Repórter Sensacionalista


Ana Enne Ana Enne é professora do departamento de Estudos Culturais e Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF), jornalista formada pela PUC-Rio e doutora em Antropologia pelo Museu Nacional (UFRJ).

Dia da Mulher:

No que avançamos e no que precisamos avançar Dia 8 de março. Dia internacional da Mulher. Data simbólica, historicamente instituída, para marcar a luta das mulheres por respeito, dignidade, condições igualitárias, direitos, reconhecimento etc.

daqueles que não desistem de lutar. Sinceramente, não é possível tolerar esse tipo de fala, nem como suposta piada.

Assim como essa, O Dia da Mulher outras datas foram tem a função criadas, também historicamente, para de denunciar e dar acentuar as lutas visibilidade às das minorias (muidemandas e causas tas vezes maiorias quantitativas) por daqueles que são seus direitos: negros, submetidos à opressão. homossexuais, trabalhadores... E, recorrentemente, precisamos conviver com os comentários do tipo: “absurdo, vamos criar também o dia Falando em piada, do homem, dos heterossexuais, dos vale a pena assistir ao patrões...”. Sempre me pasmo com documentário “O riso dos esse discurso cínico. Datas como o outros”, - (veja aqui - www. Dia da Mulher são marcos cívicos, tinyurl.com/risodosoutros). têm por principal função denunciar e Ele aborda de maneira compledar visibilidade às demandas e cauxa e dialética as disputas em torsas daqueles que, cotidianamente, no das representações do outro são aviltados em seus direitos, são através do humor. Há uma parte desrespeitados e submetidos a consobre as piadas machistas sobre dições de opressão e desigualdade. mulheres, que vale um contraste Ora, sabemos nós todos que no procom os discursos dos participantes, cesso histórico da cultura ocidental por exemplo, da Marcha das Vadias hegemônica, esse não é o caso nem (citada, inclusive, no filme; mas disdos homens, nem dos heterossexuponível para consulta também no ais, muito menos dos patrões. Esses youtube). A evidente contradição são protegidos pela moral, pelo Estaentre as visões acerca do lugar sodo, pela lei, pelo senso comum. E aincial da mulher apontam claramente da querem ou ironizar ou se apropriar para a não neutralidade da piada, que de ferramentas de luta conseguidas serve muitas vezes para reiterar os com suor, muito trabalho e sacríficio preconceitos.

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Vírus Planetário - março 2013

Neste triste momento da história política brasileira, em que, pelo menos até este momento, um deputado de discurso homofóbico e racista é eleito para a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, é preciso estar ainda mais “atento e forte” na luta por igualdade e respei-

Ilustração: Carlo

s Latuff


Gestão Mobilização Docente e Trabalho de Base

www.aduff.org.br

ANDES-SN, ANFFA-SINDICAL, ASFOC, ASMETRO-SN, ASSIBGE-SN, CONDSEF, CONFELEGIS, CPERS-SINDICATO, CSP-CONLUTAS, CTB, FASUBRA, FENAJUFE, FENALE, FENALEGIS, FENAPRF, FENASPS, FENASTC, MOSAP, SEPE-RJ, SINAGÊNCIAS, SINAIT, SINAL, SINASEFE, SINASEMPU, SINDIFISCO NACIONAL, SINDIRECEITA, SINDLEGIS, SINPECPF, SINTBACEN e UNACON-SINDICAL

CARTAZ contra reforma da previdência.indd 1

to a todos aqueles que vêm sendo vítimas de sistemas injustos e opressivos. No decorrer da modernidade, as mulheres têm sido prova clara de que a luta vale a pena. Conseguiram o direito ao voto, leis que as protegem, investimentos em

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sua educação e valorização profissional. Mas o tanto a ser feito, as dificuldades ainda gritantes de calar tanto as piadas quanto a violência física, a desigualdade salarial e de carreira a que são submetidas, a necessidade de terem ainda um dia para significarem e ampliarem suas demandas, nos lembram o quanto ainda precisa ser feito. Ainda é preciso gritar: Basta! Não toleraremos mais seu preconceito. Nem em forma de piadas nada ingênuas, nem de forma alguma.

Por André Dahmer | www.malvados.com.br Vírus Planetário - março 2013

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Bula cultural

algumas recomendações médico-artísticas

A frivolidade é saudável “O lado bom da vida”, mais uma tentativa de Hollywood de revalorizar o “American Way of Life” Por Vinicius Almeida No filme Exterminador do Futuro 3 (o pior filme da série, sem dúvida), o exterminador afirma que “a frivolidade é saudável”. Na cena, o casal Connor começa a conversar sobre sua experiência amorosa e vida juntos. Inventaram no terceiro filme que o androide do futuro tem noções de psicologia na sua memória e, por isso, pode dizer essas pérolas. O fim do mundo se aproximava e o papel das relações amorosas era apenas de conter o pavor da morte eminente. No filme “O lado bom da vida”, que orgulhosamente tem em seu elenco a vencedora do Oscar de melhor atriz desse ano, a saída para o colapso nervoso de Pat, personagem vivido pelo ator Bradley Cooper, foi encontrar um novo amor (nossa, que criativo!). Mais do que isso, foi reconhecer que sua antiga esposa, que o traiu com outro professor de história do mesmo colégio no qual ele trabalhava, não gostava mais dele e, pasmem, descobriu também que ela não era legal com ele (estou chocado!). Como se a obviedade fosse pouca, os clichês de comédias românticas transbordam cena após cena, obrigando o espectador a engolir alguns valores muito importantes para a vida capitalista. Em primeiro lugar o amor, a vitória na vida e o lado bom dela é a monogamia. Longe de ser um texto 8

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O maior medo hoje de milhões de pessoas é da miséria e da vida sem sentido ”

contrário a tal regime de relação social (ou mesmo aos relacionamentos duradouros sexuais com o mesmo parceiro, o que não é exatamente monogamia), a reflexão aqui não é no exagero do amor a dois, mas sim no desprezo de outras formas de amor. Não estou me referindo tampouco a outras formas práticas sexuais (embora também inclua isso). O problema é que, diante de uma realidade na qual a vida é voltada para a necessidade de manter a maioria das pessoas num regime de trabalho que apenas garante a reprodução de sua própria existên-

cia, o amor monogâmico torna-se o resumo do “lado bom da vida”. Isso, além de ser um clichê absurdo para um filme, é de um conservadorismo absoluto. Somado a vida de “corno raivoso” de Pat, está a “vadia” Tiffany que depois de tornar-se viúva, resolve “pegar geral” e só se redime com o sistema quando se reconcilia com a monogamia e reassume, então, seu papel de mulher. Em segundo lugar, temos uma tentativa fracassada de quebrar o preconceito com pacientes com


Indicações Vídeo -“Como destruir um alienado em 1000 pedaços” doença mental. Uma internação compulsória, alguns remedinhos e a resignação com a vida que a burguesia escolheu para você são a cura para o protagonista em ação. Já vi tentativas dessa natureza, muito mais bem sucedidas, até em novelas globais (lembram-se da tetraplégica?). Além da afirmação condenável do tratamento manicomial, o uso de medicamentos é visto como algo a ser superado. Levando em conta que a pressão para o casamento perfeito, a necessidade de afirmação masculina pela força e a obrigação de civilidade e de um comportamento geral aceitável (só pra citar alguns exemplos do filme) são elementos centrais para as reações alteradas do protagonista, rejeitar os medicamentos é, mais uma vez, desconsiderar questões mais sérias do que as pílulas em si. Ainda em tempo, devemos criticar a prática da medicina ocidental de resolver tudo com drogas, mas nem por isso o caminho é negar a importância delas para o tratamento do sofrimento psíquico. Por fim, a vitória de Jennifer Lawrence (Tiffany) no Oscar não tem nada a ver com seu talento, mas sim sua capacidade de reerguer a glamorosa Hollywood, hoje dividida entre premiações “teen” mega-explosivas (e descaradamente fúteis) e os festivais independentes, cada vez mais em alta num país pós-crise um pouco menos banal. Não nos esqueçamos da crise, motivo de profundo caos social e questionamento de valores da sociedade atual. O que causou muitas crises nervosas nas pessoas, por sinal. Jennifer, nesse contexto, tenta agradar dois mundos e acaba só agradando o mercado (talvez nem isso). Mas, como diria o Exterminador, a frivolidade é saudável. Ela nos faz perder o medo da morte. Porém, o maior medo hoje de milhões de estadunidenses (e bilhões no resto do mundo) é da miséria e da vida sem sentido. Diante dessa realidade, sem obrigar que uma máquina compreenda a relação de nossos traumas com nossas experiências sociais, a resistência de nossa mente a eternas frivolidades é um grito de lucidez, em combate a uma vida oprimida por uma lógica de compra e venda, de propriedade e individualismo. Por isso, desejo que tenhamos momentos de frivolidade (e até vejamos filmes bobos como “O lado bom da vida”), mas lutemos para superar os valores que causam nossos incontroláveis momentos de verdadeira sanidade, para eles deixarem de ser apenas momentos.

debate Em organizado na Universidade de Oxford, um da estudante plateia erguese com ar de maestria para provocar o oraGeorge dor, Galloway, sobre a contradição de suas posições políticas. O jovem critica Galloway por ter defendido abertamente o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez e as eleições recentemente realizadas no país. Galloway - que foi membro do Partido dos Trabalhadores e após ter sido expulso fundou o novo partido socialista inglês, Respect – diz que é uma desgraça que o estudante sinta que pode dizer essas coisas com tão pouco conhecimento dos fatos.

Contraindicações Blogs e “piadas” Machistas Seguindo a sua lógica machista de sempre, o blog Testosterona nos “brindou” no último 08 de março com um vídeo que beira o absurdo: primeiro tenta mostrar que as mulheres são burras e não sabem o que representa essa data e depois chegam ao cúmulo de “presentear” as mulheres com um kit para lavar louça. E tem quem diga que é “só uma piada”. De só uma piada em só uma piada o machismo se perpetua. Do blog, nada se salva. E a contraindicação se estende a qualquer piada de cunho machista. Opressão não tem graça.

POSOLOGIA ingerir em caso de marasmo ingerir em caso de repetição cultural ingerir em caso de alienação manter fora do alcance das crianças nocivo, ingerir apenas com acompanhamento médico extremamente nocivo, não ingerir nem com prescrição médica Vírus Planetário - março 2013

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FAZENDO

*É isso mesmo, caro leitor, agora a Vìrus e o Fazendo Media são um veículo único!

MEDIA

Março de 2013 | Ano 10 | Número 104 | www.fazendomedia.com | contato@fazendomedia.com

a média que a mídia faz

Encontro de camponesas termina com ato em frente ao Congresso Nacional Mulheres lutam por seus direitos, alimentação saudável e em defesa ao meio ambiente

Ato final do encontro | Foto: Eduardo Sá

Por Eduardo Sá BRASÍLIA(DF)

Em marcha até o Congresso Nacional, em Brasília, cerca de três mil mulheres encerraram na manhã do dia 21 de fevereiro o I Encontro Nacional do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) com um ato político reivindicando atenção ao combate à violência contra a mulher e ampliação de direitos para as trabalhadoras do campo. Houve protesto em frente ao ministério da Previdência e Assistência Social pela abrangência do salário maternidade para 6 meses às mulheres agricultoras. Também foram fincadas no gramado do Congresso dezenas de placas com nomes de camponesas assassinadas nos últimos anos. De acordo com Rosangela Piovesani da direção do MMC, o encontro teve um importante ganho na orga-

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Vírus Planetário / fazendo media - MARÇO 2013

nização autônoma das mulheres e o reconhecimento por parte da sociedade e das autoridades. Segundo ela, as camponesas saíram de muito longe com muitas dificuldades para fazer um debate super importante sobre alimentação saudável e combate à violência doméstica. “É muito importante porque só com formação e organização que de fato a gente vai avançar no enfrentamento às desigualdades sociais e, em especial, à violência doméstica. O encontro foi de um ganho muito grande, as mulheres estão emocionadas, firmes, saem daqui com muita certeza de que temos de trabalhar cada vez mais nossa organização e nossa luta, a resistência pelo o que é nosso de direito”, afirmou. A representante do movimento disse ainda que existe a assinatura

de um acordo da presidente Dilma com o MMC de apoio às agroindústrias familiares dos grupos informais de mulheres, o que representa uma conquista fruto de uma luta que valeu a pena nos últimos três anos. Isso, ainda segundo Piovesani, é fundamental para lutar também por avanços nas estruturas das cozinhas, nos processamentos da industrialização e no acesso ao mercado. O encontro foi considerado um marco para o movimento, pois foi o segundo grande acontecimento desde seu primeiro congresso realizado em 2004, afirmou a camponesa maranhense Maria Neves, que pela primeira vez participou de uma atividade dessa amplitude. Nesse sentido, o evento consolida mais o movimento e amplia a formação das agricultoras, complementou.


Camponeas reunidas em atividade do encontro | Foto: Eduardo Sá

“Temos um novo ânimo, todas estão empolgadas e querendo se comprometer para levar esse movimento a diante. A gente nunca para de lutar, quando a gente consegue uma conquista está sempre buscando outras. Estamos até lutando por algumas que já foram conquistadas, e estão querendo derrubar e desrespeitar, como a aposentadoria: é um direito do trabalhador, no entanto temos que provar mil coisas para o INSS. A licença maternidade de seis meses também, a gente não quer que seja só para a trabalhadora urbana”, destacou. O encontro também contou com a colaboração de homens para sua realização, como é o caso de Samuel Scarponi, do Levante Popular da Juventude, que trabalha com educação infantil e acompanhou as crianças enquanto as mulheres realizavam os debates. “A ideia é garantir que enquanto as mulheres participam do encontro, tiram as deliberações políticas, possam estar seguras que os meninos vão receber acompanhamento. Fizemos um processo de educação acompanhando a própria campanha da violência contra a mulher, o efeito que ela tem. As discussões que as camponesas fazem em relação ao feminismo é um avanço para a sociedade. Os homens e o resto da sociedade

Temos de trabalhar cada vez mais nossa organização e nossa luta, a resistência pelo o que é nosso de direito”

têm que saber diferenciar o feminismo do femismo, não é a mulher contra o homem: elas querem o espaço delas e igualdade. É uma das demandas mais prioritárias para termos avanços, e se emancipar enquanto povo”, destacou o militante. Com apenas 11 anos, Emilly Jahn disse que o encontro foi muito interessante para entender as coisas do Brasil e de outros países. “A gente discutiu muito e aprendemos muitas coisas, a principal delas foi sobre a violência contra a mulher. Tivemos várias atividades que falavam sobre isso, e tudo o que acontece com as mulheres no país. No lugar onde a gente ficou, fizeram teatro com fantoches ensinando várias coisas”, disse a menina. Durante o encontro foi elaborado coletivamente pelas camponesas um documento com as principais reivindicações do movimento, no qual elas também se comprometem a construir relações de igualdade dos seres humanos com a natureza, com a produção agroecológica de alimentos diversificados, além de fortalecer as organizações populares, feministas e de trabalhadoras. Outra carta foi entregue a presidenta Dilma Rousseff, que participou do encontro com várias ministras, com a seguinte introdução: “Este encontro traz os desafios que envolvem a luta pelo fim da violência contra a mulher, entendida como resultado do sistema capitalista, da cultura patriarcal, machista e racista que perpassa todas as dimensões da sociedade. O modelo de agricultura centrado no agronegócio, no uso de agrotóxicos e transgênicos torna as famílias camponesas empobrecidas, dependentes e subordinadas, impactando diretamente as mulheres camponesas que vivem em situação de pobreza no campo e na floresta”.

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FAZENDO

MEDIA Entrevista:

Nalu Faria

“Precisamos mudar as estruturas e o funcionamento das instituições”,

Por Eduardo Sá Durante o I Encontro Nacional do Movimento das Mulheres Camponesas (MMC) a integrante da secretaria nacional da Marcha Mundial das Mulheres, Nalu Faria, conversou com o Fazendo Media sobre as atuais lutas feministas. A psicóloga explicou que, apesar do movimento incorporar a diversidade local, pautas comuns mobilizam as mulheres em todo o mundo. Ainda que nos últimos anos muitas conquistas tenham sido realizadas, os desafios para superação do patriarcado e do machismo são atuais, aponta a representante. Ela analisa também as lutas disputadas no Brasil, e defende uma mídia mais comprometida eticamente.

Quais as principais pautas da Marcha das Mulheres no Brasil? Como a Marcha é um movimento que tem uma visão anti sistêmica, com a ideia de mudar o mundo, a nossa agenda é bem ampla. Mas trabalhamos com prioridades nos temas em torno dos campos de ação do movimento: a autonomia econômica, a luta contra violência, os bens comuns nas políticas públicas, a paz e a desmilitarização. No Brasil a gente vê a relação em aumentar a autonomia econômica das mulheres com o direito à creche, que também incide não só no direito das crianças de uma educação socializada, mas também na questão do trabalho doméstico no privado. Estamos debatendo e criticando o projeto de regulamentação da prostituição, temos uma ideia contrária de que é uma profissão como outra qualquer. Somos muito solidárias e entendemos que as mulheres que vivem da prostituição precisam de proteção, o que não passa necessariamente por se transformar numa profissão. O aborto é difícil nesse momento: participamos de uma frente mais ampla pela sua legalização, mas temos dificuldades de ter iniciativas à altura dos desafios porque temos

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Foto: Arquivo pessoal


“ uma sociedade muito conservadora e um conservadorismo que aumenta. Continuamos trabalhando, apesar de percebemos que a nossa força neste momento é pequena. Fazemos o nosso trabalho de formação, de debate, de convencer outros movimentos que essa pauta é de todo mundo e não só do movimento de mulheres. Uma pauta forte no Brasil tem a ver com a discussão da soberania alimentar, que passa pela reforma agrária, a agroecologia, que no Brasil tem pautas muito concretas, como a luta contra os agrotóxicos. Achamos que essa campanha é um ponto de partida não só de aumentar a consciência sobre o mal que faz essa agricultura industrial para o povo, mas também para recuperar debates como os transgênicos, dentre outros, então temos trabalhado bastante nisso. Tanto a partir da experiência das mulheres e suas reivindicações, como pela pressão para que as políticas públicas do governo funcionem nessa direção. É um tema muito importante, que se vincula com a discussão da financeirização da natureza. Tivemos muito peso na Rio+20, e continuamos fazendo esse debate aonde estamos para mostrar que essas propostas de economia verde e mercado do carbono não contribuem. Muito pelo contrário, vão no sentido de reforçar a concentração de terra, esse modelo excludente, que não só é baseado no agronegócio, mas na privatização da água, do ar, e no extrativismo desenfreado. Por fim, a gente tenta misturar tudo

O capitalismo é baseado na apropriação privada não só dos territórios, mas também dos corpos das mulheres.”

em torno da mercantilização do corpo e da vida das mulheres, buscamos sintetizar a luta contra o capitalismo, o patriarcado, questionando globalmente esse modelo, que é baseado na apropriação privada não só dos territórios, mas também dos corpos das mulheres. Nessa consignia contra a mercantilização dialogamos com a publicidade, as músicas machistas e todas as estratégias de mercado.

Com a ascensão da Dilma e várias ministras ao governo, você acha que houve uma superação do sistema patriarcal e machista no Brasil? Esse tema é bastante complexo, difícil de responder em poucas palavras. É claro que nesses anos de construção do movimento feminista, de debate das mulheres como sujeitas políticas, tivemos mais visibilidade e incorporação das instituições. No caso do PT mesmo, que é o partido da Dilma, desde 1991 começou a haver cotas, e agora discute a paridade. Também tem as organizações multilaterais, como a ONU. Então, há certa disputa dos significados da maior participação das mulheres. Temos, também fruto do movimento e de como o capitalismo se utilizou disso, toda a construção de uma camada de mulheres pensando no acesso ao poder econômico, a altos cargos. Não necessariamente significa uma mudança expressiva do patriarcado, porque a grande maioria continua nos trabalhos precários, sem espaço de poder. É um momento complexo

de avanços, mas também disputados pela direita. No caso da Dilma, claro que é um avanço, também considerando o seu campo político. Eu costumo dizer que, no caso do PT, que é o partido dela, com todas as críticas, é reconhecidamente um partido que veio da luta popular. A Dilma foi a primeira pessoa depois do Lula que esteve como candidata à República. Isso não é pouco, você imagina nessa trajetória de mais de 30 anos do PT, muitos outros homens além do Lula gostariam de ser candidatos à presidência. É um fato concreto: o partido reconheceu, aceitou, assumiu uma candidatura mulher, que não era uma candidata qualquer, pois tem um passado de luta. É super importante, mas claro que está dividindo o poder com os homens. Ainda assim você tem uma mulher no campo de esquerda, que tem um processo de construção política e, portanto, questionou os padrões patriarcais mesmo sem uma fala extremamente feminista. É uma guerrilheira dos anos 60 que questionou e muito os papéis sociais, a visão do que era ser mulher. Era importante crescer a presença das mulheres, isso também expressa uma consciência da importância de democratizar o governo do ponto de vista de gênero. E tem uma repercussão para além do que podemos imaginar na cabeça das meninas, no passado todo mundo que a gente via como autoridade era homem. As meninas de hoje veem uma grande autoridade na mulher. Isso interfe-

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FAZENDO

MEDIA “

“Devemos construir outra abordagem ética sobre a comunicação”

re na auto estima, na percepção do que é ser mulher, mas tem que ser um processo que se espalhe por outros sentidos. Temos a Dilma presidente mas não ampliamos a presença das mulheres no Congresso, por exemplo. Continuamos ali nos 10%, isso é um absurdo, nesse aspecto o Brasil tem uma taxa muito baixa em relação aos países, inclusive da América Latina. Claro que está vinculado à falta de uma reforma política, de que as candidaturas se definem muito pelo poder econômico. Por isso a gente luta por listas partidárias, por paridade, financiamento público de campanha, você tem que ir alterando as estruturas tradicionais da política porque não rompemos totalmente com essa forma excludente em relação às mulheres. No mercado de trabalho é a mesma coisa, se a gente não vai alterando as relações de organização mantemos uma divisão sexual do trabalho. Os homens nos postos mais valorizados, e as mulheres na base da pirâmide. Precisamos mudar as estruturas e o funcionamento das instituições.

Como a Marcha se organiza em nível internacional, e especificamente na América Latina? A Marcha existe na Europa, Ásia, África, Oriente Médio, América Latina, etc. O movimento é realmente mundial, está organizado em mais de 70 países e territórios. A gente tem uma pauta comum em quatro campos de ação, como já disse, mas claro que cada país trabalha mais um tema ou outro. Realizamos as

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ações mundiais a cada cinco anos, e atuamos com uma pauta e uma forma de mobilização comum. Agora em 2010 a gente fez um dia internacional de solidariedade feminista com pautas comuns. Logicamente o aborto e a questão das lésbicas são mais polêmicas em países do Oriente Médio ou alguns países da África, mas isso não significa que as companheiras da Marcha não estejam empenhadas no tema. Só que às vezes com menos visibilidade e força que nós trabalhamos, por exemplo, na América Latina, que já tem uma trajetória do movimento feminista de mais anos. Mas a Marcha tem além dessa pauta a ideia da mobilização, essa ênfase da organização das mulheres populares, característica comum que nos dá uma identidade a nível mundial

Qual é a visão do movimento em relação à mídia, vocês têm algum debate sobre a democratização dos meios de comunicação? A Marcha Mundial das Mulheres tem relação com outras articulações, como o Mulher e mídia, mas a gente não se pauta muito só nessa questão da democratização dos meios. Não no sentido de incorporar a visão das mulheres, mas a democratização no sentido de acabar com o monopólio, de que a gente tem uma comunicação pública. Claro que exige controle social, mas devemos construir outra abordagem ética sobre a comunicação; questionando como Foto: Eduardo Sá

ela vem construindo seus padrões patriarcais, racistas, classistas, e ser uma comunicação realmente em favor das maiorias. Achamos ainda que é muito importante a construção dos nossos próprios processos de articulação da comunicação, como fizemos na Rio+20, explorar os nossos instrumentos: boletim, páginas e blogs, e se juntar com vários meios, revistas, rádios, TV’s comunitárias. Devemos construir a nossa própria abordagem em relação à comunicação, criando um circuito desde os movimentos.

Estamos debatendo e criticando o projeto de regulamentação da prostituição”


saúde

A história de Chico:

uma viagem ao mundo da ESQUIZOFRENIA Por Juliana Rocha de Azevedo da Costa NATAL (RN)

Na capital do estado do Rio Grande do Norte, a primeira instituição de caráter manicomial ergueuse nos idos de 1857. O Lazareto da Piedade de Natal passou por outras nomeações – Asilo de Alienados de Natal e Hospital de Alienados de Natal – antes de ser desativado definitivamente em 1957, com a construção do inovador Hospital Colônia de Psicopatas, que ficou conhecido como Hospital Psiquiátrico Dr. João Machado. Concebido nos moldes de uma colônia agrícola, com o passar dos anos, o Hospital passou a ser a residência de muitas pessoas abandonadas por suas famílias devido ao estigma da loucura. Uma delas é Chico Domingos. Seria inútil, conhecer as instituições e não conhecer quem lá habita. Eles são o sentido de tudo. Foram calados e trancafiados por suas famílias, por algum homem da lei ou mesmo pela sociedade. Chico

Domingos, ou simplesmente, Chicão é portador de Esquizofrenia Hebefrênica, que ao longo de décadas o mergulhou no mundo de confusas imagens do seu inconsciente desconectadas da realidade. Seu retorno ao estado de selvageria destruiu o futuro de um jovem estudioso que sonhava ser funcionário da Agência de Correios. Após anos de total devaneio, Chico, através de inovadores tratamentos, começou sua viagem de regresso a convivência social, através de um processo de re-aprendizagem de mundo. Sua história é construída a partir de fragmentos do discurso dele, dos cuidadores do hospital e de todos que com ele conviveram. Portanto essa história é como uma colcha de retalhos não totalizante, mas aberta e inacabada. Em entrevista a Edgard Assis de Carvalho e Edson Pasetti, Nise da Silveira, famosa psiquiatra que revolucionou o olhar sobre a doença mental através da arte, cita Jung a respeito dessas

pessoas que carregam consigo o estigma da loucura: “Jung tem uma frase que eu gosto muito, escrita em 1908 no conteúdo das Psicoses. Ele disse: É preciso ver o outro lado do psicótico. Se de um lado ele é esse ser aparentemente decadente, quem sabe se do outro lado ele tem riquezas que surpreendem”. Chicão goza de uma liberdade conquistada, com poucas e, na maior parte das vezes, nenhuma palavra. Em seu mundo particular, se realiza, deitase onde sente vontade, ri de forma desmotivada e cata piúbas de cigarro do chão que, mesmo já apagadas lhe dão a sensação saborosa de um longo trago. As pessoas sentem pavor diante de sua presença como se uma fera estivesse à solta. E realmente ele é essa fera, é uma ‘fera ferida’, uma fera violenta revelada por um inconsciente dominador, responsável por suas ações inexplicáveis, seus gestos para nós sem sentido, suas visões alucinadas. Chico tem sua porção consciente aprisionada há décadas.

Juliana Rocha é cientista social e professora de História da Faculdade Câmara Cascudo Vírus Planetário - março 2013

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saúde

Seria inútil, conhecer as instituições e não conhecer quem lá habita”

Único filho varão que restou a um jovem casal, Chico possuía oito irmãos dos quais cinco já haviam morrido ainda na primeira infância. Sobraram em casa apenas ele e suas três irmãs. Bem cedo começou a estudar, ainda aos cinco anos de idade, nos idos de 1951, desenvolvendo no decorrer do tempo uma belíssima caligrafia. O desenvolvimento físico e intelectual de Chico era como de qualquer jovem normal de sua idade, os atributos físicos ganhavam forma e robustez. Os hormônios em plena atividade conferiam-lhe extrema vivacidade. E Chico cresceu em meio à natureza que circundava sua casa, localizada numa granja distante, no bairro das Quintas. Até então, como os rapazes da sua idade, levava uma vida dita normal. Era um estudante que dividia seu tempo entre a escola e o trabalho. Conta-se que ele trabalhava numa conhecida sapataria do centro da cidade, a Sapataria São Francisco e ainda que, antes do ocorrido, teria sido aprovado para trabalhar na Companhia de Correios, como carteiro. Sua ‘viagem’ ao mundo inconsciente iniciou-se no dia 20 de julho de 1962, quando deu entrada no então Hospital Colônia de Psicopatas, vistoso e forte, aos 15 anos de idade. Vinha acompanhado por seus pais. Algo de errado havia ocorrido na Escola Djalma Maranhão, onde estudava. Conta-se que um surto psicótico o levou a quebrar as carteiras de sua sala de aula de forma muito violenta. Nise da Silveira explica que na esquizofrenia, o consciente é aprisionado pelo inconsciente, onde a fantasia e a realidade se misturam numa viagem surreal. Diz-se, na doença, que seus sintomas se centram nas disfunções cognitivas e emocionais que acometem a percepção, o pensamento inferencial, a linguagem e a comunicação, o monitoramento comportamental, o afeto, a fluência e produtividade do pensamento e do discurso, a capacidade hedônica, a volição, o impulso e a atenção. Internado às pressas, assim que chegou ao Hospital, foi mantido isolado numa sala que mais se assemelhava a uma cela, pois era fechada com grades das quais muitas vezes ele entortava. Saía Chico da sala de aula para a ‘sala de confinamento’. Ali dentro, seus dias e suas noites eram encerradas. No chão dormia, comia, vivia. Ali dentro não poderiam haver móveis ou colchões pois ele os destruía numa facilidade e rapidez desconhecidas. A limpeza era realizada quando três ou quatro funcionários ali entravam e o imobilizavam dopando-o. As bandejas de alumínio, com suas refeições, eram colocadas por baixo das grades e ele as dobrava como se fossem feitas de papelão. Não tinha consciência de suas ações, nem de si próprio. Suas palavras reduziram-se ao quase nada ou ao delírio. Murmúrios, repetições, posturas consideradas ‘bizar16

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ras’ e risos, faziam-lhe companhia, além dos animais, cães, gatos e ratos que o visitavam à noite em busca de comida e aos quais ele nunca fez mal algum, como relatou seu antigo médico. Chocado com aquela situação, o jovem doutor trabalhou na intenção de reverter aquele quadro e libertar Chico das grades, controlando, é claro, sua agressividade: Um dos fatos mais marcantes que permeia a memória dos mais antigos funcionários foi indiscutivelmente sua libertação da ‘sala de confinamento’. Uma enfermeira que viu tudo de perto conta: “O responsável pela saída de Chico das grades foi o seu médico na época. Ele fez uma reunião com toda a equipe e colocou Chico à mesa conosco. Todo mundo ficou apavorado, mas Chico não fez nada de mais”. O caso de Chico o perturbava, queria tirá-lo dali. Contudo sabia que era inviável manter alguém com um nível de agressividade altíssimo fora das grades. Isso seria um perigo extremo. Inconscientemente, Chico poderia machucar gravemente quem encontrasse pela frente, e aquilo era um risco mais que real. Um dia, surgelhe um artigo de uma revista de psiquiatria francesa que solucionava a complicada questão. Depois de digerir aquele texto ele enfim apresentou-se ao diretor do Hospital, explicando entusiasmadamente que poderia usar em Chico o Haloperidol em doses duplicadas, pois assim evitaria, com a dose normal, o efeito de ‘impregnação’ que consistia em deixar o paciente com incapacidade motora. A dose diminuiria consideravelmente os delírios e alucinações. O tratamento de Chico estava definido. O diretor o apoiou e apostou naquela audaciosa tentativa. No primeiro dia de liberdade, Chico saiu correndo do hospital e atirando paralelepípedos nos para-brisas dos dois carros que encontrou pela frente.


O hospital arcou com os prejuízos, mas o tratamento teve continuidade. Daquele período em que passou a sair das grades em diante, sua liberdade era cada vez mais prolongada. Os primeiros passeios eram ainda no perímetro hospitalar: nos corredores, nas enfermarias, no jardim, nas salas administrativas. Depois veio a conquista do mundo lá fora. Normalmente seu interesse sempre estava aliado a procura de fumo e comida, fazendo com que invadisse as salas, curioso, em busca de saciar-se. Fazia, várias vezes na semana, o percurso de Tirol às Quintas muitas vezes a pé e outras de carona nos ônibus. Procu-

Quando Chico morrer é o fim dos manicômios”

rava a casa materna em busca de alimentos, fumo e uma referência. Ia e vinha e nessas idas mostrou-se ávido jogador do bicho, seu passatempo preferido. Para ter dinheiro pedia aos funcionários, que vez ou outra lhe arranjavam um trocado. Feliz, Chico seguia, jogava no seu palpite do dia e comprava seus preciosos cigarros. Quando voltava ao hospital questionavam-no: e aí Chico, qual foi o bicho de hoje? e ele respondia apenas com uma palavra e seguia... não gostava de conversa fiada dizendo ‘quer conversa não’. O afeto o ajudou a prosseguir. A preocupação da equipe médica com ele, o zelo de sua mãe - a única que o visitava semanalmente colaboraram na sua libertação. Seu corpo cada vez mais desenvolvido mantinha um apetite sexual voraz e constante. Sua ficha clínica registra que nunca teve uma só namorada. Porém sua paixão descontrolada certamente seria as mulheres as quais ele atacava nos corredores, tocando ou mesmo apertando suas partes íntimas. A prática da masturbação ele realizava explicita-

mente sem pudores ou receios, de acordo com suas necessidades. Hoje Chicão tem 67 anos. É conhecido por todos, funcionários, médicos, visitantes e incrivelmente respeitado. Essa conquista é sua e da equipe hospitalar que aprendeu a conviver com ele e ajudá-lo a melhorar do seu estado de sofrimento psíquico. A desinstitucionalização da loucura, o pseudo fim dos manicômios, não solucionou destinos a sujeitos como Chico, totalmente só, sem condições de ter a mínima autonomia. Levá-lo a uma residência terapêutica e tirar de si algo que dolorosamente se constituía na única resposta a ‘lar’ que tinha, era o mesmo que mergulhá-lo ainda mais na confusão mental. E, enquanto, quase todos os seus ex-companheiros de hospital tomaram novos rumos, Chico e uns poucos ficaram para ver uma nova página da história dos manicômios virar, quando seu hospital deixou de existir como psiquiátrico e ali, no mesmo lugar, com as mesmas paredes, surgiu um hospital geral. Estranhamente, uma das declarações que colhi a seu respeito traduzem a lógica da vida de Chico e do hospital. Disse-me, uma vez, uma enfermeira: “Quando Chico morrer é o fim dos manicômios”.

Ilustração: Mauricio Machado


Ato exige o fim do silêncio sobre o caso e o fim da violência contra a mulher Foto: página Um grito contra o estupro silencioso no facebook

são paulo

Viviane Wahbe: um grito perante a imposição do silêncio

Quando a opressão no ambiente de trabalho vira estupro, o suicídio torna-se um grito

Por Bruna Barlach e Duna Rodríguez Com 21 anos de idade, Viviane Wahbe era mais uma das estagiárias de direito da Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, um grande escritório de alto prestígio da capital paulista. Viviane estava no lugar no qual centenas de estudantes sonhavam estar. Tinha um futuro promissor. Até aquela festa. Ali, seu destino seria selado. Na confraternização de fim de ano da empresa, Viviane bebe, aproveita a festa como todos, até que uma carona muda a sua história. No dia seguinte ela diria à mãe que havia sofrido abuso sexual. Pouco mais de uma semana depois tomaria a decisão de acabar com a própria vida, tamanha a dor que carregava por ter sido transformada de forma tão clara, impossível de ser questionada, em um objeto. E objetos não tem vida. Por que, então, ela deveria viver? 18

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Essa é a história que não está nos grandes jornais e que mesmo a polícia tem lutado para manter em silêncio. Por envolver o nome de uma grande empresa tem havido um esforço claro da mídia grande para desacreditar que o suicídio tenha sido motivado pelo estupro. De acordo com uma das organizadoras da série de mobilizações que tem ocorrido para que o caso não fique em silêncio, “a hipótese de estupro, na realidade, não foi descartada. O documento enviado pela juíza, declarando o sigilo do inquérito, diz claramente: “verifico que várias hipóteses estão sendo levantadas, inclusive, a hipótese dela ter sido abusada sexualmente, sendo que isso teria ocorrido entre os dias 23 e 24 de novembro”. Infelizmente, os jornais preferiram divulgar a manifestação do delegado de que a possibilidade de estupro

está “cada vez mais remota”, sob o título enganoso de que havia sido descartado o estupro. Foi feito o exame de corpo de delito para averiguar o estupro, mas os resultados foram sigilosos. Também existe o problema clássico desses casos: a legislação diz que pode haver estupro sem penetração, mas a perícia aceita ou nega a hipótese baseada apenas em penetração.

A realidade do assédio no ambiente de trabalho Esse é o fim trágico de uma história como tantas outras que ocorrem todos os dias. As estagiárias são escolhidas, muitas vezes, em função de sua aparência. “Sabese que em muitos desses lugares pede-se o currículo com foto e que, quando se trata de mulheres, o critério de desempate é sim a aparência, para deixar o ambiente de


As estagiárias sofrem muito mais que qualquer estagiário por serem vistas como objetos de desejo.”

Manifestantes no ato | Foto: página Um grito contra o estupro silencioso no facebook

trabalho ‘mais divertido’”, conforme nos conta a entrevistada. Assim como estagiários, independente do gênero, são explorados em qualquer trabalho, sendo a forma mais fácil de se ter mão de obra barata, as estagiárias sofrem ainda muito mais por, além disso, serem vistas como objetos de desejo.

A escolha das mulheres é, então, ou aceitam os assédios e conseguem ter uma carreira ou denunciam e desistem do seu sucesso profissional. Esse cenário é real e mostra como o machismo persiste em nossa sociedade. Muitas mulheres chegam sim a posi-

Mudar essa realidade é preciso É preciso que compreendamos de uma vez por todas que “não cai sobre as mulheres a responsabilidade de que sejam respeitadas. O necessário é que o ambiente de trabalho proporcione medidas punitivas rígidas para esse tipo de conduta, e políticas preventivas também. Se um homem der um murro em seu chefe porque perdeu a cabeça, ele será imediatamente dado como descontrolado e demitido por justa causa. O modo como, além de tudo, essa atitude é socialmente execrada e será severamente punida é que faz com que pouquíssimos homens esmurrem seus chefes. O mesmo medo de repressão deve existir quanto à suspeita de que se assediou alguém. O Estado deveria colocar a responsabilidade mais sobre as empresas do que sobre os indivíduos no momento de um processo, pois assim a empresa se vê obrigada a impedir esse tipo de atitude, com políticas e punições, para salvar seu nome e dinheiro. Exatamente da mesma maneira como, no caso do incêndio da balada no RS, a responsável é a empresa e não o segurança que apenas seguia as políticas dela. É uma questão de não permitir impunidades institucionais. É dever da empresa prover um ambiente de trabalho seguro, e se ela não provê algo assim às mulheres, deve ser responsabilizada. Manifestantes no ato | Foto: página Um grito contra o estupro silencioso no facebook

De acordo com nossa entrevistada as questões relacionadas às relações de trabalho no caso das estagiárias é realmente muito complicada. Justamente pelo medo das consequências de se indispor com as empresas das quais dependem para o seu futuro inteiro. Muitas delas mesmas não enxergam a violência em diversos assédios que sofrem, o que perpetua esse tipo de ação – não por culpa delas, que são vítimas de séculos de cultura machista. Em nome da carreira, elas não vão denunciar algo que não seja realmente muito traumático. Um selinho forçado passa batido, entre muitas outras coisas. Mas, no final, o fato de terem aturado tudo isso será usado contra elas quando algo fatal acontecer. E então, se conseguirem denunciar, sua denúncia não será ouvida.

ções de destaque, em diversas áreas, só que várias delas tem que pagar um preço incomensurável por isso. E muitas não sobrevivem a essas imposições, desistem das suas carreiras, das suas vidas e, pasmem, se matam.


minas gerais

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Performance sobre a violência contra a mulher tem lugar no ato | Foto: Ana Malaco

Nas ruas, nas praças...

mulheres em luta! Militantes de diversos movimentos sociais ocupam e ressignificam espaços do hipercentro da capital mineira no dia internacional de luta da mulher Por Ana Malaco, Laura Ralola e Paulo Dias Ocupar e ressignificar os espaços do hipercentro da capital mineira. Foi essa ação que moveu mais de três mil mulheres e pessoas do movimento feminista para as ruas, no Dia Internacional da Mulher, 8 de março. As tradicionais e corriqueiras comemorações e felicitações desse dia foram dispensadas em detrimento de uma luta conjunta, onde flores deram lugar a palavras de ordem que reivindicavam os direitos das mulheres. Cinco praças de Belo Horizonte tiveram seus nomes substituídos de forma simbólica por nomes de mulheres que historicamente lutaram pelo feminismo e pela construção de outra sociedade.

Construído por diversos coletivos e movimentos sociais, o ato (que se repetiu em outras cidades do país) reuniu o Movimento Sindical, o Movimento das Mulheres Camponesas, a Marcha Mundial das Mulheres e diversos movimentos e coletivos feministas, de diversidade sexual e direitos humanos, gritando pela desnaturalização de formas de opressão cotidianas e da discriminação contra a mulher. Cada praça se encarregou de uma pauta feminista: como a luta contra a mercantilização da mulher, a lesbofobia, a violência doméstica, o preconceito regional e racial, em defesa do direito ao aborto legal e

seguro garantido pelo Estado, e da equidade de gênero no ambiente de trabalho e nas demais esferas sociais. Durante a concentração, foram realizadas diversas atividades nos espaços significativamente ocupados. Após a concentração inicial em cada praça, as manifestantes marcharam em direção ao coração de Belo Horizonte, onde todas se encontraram em frente ao Palácio da Justiça, passando pela Prefeitura de BH e chegando juntas ao ponto final do ato: a Praça Sete de Setembro, que desde o ano passado, simbolicamente, leva o nome de Praça 8 de Março.

Flores deram lugar a palavras de ordem que reivindicavam os direitos das mulheres.”

Concentração para o ato de 08 de março em BH | Foto: Ana Malaco

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minas gerais Burcas e shortinhos Eu só quero é ser feliz / Andar tranquilamente com a roupa que eu escolhi/ E poder me assegurar / De burca ou de shortinho todos vão me respeitar Um dos muitos hinos da luta feminista ecoava, em uníssono, nas vozes de mulheres acompanhadas por seus instrumentos de percussão, sob o tórrido sol da Praça da Estação, agora intitulada Praça Olga Benário. Ali se gritava contra as violências do Estado, como as sofridas pela militante comunista Olga há algumas décadas. Armava-se uma pelada protagonizada por mulheres que denunciavam o descompromisso do governo com a prometida construção de 6 mil creches, frente à prioridade dada à Copa do Mundo, tida como natural e inquestionável. Há alguns metros dali, o viaduto de Santa Tereza, recém-nomeado de Luisa Mahin recebia o bloco das pretas e nordestinas. As praças Rio Branco e Afonso Arinos foram espaços de manifestação de repúdio à mercantilização da mulher e à violência doméstica. Enquanto isso, as mulheres do MST ocupavam a Praça Margarida Alves e na Praça Brenda Lee, as mulheres pautavam a diversidade sexual e a luta contra a lesbofobia. No encontro de todos os blocos no Palácio da Justiça e na sequente caminhada conjunta, evidenciou-se o pluralismo de mulheres que gritavam no mesmo tom, pelos mesmos direitos, e que tingiram o marco zero de BH, conhecido pirulito da, então, Praça 8 de março de roxo, a cor do movimento feminista. Interrompendo o trânsito da cidade que estava ocupada demais para entrar naquele coro, as manifestantes circundaram o monumento, deitaram-se, e contornaram o desenho de seus corpos no chão da praça, com giz escolar. Ao se levantarem, preencheram o interior de suas representações com dizeres que resumiam o motivo delas estarem ali. Lia-se: “O corpo é meu”, “ Estupro: A culpa nunca é da vítima”, “Fora Feliciano” e “Pai, você ainda vai pagar por cada soco e chute”. Belo Horizonte entardecia com o grito que resumia bem toda a manifestação: Mexeu com uma, mexeu com todas

Silhuetas de corpos femininos

Pirulito da praça 7 de abril ressignificado | Foto: Ana Malaco

ocupados por palavras de orde m Foto: Ana Malaco

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Durante a passeata até o ponto final do ato foram ouvidas pelos altos-falantes dos carros de som as pautas defendidas por aquelas mulheres. Os despejos das famílias da comunidade Pinheirinho em janeiro de 2012 foi citado nas falas e nos manifestos entregues a população. A luta pela justiça ao Massacre de Felisburgo, no qual as mulheres perderam seus maridos, filhos ou pais foi pautado pelas trabalhadoras do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, exemplificando de como os governos, ao atacarem os direitos dos trabalhadores à moradia e à terra, violentam principalmente as mulheres. O direito ao próprio corpo também foi discutido e exposto no 8 de março deste ano. As feministas denunciaram a Medida Provisória 557, editada pela presidenta Dilma, que pode criminalizar ainda mais as mulheres que recorrem ao aborto – ocupando o 3° lugar entre as causas de mortalidade materna no Brasil, de acordo com o Sistema Único de Saúde. As trabalhadoras exigem aborto legal e garantido pelo SUS, aliado a educação sexual e distribuição ampla e gratuita de anticoncepcionais.


sociedade

O estupro como cultura

Um breve debate feminista sobre a cultura do estupro

Por Ana Chagas Apesar dos avanços na luta contra a violência sexual, o estupro continua sendo um tabu. E por constituir, por si só, uma violência psicológica e física, com alto grau de ameaça à vítima, ele é pouco denunciado. Mas o que torna o estupro uma questão tão complexa para nós é o fato não ser um simples “distúrbio comportamental”, mas estar profundamente enraizado na nossa cultura e fazer parte do nosso cotidiano.

O que é o Estupro? Considera-se estupro qualquer ato sexual ou libidinoso não consentido, incluindo beijo, apalpada, masturbação, e sexo oral. Pode ocorrer

através do uso da força, ameaça, dopamento ou aproveitando-se de condição fragilizada da vítima. Esse entendimento do estupro deixa claro como ele faz parte do nosso cotidiano, muito mais fortemente do que imaginamos, e, portanto, não pode ser considerado um simples desvio.

Cultura do Estupro

A cultura do estupro vai além do estupro em si. É composta de hábitos e princípios que ameaçam a segurança e a liberdade sexual da vítima, normalmente a mulher ou o ser feminino (como lésbicas e gays), e por isso é onde se encontra o machismo mais ofensivo. Ela é diariamente reproduzida nos nossos inconscientes, através de bombardeamentos de propagandas com mulheres hipersexualizadas sendo expostas como produtos, piadas, novelas e filmes que naturalizam a coerção sexual e o estupro, músicas que tratam a mulher como um objeto sexual. Essa lógica considera a mulher uma máquina automática de satisfação masculina, que operada de determinada maneira deve agir de uma determinada forma, senão está quebrada. Ou seja, não temos o direito

Le Viol (O Estupro), obra do pintor Magritte de 1934

da indecisão e quando a decisão é tomada, caso ela não corresponda à expectativa do homem ela pode ser completamente invalidada. Até mesmo no dia das mulheres um dia criado para a luta das mulheres contra as opressões, em homenagem a cerca de 130 mulheres que foram mortas, carbonizadas, enquanto faziam greve por melhores condições de trabalho -, as campanhas publicitárias comemoram com maquiagens, para as mulheres ficarem lindas para os homens; perfumes, para ficarem cheirosas para os homens; lingeries para ficarem mais sensuais para os homens... A mesma cultura que trata a mulher como objeto e pauta um ideal de beleza feminina extremamente sexualizado, permite pessoas acreditarem que mulher que anda na rua com uma roupa “muito sensual” está “pedindo para ser estuprada”. O que quer dizer que a mulher que segue os padrões é a mesma que tem grandes chances de ser estuprada, ou seja: praticamente todas. Além de todo esse estímulo diário ao estupro (como se já não bastasse), faz ainda parte dessa cultura culpabilizar a vítima (victim blaming), fazendo-se acreditar que fosse possível que qualquer pessoa pudesse “pedir para ser estuprada”, ou como se a liberdade sexual da vítima (slut shaming) pudesse ser responsável por um ato sexual NÃO CONSENTIDO! O que contrariaria o próprio significado de estupro.

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sociedade

O feminismo

de volta ao centro do

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Cartaz de protesto em ato do dia 08 de março Foto: facebook.com/pstu16

O que é esse tal de feminismo que ganha cada vez mais espaço na internet, nas ruas e por todas as partes? Por Bruna Barlach, Jéssica Ipólito e Ana Chagas Sentadas em roda na sala de aula um grupo de meninas conversam entre si e com a professora que conduz o debate. A questão que está sendo discutida vem de uma pergunta muito simples: o que é ser mulher. Quando uma das meninas responde que ser mulher é casar, ter filhos e cuidar da casa e do marido logo outra se levanta e veemente responde que o que ela quer mesmo é ter uma carreira e morar fora do país. São meninas de 11, quase 12 anos, de classe média alta de uma das maiores cidades do mundo. Se você pensa que é um avanço que uma delas se contraponha a uma visão determinista do que é ser mulher, vamos começar o nosso questionamento por outro ângulo: Por que será que há necessidade de definir o que é ser mulher em nossa sociedade? Por que a identidade tem recorte de gênero?

De onde vem esse feminismo? Muitos já ouviram falar de feminismo, mas sobre ele pouco se sabe. Sem a compreensão da história da luta pela emancipação das mulheres, e da sua grande importância para uma sociedade melhor para todos, é difícil entender o feminismo e cada uma de suas bandeiras, seus atos, suas palavras de ordem, seus gritos. Que não são de hoje, e que ainda tem um longo caminho a percorrer.

Foi Marx quem nos disse a célebre frase: “A opressão do homem pelo homem iniciou-se com a opressão da mulher pelo homem”. Podemos entender melhor o que diz essa frase ao nos enveredarmos pelas páginas do livro de Engels (grande parceiro teórico de Marx) em “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”.

Se as coisas mudaram para as mulheres é porque elas se organizaram e foram à luta”

A mulher nem sempre esteve em uma posição inferior ao homem. Muito pelo contrário, em muitas culturas a mulher era naturalmente líder, sendo assim consideradas sociedades matriarcais. O mesmo processo histórico que tira as mulheres de sua posição de poder na sociedade é o que, pouco a pouco, viria a construir a sociedade capitalista, que é totalmente baseada na exploração. Nesse aspecto, o machismo cumpre um papel estratégico para apoiar a ampliação da exploração através da opressão.

O principal motivo pelo qual historicamente a mulher é colocada em uma condição subalterna, e sob constante vigilância da sociedade, é a garantia de que a herança das famílias ficaria entre os filhos legítimos. Para isso a mulher passava a ser compreendida também como uma propriedade do homem. Um ser criado para casar, reproduzir e cuidar da casa, sem se desenvolver por completo. Dessa forma não haveria o risco de amar, de fazer sexo com outros homens e, com isso, engravidar fora do casamento. Exatamente por serem vistas como uma extensão da casa as mulheres demoraram a ter direitos básicos, como o direito ao voto. Até bem pouco tempo as mulheres não eram consideradas cidadãs, não podiam ter opinião, participar da política. Se as coisas hoje em dia mudaram, não é porque esse é o desenvolvimento natural das coisas, nem é por mágica. Se hoje podemos votar, estudar, trabalhar e ter direito a ter direitos é porque as mulheres ser organizaram, foram à luta e conquistaram isso. Desde as sufragistas (mulheres que lutavam pelo direito ao voto) até o direito a poder amamentar seus filhos em qualquer lugar, o feminismo esteve à frente de todas as lutas e conquistas de direitos às mulheres.

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sociedade

O machismo não é uma força subjetiva que opera e silenciosa, ele traz prejuízos objetivos à vida das mulheres”

Como o machismo opera na prática? O machismo não é só uma força subjetiva que opera de forma silenciosa. Ele traz prejuízos objetivos à vida das mulheres. Um exemplo claro para que possamos compreender essa realidade é a comparação entre os salários recebidos pelos homens e pelas mulheres que ocupam os mesmos cargos persiste. Esta diferença está em torno de 16% na Suécia ou Dinamarca, a 23% na Alemanha, a 33% no Brasil e entre 26 e 30% na Argentina. Quando falamos das mulheres negras, a situação é ainda mais grave. Uma mulher negra recebe 1/3 do que recebe um homem branco para a mesma função. Não podemos olhar para esses dados sem tentar compreender a questão política que está colocada por trás deles. Em parte, ainda há uma crença de que as mulheres são menos compe-

Marcha das Vadias “O meu short curto não é um convite ao estupro!” Não é à toa que a cultura do estupro é um dos assuntos mais debatidos atualmente pelo movimento feminista internacional. A Marcha das Vadias (SlutWalk), que surge no Canadá no ano de 2011 como um grito das mulheres por não aguentarem mais serem responsabilizadas por sofrerem estupros de acordo com as suas roupas, tem contribuído bastante com o avanço da luta contra a cultura do estupro e, portanto, contra a violência sexual, além de ter contribuído para a popularização do termo que vem sendo cada vez mais reconhecido.

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O machismo não para nas relações de trabalho. Quando analisamos os dados sobre a pobreza no país 70% dos que estão abaixo da linha da pobreza são mulheres. Esta dura realidade está relacionada intimamente ao fato de que é dada à mulher a responsabilidade de cuidar dos filhos. Com a grande quantidade de mulheres que são deixadas a sua própria sorte - por homens que depois de engravidálas não se veem como responsáveis por esse ato e simplesmente partem - não há políticas públicas mínimas para que essas mulheres possam seguir suas vidas, criar esses filhos de forma digna e alimentá-los e alimentar a si mesma. Não há creches públicas para

Ilustrações: Pedro Lucena

Entre o principal discurso da Marcha das Vadias encontra-se a conscientização do absurdo que é as mulheres terem que se preocupar todos os dias em “não serem estupradas”. Como disse anteriormente, isso não é possível, já que contraria o próprio significado de estupro. Quem poderia e deveria se preocupar em evitar o estupro são os homens! Então, ensinemos nossos filhos a não serem abusadores, a não verem as mulheres como objeto, e não acreditarem que qualquer resposta feminina é “sim”. A única pessoa que causa estupro é o estuprador, que tem seu comportamento legitimado por uma cultura machista e a única forma de quebrar esse ciclo é trazendo os homens para a militância feminista.

tentes e menos preparadas para assumir a maioria dos cargos. Que sua “estrutura” física ou emocional não suporta certos empregos. Por outro lado, há empresários que evitam contratar mulheres porque elas geram despesas maiores, podem engravidar, vão ter que tirar licença-maternidade. Ou seja, são um grande estorvo. E se esse empresário, em sua grande benevolência, decide contratar uma mulher, não vai ser pelo mesmo salário de um nobre e valente homem, não é mesmo? Esse cenário pode parecer absurdo, mas não é. Essa ainda é a realidade na maioria das empresas.


Manequim Zero Manequim Zero é a nova moda entre as atrizes. A busca de um ideal de beleza inatingível é a melhor arma do capitalismo na contemporaneidade para oprimir as mulheres e tirá-las da vida pública, tirando sua liberdade de existir ao impor um padrão de beleza inexistente, fabricado por programas de manipulação de imagens. Buscando se enquadrar nesses padrões, temos um quadro alarmante no qual 90% dos pacientes com distúrbios alimentares são mulheres adolescentes e jovens.

que essas mulheres trabalhem, fazendo com que os filhos muitas vezes tenham que ser deixados a sua própria sorte para que ela busque alguma forma de sustento a essa família. Não podemos esquecer também que não há para elas a chance de optarem por não ter esses filhos, já que o aborto continua a ser um tabu, além de ilegal em nossa sociedade. Um tabu, mas uma realidade na vida das mulheres. Enquanto as

mulheres que tem melhores condições financeiras podem fazer seus abortos em clínicas particulares (que todos sabem que existem mas o poder público faz vistas grossas), as mulheres pobres acabam tendo que se submeter a métodos alternativos, extremamente perigosos ou a clínicas que são verdadeiros açougues e não garantem minimamente a saúde e a segurança dessas mulheres. O que se discute não é a existência ou não do aborto, ele existe. O que se discute é a sua legalização. Os abortos clandestinos são a 3ª maior causa de morte de mulheres no Brasil. Os gastos do Estado com a assistência às mulheres que o realizam é maior do que se o aborto fosse realizado em hospitais públicos. Ou seja, não estamos aqui falando em termos uma lei para que as mulheres comecem a fazer abortos. Eles já existem, estamos falando de torná-lo uma prática legal e segura. Não podemos esquecer que o machismo não caminha sozinho, quando ele se associa a outras formas de opressão

como o racismo, faz com que a mulher seja duplamente oprimida, já que a mulher negra, além de receber menores salários, ainda é vista como um objeto sexual e sofre ainda mais com a violência sexual, além de sofrer com a imposição de um determinado tipo de comportamento associado à mulher branca. Por isso, lutar contra o machismo é também lutar contra o racismo.

Por que que com tantas conquistas, o feminismo ainda é necessário? Há quem diga que atualmente as mulheres já estão em pé de igualdade com os homens, que o machismo é coisa do passado e que só sobrevive na mente das militantes feministas. Infelizmente, isso está ainda muito longe de ser verdade. Para termos uma ideia, de 1980 para cá, no Brasil, o número dos casos de violência contra as mulheres aumentaram 217%. Enquanto isso temos uma presidenta, o que pode parecer um grande avanço, mas não significa muito e acaba sendo usado como uma estratégia para abafar a persistência do machismo e da cultura patriarcal. Com isso querem mostrar que sim, a mulher pode chegar lá, mas não podemos esquecer que Dilma é uma exceção. A maioria das mulheres segue sendo alienada, pela educação e pela cultura, de qualquer proxi-

É preciso caminhar....Símbolo da luta feminista pintado em ativista no ato unificado de 8 de março no Rio de Janeiro | Foto: Ana Chagas Vírus Planetário - março 2013

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sociedade Transfeminismo

midade com a vida política por uma série de fatores. Um deles está relacionado com o papel que ainda recai sobre a mulher de cuidar da casa, dos filhos, do marido, dos adoentados e de todos que precisem de cuidados. Isso está diretamente relacionado com o fato de que, em nossa sociedade, esses serviços não são vistos como trabalho e sim como obrigação da mulher. Mudar essa realidade é possível e a mudança passa por compreender que não existe trabalho de homem e trabalho de mulher, tarefa de homem e tarefa de mulher. Todas as atividades são sociais e devem ser socialmente apropriadas pelo coletivo que delas se beneficia, inclusive a educação das crianças. Para uma transformação real é necessário e fundamental que não só as mulheres lutem pelas bandeiras históricas e pelas novas bandeiras do feminismo, é preciso que os homens também encampem essa luta e compreendam que o machismo não oprime só as mulheres, mas a toda a sociedade. Prende homens e mulheres em papéis de gênero limitados, castradores e tristes. Além disso é só compreendendo a opressão que há sobre as mulheres que os homens podem fazer o combate interno para evitar em sua vida cotidiana qualquer forma de respeito às mulheres. O feminismo precisa e muito que todos os homens participem dessa história, respeitando sempre esta luta como um espaço de legitimação da mulher, mas caminhado ao lado delas, fazendo o debate com outros homens, porque é através de conversas que vamos desconstruir certas posturas que estão naturalizadas.

Com o passar dos anos o feminismo incorporou às suas bandeiras novas demandas, como é caso das mulheres trans, que estão certamente entre os grupos sociais que mais sofrem opressão em nossa sociedade. Além de lutar contra o machismo, as mulheres trans também tem que lutar contra a transfobia, que faz com que elas não consigam emprego, que tenham que se sujeitar a condições de vida super precárias e as joga para a prostituição como única alternativa para sobrevivência. O preconceito é tanto que a taxa de suicídios entre as mulheres trans é enorme. A questão da identidade de gênero não pode ficar renegada a segundo plano. A imposição de um padrão do que é ser mulher de verdade oprime não somente as mulheres trans, mas todas as mulheres. E a luta das mulheres trans é a luta de todas as mulheres e homens, por respeito a identidade, a auto-determinação e ao corpo, inclusive o direito de mudá-lo para que você possa se sentir completo. Ou de não mudá-lo, caso não considere necessário. Todas as mulheres trans, operadas ou não operadas, merecem ser tratadas por seus nomes sociais e, acima de tudo, merecem respeito, trabalho e dignidade.

O machismo oprime a todas, mas não da mesma forma Tem havido, nos últimos anos, um grande levante de mulheres, que decidiram dar um grito de basta. Basta de abusos, basta de violência, basta de homens legislando sobre os seus corpos. Basta de machismo. Esse grito tem repercutido longe, não é uma realidade somente do Brasil. Está, em grande parte, relacionado com a Marcha das Vadias, que surge no Canadá e rapidamente se espalha por todo mundo, onde mulheres usam seu corpo como forma de militância e demonstram que não irão mais aceitar a violência. Ao mesmo tempo que estes movimentos são de importância fundamental para a sociedade, e tem trazido uma nova força ao feminismo, é notável que falta discussão política para muitas dessas novas militantes, o que é um perigo para a articulação das mesmas e do próprio movimento feminista. Um dos principais temas que tem ficado a reboque no debate feminista é a questão do recorte de classe, ou seja, das diferentes formas que o machismo oprime as mulheres da classe trabalhadora e as mulheres Concentração do ato unificado do dia das mulheres no centro do Rio de Janeiro com performance teatral. | Foto: Julia Portes

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O que é lesbofobia? A palavra lesbofobia não é muito conhecida, mas seu significado não passa despercebido à nenhuma lésbica: aversão, violência, discriminação às mulheres lésbicas por conta da orientação afetivo-sexual delas. Na sociedade heteronormativa, ser lésbica e demonstrar isso é, acima de tudo, um ato político. Mulheres são agredidas e violentadas pelo fato de serem mulheres. E quando descobre-se que a mulher é lésbica, a violência ganha requinte de homofobia. E o mais comum é que as agressões comecem dentro de casa. Ilustrações: Pedro Lucena

Não bastasse família e amigos dizendo que sua orientação sexual é errada, ainda há quem queira “corrigi-la” a força através do estupro corretivo que acontece pela premissa de que toda mulher só é lésbica porque um homem não “fez o serviço direito”. A invisibilidade lésbica é tão gigantesca que não permite (ainda) que as pessoas entendam que mulheres sentem desejos sexuais, afetivos umas pelas as outras. Elas simplesmente sentem e querem vivenciar suas experiências da mesma forma que todos vivenciam por aí.... Livres, de mãos dadas, tomando sorvete, abraçadas...

ricas. Nesse aspecto, Luana acrescenta que “todas as mulheres são, em maior ou menor grau, oprimidas, porém as mulheres da classe trabalhadora, diferente das burguesas que em muitos casos são chefes, sofrem [duplamente] com a exploração.”

Feministas sim, mas dentro de um programa de emancipação de toda a humaniade

A luta da mulher é a primeira das lutas contra a opressão e é linha de frente na luta por uma sociedade mais justa e igualitária. A luta pela emancipação da mulher é também a luta pelo fim da opressão de um grupo social sobre outro, de uma maioria por uma minoria. A luta pela libertação das mulheres é a luta pela libertação da humanidade. O feminismo é, em sua essência, uma luta socialista.

Uma mulher negra recebe cerca de 1/3 do que recebe um homem branco para a mesma função”

Entrevistada, Luana Bonfante, professora e militante do movimento Mulheres em Luta, nos coloca uma importante questão sobre a nova onda de movimentos feministas que tem surgindo na internet: “Esse movimentos, ao não perceberem a importância do movimento feminista, acabam enfraquecendo bandeiras históricas e fazendo com que essa nova leva de ativista não tenha referência politica.” Se estamos de fato preocupados com a libertação das mulheres é preciso ter uma luta cotidiana e permanente contra a opressão, combinada com a luta contra a exploração, pois o fim da opressão só será possível com o fim da divisão da sociedade em exploradores e explorados. E para isso é necessário politizar a intervenção e cobrar dos governos suas responsabilidades em relação ao machismo, que é um problema social e afeta a todos. “Falamos em feminismo classista justamente porque é ele que coloca a pauta da mulher trabalhadora em evidência e questões como creche, licença maternidade, salário igual para trabalho igual, não são pautas comuns”. Somos todas mulheres! Quando uma mulher avança, nenhum homem retrocede!

Batucada feminista do ato unifcado em São Paulo | Foto: facebook.com/pstu16 Vírus Planetário - março 2013

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A verdade varrida pra debaixo do tapete

s o d i d r só . . . s e h l a det

Quanto mais eu rezo mais assombração aparece

10 anos da chacina do borel.

nunca esqueceremos!

Ilustrações: Carlos Latuff

E para quem achou que depois do Marco Feliciano na Comissão de direitos humanos nada podia ficar pior, pagou a língua ao ver Jair Bolsonaro ao seu lado gritando contra os homossexuais e bradando suas ideias fascistas na primeira reunião que rolou na Câmara. Não bastasse isso, na terra do nunca do planalto central parece que virou moda fazer as coisas pelo avesso, além do Racista/machista/homofóbico nomeado para defender as minorias, temos o ganhador do prêmio Motosserra de Ouro, Blairo Maggi, rei do latifúndio e da soja, nomeado como presidente da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle do Senado Federal..

Noutras terras ainda resta um cheirinho de alecrim... Enquanto o Baixo-astral parece reinar em Brasília - até a Xuxa entrou nessa luta (a Rainha dos Baixinhos chamou Feliciano de monstro) - a primavera carioca mostrou que ainda não morreu. Apesar da pressão da base do governo para tirar Marcelo Freixo da presidência da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, o Psolista mostrou força e com ajuda da mobilização popular permanece no cargo.

Em terra de ferreiro, o espeto é de pau Depois de defender por anos o direito dos trabalhadores, o dono da Revista Caros Amigos demite toda a equipe após seus funcionários iniciarem greve. Fundada em 1997, a Caros Amigos é uma referência para o jornalismo crítico e independente. O papel desempenhado por todos os profissionais que passaram pela revista é uma referência em especial para nós que temos a Caros como fonte de inspiração desde nosso começo. É com muito pesar que vemos iniciativas como essa serem asfixiadas pela constante falta de recursos, resultado de uma ausência de políticas públicas que promovam a pluralidade dos meios de comunicação no Brasil e estimulem a proliferação de mídias comunitárias e alternativas. No entanto, não é possível legitimar uma postura institucional que reproduz a dinâmica capitalista de exploração na relação patrão-empregado e que ainda reprime a greve com demissão geral. Nós da Vírus, acreditamos em outro tipo de construção. Muito mais árdua, dolorosa e sofrida, mas que não só propõe outro modelo de reorganização de sociedade, como pratica dentro de seu próprio coletivo. Somos uma cooperativa, não há patrão, nem lucro, somo tod@s trabalhadores. Por isso, convidamos a equipe de jornalistas demitidos da Caros Amigos e tod@s que desejam mudar o mundo pelo jornalismo a construir a Vírus, há 5 anos, uma alternativa de fato e de esquerda de dentro pra fora. Nossa caminhada rumo à consolidação vem passo a passo sendo feita: união com o jornal Fazendo Media, conquista da periodicidade mensal desde dezembro/2012 e uma audiência cada vez maior na internet (nossa página no facebook tem uma média de 1 milhão de visualizações semanais, [há semanas em que chegamos a 3 milhões] e nosso site tem uma média de 2 mil visitas diárias). Partiu, geral num braço só construir um jornalismo pela diferença contra a desigualdade?

Via Rede de Movimentos e Comunidades contra a Violência www.facebook.com/redecontraviolencia : Iniciamos as atividades em lembrança dos quatro jovens mortos pela polícia militar e do começo de uma ampla mobilização contra a violência de Estado no Rio, em 2003, com esta charge solicitada ao nosso companheiro Carlos Latuff! Relembre o caso em: www.redecontraviolencia.org/Casos/2003/5.html

papa dos generais De ignorar pedidos de ajuda de família perseguidas até entregar os seus próprios companheiros de sacerdócio para serem torturados durante a ditadura argentina, esse é o papa que fez a fumaça branca subir. Saiba mais sobre as peripércias do papahermano em:

tinyurl.com/papa-generais


Girando, Girando, girando pra esquerda... E não é que a Virus tá ficando internacional? Durante evento na UnB, quando conversamos com o filosofo Slavoj Zizek, após receber de presente a última edição da revista, o esloveno de quase 2 metros fez pose para que tirássemos a foto … AHHHH ZIZEK ZEK ZEK ZEK / Girando, girando, girando pra esquerda...

Chávez vive! Foi pelo facebook que recebemos a reflexão de Isabel Mansur sobre a morte do presidente Hugo Chávez: “É triste que tenhamos informações tão pouco solidárias e de tão pouco companheirismo com a Venezuela. Se é fato que é um processo cheio de contradições, isso se deve ao stricto fato de ser um processo. Ficar de costas para América Latina é uma das características mais fortes da nossa cultura sub-imperialista. Oxalá possamos enxergar as contradições de lá como fruto da vitória de um povo massacrado que algum dia se insurgiu e criou um novo país...e contradições, felizmente, sempre estarão presente. Por isso o processo é vivo. Por isso Chávez vive.”

Foto: Thiago Vilela

e por falar em lelek lek lek... O Funk invadiu um templo da “Alta cultura” no Rio. Os responsáveis pela ação de “terrorismo cultural” (que venham mais ataques terroristas como esse!) foram estudantes da Universidade Federal Fluminense (UFF), alunos do curso de Estudos de Mídia. Como trabalho final para a disciplina Comunicação e Cultura Popular II, ministrada pela professora Ana Enne, membro do Conselho Editorial da Vírus Planetário, realizaram um Flashmob cantando e dançando o funk “Ah Lelek” no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). O simples fato de inserir o funk “hit” do momento, que tão bem representa a cultura popular, em um espaço de cultura, dito democrático, mas que abriga manifestações culturais já consagradas e principalmente hegemônicas já problematiza a hierarquização da cultura e evidencia seu papel como espaço de luta e disputa por significação. Assista - www.tinyurl.com/ahlelek

“Virá que eu vi...” Impávidos como Mohamed Ali, os índios da aldeia maracanã resistem às ameaças contínuas do governador Sérgio Cabral. Esperamos que quando sair esta edição estejamos comemorando mais uma vitória histórica do povo carioca. “Quem me dera ao menos uma vez, como a mais bela tribo dos mais belos índios, não ser atacado por ser inocente.”

paespalho plagiador Prefeito Paespalhão plagia ideia da Revista Vírus Planetário. Em junho de 2010, quando foi lançada a edição impressa número 7 da Vírus Planetário, foi feita uma paródia com o jogo “Banco Imobiliário” ironizando a mercantilização das cidades, em especial o Rio de Janeiro. Eis que no início de fevereiro, fomos surpreendidos por alguns professores, nossos amigos do SEPE, que nos avisaram ter recebido uma versão de verdade (real, real mesmo) do jogo Banco Imobiliário – versão Cidade Olímpica, o slogan na caixa do jogo – “O Rio se reinventa, os investimentos se multiplicam. Faça os lances certos e seja um vencedor nos negócios”. Paespalho, já não basta fazer a sacanagem de transformar o Rio de Janeiro inteiro em uma grande mercadoria, expulsando os pobres do centro, ainda tem que tripudiar desse fato, fazendo um joguinho?! Vire a página e veja a nossa paródia do banco (especulação) imobiliário original de junho de 2010, que o prefeito viu e plagiou


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Remoção à vista. Organize-se e lute para não ser arrancado daí e ter sua casa destruída

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*Publicado originalmente na edição 7 da Revista Vírus Planetário em junho de 2010 Por Caio Amorim, Elis Tanajura, Mariana Gomes e Thiago Vilela

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As olimpíadas 2016 são nossas! A zona oeste agora tá bem mais chique com as olimpíadas por aí. Yes, we créu!

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passatempos virais


Em junho de 2010, resolvemos adaptar o jogo “Banco Imobiliário” para a realidade do nosso país. Quando fizemos não sabiamos a repercussão que teria. Não é que a prefeitura do Rio de Janeiro resolveu nos plagiar? Republicamos aqui o passatempo viral para mostrar como o original é bem melhor que a cópia.

MORUMBI ALPHAVILLE Paradinha básica na Daslu! Ganhe 50 mil sonegando impostos. Aproveite o glamour com luxo e riqueza!

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Fora d a minha cidade , seus vagabu ndos!

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“Conhece o banco imobiliário? Aquela longa trajetória rumo à riqueza, ao luxo e ao glamour? Pois então, adaptamos esse jogo para a realidade do nosso país. Cada personagem tem seu próprio caminho, de acordo com sua classe social. Até porque, meu amigo, assim é a vida, sociedade de classes é desse jeito, acostume-se ou luta contra ela. Cada personagem enfrenta os obstáculos também de acordo com sua classe social. Escolha um, jogue o dado e siga o caminho até a vitória. Se cair no quadrinho “sorte”, você está no comando do jogo, já se cair no “azar”, vai ter que enfrentar adversidades e autoridades querendo te derrubar! BOA SORTE!”


Por Chico Motta

*Improvável, mas não impossível.

Reportagem por Jailson Bolsonazi

Comissão de Direitos Humanos da Câmara inicia os trabalhos com propostas inovadoras BRASÍLIA

Quem nunca acabou tendo que beber num bebedouro logo após um homossexual, ou teve que usar o mesmo banheiro que um negro? Esses graves problemas do cotidiano das grandes cidades podem finalmente ser resolvidos, é o que informa o novo presidente da Comissão de Direitos Humanos e das Minorias da Câmara, Pastor Marco Feliciano.

Reunião da nova formação da Comissão de Direitos Humanos da Câmara presidida por Marco Feliciano, que instituiu os capuzes brancos super-transados como traje obrigatório

“A primeira clínica já está em fase avançada e se chamará Nova Auscwitz” Banheiros públicos, bebedouros, bancos de ônibus, vagões de metrô, em alguns meses todos esse serviços podem passar a ser setorizados por cor de pele e opção sexual. “É um avanço no direito das minorias” ressaltou o pastor que comenta também as vantagens higiênicas do projeto, “É certo que as medidas diminuirão imensamente o contágio por doenças relacionadas com a maldição de Noé como o homossexualismo, a AIDS ou a fome”. E o projeto não para por aí: além da setorização, Marco Feliciano anunciou também a criação de mais de mil clínicas de recuperação para homos-

sexuais, “A internação compulsória já é permitida e tem sido utilizada para limpar as cidades brasileiras da escória amaldiçoada dos afrodescendentes, a ideia agora é ampliar, iremos internar também os viciados em sodomia”, afirmou o pastor. Inicialmente os homossexuais serão isolados em bairros de quarentena, é preciso, por medida de urgência, mas posteriormente serão todos levados às clinicas onde serão realizados tratamentos e testes para ajudá-los na cura da doença.

A primeira clínica já está em fase avançada e se chamará Nova Auschwitz em homenagem à matriz alemã que tomaram por base para o projeto. Na porta a frase “O Trabalho Liberta”, já deixa clara a lógica progressista do Plano. Mas não pensem que só os Alemães serviram de inspiração a essa nova gestão da comissão de direitos humanos, os Estados Unidos e a África do Sul também inspiram as políticas segregacionistas que pretendem implementar.


*ATENÇÃO: Essa seção é fictícia. Não levem a mensagem a sério. Não que o discurso do próprio Marco Feliciano também não seja completamente inacreditável.

CAMPANHA FOTO-PROTESTO

a favor dos Direitos Humanos no Brasil

“É preciso resgatar a cultura perdida de segregação nesses países, na África do Sul por exemplo, não havia AIDS na época do Apartheid”, pontuou com precisão Feliciano.

Apesar dos avanços notáveis, grupos terroristas, inflamados pela apresentadora de TV, Xuxa Meneghel, conhecida pela prática da pedofilia e por ter realizado pacto com o demônio, tem realizado diversos protestos violentos intolerantes e sanguinários pedindo a destituição do Pastor da Presidência da Câmara. Será que eles não sabem que isso não vai dar em nada? Questionamos o leitor.

Bebedouros segregados para que os descendentes almadiçoados de noé não transmitam sua macabra essência demoníaca

A indicação do pastor-deputado Marco Feliciano à presidência da Comissão de Direitos Humano não é uma traição ao povo em razão de sua (dita) crença, nem de seu cargo de pastor. A indicação de Feliciano é um desrespeito hediondo contra os direitos humanos porque alguém que publicamente já discorreu sobre seu racismo e homofobia nada tem de humano, e não é capaz de reger os direitos de ninguém. Portanto, convocamos todas e todos, a manifestarem-se publicamente das maneiras que puderem, que se juntem a nós em uma Campanha de foto-protestos.

Visando o melhor desenvolvimento das crianças de Deus e de bem, brancas e heterossexuais, a Comissão de Direitos Humanos e Minoria da Câmara dos Deputados Federais, presidida pelo varão Marco Feliciano, aprovou a resolução que foi ideia do próprio Marcão, (que é um pão, diga-se de passagem - não dá pra não citar, já que é um fato), de separar os bebedouros para que os descendentes de africanos não passem o demônio por contágio da água para as crianças normais. A resolução é a primeira de um pacote de Marco Feliciano para esclarecer a população.

É bem simples: basta criar (escrever, desenhar...) uma plaquinha com a sua indignação e fotografar (várias pessoas já nos enviaram - alguns dos participantes acima). Postem no mural da Vírus para que apareça em nossa página e consigamos ver - www.facebook. com/virusplanetario . Você pode enviar sua foto até dia 15/04!!! Vamos movimentar uma campanha online em um vídeo com as imagens. Avante! Assine a petição pela imediata destituição do Pr. Marco Feliciano da Presidência da Comissão de Direitos Humanos www.is.gd/lKX2qM Entenda mais - www.tinyurl.com/feliciano-cdh realização: facebook.com/coletivo.batalho

virusplanetario.com.br facebook.com/virusplanetario Revista

Vírus

Planetário


36 anos

Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Rio de Janeiro

Educação Estadual

na luta!

Rede municipal do Rio vai parar no dia 18 de abril

A rede municipal de Educação do Rio fará uma paralisação de 24 horas no dia 18 de abril. Neste dia, haverá um ato de protesto na prefeitura, às 11h e uma assembleia geral da rede, no Instituto de Educação (Rua Mariz e Barros 243 – Tijuca), a partir das 14h, para discutir a luta pela Campanha salarial 2013 e pelo plano de carreira unificado para os profissionais das escolas municipais. Até o dia da paralisação, o Sepe promoverá uma campanha de mobilização nas escolas municipais para fortalecer o movimento da categoria. No dia 13 de abril, haverá uma plenária dos profissionais de Educação Infantil. O sindicato também organizará um plebiscito, de 1º a 17 de abril sobre a política educacional da prefeitura.

MP vai investigar a utilização de material didático para a promoção pessoal de Paes A 1ª Promotoria de Tutela Coletiva da Educação, órgão do Ministério Público do Estado, anunciou que vai investigar o uso irregular de material didático pela rede pública de ensino municipal do Rio na promoção pessoal do prefeito Eduardo Paes e de seus aliados.

Aula pública realizada pelo SEPE na paralisação de 5 de março na Cinelândia com crítica bem-humorada à “brincadeirinha” de Paes

Segundo o MP, serão investigados o uso do jogo ‘Banco Imobiliário - edição Cidade Olímpica’ e de material didático” distribuídos nas escolas. O Sepe teve participação ativa nas denúncias contra mais este abuso da prefeitura do Rio e criou a frase “Escola não é banco, nem de brincadeira”, uma crítica contra a utilização pelo prefeito de mais de R$ 1 milhão do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica para a compra de 20 mil kits do jogo.

www.seperj.org.br


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