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5ª Mostra Cinema e Negritude

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Outros Projetos

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Os Muitos Pretos Que Existem em Nós

Pensar em uma corporeidade negra é refletir sobre a diversidade de narrativas que nos cercam enquanto população. É sempre complexo e estimulante falar de uma população tão abrangente como a nossa, com suas peculiaridades aparentemente conhecidas, porém pouco percebidas no cotidiano. Assumir as próprias narrativas permite ao interlocutor apresentar outras histórias. Permite falar sobre uma potência peculiar em um processo criativo que diz de seu corpo, do seu olhar, das suas vivências, das suas expectativas. Na vida é assim. E no cinema também.

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Estudos recentes, já apresentados pela Agência Nacional do Cinema (ANCINE)*, e também pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA-IESP-UERJ)**, comprovam a falta de representatividade racial no cinema brasileiro, em longas-metragens, tanto na frente quanto atrás da câmera. O índice apresentado pelo GEMAA, que analisou por ano, de 2002 a 2014, os 20 longas-metragens de maior bilheteria do cinema brasileiro, diz que entre os filmes lançados neste período: 84% dos realizadores são brancos e homens; 14% das realizadoras são mulheres brancas; 2% são homens negros e 0% corresponde a mulheres negras. Quanto à cor das personagens, nos elencos principais, os números também são pouco expressivos: homens brancos (45%); mulheres brancas (35%); homens negros (15%); mulheres negras (5%). Sendo o curta-metragem um espaço de experimentação e de novas possibilidades, e também a base da programação do Festival de Cinema de Vitória, a 5ª Mostra Cinema e Negritude é uma janela exclusiva para realizadores negros, e reforça a importância do protagonismo do povo preto em contar suas histórias, além de pluralizar os temas que atravessam essas narrativas no audiovisual brasileiro.

Os filmes que compõem a mostra em 2020 apresentam uma juventude negra, que tem cor, que é, ao mesmo tempo, leve e densa, que tem diversidade de ideais, que é cercada de estigmas, que tem histórico, que tem uma potência e uma complexidade, que precisa ser vista no universo cinematográfico. O curta-metragem Cão Maior, de Filipe Alves, trata do encontro de dois adolescentes durante as férias escolares. A dupla se reúne para falar sobre astronomia, sonhos, planos para o futuro, tédio e inseguranças, e do desejo no acalorado verão brasiliense. Terceiro Andar, de Deuilton B. Júnior, parte de uma quase entrevista de emprego para apresentar uma personagem que fica presa em um looping temporal e não consegue sair do um lugar em que foi colocada, o que funciona como metáfora sobre a condição do negro no Brasil. Lembrar Daquilo Que Esqueci, de Castiel Vitorino Brasileiro, aborda os processos de adoecimentos enfrentados cotidianamente pelo povo preto e a possibilidade de cura através da ancestralidade.

Para fechar a seleção, Alfazema, de Sabrina Fidalgo. O curta usa dos signos do carnaval para realizar uma crítica irônica e bem-humorada sobre o Brasil contemporâneo. As cores e o espírito de liberdade da festa, que é parte da identidade cultural do país, ganha novos contornos quando Deus, que é mulher, aparece em cena. A reunião desses quatro filmes apresenta, de maneira sucinta, as nossas particularidades, qualidades e inúmeras possibilidades. Dessa forma, a 5ª Mostra Cinema e Negritude propõe apresentar um recorte, por meio do audiovisual, através da produção de cineastas negros, as subjetividades de uma raça e de seus indivíduos. E reafirma a importância e a urgência do debate sobre equidade racial para que possamos crescer como sociedade e nação. Nós, negros, estamos fazendo a nossa parte.

Leonardo Vais e Thaís Souto Amorim, curadores

Notas:

*https://oca.ancine.gov.br/sites/default/files/repositorio/pdf/informe_ diversidade_2016.pdf ** http://gemaa.iesp.uerj.br/infografico/raca-e-genero-no-cinemabrasileiro-2002-2014/

CÃO MAIOR

Filipe Alves FIC, Cor, 1080p, 20’, DF, 2019 Classificação indicativa: 12 anos Direção de Produção: Ariane Lamarão Produção Executiva: Ariane Lamarão, Cecília Bastos e Gabriel Pimentel Roteiro e Montagem: Gabriel Pimentel Direção de Arte: Jéssica Barros Fotografia: Arthur Menezes e Rafael Stadniki Som: Juliana do Vale e Jusef Felipe Edição de Som: Gabriel Pimentel e Juliana do Vale Elenco: Igor Ariel Melo, Richarde e Roberval de J. Leone dos Santos

Sinopse: Ícaro é um adolescente que procura matar o tédio nas férias. Voltando de uma partida de futebol, ele conhece João e juntos presenciam o aparecimento de uma nova estrela no céu, que torna as noites na Terra vermelhas e quentes. Tentando lidar com o fato de que estão crescendo, com o tédio e o calor extra nesse verão, eles começam a passar noites juntos pelas ruas da cidade.

TERCEIRO ANDAR

Deuilton B. Júnior FIC, Cor, HDV, 9’, PE, 2019 Classificação indicativa: 10 anos Direção de Produção: Luanda C. Ferreira Produção Executiva: Adriano Matheus R. de Moura Roteiro, Montagem e Edição de Som: Deuilton B. Júnior Direção de Arte: Mariana Menezes e João Luís da Silva Fotografia: Lucca Nicoleli e Pedro Bittencourt Som: Bruno Rhaynne, Igor Pessoa, Victor Albuquerque, Leônidas Júnior e Will Santana Elenco: Clau Barros, Luanda Figueiredo e Richards Brito Filmografia do Diretor: Boneco de Pano (2013) Sinopse: Atrasada para uma entrevista de emprego, Fernanda (Clau Barros) esquece seu currículo no apartamento e volta para buscá-lo. Ao subir as escadas, coisas estranhas acontecem no terceiro andar do prédio.

LEMBRAR DAQUILO QUE ESQUECI

Castiel Vitorino Brasileiro DOC, Cor, HDTV, 20’, ES, 2020 Classificação indicativa: 14 anos Direção de Produção e Produção Executiva: Castiel Vitorino Brasileiro Roteiro, Direção de Arte e Fotografia: Castiel Vitorino Brasileiro Imagens: Rodrigo Jesus, Tatiane Loureiro Brasileiro, Iaiá Rocha e Castiel Vitorino Brasileiro Montagem, Som e Edição de Som: Roger Ghil e Castiel Vitorino Brasileiro Elenco: Castiel Vitorino Brasileiro, família e amigo Filmografia da Diretora: Para Todas as Moças (2019); Quarto de Cura (2019); O Trauma É Brasileiro (Codireção Roger Ghil, 2019) Sinopse: O que é Cura? Estou fazendo essa pergunta para vidas invisíveis e aquelas que aqui estão encarnadas. Como curar o colonialismo que nos adoece cotidianamente? Acredito na cura como um movimento cotidiano de nos fazer lembrar daquilo que a racialização nos faz esquecer.

ALFAZEMA

Sabrina Fidalgo FIC, Cor, 4k, 24’, RJ, 2019 Classificação indicativa: 14 anos Direção de Produção: Sérgio Curvello Produção Executiva: Marcus Vinicius Ribeiro, Sabrina Fidalgo e Cavi Borges Roteiro: Sabrina Fidalgo Direção de Arte: Daniel Sá Vasconcellos Fotografia: Julia Zakia Montagem: Bia Medeiros Som: Vitor Kruter Edição de Som: Beto Mendonça Trilha Sonora: Sabrina Fidalgo e Vívian Caccuri Elenco: Shirley Cruz, Elisa Lucinda, Bruna Linzmeyer, Bianca Joy-Porte, Victor Albuquerque e Sabrina Fidalgo Filmografia da Diretora: Sonar 2006 – Special Report (2006); Das Gesetz des Staerkeren (2007); Black Berlim (2009); Cinema Mudo (2012); Rio Encantado (2014); Personal Vivator (2014); Rainha (2016) Sinopse: É carnaval e Flaviana vive um difícil dilema; como se livrar do amante que se recusa a sair de seu chuveiro?

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