Enquanto a demência quase que generalizada continua fazendo estrago em um país doente e dividido entre quem chora a cassação da presidente ranzinza e quem comemora, com o Bra$il caminhando rápido barranco abaixo, seguimos pelas ruas sujas e escuras das cidades, vivendo, produzindo, construindo, compartilhando e sabotando, sempre dentro de nossas possibilidades. Independente de quem esteja no poder, entendemos que x mesmx é lixo e nada mudará no jogo político. Continuarão a legislar em causa própria, usando a política como forma de enriquecimento rápido, ilícito e escudo contra possíveis punições, atendendo aos interesses da elite econômica e ludibriando parte da população e, em especial, a classe média, se aproveitando da mesma e do sempre presente desejo de ascensão social para mantê-la como massa de manobra, enquanto a classe menos favorecida luta como pode e com as armas que possui. Para nós punks, a máxima continua sendo “político bom é político morto.” E isso vale também para policiais, fundamentalistas religiosos, militares e toda a pilantrada nojenta. Morram!!! E quanto ao Punk? Bom, o Punk continua por aí, em alguns lugares mais vivo, em outros menos. Esse fanzine nos permitiu ter contato com punks de diversas quebradas e ter a certeza de que a rebelião permanece viva, apesar dos problemas. Conhecemos pessoas, aprendemos, ensinamos, compartilhamos e vemos que o Punk está longe de ser algo que segue um padrão. O Punk não tem um manual de instrução, ele é mutável, incorporando influências e se adaptando ao local, sendo justamente essa diversidade que o torna único e tão ameaçador. E não podemos esquecer que o Punk é reflexão e autocrítica, por isso é construído todos os dias a partir da desconstrução de antigos e podres valores que nos são ensinados como sendo corretos. O Punk está em todos os lugares e por isso mesmo queremos mais do que estamos tendo. Queremos que o faça você mesmx seja realmente colocado em prática em todas as quebradas, queremos um circuito independente de gigs, queremos produzir mais, queremos mais intercâmbio, queremos mais camaradagem e menos intrigas estúpidas, queremos mais união e respeito entre punks e ter a chance de cuidar mais dxs nossxs e menos assistencialismo para quem não presta, queremos colocar em prática o nosso discurso. Enfim, queremos viver o Punk em toda sua plenitude e para isso acontecer não é possível ficar em casa de braços cruzados e bundinha bem acomodada na poltrona esperando que alguém faça por nós. Somos xs responsáveis por essa contracultura e somos nós que devemos fazê-la se movimentar. Não importa o tamanho da cena, isso não é desculpa para não produzir, muito pelo contrário. Se em cada quebrada com uma pequena cena as pessoas se movimentarem e não ficarem esperando que alguém de uma quebrada maior e distante faça algo por elas, o intercâmbio é facilitado e se abrem novas possibilidades. Isso é o Punk, isso é colocar em prática o faça você mesmx. Continuamos à margem da sociedade. Foi assim que o Punk nasceu, cresceu e será assim que ele se manterá até o fim dos tempos. Estar à margem da sociedade é ter a oportunidade de buscar outros caminhos, de evitar vícios sociais, de conhecer novas maneiras de se relacionar com x outrx, de tentar ter uma vida menos robotizada e por aí vai. Escolhas que o Punk nos proporciona e que devemos usar com sabedoria, aproveitando ao máximo essa chance. Não que isso nos torne melhores ou piores, porque como diz um trecho de “A Praga do Mundo” do Murro no Olho, ‘a cura pro mundo é a morte do homem... a praga do mundo é a existência do homem.’ Pode parecer utópico em meio a tantos problemas, mas ainda acreditamos no papo de Movimento Punk, de independência, politização, confrontação, de ser uma ameaça real. Acreditamos em nossa capacidade de sair dos escombros, reerguermo-nos novamente e batalharmos por uma real estruturação das cenas espalhadas pelos buracos dessa republiqueta e assim pararmos de ficar babando ovo para o que acontece na gringa. Os meios estão aí, basta querermos colocar em prática. Façamos por nós mesmxs.
Agradecimentos: Tamires (pelos pitacos e ajuda), Jhad & Pikillerc (marmita é vida!), Marcelo Domingues (RS), Bruna & Kaos Punk, Hannah, Jackson & zine Força Ingovernável, Suzarte, Bonga & Fear of The Future, Inaraí & Rebeldia Incontida, Thiago & Agressãö Söciäl Webzine, às pessoas responsáveis pelas imagens que usamos e a todo mundo que veio trocar uma ideia.
Esse fanzine é dedicado ao Zorro. Você nos deixou, mas a ideia permanece viva, muito viva. Êra Punk da Morte!!!
Ao lembrarmo-nos dxs nossxs que não estão mais presentes, seja por terem sido sequestradxs pelo estado terrorista, por terem perdido a vida lutando pelo que acreditavam ou porque a vida é naturalmente finita, ficam as palavras do poeta Olavo Bilac para definir o sentimento: “a saudade é a presença dx ausente.”
FORÇA CHAPE!
A VIDA É UMA VIAGEM DE TREM A VIDA É SEMELHANTE A UMA VIAGEM DE TREM? DEPENDENDO DE COMO A ENCARAMOS, A RESPOSTA É SIM Por Karl Straight A vida não passa de uma viagem de trem cheia de embarques e desembarques, alguns acidentes, agradáveis surpresas em muitos embarques e grandes tristezas em alguns desembarques. Quando nascemos, entramos nesse magnífico trem e nos deparamos com algumas pessoas que conhecemos e estarão sempre nessa viagem. Infelizmente isso não é verdade. Em alguma estação elas descerão e nos deixarão órfãos de sua amizade e companhia, muitas delas insubstituíveis. Porém, isso não nos impedirá que durante o percurso outras pessoas se tornem muito especiais para nós. Muitas pessoas embarcarão apenas a passeio, outras encontrarão no caminho somente incertezas e outras circularão por ele prontas a ajudar quem precisar. Vários dos viajantes, quando desembarcarem, deixarão saudades eternas, outros tantos quando desocuparem seus acentos, ninguém nem sequer perceberá. Curioso é constatar que alguns passageiros que se tornam tão caros para nós, acomodam-se em vagões diferentes dos nossos, portanto somos obrigados a fazer esse trajeto separado deles, o que não nos impede de ir ao seu encontro. No entanto, infelizmente, jamais poderemos sentar ao seu lado, pois já haverá alguém ocupando aquele assento. Não importa, é assim a viagem, cheia de atropelos, sonhos, fantasias, esperas, despedidas. Façamos essa viagem da melhor maneira possível, tentando nos relacionar bem com os outros passageiros, procurando em cada um deles o que tiverem de melhor, lembrando sempre que em algum momento eles podem fraquejar e precisamos entender, porque provavelmente também fraquejaremos e com certeza haverá alguém que nos acudirá com seu carinho e sua atenção. O grande mistério é que nunca saberemos em qual parada descer. Eu fico pensando se quando descer desse trem sentirei saudades. Acredito que sim, me separar de muitas amizades que fiz será no mínimo doloroso. Deixar meus filhos continuarem a viagem sozinhos será muito triste com certeza... mas me agarro na esperança que em algum momento estarei na estação principal e com grande emoção os verei chegar. Amigos, façamos com que nossa estadia nesse trem seja tranquila, que tenha valido a pena e quando chegar a hora de desembarcar, o nosso lugar vazio traga saudades e boas recordações para aqueles que prosseguirem a viagem.
NOSSAS VERDADES NOSSAS VERDADES SÃO APENAS NOSSAS? É POSSÍVEL QUE SEJAM TAMBÉM DE OUTRAS PESSOAS? Por Karl Straight Por muito tempo o interesse pela verdade tem sido a mais elevada inspiração das pessoas. Conhecer o que é verdadeiro é fazer o que é certo, é o ideal e é muito nobre. Precisamos saber que encontrar a verdade não é simples e definir o conjunto de ideias vai muito além disso. Conhecer a verdade do ser humano pode ser capaz de despertar novas convicções, novas expectativas sobre o futuro. É muito fácil entender isso. Basta olhar ao redor e você mesmx poderá constatar.
A SOCIALIZAÇÃO FORÇADA COMO DROGA ALIENANTE DA CONSICIÊNCIA CRÍTICA CONCORDAR OU NÃO COM O TEXTO É DIREITO DE CADA PESSOA, MAS MUITAS VEZES UM DETERMINADO COMPORTAMENTO, DE TÃO ENRAÍZADO EM NOSSO EXISTIR, PASSA DESPERCEBIDO JUNTAMENTE COM SUAS CONSEQUÊNCIAS. DEBATER SEM FALÁCIAS OU PRECONCEITOS NÃO É ALGO FÁCIL, MAS ENQUANTO PUNKS DEVEMOS E PODEMOS INSISTIR NESSA PRÁTICA Texto originalmente postado no zine Força Ingovernável Um setor do sistema de controle é responsável pela criação de entretenimentos que façam com que nossas mentes fiquem ocupadas durante o tempo livre para não pensarmos ou sentirmos os impactos e danos causados pela vida social do sistema capitalista. Através de estudos e análises específicas, especialistas criam as formas de entretenimentos de acordo com perfis e características das pessoas. Dentre as diversas formas de entretenimento, pobres e ricos, o nome dessa forma de entretenimento é socialização.
Talvez muitxs não enxerguem a socialização como uma forma de entretenimento que possa ser nociva, mas basta observarmos os discursos políticos modernos sobre o respeito que devemos ter uns pelxs outrxs independente de raça, gênero, religião, ideologia etc. Os governos neoliberais tem total interesse que seus cidadãos vivam em um acordo social baseado no respeito às diferenças, desde que cada um saiba sua posição na escala social e tenha inconsciência de sua importância para o funcionamento das estruturas, pois dessa forma não existirão conflitos sociais para serem resolvidos e intermediados pelo estado, pondo assim em prática o sonho do neoliberalismo de trabalhadorxs perfeitxs. A cultura da sociedade é baseada em um padrão comportamental geralmente imposto de cima para baixo e a socialização é um fator crucial para a disseminação desse padrão. Através da mídia, vemos essa disseminação com frequência em novelas, filmes ou em comerciais, com pessoas socializando, consumindo e se divertindo de diversas formas, como por exemplo, através de algum esporte como o futebol, que está estritamente ligado a cerveja. Esse incentivo a socialização é uma forma de estimular a naturalização de comportamentos e práticas. Nos meios de comunicação social, geralmente os comercias de bebidas alcoólicas estabelecem uma cultura onde rebaixam as mulheres a uma condição de objetos sexuais e normalizam a situação através de sorrisos coletivos. Vemos assim a assombrosa doutrina moderna de consumismo propagando o modo de vida das classes altas como sinônimo de felicidade e realização pessoal, se tornando assim o modo de vida almejado inconscientemente para todxs que assistem TV e socializam essas informações de acordo com o status do ciclo de consumo. Do nosso ponto de vista, enxergamos isso como um grande problema para a população pobre, pois mesmo sem condições financeiras, muitxs de alguma forma tentarão viver o modo de vida que é propagado intencionalmente pelos grandes veículos de comunicação. Isso interfere diretamente na vida de uma pessoa desfavorecida, pois cada uma de acordo com sua percepção e capacidade fará o possível e muitas vezes o impossível para se encaixar no padrão de vida social e será inconscientemente responsável pela influência em outras pessoas a seu redor, que compartilham das mesmas dificuldades encontradas para a sobrevivência devido à desfavorável posição econômica e social, enquanto pessoas ricas têm condições e estruturas socioeconômicas para fazer tratamentos, além de todo um apoio psicológico da sua família. Dessa forma o ciclo da ignorância entre as classes baixas através da socialização se completa e as consequências são sempre prejudiciais aos desfavorecidos, pois ou terão de trabalhar muito ou terão que praticar crimes para tentar manter o nível padrão de vida social, enquanto o governo por sua vez estará atento a esse último tipo de comportamento criado por eles mesmos e utilizarão diversas formas para reprimir xs indivíduos que resolverem agir fora da lei. Assim, o álcool e as drogas que se tornam para pobres a única válvula de escape para as dificuldades da vida, para muitxs a única fonte de felicidade, passa através do vício a tormenta responsável pela deterioração de seu corpo e mente.
BOICOTADORXS PROFISSIONAIS: UM NOVO TIPO DE MILITÂNCIA QUE ATRAPALHA E MUITO O PUNK NA GRANDE SP COMO É BOM VIVER NOS GRANDES CENTROS URBANOS E TER A CHANCE DE BOICOTAR TUDO E TODXS PARA FICAR NA INTERNET FAZENDO ROLÊ, POLITICAGEM OU CUIDANDO DA VIDA ALHEIA. ISSO PODE SER CONSIDERADO MILITÂNCIA OU É APENAS A MEDIOCRIDADE DE UMA PARCELA ESCROTA DE BOCÓS? Por Treva Em um país onde a cultura é tratada como algo supérfluo e muitas vezes desnecessário (não confundir com necessidade de um ministério para tratar do assunto), morar nos grandes centros urbanos é um privilégio quando o assunto é a possibilidade de ter acesso a uma vasta gama de atividades culturais. O Bra$il é um país com dimensão continental e, por isso mesmo, apresenta uma grande diversidade cultural. Soma-se a ela toda a cultura que é importada e podemos ter a ideia do tamanho dessa diversidade. Infelizmente, a mesma parece estar presente apenas em grandes centros urbanos e, mesmo assim, com muitos problemas. Já em cidades menores, a política da “monocultura” se faz mais presente e com força, homogeneizando a tudo e todxs. Quase toda a minha vida morei na cidade de São Paulo e quando penso em diversidade cultural, é nela que me baseio. Existe oferta e variedade, mas não o suficiente para o tamanho da cidade. São Paulo é uma cidade cara e isso tem reflexo nos preços dos eventos, transformando a cultura em um artigo de luxo, algo segregacionista. A maioria dos eventos tidos como interessantes acontecem em bairros centrais ou nos mais abastados, deixando claro quem é o público alvo. Nesses eventos, patrocinadores e divulgação não faltam. Para a periferia, quando alguém envolvido com essa produção cultural burguesa lembra que ela existe, na maioria das vezes é apenas para organizar algo inexpressivo, como se o povo periférico não merecesse a mesma cultura que as pessoas endinheiradas. Em contrapartida, coletivos e indivíduos tem se organizado e levado à periferia a cultura que ela mesma produz e que a representa verdadeiramente. Com esse contexto, fica fácil imaginar que o Punk continua sua trajetória de independência (ainda que algumas pessoas tentem domesticá-lo/aburguesá-lo), com a ética do “faça você mesmx” sempre presente. Os problemas existem e muitos deles persistem através dos anos, nos causando dores de cabeça e por vezes enfraquecendo a cena. Mas mesmo assim o Punk continua a
produzir bandas novas, espaços surgem e gigs são organizadas quase todos os finais de semana e mesmo em dias úteis, mostras de cinema, feira de livros, selos, distros, coletivos e afins. O interessante nisso é que mesmo com toda a produção contracultural que o Punk tem proporcionado nos últimos anos, de maneira independente e à margem da cultura socialmente aceita e/ou de massa, parece que uma parcela significativa de punks endoidou, preferindo usar seu tempo para fazer rolê na internet, criar factoides, cuidar da vida alheia e, de quebra, não apoiar eventos punks. Para pessoas de outras quebradas, isso pode parecer absurdo, mas é assim que a coisa tem funcionado na Grande SP. Aqui surgiu um novo tipo de militância, o boicote profissional. Os motivos que alimentam essa militância são variados (e pouco inteligentes, diga-se de passagem), desde não gostar de quem agiliza a parada, por não gostar de determinadas bandas, do time de futebol do coração de quem está envolvidx com a organização, da mãe e do pai de alguém que vai colar, da falta ou excesso de visú do dono do boteco que fica na rua de cima de onde vai rolar a gig, do alto preço dos eventos gratuitos e por aí vai. Muitos motivos, a maioria deles completamente idiotas, onde bom senso e coerência parecem ter ficado para trás, se tornando lenda. Essas pessoas, boicotadorxs profissionais, acomodadas com a situação, não fazem ideia do que é viver em um lugar que não tenha rolês. Se imaginassem, provavelmente teriam outra postura. Se usassem um pouquinho do tempo desperdiçado em redes sociais em busca de curtidas ou fomentando intrigas para trocar ideia com pessoas de localidades distantes, veriam como é um privilégio ter e poder colar nos rolês. Interação real, cumprimentos, conversas, suor, sorrisos, pogo, coisas que acabam sendo banais para quem vive na cidade cinza, mas que é raridade para muitxs punks espalhadxs pelos rincões do país. Como dito anteriormente, as justificativas para não colar nos rolês são variadas, e dependendo da pessoa, algumas muito válidas e outras completamente estúpidas. Para as pessoas com justificativas inteligentes, fica o meu respeito, e para quem tem justificativas estúpidas... se a carapuça servir, bom uso. Bizarro imaginar e difícil entender como pessoas que se dizem envolvidas em algo como é o Punk, onde todxs podem participar igualmente, conseguem boicotá-lo com tamanha facilidade. A possibilidade de colaborar e participar de uma cena estruturada e produtiva é trocada por boicotes e intrigas, numa tentativa (consciente ou não) de transformá-lo em algo vazio, despido de sentido. O coletivo passa a ser panela, as afinidades passam a ser falsidades e assim por diante, resultando em um esvaziamento intelectual e contracultural. Além do mencionado acima, fatores econômicos ajudam na crise. O excesso de eventos faz com que boa parte deles esteja com público abaixo do esperado, já que as pessoas acabam por escolher aquele que mais lhe agrada, graças à falta de moedas na carteira que não mais permite colar em todos os eventos. Esse excesso de rolês e a certeza absoluta de que dali uns dias terá outro, faz com que aconteça uma desvalorização das correrias, rolando uma indiferença. Como é possível uma cena existir, produzir, manter-se viva e se multiplicar, quando as pessoas que dela fazem parte não a apoiam? Qual a motivação que pessoas, bandas, coletivos, zines, distros e selos terão em produzir contracultura punk se é quase certeza boicote ou indiferença? A situação causa estranhamento porque as pessoas que tanto boicotam eventos são as mesmas que reclamam de tudo e sempre enaltecem o que acontece na gringa, como se fossem para lá com frequência. Difícil de entender. É claro que existem pessoas merecedoras de boicotes, mas estranhamente essas não são boicotadas, graças a sua extrema habilidade em ludibriar inocentes ou, talvez, pela apatia que impregnou em uma parcela das pessoas envolvidas no rolê ou mesmo por não colocarem em prática o discurso, fazendo com que as relações sejam pautadas por interesses individuais ou da panela, sempre em detrimento da coletividade. Aliás, coletividade é algo raro na atualidade, onde o individualismo é regra, mesmo no Punk que sempre prezou o coletivo. A era do descartável atinge a tudo e o Punk não ficou ileso. Mesmo com todo o discurso de apoio, para muitas pessoas o que é produzido no Punk é descartável. A face mais visível dessa situação são bandas de outras cidades, estados e até países se apresentarem para pouquíssimas pessoas, mesmo com o valor de entrada sendo condizente com a nossa realidade, com horário bacana e em lugar de fácil acesso. Essa postura, somada a certeza de sempre ter alguém fazendo corres, permite a essa parcela considerável ficar em casa, se autoestimando em redes sociais e ignorando sistematicamente os diversos eventos que são bravamente organizados. E, diferente dessa cambada, pelo resto do país existem punks sedentxs por conhecimento, por conhecerem novas pessoas, desejosxs de interação. É claro que o Punk não se resume a rolê, podendo e devendo ir mais além. Mas se o Punk é feito pelas pessoas que dele dizem fazer parte, nada mais justo que essas mesmas pessoas o apoiem. Ou alguém aí espera que batedorxs de panela colem em eventos? Talvez a pilantrada? Não, né? Somos nós que fazemos e vivemos essa bagaça. Nós somos o Punk! No momento em que digito porcamente essas linhas, estou há mais de três meses sem rolê e morando em uma cidade do norte paranaense, do tamanho de um bairro de São Paulo, que só tem igreja, botecos risca faca, vaqueiros, pangarés que acreditam ser gangsters de Los Angeles, funk ostentação e sertanejo (ambos apenas em aparelhos de som). Nem é possível dizer que seja uma cidade “monocultural”, porque aqui a cultura é algo inexistente, fazendo com que as pessoas interessadas em algo do tipo tenham que ir para outras cidades. E quando o assunto é Punk ou qualquer outra forma de cultura alternativa, a situação é pior. Conversando com punks da região, a maioria lamenta a falta de gigs e de eventos de caráter libertário, sempre citando como exemplo os que acontecem em São Paulo. O desejo de experimentar, de vivenciar situações que aparentemente são tão comuns para algumas pessoas e para elxs parecem tão distantes, ainda que sejam poucas horas de uma região a outra. Enquanto essas
pessoas e tantas outras espalhadas pelo país vivem o Punk à margem do Punk, pessoas privilegiadas por morarem na cidade cinza lutam com toda a força para acabar com o Punk. O que ganham com isso? Diferente do que acontece com qualquer outro movimento sócio-político que almeja mudanças radicais na sociedade e que são confrontados ou até destruídos por forças organizadas politicamente e militarmente, aqui a destruição do Punk é promovida por quem se diz punk, por aquelxs que dizem “viver” o Punk, seja lá o que entendam por isso. Nem tudo é tragédia no Punk que ainda resiste na Grande SP, mas a situação é preocupante. Bom senso, coerência e participação têm sido deixados de lado, sendo substituídos por carteiradas, bostejamento virtual, passação de pano para gente do rolê que ramela na ideia (incluindo o pessoal de bandas, que normalmente se acham intocáveis), assistencialismo barato, boicotes, intrigas, entre outras coisas que nada somam. A listinha nojenta é grande, mas ainda é tempo de reverter a situação, cabendo somente a nós realizarmos essa mudança. Mudemos o presente para que exista a possibilidade de algum futuro. Vivemos realmente o Punk ou logo viveremos apenas de lembranças.
SOCIÓLOGO DIZ QUE O PUNK NÃO GERA INTERESSE ENTRE NEGRAS E NEGROS E POR ISSO É CÚMPLICE DO RACISMO ESTRUTURAL QUE PERSISTE NO PAÍS AUTOR DE TEXTO DIZ QUE POR SER MAJORITARIAMENTE BRANCO, O PUNK ACABA SENDO NATURALMENTE EXCLUDENTE COM RELAÇÃO A NEGRAS, NEGROS E INDÍGENAS E QUE TODO O DISCURSO E ATIVISMO RELACIONADOS À QUESTÃO ANTIRRACISTA NÃO PASSA DE EMBUSTE Por Treva De uns tempos para cá tem rolado até com frequência textos e conversas sobre a negritude e o Punk. Por ser negro, acho o assunto muito interessante, mas se deve tomar cuidado para não sermos piegas. Quase a totalidade do que vem sendo debatido e questionado gira em torno do por que afrodescendentes não estão envolvidos com o Punk e reduzir o debate a isso é, no mínimo, preguiça mental. Nisso, o compa Contra enviou um link interessante, com um texto que trata justamente sobre a participação da negritude no Punk. A princípio não dei a devida importância ao texto e até concordei com alguns questionamentos. Mas ao fazer uma análise mais crítica do mesmo, surgiram discordâncias. O texto está bem escrito, é de alguém que estudou, é negro e tem envolvimento com o underground, mas isso não significa conhecimento pleno do que está tratando. Só pra constar, não sou sociólogo, filósofo, antropólogo, historiador, não tenho pretensão a ser intelectual, nada de diploma bacana e não tenho a verdade comigo. Sou apenas um punk que discordou de um texto e decidi usar o fanzine com o qual estou envolvido para responder e, quem sabe, ajudar a gerar mais debate sobre o assunto. E caso alguém tenha interesse em ler o texto, o link é http://www.revistalinguadetrapo.com.br/quando-o-antirracismo-nao-tem-dentes-para-morder-por-wellington-navarro/. Se alguém fora do Punk ainda não sabe, a presença e influência de negrxs e indígenas é real e está presente, não sendo mais ou menos importante do que a presença branca. Para punks, cor da pele nunca foi pré-requisito para envolvimento no movimento e sim postura frente às mazelas existentes. E o meu discordar é baseado apenas no contexto brasileiro, deixando a gringa para quem vive por lá ou tenha mais conhecimento. O autor começa dizendo que “...o punk é hegemonicamente branco; os negros continuam sub-representados na contracultura. Tanto no Brasil quanto no exterior, é possível contar nos dedos as bandas que são referências e que apresentam integrantes negros em suas formações – bandas formadas apenas por integrantes negros só tenho conhecimento do BadBrains, PureHell e do Death, sendo que somente em relação à primeira podemos trabalhar com a dimensão de ter sido um nome consolidado internacionalmente e influenciado gerações.” Pois é, não é o Punk o problema, e sim o rock. Se fosse por capacidade, inovação, carisma, o rei do rock teria sido Chuck Berry ou Little Richard e com certeza haveria muito mais melanina no estilo. Mas quis o destino que o rei fosse um cara branco, patriota, razoavelmente bunda mole e o estrago foi feito. Mesmo tendo o blues como raiz, mesmo tendo quase todos os dinossauros do rock afirmado que têm como influência o blues, jazz, soul e o rock feito nos anos 50/60 por negros, não foi possível convencer a negritude que o rock também era nosso. Claro, o contexto da época era outro, tensões raciais e políticas pipocavam mundo afora e isso somou para que o rock ganhasse uma cor clara. Com isso, ficou sendo um estilo musical maldito, que pouco ou nenhum interesse gerava para pessoas não brancas. Quase regra para negras e negros que gostam de rock é escutar em casa, de familiares ou amigxs que “pretx escuta samba, rock é coisa de brancx”. Essa ideia está enraizada e diz muito sobre como a comunidade se relaciona com o estilo, muitas vezes deixando x negrx que curte rock em uma espécie de ostracismo social e familiar. No caso específico do Punk, além de ser rock, tem todo o radicalismo que por si só não gera interesse nas pessoas, não importando a cor. O Punk preza a igualdade e afirmar que negrxs são sub-representados é patético. O fato de não haver mais negras e negros no Punk não significa que sejam sub-representados, porque as pessoas que estão envolvidas fazem suas correrias como qualquer outro punk. E no caso das bandas citadas, Death nem Punk é, Pure
Hell não obteve reconhecimento muito provavelmente pela soma de diversos fatores (nem toda banda vai vingar + a ideia de que negrxs não gostam ou não mandam bem nas guitarras + o contexto Punk da época era despolitizado, nada a ver com a ideia de comunidade contracultural global), fazendo com que a banda permanecesse esquecida por décadas. Pelos motivos citados anteriormente, fica mais ou menos claro o porquê da negritude não se envolver com o Punk e com relação a poucas bandas formadas inteiramente ou parcialmente por negrxs, melhor pesquisar com mais afinco. Realmente são poucas bandas formadas unicamente por negrxs, mas estamos bem representadxs na contracultura sim! Tanto na gringa quanto aqui, são diversas bandas que já tiveram ou têm integrantes negrxs, entre elas Mácula, Repressão Social, Bosta Rala, DZK, Final Trágico, Dead Kennedys, Suicidal Tendencies, Dag Nasty, Reagan Youth, Revolta Popular, Lumpen, Fast Stupid Ugly People, Chaos BCN, Útero Punk, Disforme, Devotos, Derriba Tus Muros, Buiten Gebruik, Venkman, First World Problems, Pure Disgust, Estado de Guerra, X-Ray Spex, Assrash, Escöria, Undead Generation, Scream, Geração Ofensiva, Ódio Brutal, Burn, Sbórnia Social, e muitas outras. A lista é grande e as bandas citadas entre outras tantas podem não conseguir aquilo que o autor chama de reconhecimento quando usamos como parâmetro o mainstream, mas o Punk não vive de reconhecimento externo. Dentro da cena, foram ou são bandas ativas que produziram/produzem quantidade substancial de materiais. Ainda assim a quantidade de bandas é menor do que poderia ser, assim como não é ideal o número de bandas com mulheres, indígenas, dissidentes sexuais ou pessoas como alguma limitação física/intelectual, mesmo com a ideia do “faça você mesmx” incentivando as pessoas a montarem bandas. E na boa, nem só de banda vive o Punk, tendo negras e negros produzindo zines, cuidando de selos e distros, organizando coletivos, agilizando gigs/mostras de cinema/feiras, trabalhando com audiovisual e militando no cotidiano sem a necessidade de divulgar em rede social para conseguir curtidas ou satisfazer a curiosidade alheia. O autor segue afirmando que “...a identificação visual/estética da juventude negra com o punk já se apresenta de maneira muito restrita, pois as referências são poucas e ao mesmo tempo marginalizadas pela indústria cultural. Já a identificação política pode ocorrer, em alguma medida, pelo fato de o punk reverberar os discursos inerentes à opressão de classe, problema enfrentado pela maioria da população negra no Brasil” e “...o punk não somente carece de representatividade negra, como também não estabelece interlocuções com os negros que refletem sobre a opressão racial que sofrem cotidianamente. Por essa razão, o punk acaba sendo cúmplice da barbárie brasileira, do racismo que diz combater através de palavras de ordens e guitarras distorcidas, mas que no fundo termina legitimando-o por não compreender seu dinamismo em nossa sociedade.” Como já foi dito anteriormente, o desinteresse está na raiz de como afrodescendentes lidam com o rock e, talvez pelo fato da cor da pele não ser pré-requisito para ser Punk, o movimento possa ter falhado em não fomentar algum tipo de vínculo maior com a comunidade negra e, de quebra, gerar maior interesse pelo movimento/cena. Como o autor afirma, o acesso ao Punk é restrito (mas não impossível) pelo fato do mesmo ser underground, por não estar atrelado aos meios de comunicação de massa e por ter optado em seguir à margem da sociedade. Outro fator que alimenta o desinteresse é o radicalismo do Punk, com suas músicas, letras, artes, maneira de agitar nas gigs e visual agressivo, somados a um olhar político radical, são motivos mais que suficientes para desencorajar qualquer pessoa. No geral, as pessoas sonham em ter e ser, em ascender socialmente independente da maneira, enquanto o Punk segue uma cartilha de negar o capitalismo e seus tentáculos. Ora bolas, porque as pessoas vão ter interesse em algo que despreza tudo aquilo que gostariam de ter e ser? Se a pessoa (independente de cor e de qual quebrada sobreviva) sonha com situações que nada tem a ver com o Punk, qual o sentido de estar envolvida com esse movimento? O texto segue com “...um clichê na cena punk, a oposição ao nazismo e aos grupos urbanos que se autodeclaram neonazistas. Camisetas, patches, botons entre outros acessórios apresentando a imagem de uma suástica com um risco vermelho em cima (“nazismo é proibido”), são exibidos por todos os lados onde há presença de punks. No entanto, a despeito de grupelho sectários aqui no Brasil praticarem a violência e reproduzirem discursos de ódio inspirados em um regime totalitário que não existe mai s – sim, o nazismo sucumbiu na Segunda Guerra Mundial e nazismo não é sinônimo de racismo -, eles representam uma minoria. Digo mais, uma minoria que sequer tem influência significativa na constituição e reprodução do racismo brasileiro que subordina historicamente a população negra. Então, por que razão o discurso antinazista é tão reproduzido na cena punk, chegando a ser traduzido como antirracismo, em última instância? Aliás, por que a dor dos judeus ainda choca mais do que a nossa?” e “...como já afirmei anteriormente, o punk é majoritariamente branco e os negros continuam sub-representados na cultura. De tal maneira que, sem a presença da população que vivencia o racismo de maneira factual, são necessários os discursos de ódio de pequenos grupos neonazistas para os punks lembrarem que o racismo existe e esboçarem alguma sensibilidade para com a causa. O resultado dessa operação é um embate entre punks e neonazistas (um confronto entre brancos) sob o pretexto racial no qual “blacklivesdon’tmatter.” (...) a cena punk está longe de tocar no fundamental – por ignorância e/ou conveniência – no que diz respeito ao racismo que estrutura historicamente o Brasil e que impede negros e indígenas de participarem como iguais na interação social. Não existe diálogo com os negros e negras organizados, com as pautas da agenda política de quem sempre esteve na vanguarda da luta antirracista no Brasil: o movimento social negro. Caso contrário, não estariam dando tanta visibilidade a esses grupos extremistas que sequer têm o apoio da classe dominante, que segue sem abdicar de seus privilégios raciais.” É triste ler isso, mas necessário. Também é clichê pessoas aparecerem do nada com diploma embaixo da axila, acreditando que vão estudar o Punk e desvendá-lo. Com relação ao escrito, sabemos que ideologicamente nazismo e racismo são ideias distintas, mas que no decorrer das décadas se tornaram uma nojeira só. Ou alguém conhece neonazistas que não sejam racistas, homofóbicxs e xenofóbicxs? A ideia de supremacia já é racista e no mundo todo o racismo foi incorporado a doutrina nazista, o que serve para facilitar a identificação e união dos diversos grupos. Anos atrás, em uma tentativa medíocre de disfarçar o racismo, esses grupelhos apelaram para o racialismo, tentando parecerem menos preconceituosos. E quanto ao papo de “minoria sem influência significativa na reprodução do racismo”, pergunta isso para as pessoas que já foram violentamente agredidas por nazis? Será que elas vão concordar com você? Para elas, será que esses grupelhos são tão minoria como você afirma no seu
texto? Essa tal minoria que persiste é a mesma que circula pelas ruas das cidades na tentativa de colocar em prática seu ideal estúpido, tendo como resultado a violência gratuita disfarçada de ativismo. A despeito das míticas miscigenação e democracia racial, o racismo existe no Bra$il, seja velado ou não. O racismo à brasileira é uma violência invisível que fere a autoestima, o psicológico e pode chegar ao físico. Já os grupelhos, que a cada dia ganham mais a simpatia de pessoas comuns (vide a presença dos mesmos nas diversas manifestações dxs batedorxs de panela), partem diretamente para a violência física, ferindo gravemente o corpo e, depois, a autoestima e o psicológico. E graças a essa ideia que muita gente ainda insiste em promover, de que esses grupelhos nada representam, é que os mesmos estão há algumas décadas circulando livremente nas ruas, intimidando, agredindo e matando. Um perigo ignorado pelo poder público, pela mídia corporativa, pela sociedade, mas arduamente combatido nas ruas justamente pelas pessoas que você critica no texto. Inclusive boa parte da militância negra ignora esses grupos e quem não ignora, acaba muitas vezes falando sozinhx. No mais, a dor do povo judeu não é mais importante do que a nossa e essa afirmação em um texto postado em blog denota má fé, preguiça cognitiva e completa ausência de conhecimento sobre o assunto abordado. De nada adianta diploma e interesse em um assunto bacana, quando o trabalho parece ser feito para agradar o outro lado. Usar a suástica cortada simboliza a luta contra toda forma de opressão e preconceito porque entendemos o significado do nazismo na atualidade e o que ele representa, em como se adaptou para gerar interesse e em como circula sorrateiramente pela sociedade utilizando as brechas deixadas pela ignorância. E diferente do que você diz, esses grupos têm apoio da classe dominante porque fazem parte da mesma. Uma maioria de jovens da classe média e alta integram esses grupos e sempre contam com apoio jurídico quando a casa cai, sendo difícil serem punidos pelos crimes cometidos. Exemplos de ligações entre esses grupelhos e a classe dominante não faltam, era só pesquisar mais a fundo. Como exemplo, cito a aproximação desses grupelhos com partidos políticos da direita e a união de grupos intolerantes em busca de estruturação partidária. Eles até podem parecer idiotas, mas não são. E lembrando que mesmo sendo em número reduzido, esses grupelhos que nada representam (segundo você), estiveram presentes em diversas manifestações com viés à esquerda, de 2013 para cá, apenas para tumultuar. Caso mais conhecido foi em uma manifestação de 2013, em plena Avenida Paulista, frente a milhares de pessoas, onde se puseram a agredir verbalmente e fisicamente militantes de partidos de ex-querda e integrantes de movimentos de luta LGBT e negra. Menosprezar a confrontação nas ruas é um desserviço para a luta antirracista como um todo, sendo que todas as formas de ação são válidas e somadas tendem a conseguir melhores resultados. Outra coisa, a impressão é que o autor espera que punks assumam a frente da luta antirracista que é visível aos olhos de todxs, mas o Punk enquanto movimento existe para apoiar essa luta, sendo que o protagonismo fica para as pessoas que vivenciam o problema, sejam elas punks ou não. A nós, negritude punk, cabe participação e combatividade, coisas que apesar de todos os problemas que enfrentamos como pessoas e/ou movimento, tem sido feito. Em outra parte diz “Lutar contra o racismo demanda compreender de que maneira ele opera socialmente e oprime determinados grupos sociais no contexto no qual estamos inseridos. Nesse sentido, a cena punk está muito longe de desconstruir os padrões institucionalizados que reproduzem o racismo no Brasil e, por isso, segue direcionando suas ações aos grupos extremistas, tentando reproduzir nos trópicos os dilemas de uma Inglaterra dos anos 80.” Está claro que o autor desconhece o Punk, mas afirmar isso como se fosse uma verdade é mero bostejamento. O Punk não é uma receita pronta, ele é mutável, adquirindo características próprias ao ser influenciado pelo meio em que sobrevive e resiste. Por isso não reproduzimos os dilemas da Inglaterra, que tampouco reproduz os dilemas de punks sul-africanos, que não reproduzem os dilemas de punks estadunidenses, que por sua vez não reproduzem dilemas de punks bolivianxs e assim por diante. Cada região, cada quebrada possui seus dilemas, suas mazelas, e o Punk as denuncia e as enfrenta dentro das possibilidades de um meio normalmente adverso. Por fim o autor cita uma fala de Malcon X, “o capitalismo não existe sem racismo”. Correto, mas dependendo do contexto da luta antirracista, isso é quase como uma ofensa. Malcon, Black Panthers e toda forma de militância radical tem sido sistematicamente ignorada por uma parcela significativa dessa vanguarda do movimento negro, que em muitos casos, prefere o comodismo de manter-se atrelada a sindicatos pelegos e partidecos de ex-querda, sempre a espera de uma verba para fazer algum evento, não fugindo do costumeiro pão e circo que sempre é oferecido à população. Outra coisa, em boa parte das pessoas já foi inoculada a ideia de que o capitalismo é bom/útil/importante/conveniente, e livrar-se dessa ideia é algo complexo, que demanda muita batalha até desconstruir por completo essa visão. Enquanto essa parcela da população negra aceitar o capitalismo sem questionamento, pouco ou nada mudará e isso não é culpa de punks. E em contraposição à letra de uma música citada no texto, deixo aqui um pequeno trecho de Alerta Antifascista, da banda Sin Dios A luta contra o fascismo é a luta pela liberdade Contra o racismo, o sexismo, o capital e toda forma de autoridade Alerta! Alerta Antifascista! A influência negra e indígena está intrinsicamente ligada ao Punk, basicamente desde seu surgimento. Foi, é e continuará sendo influência direta no âmbito musical, visual e ideológico. Lembrando que o Punk não tem a intenção de convencer as pessoas que as ideias nas quais acreditamos sejam melhores, que sejam boas para todo mundo. Escolhemos o Punk e o radicalismo político e tentamos colocá-lo em prática no cotidiano. Viver o Punk é um processo diário de desconstrução de antigos e podres valores, tentando nos livrar daquilo que é empurrado goela abaixo como sendo o correto desde sempre, buscando novas maneiras de viver e de se relacionar com o mundo. Punk é uma escolha e não uma escola de doutrinação ou um partido político que existe com a única finalidade de salvar o mundo.
Acreditamos que temos muito a aprender no campo das lutas sociais com os diversos movimentos existentes, como também temos o que ensinar e somar, e tentamos isso dentro de nossas possibilidades e competências. O que não é viável e não mais aceitamos é essa ideia que está impregnada no inconsciente coletivo de que o único afazer do punk é a militância para salvar o mundo, sendo que muitas vezes nem nossas vidas conseguimos salvar. Essa cobrança chata, essa expectativa de que o Punk deve estar em todas as frentes de luta fazendo a mudança desejada por todxs, mas sem a participação de todxs na hora da luta (afinal de contas, muita gente ainda prefere esperar em casa essa tal mudança), encheu o saco há tempos. Para um combate efetivo ao racismo é necessária a participação de outros movimentos que lutam por causas diferentes, seja pelo fim da homofobia, do machismo, por moradia, por terra, libertação animal, gratuidade nos transportes, liberdade religiosa, internet livre ou qualquer outra pauta que visa a igualdade. Enquanto cada grupo continuar olhando apenas para o próprio umbigo e cuidando dos seus interesses sem a sensibilidade de olhar ao redor e conhecer o que está sendo feito por outras pessoas, não existirá movimento social forte e preparado para lidar com o que está por vir nos próximos anos. No mais, nós punks seguimos existindo, resistindo, nos mantendo livres e independentes, lutando ao lado de quem acredita na liberdade e igualdade.
A FARSA ANARCOCAPITALISTA COMUMENTE A DIREITA TENTA SE UTILIZAR DE TERMOS, IDEIAS E ESTÉTICAS LIGADAS A GRUPOS CONTRÁRIOS AOS SEUS PROJETOS SOCIAIS, POLÍTICOS E ECONÔMICOS, NUMA TENTATIVA DE ENFRAQUECÊ-LOS E ABSORVÊLOS, ESPERANDO MINAR A FORÇA DESSES GRUPOS E CRIAR CONFUSÃONO ENTENDIMENTO DA POPULAÇÃO. NESSES CASOS, A CONTRAINFORMAÇÃO SE FAZ NECESSÁRIA E URGENTE Por Thiago - Texto publicado originalmente no Agressãö Söciäl Webzine - http://agressaosocial.blogspot.com.br/ Um fenômeno que vem crescendo cada vez mais, especialmente na internet, é a ideologia conhecida como anarcocapitalismo, que como o nome diz, visa mesclar elementos anarquistas com princípios liberais levados ao extremo. Porém, cabe a nós, anarquistas, rejeitarmos essa apropriação semântica por parte de ultraliberais, que partem da falsa ideia de que a teoria anarquista se resume a pregar o fim, única e exclusivamente, do Estado; ignorando todas as demais formas de coerção, poder e privilégios que advém de outras instituições, como religião, família “tradicional” e, principalmente, da propriedade privada. Um dos erros básicos da teoria anarcocapitalista é partir da ideia de que somente o Estado, com suas regulações e aparelhos burocráticos e armamentistas, é fonte de coerção e repressão. Todos nós convivemos sob o chicote da coerção diariamente e sem nos darmos conta disso muitas vezes. Vender sua força de trabalho a um preço miserável contra o risco da fome é coerção. Uma mulher que mantém o casamento com um marido misógino, que a espanca e a abusa de diversas maneiras, por medo, pressão psicológica etc, também está sendo coagida, muitas vezes até pela dependência econômica que a mulher possui em relação ao marido, uma herança do patriarcado, que embora venha diminuindo, ainda existe. Poderia citar diversos outros exemplos, mas como não pretendo me alongar demais sobre esse assunto, presumo que seja o suficiente para entendermos que as relações de poder e coerção estão presentes nas nossas vidas constantemente, e que não é o Estado o causador de tais opressões. A própria manutenção da propriedade privada, defendida pelos adeptos do anarcocapitalismo, é extremamente coercitiva, onde os meios de produção têm como fim gerar lucro para um punhado de pessoas, sendo aqueles desprovidos de capital obrigados a se venderem para poderem sobreviver. Ademais, o anarquismo desde Proudhon, sempre foi uma teoria socialista, objetivando a destruição das instituições capitalistas – tal como o Estado -, das classes sociais e de toda a coerção existente em nossas relações sociais, políticas econômicas, jamais tendo qualquer semelhança com o que foi posteriormente chamado de anarcocapitalismo, que é tão somente uma ideologia burguesa com objetivo de ampliar ainda mais a dominação desta sobre a classe proletária. Reiterando, o anarquismo é uma teoria sócio-política DE e PARA a emancipação social, política e econômica do proletariado.
FEAR OF THE FUTURE “Vivo em um país abençoado por deus… Mas eu odeio deus e todas suas ovelhas.” Com frases singelas, a banda Fear of the Future lembra-nos o quanto ainda é bacana ser e viver o Punk. Por Treva & Hannah VP – Começando com a pergunta básica, quando surgiu a banda e quais as influências? Bonga: Tudo começou na mesa de um bar podre na Rua 13 de Maio em São Paulo, onde três amigos estavam bebendo (Bonga, Bahia e Marcelo) e ouvindo sons da jukebox como Venom, Dead Kennedys, Motörhead, e conversando sobre a nossa paixão por
velhas bandas punks suecas. Aí vimos que tínhamos tempo livre nas noites de dia de semana para tocar e resolvemos marcar alguns ensaios, mas a gente precisava de um baixista e encontramos o Felipe, que logo encaixou total conosco. Assim fomos desenvolvendo as primeiras músicas e criando nossa própria identidade. Começou pela vontade de amigos de se expressarem e até hoje acho que existe por causa disso. Neste mesmo dia do bar comentamos sobre a coletânea Vikings are Coming, a qual todos curtimos demais, e já bêbados e emaconhados, misturando o nome das bandas Fear of War e Rescues in Future, acabamos criando esse nome na brincadeira entre a chapação e depois não conseguimos largar. Até criamos uma música, a segunda composta pela banda, que tem o nome Fear of the Future, para explicar nossa visão sobre o conceito que criamos a partir do nome. Com os ensaios e o tempo de banda fomos adicionando outras influências, que são muitas, mas posso citar, além das bandas que já mencionei no post, Puke, Anti Cimex, Gism, Dead Boys, Cólera (primeiro disco), GBH, English Dogs, Moderat Likvidation, Tampere SS, Kaaos, Bastards, Nirvana, NY Dolls, Judas Priest, Satan, Bad Religion (até 1990), GG Allin, Broken Bones entre outras. VP – O pessoal da banda já tem tempo de estrada envolvido com diversos projetos. Isso de alguma maneira ajudou/ajuda no Fear? E em quais bandas outras bandas o pessoal está tocando? Bonga: Acho que ajudou bastante no começo da banda para arrumar shows, por exemplo, como a gente já estava envolvido na cena foi mais fácil começar a tocar por aí. Também na hora de compor, de atingir o som que a gente queria, a experiência, mesmo que de poucos anos, ajuda bastante. Atualmente eu também faço vocal na Helvetin Viemärit (ultracore/noisepunk cantado em finlandês). Minha outra banda, Kroni (sludge/doom) está parada, mas pode voltar a qualquer momento. O Marcelo, baterista, também toca no Unfit Scum (noisehardcorepunk) e o Felipe (baixista) e o Bahia (guitarrista) estão sem outras bandas no momento. VP – A temática sócio-polítco continua muito presente no Punk, sendo difícil separar um do outro. Mesmo assim, muitas bandas têm procurado diversificar os assuntos, expandindo o horizonte de questionamentos. Ao ler as letras do Fear, elas parecem seguir um caminho menos panfletário e mais niilista. É isso mesmo ou estamos viajando? Bonga: Exatamente! Nós falamos um pouco de política nas letras, mas geralmente de uma forma mais indireta, de nenhuma forma queremos soar panfletários. Nossas letras na sua maioria retratam nosso dia a dia e lógico que a política está inserida em nossa rotina e questionamentos diários. Tem uma música no LP, por exemplo, que se chama Dívida e fala do extermínio cultural e genocídio do povo indígena na América Latina. É uma letra política. Odeio o Brasil também, mas acho que estão longe de serem panfletárias e sim são fatos que causam nas nossas vidas, nos fazem mal e por isso expressamos, mas sem a intenção de doutrinar ninguém. VP – A banda possui letras em inglês e português. A ideia é manter os dois idiomas ou pensam em cantar em um só? Bonga: No início da banda começamos a compor apenas em inglês, até por referência, em razão das nossas influências para formar a banda serem a maioria bandas que cantam em inglês, mas com o passar do tempo sentimos a necessidade de se expressar em nosso idioma e que a maioria das pessoas que compram nosso disco e que vão aos nossos shows pudessem absorver a nossa mensagem com mais facilidade. A ideia é manter os dois idiomas. VP – Não sabemos se é intencional ou não, mas escutando o som de vocês notamos influências metálicas, mas de bandas mais tradicionais da New Wave of British Heavy Metal, e nisso inclui-se os solos, que acabam sendo um diferencial. O que escutam de metal? Bonga: A influência de heavy metal e bandas punks que também são influenciadas pelo metal é intencional sim. Todos na banda ouvem metal, uns mais outros menos. Eu, por exemplo, gosto muito de ouvir Heavy Metal como você citou, mas também ouço muito Black, Death e Doom, mas estes estilos acabam não influenciando muito, diretamente, nas composições e ideias para o Fear. VP – A banda tem uma demo, um 7’ e recentemente lançou um disco. Conte-nos sobre esses materiais. Bonga: A demo são nossas cinco primeiras composições, todas com letras em inglês. Foi totalmente faça-você-mesmo. Gravamos tudo, menos a bateria, no home studio de um camarada. Eu, por exemplo, gravei o vocal dentro de um armário hehe. O desenho de capa foi feito pelo nosso amigo Murilo Pommer (Cadáver em Transe/Unfit Scum) e as impressões no CD-r e capa/encarte pelo nosso amigo Jeremias, o que acabou deixando o material bem barato e possibilitou a divulgação da banda. Depois saiu o Split com Distürbia Clädis, uma aliança de diversos selos do Brasil e nele tem o nosso primeiro som em português e acho que o que a galera mais se identifca, Odeio o Brasil. I Hate Brazil ficaria muito estranho e parecendo que somos paga pau de gringo hehe. A repercussão deste material foi muito positiva e a gente se animou a correr atrás de selos parceiros para fazer o LP, que sempre foi um grande sonho pra gente, pois todos adoramos consumir, ouvir e curtir música nesse formato. São 7 músicas em inglês, 4 em português e nosso primeiro cover gravado da música Leave me Alone do Johnny Thunders, que nada mais é que uma versão diferente para Chatterbox que ele mesmo compôs para o New York Dolls. VP – Fear of the Future surgiu numa época em que o desinteresse por materiais físicos já estava impregnado em muita
gente envolvida com o Punk e mesmo assim insistiram nos lançamentos. Vale a pena fazer o corre para lançar material físico? Bonga: Vale a pena sim. O split EP está praticamente esgotado e o LP está saindo aos poucos. Eu, pessoalmente, escuto muita música na internet, geralmente bandas recentes ou que são novas, mas para curtir mesmo só ouço vinil praticamente. Posso estar sendo conservador, mas para mim esse lance de álbum virtual não é para mim. Eu não digo em vinil, pois a fábrica de vinil aqui no Brasil faz no mínimo 300 cópias, mas em CD e K7 é bem fácil lançar o material físico com baixa tiragem. A internet pode ser um começo, um meio, mas para mim nunca é o fim, isso com relação a tudo. VP – O clipe da música Noite Fria ficou muito foda, a cara da cidade de São Paulo. Como foi “atuar” no clipe e quem cuidou da produção? Bonga: Um amigo nosso, o Joaquim da De Bike no Velô Distro e Coisas, tava com umas câmeras boas que tinha conseguido por meio de um projeto cultural e chamou a gente para fazer um clipe. No começo não tínhamos ideia nem da música, mas vimos que Noite Fria poderia resultar em um clipe massa, pois a letra fala das pessoas em situação de rua, esquecidas pela sociedade. Na época eu morava em um kitnet na Rua Aurora, no coração da cracolândia. Fumando um baseado na janela, voltando pra casa a noite do trabalho ou na madrugada dos rolês sempre via gente em situação deplorável, usando crack, vagando sem rumo, com frio e a letra saiu. No clipe a gente quis mostrar isso, um rolê pelo centro. Eu também gostei muito do resultado e fico feliz que você tenha gostado! VP – Vocês têm tido a oportunidade de se apresentar com frequência em Sampa. E fora da cidade e do estado, tem rolado apresentações? Bonga: Nós já tocamos no Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais. A gente quer muito ir para o norte/nordeste, América do Sul e Europa, mas todos na banda trabalham para pagar suas poucas contas e fica complicado todos conseguirem folga na mesma época para a gente fazer um rolê maior/mais longe de casa. Outra coisa que dificulta é a falta de público nos shows underground na cena nacional, aí fica difícil alguém de outra cidade pagar as nossas passagens ou pelo menos ajudar com mais da metade do valor. VP – Faz alguns anos que o Punk na Grande SP mergulhou em uma crise pesada. Além da sempre presente falta de estrutura, passou a ser comum em eventos a presença de poucas pessoas, muita gente utilizando a violência gratuita em busca de ibope, muita fofoca, sem contar a crise intelectual/ética. Mesmo assim tem muitas pessoas fazendo corres, insistindo na ideia de movimento/cena e por vezes conseguindo bons resultados. É possível transformar essa situação ruim em algo bacana ou é melhor apertar a tecla do ‘foda-se’? Bonga: Como você disse na pergunta, sempre vai ter quem atrapalhe e quem contribua. Estrutura, acho que hoje em dia temos sim alguns ligares bacanas, falta mais público mesmo. Eu que também organizo shows sinto que cada vez é mais difícil trazer bandas de outras cidades/estados para São Paulo, mesmo bandas com estrada, discos lançados, o interesse da galera punk é pequeno. Só com bandas de fora do país rola um interesse um pouco maior, mas mesmo assim poderia ser maior. Talvez a falta de grana também esteja afetando a galera, mas tem gente que às vezes tá desempregado, com problemas na família, mas com muita gente acho que é uma questão de prioridades. Uma época, por exemplo, eu trabalhava de caixa, garçom, fazendo compras, indo ao banco etc em um restaurante que meus pais abriram em Santos e eles pagavam a minha faculdade e me davam 100 por mês, era o que dava para eles me darem e eu gastava o menos possível durante o mês para poder durante um final de semana ir para São Paulo para curtir os rolés punks. Agora a minha situação é outra e posso dar um rolé por semana e sempre escolho as gigs, quando tem alguma que eu goste, agora tem gente que gasta 1000 por mês em entretenimento, drogas, comida, viagens e fala toda hora que tá sem dinheiro para no ir show, sendo que custam de 10 a 20 na sua maioria. VP – Decapitate the Traitors tem uma letra que retrata parte dos problemas que são enfrentados pelo Punk em São Paulo e em outras quebradas. Conte um pouco sobre a letra para quem não a conhece e qual a opinião da banda em relação a toda polêmica que envolve o pessoal do rolê sem cabelo e essa insistência em manter-se próximo ao Punk? Bonga: Bom, nós da banda não temos simpatia com nenhuma vertente skinhead. Lógico que não colocamos todas no mesmo saco, pois é fácil ver que um RASH é diferente de um white power e acho eu quem classifica como sendo todos skinheads “farinha do mesmo saco” apenas enfraquece o discurso anti skin na cena punk. A cena/cultura skinhead não traz nada de bom para a cena hardcore/punk, podem até ter indivíduos bem intencionados entre os suspensórios, mas este rolê cosplay de inglês da década de 60, 70 é muito bizarro. Eu não entendo como alguém que se assume antifascista, anarquista, libertário, sinta a necessidade de se assumir skinhead, passar veneno sendo confundido com escória para defender um cultura de 40, 50 anos atrás de um país rico e que já nos anos 80 aqui no Brasil sempre foi associada a galera nacionalista, reacionária. Por exemplo, hoje em dia um moleque de classe média que nunca entrou numa fábrica gastar com roupas de marcas inglesas que lá são (ou eram) roupas dos proletários e aqui custam os olhos da cara só para se vestir igual aos caras. Fora que é raro ver esta galera formar bandas, coletivos, fanzines, a maioria só se preocupa com visual, treta e festas vazias de discotecagem de sons antigos. Mas voltando ao assunto da música, Decapitate the Traitors é “dedicada” a todos os punks que mudaram de time e sim, há muitos! Fora os que viraram crentes, pessoas que gritavam anarquia, participavam da cena libertária e três, cinco anos depois, devido a alguma desilusão invertem totalmente o jogo se aliando a inimigos declarados, como carecas e neonazistas. Como alguém pode ser
ideologicamente tão fraco? Ou é treta, já que brigou com os amiguinhos punks vai buscar abrigo do outro lado. Já tive relato de amigo que apanhou de um cara que colava nas gigs com ele, depois virou nazi, trombou este amigo no metrô e desceu o cacete nele, claro, com a ajuda de seus amigos fascistas. É muita falta de caráter. Outra coisa que queria salientar, esta onda de punks, principalmente os “das antigas” que tem um discurso totalmente reacionário, retrógrado, tipo “bandido bom é bandido morto”, “é tudo culpa do PT”, lamentável. VP. – Bom, é isso. O espaço é de vocês e valeu pelo papo. Bonga: É noise Treva, parabéns pelo zine e obrigado pelo espaço. Quem quiser nosso primeiro LP ou chamar para tocar pode acessar a página do Fear of the Future no Facebook ou me mandar um email no brunocarubbi@gmail.com. Continuem punks! Continuem livres! https://fearofthefuture.bandcamp.com/ http://tnb.art.br/rede/fearofthefuture https://www.facebook.com/fearofthefuture?fref=ts
MEMÓRIA ROLESÍSTICA: RAMONES EM TODAS AS PASSAGENS PELO PAÍS, O CAOS ESTEVE PRESENTE, FAZENDO A ALEGRIA DA MÍDIA E DETRATORXS DA BANDA E DO PUNK. MAS TANTO A BANDA QUANTO O PUNK SOBREVIVERAM E MUITO BEM, COM OS RAMONES NA ATIVA POR MAIS UNS BONS ANOS E O PUNK AINDA HOJE PERSISTINDO NA CONTRAMÃO DE TODA A IMUNDICE Por Treva É direito de qualquer punk não gostar de Ramones, ter severas críticas sobre a visão política e postura de alguns de seus integrantes, achar as letras infantis ou o som comercial. Mas negar sua influência no Punk e mesmo no rock torto em geral é dar murro em ponta de faca. Na falta de intelecto para escrever textos revolucionários capazes de convencer a todxs para a real necessidade de destruição do sistema ou algo relacionado à autoajuda, decidi encher linguiça com um texto baseado em minhas memórias de algum rolê e o escolhido foi justamente a primeira vez que vi os Ramones. Obviamente, devido ao tempo, muita coisa ficou perdida em algum canto do cérebro, mas o grosso do acontecido deve estar presente no texto. E se houver algum erro ou engano, peço desculpas. O ano era 1991, meses de abril e maio, e essa era a segunda passagem da banda pelo país. Eram três noites na capital paulista, em uma casa chamada Dama Xoc. Já havia algum tempo que a casa recebia o lado b da música, em especial bandas de metal. Porte médio (entre 1500-2000 pessoas), som e iluminação legais, palco grandinho, normalmente sem grade e amplo espaço para quem queria ficar longe da muvuca. Por isso, muita gente já curtia o lugar, até então conhecido por ser tranquilo, inclusive quando o assunto era a relação entre público e segurança, visto que a cidade tinha histórico de diversos eventos que terminavam em agressões por parte da segurança ou mesmo em quebra-quebra (alguém aí se lembra do Exumer no Ginásio da Portuguesa ou Testament no também extinto Projeto SP?). Na época, eu era um jovem headbanger que curtia muito bandas punks. Era muito comum xs headbangers curtirem as bandas adeptas dos três acordes, mesmo que isso não resultasse em simpatia, entendimento ou adoção do conteúdo político da parada. De vez em quando, bandas punks participavam de eventos metal em uma tentativa de amenizar as tretas. Por isso, boa parte dxs bangers estava bem familiarizadxs com o estilo e até mantinham contato com punks, apesar das tretas persistirem. Muitxs bangers estavam interessadxs em comparecer ao som, mas as constantes tretas com punks e carecas e o pipocar de estórias de violência referentes à primeira passagem da banda pela cidade, fizeram muita gente desistir, antevendo confusão. Dias antes da primeira apresentação, rolou uma concorrida seção de autógrafos na loja Woodstock Discos, no centro da cidade. Nessa época o rock estava em alta, dando sinais de sucesso desde o ano anterior e explodindo justamente em 1991, com a segunda edição do Rock in Rio. O festival foi o catalisador de uma nova geração de rockeirxs de fralda que impregnaram em todos os lugares, somado a isso o fato da banda ter emplacado a música Pet Semetary nas rádios locais. Voltando a seção de autógrafos, mesmo sendo em dia útil, apareceu tanta gente que muitxs nem conseguiram o rabisco na capa do disco ou na revista. Acredito que devia ter pelo menos umas 1000 pessoas, boa parte de adolescentes histéricxs. Quem curtia de longa data também esteve por lá, o que gerou tensão em alguns momentos (aquecimento para a apresentação?). Lembro-me do meu embasbacamento ao sair da estação de metrô e ver aquela quantidade de pessoas e a fila gigantesca. Após algumas conversas, minutos de observação, bonde formado, hora de colocar em prática a infalível tática da intimidação e assim conseguimos furar a fila com sucesso e garantir nossos autógrafos e apertos de mão. Tietagem é pouco! Quem conseguiu o autógrafo ou uma foto, hoje possui uma bela lembrança, já que toda a banda esteve presente. E pude conferir cara a cara a beleza do Joey. Não é à toa que a Debbie Harry (acho que foi ela) disse que ele era o cara mais sexy do mundo. Um tesão!!! Chegou a tão aguardada primeira apresentação, dia 30 de abril. Havia informações que a vendagem de ingressos tinha sido muito boa, garantindo casa cheia. E é claro, não faltavam notícias sobre a carecada pau no cu que estaria preparando emboscadas na região (apesar do já presente discurso pretensamente político, nunca foram além de ser uma ganguezinha de merda, preocupada
apenas em promover violência gratuita). Em uma época sem net, sem celular, marcar encontros para ir a rolês era algo que demandava uma boa dose de paciência e papo reto. Como não sabia se mais alguém da região em que morava iria, segui sozinho. Na época, ainda era comum tretas entre bangers e punks, e para evitar problemas, desbaratinei do visual e fui o mais discreto possível, com um jeans típico de banger oitentista, tênis cano alto branco, boné com a aba levantada e camiseta camuflada (meu entendimento sobre ser discreto era muito falho). Pois é, hoje parece incrivelmente estúpido isso, mas nessa noite eu achei que estaria invisível para “xs inimigxs” vestido desse jeito. Ao chegar às imediações, botecos lotados, galera quebrando garrafas na rua, gente que já tinha apagado de tanto beber e muita, mas muita molecada. Mas isso nem de perto era a grande surpresa. O lance dos ingressos era real e o tamanho da fila demonstrava isso. Como optei por chegar em cima da hora, fiquei apreensivo, imaginando que ainda estaria na fila quando os Ramones subissem ao palco. Sem ter muito a fazer, entro na fila e sou o último, para meu desgosto. Felizmente outras pessoas logo chegam e assumem a inglória posição. Naquele momento, ficar de bobeira na fila era o pior que poderia fazer. Tenho uma rápida conversa com as pessoas logo atrás de mim para continuar garantindo meu lugar e sigo em busca de alguém conhecido para furar fila. Para a minha felicidade, encontro um pessoal que eram meus vizinhos. Jamais imaginaria encontrá-los por lá, pois não tinham envolvimento com nenhum grupo e tampouco tinham o hábito de colar em sons por diversos motivos. Nisso, encurtei uns bons metros de fila, mas não o suficiente para estar dentro do local antes da banda principal. Eu e um dos vizinhos seguimos caminhando pela fila e num golpe de sorte, o cara encontra uma colega que já estava na boca da entrada. Correria para chamar os outros que ficaram para trás e logo estávamos entrando. Mil agradecimentos à moça, despedida e seguimos para a pista. Nisso, eles seguem para o fundo do lugar e eu fico na lateral, observando o movimento, sentindo a tensão no ar e pensando que a demora na fila serviu para me poupar do sofrimento de ver a banda de abertura, o ratos de porão (que na época já tinha ido para o vinagre). O lugar não estava lotado, estava estrumbado! Punks, headbangers, carecas, psychobillies, rockabillies, rockeirxs das antigas, molecada, todo mundo tenso. O calor era insuportável e tinha gente passando mal. Nem tinha como circular pelo ambiente de tão cheio que estava. O chão já estava escorregadio devido à transpiração e bebidas derrubadas, dificultando mais ainda quem tentava circular. Enquanto aguardava o início da apresentação dos Ramones, pude ver os grupos devidamente separados na pista, mas muito próximos, ficando claro que seriam inevitáveis as tretas. E para minha decepção, o stagediving tinha sido barrado, com uma mudança no palco que permitiu colocarem uma fileira de seguranças gigantes, com caras de idiotas e semblantes de pânico. Eles nem imaginavam o que os aguardava. Luzes apagadas, galera gritando e assobiando, parece que todo mundo teve a mesma ideia de tentar uma aproximação do palco. Logo que os primeiros acordes soaram, ficou claro que a pista não seria para qualquer pessoa. Os primeiros stagedivers seguem em direção ao palco, sendo violentamente agredidos pelos seguranças. O revide vem do pessoal do gargarejo, dando início a uma pancadaria que durou toda a apresentação, fazendo com que em vários momentos os seguranças saíssem do chiqueirinho e subissem no palco, acuados graças a sua estupidez e provando do próprio veneno. Um momento marcante nesse duelo entre seguranças e stagedivers foi quando um jovem que tentava subir no palco percebeu o segurança indo na sua direção e com extrema habilidade acertou uma bicuda na fuça do mesmo, para logo em seguida afundar entre os corpos espremidos na frente do palco, comemorando o feito juntamente a outras pessoas. Tento seguir em direção ao palco algumas vezes, porém sem sucesso. Na real, sequer consegui uma chance de subir no palco, tamanha a bagunça. Depois das frustradas tentativas que ficaram apenas no subir e, pouco depois, afundar, desisto dos mergulhos e passo a me preocupar mais com a minha integridade física. Em um momento de descanso em busca de um pouco de ar após a série de tentativas de subir no palco, olho para trás e nem sei mais o que é pogo ou treta. A energia que vinha do palco turbinou o pogo, fazendo com que os grupos antes separados, se misturassem e resolvessem suas diferenças. E aí foi um salve-se quem puder! Sobrou até para quem estava de boa, independente de gênero. Apesar das brigas, ninguém arredava pé da pista e mesmo que quisesse, estava tão cheio que não tinha para onde ir. Continuo agitando, um olho no palco, outro em que estava a minha direita, outro em que estava a minha frente, outro em quem estava a minha esquerda, outro em quem estava atrás, outro para o alto e o último em quem estava embaixo do meu pé. Sim, para sobreviver naquele ringue, só pagando de aranha com seus múltiplos olhos ou de camaleão com sua visão de 360° (ou algo do tipo). A pista escorregadia também fazia vítimas, principalmente quem fugia de agressão ou tentava se afastar do caos. Quem manja de Ramones sabe que a banda não tinha o costume de fazer grandes pausas entre os sons. Quando acontecia uma pausa, era sempre rápida e numa dessas, escuto de orelhada a conversa de umas pessoas que viram o pamonha do supla na pista, saindo correndo em direção ao mezanino a fim de evitar levar uns tabefes. Pois é, o papito desde jovem é intrometido e bunda mole. Também de orelhada, só que em outra pausa, escuto comentarem sobre alguém que foi carregado para fora, possivelmente espancado por carecas, mas até aí nada de anormal, visto a situação caótica do lugar. A apresentação continua, assim como o pessoal agitando e brigando. Teve até participação do vocalista da banda de abertura cantando um som, mostrando a tática que viria a usar nos anos seguintes para manter sua banda na mídia (apesar de alguns discos horríveis), que seria estar sempre “boquetando” bandas gringas. E assim como começou, repentinamente terminou. Imagino que a apresentação tenha durado pouco mais de 1h00min. Ao término, o assombro era geral. Muita gente não entendeu como as músicas ficaram tão rápidas, outras assustadas com tanta
violência, muita gente procurando tênis ou camisetas perdidas (ou algum dente) e diversas marcas de sangue no chão para lembrar-nos que nem tudo foi diversão. Achou que tinha acabado? Que nada! Ao sair, diversas viaturas da polícia militar e civil estavam estacionadas na rua. Bem na saída da casa, uma viatura da civil com um pangaré de pé, em cima da carroça, com uma arma de grosso calibre nas mãos, mirando nas pessoas e fazendo cara de mal, era a imagem que deixava claro que algo de muito errado tinha acontecido. Sigo caminhando rapidamente pela rua, encontro meus vizinhos assustados e apressados em sair da região. Antes de decidir qual caminho seguir, uma nova correria começa na rua. Outra briga, mais gritos, mais pessoas correndo e entendo que é hora de sair fora. Pegamos o ônibus e seguimos para nosso bairro. Enquanto o ônibus seguia por uma avenida próxima e muito movimentada, localizada em um bairro de classe alta, via pessoas que estavam no som caminhando rapidamente, inclusive alguns carecas. Depois de 40 minutos, estou em casa, são, salvo e esgotado. No dia seguinte, as notícias sobre a apresentação estão na mídia e são bem piores do que podíamos imaginar. Um jovem de 21 anos morreu ao levar uma tesourada no peito. Diversas pessoas ficaram feridas, inúmeros atendimentos médicos por motivos diversos. Para encerrar o show de horror, a casa colocou para dentro o dobro da lotação permitida. Nisso, quase que as outras apresentações da banda são canceladas. Pelo que me lembro das conversas e leituras, as outras apresentações seguiram tranquilas, com forte esquema de segurança, policiamento nas ruas próximas e fiscalização da prefeitura. Mas o estrago já havia sido feito e não tardou para a casa encerrar suas atividades, tentando voltar algumas vezes nos anos seguintes, mas sem sucesso. Apesar de o rock estar em alta, 1991 foi um ano trágico para o estilo. Episódios de violência e morte no Rock in Rio, na apresentação dos Ramones e em uma do Sepultura em frente ao estádio do Pacaembu, geraram muita polêmica, com casas de show não querendo receber bandas de rock, repressão policial na entrada e/ou saída de alguns shows, a mídia em cima fazendo o trabalho sujo de sempre, mas o estilo conseguiu superar essas adversidades e se manteve em alta por mais alguns anos. Estrago real, apenas para as famílias das vítimas. Nos anos seguintes, os Ramones continuaram a incluir o Brasil em suas turnês, até o término da banda. A violência continuou a acompanhar a banda pelo país, tornando-se presença garantida. Inclusive na turnê de 1992, apareci em uma foto no caderno cultural de um grande e bostengo jornal de SP, junto a outro cara, socorrendo um garoto que havia sido espancado. Advinha por quem? Sim, sempre elxs, cabeças de ovo. Mas aí já é outra história.
LA MANADA TRINTA E DOIS ANOS APÓS SEU FIM PREMATURO, TODA A MÍTICA QUE ENVOLVE A BANDA AINDA NÃO FOI SUFICIENTE PARA LHE DAR ALGUM RECONHECIMENTO NO PAÍ$ DE ORIGEM DE DOIS DOS INTEGRANTES Por Treva La Manada é o tipo de banda que causa assombro pelo som e pela história. Mesmo com a internet para facilitar pesquisas, as informações sobre a banda e o que fizeram seus integrantes depois de sua dissolução são escassas ou inexistentes, fazendo com que todas as matérias sejam muito parecidas. Por outro lado, essa falta de informações serve para manter a mítica sobre a banda. Desconhecida no Bra$il, a banda surgiu em 1979 na cidade de Tulsa (Oklahoma/EUA), tendo em sua formação os irmãos brasileiros (e imigrantes ilegais, segundo consta) Wanderley “Anaconda” na bateria e João Paulo “JP Araújo” na guitarra, mais o amigo mexicano Diego “Chip” Ramirez nos vocais e guitarra. Apenas em 1981 o trio se torna quarteto com a entrada de Duck Stab no baixo, estabilizando a formação. Nessa época começam a se apresentar pela região e logo ganham reconhecimento graças a energia e ao som, muito influenciado pelo que estava sendo feito na Europa, seguindo uma linha mais rápida e suja. A repercussão das apresentações ultrapassou o estado de Oklahoma, chegando ao Texas e Arizona, tornando a banda cult na região. Durante esse período chegaram a gravar dois singles, raríssimos nos dias de hoje. Em agosto de 1984, ainda com muita estrada para rodar, a banda chega ao fim com a morte prematura de Diego Ramirez em um acidente de carro nos arredores de Tulsa. A tragédia resultou em um grande evento com a participação de diversas bandas que prestaram seu tributo ao Diego e a La Manada, reconhecendo sua importância para o Punk naquela região dos Estados Unidos. No ano de 1987, foi lançada na Biblioteca Central de Tulsa uma biografia de Diego com fotos tiradas por punks, como forma de homenagem a ele e a banda, sendo que essa biografia também é muito rara hoje em dia.
Com a explosão e popularização da internet e com as facilidades que vieram com ela, os dois raríssimos singles e mais uma música tocada ao vivo no evento Three Days of Bad Music de 1983, foram lançadas em uma pequena coletânea chamada Anarkill, pelo selo brazuca Rotthenness Records no ano de 2001, sendo esse o registro mais conhecido da banda e único disponível. São apenas seis e furiosos sons mostrando toda a energia dessa banda. Ao imaginarmos que em 79 já tinha punks brasileiros em outro país, fazendo o barulho que tanto gostamos e tendo reconhecimento, era esperado que aqui rolasse algum interesse em conhecer a banda para não deixar seu legado passar despercebido e quem sabe, com os integrantes (se ainda vivos), saindo de seu exílio e contando a história desses anos loucos com a La Manada. É triste que uma banda promissora como essa tenha tido uma vida tão breve e interrompida de maneira trágica. Mas ficou o legado. https://www.facebook.com/La-Manada-584608951685744/info?tab=page_info
RESENHAS PIKILLEREC Por Treva Para muita gente, o underground nacional é um lugar desolado, com produção (contra)cultural porca e fartura de problemas, que vai da falta de estrutura ao estrelismo. É muito fácil acreditar nesse resumo escroto do subterrâneo nacional e sair por aí repetindo esse mantra como se fosse uma verdade absoluta, nos deixando levar por essa ideia, também passando a menosprezar e criticar o underground como se nele houvesse apenas erros e que nada de legal fosse produzido/construído/vivido e compartilhado. E o pior é quando pessoas espertas se aproveitam dessa imagem que o underground tem de si mesmo para lucrar algumas moedas ou adquirir um pouco de status. Não podemos ser hipócritas e acreditar que tudo é uma maravilha, mas o criticismo vazio também não ajuda. O que está errado deve ser questionado e mudado e o que está certo deve ser elogiado e apoiado. E nesse tão criticado undeground ainda tem muita gente produzindo, compartilhando e fazendo a diferença. É esse o caso da Pikillerc. Não conhece? Entonces, é um selo lá de Barra do Garças (interior do Mato Grosso) criado pelo Jhad, com a intenção de gravar e divulgar as bandas nas quais ele toca. Pois é, se nos grandes centros a correria é treta, imagina em quebradas mais distantes. Mas a distância não é desculpa para preguiça ou para produzir materiais no estilo “quanto pior melhor” e o que tenho em mãos é carinhosamente chamado de marmita e vem com o zine Berro Clandestino N° 1, CD-r da banda Rusga!, split tape com as bandas Rusga! e Scümclã, patch, botton, flyers e adesivo da Rusga!, além de adesivos do Berro Clandestino e da Pikillerc. Ufa! Tudo isso como uma baita qualidade, lindão mesmo, como todo mundo deveria pensar em fazer. Afinal de contas, não é porque gostamos e consumimos barulho que tudo deve ser feito de qualquer jeito. O Berro Clandestino (em versão PDF) foi resenhado no zine passado e mesmo assim paguei um pau. Obviamente a versão impressa é infinitamente mais agradável aos olhos, show de bola, com uma qualidade que é rara nos dias de hoje quando pensamos em zines punks ou voltados para a música torta. Em dezesseis páginas temos resenhas de CDs, entrevistas com as bandas Morbus, Rusga!, Abadom e Scümclã e algumas poesias. O trampo também está caprichado no visual, que ficou entre o típico sujão dos zines punks e aquele lance mais sério dos zines de metal. Até as fotos ficaram visíveis, nada de borrão com pretensão de ser foto. Só para constar, esse zine foi feito para ajudar na divulgação de um evento de mesmo nome e com a participação das bandas entrevistadas que rolou em 2015. Se estiver interessado em conferir o zine, é só baixar através do link http://www.4shared.com/office/3zrxCI0qba/Berro_Clandestino_Zine_-_Ed01A.html e boa leitura. Indo para a parte sonora, começamos com a demo da Rusga! A banda iniciou as atividades em 2011 e tem na formação Hidalgo (vocais), Jhad (guitarra) e Ricardo (bateria). No início a ideia era fazer um crustcore, mas com o tempo a banda foi indo para o grindcore e o resultado pode ser conferido no CD-r que é o lançamento físico da demo de 2013, só que com vários sons adicionais. A parte gráfica é sem firula, mas bem cuidada, com papel do tipo couchê ou algo semelhante, com todas as informações, letras e fotos. A qualidade da gravação ficou bem acima da média, mostrando em dezessete sons toda a fúria da banda, servindo como moldura para as letras curtas (de acordo com a duração dos sons) e sérias. A split tape das bandas Rusga! e Scümclã leva o simpático nome de Barulho Caseiro, reunindo diversas gravações de 2014 e lançadas nesse ano. Como o nome indica, a fita é um trampo totalmente faça você mesmo, gravada em casa. E aí é que está a surpresa, porque mesmo assim a fita ficou com boa qualidade sonora, bem diferente de muita coisa que vemos por aí gravadas em estúdio. Novamente a parte gráfica recebeu atenção, com a capinha tendo todas as informações, letras e fotos das bandas. São três sons de cada banda, com a Rusga! trilhando o grindcore e Scümclã indo numa linha mais crust/grind, ambas demostrando muita brutalidade nos sons, um certo pessimismo nas letras e mostrando que não é necessário estar nos grandes centros ou próximos deles para se fazer barulho com qualidade.
A correria da Pikillerc e a de mais um tanto de pessoas nos mostra como o underground é amplo, que realmente está espalhado por todo o país e que as dificuldades não servem mais como desculpas para trampos feitos de qualquer jeito ou para não produzir, e que reclamações poderiam ser transformadas em ações/produções. Cada lugar tem sua cena, sua produção, quem vai apoiá-la e é isso que faz o underground (independente do estilo) existir. Ficou interessado em conhecer o trampo da Pikillerc e das bandas? Clica nos links abaixo e boa barulheira. rusgagrind@gmail.com
rusga.grindcore@facebook.com
https://www.facebook.com/rusgagrind
https://www.youtube.com/user/rusgagrind
https://rusga.bandcamp.com/
scumclacrust@gmail.com
https://scumclacrust.bandcamp.com/releases RBELDIA INCONTIDA – RESISTÊNCIA & ATIVISMO Por Treva Qualquer pessoa com o mínimo de conhecimento sabe que o Punk passa por um momento complicado em diversas quebradas e em SP não é diferente. Os problemas são muitos e, boa parte deles, de fácil solução, bastando apenas um pouco de vergonha na cara e bom senso. Felizmente nem só de tragédias vive o rolê, porque ainda tem muita coisa bacana sendo produzida e compartilhada, e o CD da Rebeldia Incontida está incluído no que o Punk ainda tem de bom para nos oferecer. Oriunda da região do ABC Paulista, a banda formada por Inaraí (vocal), Júnior (guitarra), Helô (baixo) e Lucas (bateria) está na batalha desde 1991,já tendopassado por várias formações, corre por fora evitando as panelas picaretas e fazendo suas correrias por conta própria, juntamente com o coletivo do qual fazem parte (Cultural Revolta) ou somando força com outras bandas e coletivos na organização de eventos. Como resultado, estão se apresentando com certa frequência em vários locais da Grande SP, divulgando a ideia e ajudando a manter o Punk vivo e independente. O CD que leva o sugestivo nome de Resistência & Ativismo, foi lançado esse ano e conta com sete regravações e cinco sons novos, com uma produção que ficou muita bacana. A gravação ficou show, todos os instrumentos e vocal estão audíveis, facilitando o entendimento das letras. A parte gráfica tem encarte com todas as letras e imagens de insurgências ao fundo, com predominância da participação feminina. As letras são muito boas, tratando de diferentes assuntos pertinentes ao Punk, como “antipilantrismo”, críticas ao estado e capitalismo, cotidiano laboral, feminismo entre outros assuntos. E pra quem estava com saudade, tem letras que retratam o Movimento Punk, coisa que atualmente pouquíssimas bandas têm interesse em fazer. A surpresa (pelo menos pra mim) ficou no som. Ver a banda ao vivo me deixou com a impressão do som ser um cruzamento de Inglaterra com Brasil dos anos 80 e isso é reduzir a parada, porque tem muita melodia nas músicas, a começar pelo nítido vocal de Inaraí, e segue pelo instrumental, mostrando que possivelmente a banda tenha um leque grande de boas influências. O CD é muito bom por inteiro, por isso nem vou cair naquele clichê de destacar algum som. Rebeldia Incontida e outras bandas que estão na correria nos fazem lembrar que o Punk é algo grande, abrangente, independente, ético e coerente, indo muito além de umas poucas bandas jurássicas que não largam o osso ou de bandas em busca de ascensão e que não perdem a oportunidade de ficar bajulando quem pode ajudá-las. Caso tenha a chance de adquirir o CD, vale a pena. É punk/hc honesto, feito por punks e para punks. https://www.facebook.com/rebeldiaincontida/?ref=page_internal FANZINES, INFORMATIVOS & PANFLETOS Por Treva - Movimento Kaos Punks – Papo Reto: esse zine feito pelo coletivo Kaos Punks leva o nome de Papo Reto e é de julho/2015. Tem como temas o feminicídio e a violência policial, com textos pequenos, diretos e bem escritos, feitos pelo pessoal do coletivo e mais alguns dados que utilizam para corroborar os escritos. Não tem endereço de contato. - Não à Prisão Perpétua, Liberdade para Mumia Abu-Jamal Já!: esse é o nome do texto e não do informativo, mas para facilitar a identificação, estou colocando como se fosse o nome do informativo. Feito pelo pessoal da ocupa Quilombo Fortaleza, trata sobre o caso de Mumia Abu-Jamal, militante negro preso e condenado a pena de morte, posteriormente mudada para prisão perpétua. Com um texto enxuto, conta a história de Mumia e nos fornece uma ideia da situação jurídica do caso, mas sem uso de termos técnicos. O endereço de contato é https://www.facebook.com/quilombofortaleza - Anarquistas Contra o Racismo – Projeto Tecendo a Rede: projeto do ACR em conjunto com Ministério da Saúde e Prefeitura de Criciúma, visa a desinstitucionalização de pessoas com problemas relacionados à saúde mental. De maneira simples, esse informativo tem uma breve explicação sobre o projeto e indica locais para busca de ajuda.
- Casa da Lagartixa Preta: informativo que conta a história do coletivo Ativismo ABC, de como surgiu o espaço Casa da Lagartixa Preta “Malagueña Salerosa” e tem informações sobre as atividades que ocorrem no espaço. Se quiser mais saber mais sobre o espaço, dá um clique em www.ativismoabc.org ou envia um e-mail para ativismoabc@riseup.net - Cordel Anarquista N° 1: o zine que tenho em mãos é de junho desse ano, está em PDF e é feito pelo pessoal do antigo Cordel Libertário (que mantinha a Rádio Cordel Libertário). Nas 12 páginas desse primeiro número contam um pouco da sua história e proposta, explicam brevemente o surgimento do anarquismo no Bra$il até os dias atuais e no nordeste, terminando por questionar onde anarquistas entram na atual conjuntura política brasileira entre outras coisas. Apesar dos textos tratarem de assuntos sérios, é de fácil leitura. Visualmente o zine segue aquela linha que tanto amamos, com várias colagens e um pouco de sujeira visual. Para baixar o zine é só clicar em https://we.riseup.net/cordelanarquista/zine-01-cordel-anarquista-para-leitura+363735. Para maiores informações, clique em https://cordelanarquista.milharal.org/ ou o e-mail cordelanarquista@riseup.net - Movimento de luta nos Bairros, Vilas e Favelas: folheto do coletivo de mesmo nome, foi sendo distribuído durante a XIII Marcha da Consciência Negra em São Paulo. Em um texto curto, uma breve explicação sobre quem são e pelo que lutam, e traçam um paralelo entre a luta atual por moradia e a luta de Dandara, Zumbi entre outrxs. Interessado em saber mais sobre o coletivo e sua luta, clica em http://www.mlbbrasil.org/ - Marcha das Mulheres Negras de São Paulo: esse folheto não tem nome, por isso vai o nome de quem o fez. Em uma folha A4 frente e verso, textos bacanas sobre a atual crise político-financeira e a retirada de direitos que atinge a população indígena, negra e LGBT, violência de gênero/orientação sexual, relato sobre a Marcha das Mulheres Negras, sobre a morte de cinco jovens na zona leste paulistana e uma lista de reinvindicações. E-mail spmarchadasmulheresnegras2015@gmail.com e no facebook https://www.facebook.com/mmnegrasSP/ - Bruxas Anarkas N° 1: como é possível deduzir pelo nome, é um zine que fala sobre feminismo. Muita gente iludida com a onda reacionária que impregna no país, acredita que o feminismo (juntamente com todas as outras pautas que reivindicam mudanças sociais reais) seja mais um elemento gerador conflitos e que divide a sociedade (a desigualdade não é responsável pela divisão dessa merda de sociedade, né?). Lançado em julho/2016, o zine tem textos leves sobre capoeira libertária, vivência na gringa, masturbação, solidão e até uma palavra cruzada, entre outros assuntos pertinentes, podendo ser lido por quem esteja tendo o primeiro contato com o feminismo ou por pessoas com maior conhecimento sobre o tema. Visualmente é aquela parada que tanto gostamos, com colagens, textos com diversas fontes e um pouco de caos. O zine saiu no formato impresso (com distribuição gratuita) e em PDF. Não tem endereço de contato. GIGS & AFINS Por Treva e Juänito* Palco Test no Dia da Música: Projeto Trator, Fear of the Future, Autoboneco, Subcut, Vermes do Limbo – 18/06/2016 – Largo do Paissandú – São Paulo/SP Outro rolezinho gratuito no centrão da cidade e com bandas de diversos estilos. Apesar de ser o palco Test, dessa vez a banda não participou. E como continuo prezando pela minha falta de ecletismo musical, vi apenas as bandas que realmente curto, não querendo desmerecer as outras. Como já tinham avisado que o horário seria seguido, não facilitei e cheguei um pouco antes do pessoal do Fear of the Future começar o barulho. Infelizmente não tinha tanta gente como as bandas mereciam, talvez por ter vários outros eventos na Grande SP, somado a repentina mudança de temperatura, que de agradável caiu rapidamente para uma friaca chata. Equipamento no chão, barulho de gerador, vento frio e o punk se fazendo novamente presente nas ruas da região central. O Fear é uma das bandas que mais tem se apresentado pelos buracos da cidade e isso resulta em uma banda coesa em qualquer situação, com qualquer equipamento. Se o pessoal entendido se limitou apenas a assistir e aplaudir entre os sons, moradorxs de rua não ficaram acanhadxs em dançar e interagir com xs presentes. Quando a banda tocou Noite Fria, o vocalista fez um comentário sobre as pessoas em situação de rua e mesmo que ele não tivesse dito algo, seria impossível não se lembrar dos maus bocados que essa parcela da população estava passando nas mãos sujas da prefeitura (representada pela gcm e rapa), que vinha infernizando as pessoas ao levarem seus pertences e usando de violência com quem reclamasse por seus direitos, tudo com a intenção de desfavelizar (termo usado pelo prefeito em uma entrevista) ruas e praças. Essa é a esquerda pelega que reclama do golpe. Voltando ao som, o set foi curto, em torno de trinta minutos, agradando que estava por lá. Como a temperatura caiu rapidamente e ainda tinha um vento frio chato pacas, melhor procurar abrigo e só voltar quando estivesse perto do horário do Subcut. Infelizmente, pequenos contratempos somados foram fazendo com que o horário apertasse (ainda tinha Armagedom naquela noite), atrapalhando minha intenção que era ver a banda. Felizmente, o grind brutal do trio fez com que quinze minutos parecessem quarenta. Mesmo com o equipamento ramelando um pouco, a apresentação foi brutal. E novamente a música barulhenta fez a alegria das pessoas que vivem no Largo ou no entorno, com moradorxs dançando e se divertindo, apesar da dureza de suas vidas. Pois é, outro rolê bacana, na faixa, em local de fácil acesso e para todos os gostos.
Armagedom – 18/05/2016 – Sesc Belezinho – São Paulo/SP Pouco tempo atrás, em 1988, eu não passava de um adolescente que acreditava ser o true headbanger do bairro, mas que na verdade ainda era um baita bocó. Naquela época, punks e bangers quando se encontravam era confronto certo e isso se refletia no gosto musical do pessoal, que escutava bandas do outro rolê sempre às escondidas. Eu odiava punk e fazia questão de não escutar nada que fosse minimamente parecido com o som, coisa que era bem difícil visto que o punk e o metal enquanto música estava se misturando e se influenciando mutuamente. Na mesma sala que eu estudava tinha outro banger, um pouco mais velho e muito mais escolado nos paranauês do rolê. O cara já fazia rolê com frequência, andava com gangue e já tinha histórico de tretas com carecas e punks e manjava de som bem mais do que eu. Um belo dia, provavelmente cansado de me ver fazendo beicinho ao ouvi-lo falar sobre bandas punks, levou alguns discos para me emprestar. A lista contava com Inocentes (Pânico em SP), The Exploited (Let’s Start a War...Said Maggie One Day), Ratos de Porão (Descanse em Paz), Lobotomia (Lobotomia) e Armagedom (Silêncio Fúnebre). Como vocês podem imaginar, minha vida não foi mais a mesma depois desse primeiro contato real com o Punk. Muitos anos se passaram, mais precisamente 28, e cá estou para testemunhar a apresentação comemorativa dos 30 anos do Silêncio Fúnebre. Depois de três décadas, o impacto do disco continua o mesmo devido à violência, crueza e pessimismo. Imagina a confusão que rolou na cabeça de punks e bangers ao escutarem o disco, presenciando o encontro do punk e do metal sem soar bonitinho como o crossover. Coisas dos loucos anos 80. Pois é, um evento desse tipo merecia casa cheia, mas infelizmente não foi o que aconteceu. Não que estivesse vazia, mas era para estar lotada, com a galera prestigiando, conhecendo ou relembrando um pedaço da história desse tal Movimento Punk que tanta contracultura produziu e que continua a ser apreciada na gringa e muitas vezes ignorada por aqui. Tudo bem, o valor do ingresso era um pouco salgado, havia outros rolês na Grande SP... enfim, mais do mesmo na minha reclamação. O som rolou na comedoria, com muitas mesas e cadeiras para quem estivesse cansadx e lanchonete decente com preços condizentes, banheiro limpíssimo (era possível morar nele de boa). Fora isso, quem chegou cedo pode aproveitar as exposições que tinham no Sesc e todas de graça. Bom, uma coisa é certa, o valor do ingresso foi devolvido com uma apresentação fodástica. Nunca me importei muito com esse papo de estrutura dos locais e som, mas isso realmente faz toda a diferença, inclusive para uma banda punk. Palco grande, som maravilhoso e até iluminação fizeram desse rolê um dos melhores do ano. A apresentação começou com a atual formação detonando sons mais recentes e a impressão que eu tinha era de estar no conforto do meu cafofo escutando o disco, tamanha a qualidade do som. A energia transbordava e mesmo que o pessoal estivesse de boa apenas assistindo, parecia o fim do mundo. Uma pequena pausa para alguns ajustes e chegou o momento. Antes da destruição sonora, Javier conta um pouco sobre a banda, explica as letras e por aí vai. A formação não era a original, mas isso não foi problema, com Javier nos vocais, Eduardo no baixo, Renato na Guitarra e Pedro na bateria tocando o Silêncio Fúnebre na integra (tão na íntegra que alguns sons foram tocados ao vivo pela primeira vez). Amores e amoras, que arregaço!!! Na boa, não tem o que falar ou escrever. Foi ver a apresentação, cantar junto, relembrar a adolescência, observar outros semblantes embasbacados, se emocionar e confirmar mais uma vez que o Punk é foda! Punks e bangers de diversas idades (tinha até criança) que colaram nesse rolê saíram de lá com um sorriso de orelha a orelha, presenciaram uma apresentação fodástica e viram uma parte importante da história do Punk sendo relembrada. Subterror, Beton – 08/07/2016 – 74 Club – Santo André/SP Estamos tão acostumadxs a frequentar os lugares mais escrotos atrás de som que ao colarmos em um espaço decente bate a estranheza. Bar com comes e bebes com preços decentes, banheiro, lugar limpo, respeito ao horário e educação por parte de quem cuida do lugar somam ao rolê. Não é porque somos punks que temos que colar apenas em bueiros, comer cimento, beber chorume e dormir nas calçadas depois de perder o último busão ou trem. Pois é, para minha surpresa, o local desse rolê é muito maneiro. Na parte de cima fica o bar e a área externa e no porão é onde acontecem os shows. Beton está de rolê pelo país em mais um trampo da No Gods No Masters, passando por SP, RJ, MG, GO e BSB. Os gringos não são muito conhecidos por aqui e por esse motivo achei que essa primeira data da turnê estaria vazia. Felizmente, quebrei a cara. Se o pico não estava lotado, também não estava vazio, com uma galera em bom número colando para prestigiar o evento nessa noite de muito pretume e crust metalizado. Lá pelas 21h00min o Subterror começou seu set e o bagulho foi foda! A banda parece um rolo compressor, unindo peso e velocidade. Apesar da energia que emanava dos amplificadores, o espaço não é muito apropriado para agitar, o que fez o pessoal ficar de boa assistindo. Legal ver que a maioria das pessoas desceu para ver a banda ao invés de ficarem no bar conversando. Tempo para o pessoal conversar, jogar uma sinuca, comer e é a vez do Beton. Os eslovacos provavelmente eram mais conhecidos aqui por terem dividido um split com o Besthöven e terem participado de um CD tributo para a mesma banda. Mas esse é o barato da música torta, ter a chance de ver uma banda gringa razoavelmente desconhecida, conhecer outros sons e por
aí vai. Sacomé, ficar nessa de Ramones e Sex Pistols pelo resto da vida não é legal. Não que essas duas bandas sejam ruins, mas reduzir o Punk a essas e outras semelhantes é estúpido e improdutivo. Voltando ao som, Beton começou sua apresentação com pouca gente, talvez ainda atordoadas com o atropelo promovido pelo Subterror. No decorrer dos minutos o local foi enchendo aos poucos e a banda foi ficando mais animada. O som dos rapazes é um crust metalizado, com muito de death metal, lembrando em algumas passagens o Dismember. A apresentação foi enxuta (diria que um pouco curta), sem firulas e contou com um cover do Besthöven. Ao término a galera pediu mais sons, sendo prontamente atendida. E antes das 23h30min a noite barulhenta estava encerrada e era hora de voltar para casa. Rolê bacana, com materiais para quem tinha algumas moedas sobrando pirar, preço decente, espaço legal e a oportunidade de ver e conhecer outros sons que estão sendo feitos no Punk mundo afora. Que o segundo semestre continue nessa pegada. Inverno Punk: Western Day, Katástrofe Social, Lixo Suburbano, Extremamente Irritante, Visão Geral, Kaos 64 -09/07/2016 – Escorpiões Moto Clube – São Paulo/SP Rolê virando à noite se tornou uma raridade na cidade por diversos motivos, a maioria deles de responsabilidade de quem vive o Punk. Mas de vez em nunca alguém arrisca agilizar algo, nos lembrando de como é bacana passar a noite no rolê, vendo várias bandas, trocando ideia, agitando. Coisas simples que sempre fizeram parte do Punk, mas que estão se tornando cada vez mais raras, meio que lendas urbanas. Mas como disse anteriormente, de vez em quando alguém arrisca a agilizar um som como era antigamente e dessa vez quem agilizou a parada foi o Fábio Rodarte (Sarjeta, Kaos 64 entre outras bandas). Apesar de eu não curtir moto clube (desnecessário explicar os motivos, né?), o lugar desse som era cabuloso, espaçoso, com área externa, mesas e cadeiras, sofás, palco, iluminação e som decente, cinco bandas legais e por apenas cinco merréis. Tudo aquilo que normalmente não vemos nos rolês. Mesmo contado com aquele atraso básico, a distância entre o cafofo em que resido e o local do som me fez perder a primeira banda, Western Day, e parte da apresentação da Katástrofe Social, vendo da metade pra frente. Mas foi chapante, hardcore punk tradicional na melhor escola anos 80. Lixo Suburbano foi a próxima, fazendo a maioria do pessoal agitar durante todo o set (coisa rara de vermos hoje em dia). Uns minutos de intervalo e é a vez da Extremamente Irritante. Estiveram afastados por alguns anos e voltaram recentemente, lançando material novo e relançando os antigos. Apesar de curtir o som da banda desde a época do lançamento do compacto Censure, nunca tinha tido a oportunidade de ver ao vivo e a expectativa era grande. Infelizmente muita gente decidiu ficar do lado de fora ou na área externa, deixando a banda tocando para poucas pessoas. Acredito que isso tenha dado uma desmotivada nos caras, fazendo com que a apresentação fosse burocrática. Para quem não conhece, o som da Extremamente Irritante vai na queridíssima linha Finlândia/Suécia/Brasil ’80 e que tanto amamos. Pelo estilo do som, fica difícil imaginar uma apresentação morna. E se não estou viajando, mencionaram a falta de ensaio... aí junta as duas coisas e fica fácil entender o porquê da apresentação burocrática. Mesmo assim curti ver a banda e ainda mandaram um inusitado cover de Roberto Carlos (Eu Sou Terrível) “pogável” até umas horas. Visão Geral veio na sequência. Punk rock crú e barulhento, fizeram o pessoal agitar novamente. Durante a apresentação, rolou o momento bizarro da noite, com um saco de vacilo que atende pelo vulgo de rúcula subindo ao palco para fazer aquele discurso furado de quem está devendo e sabe que até o final da madrugada a chapa vai esquentar para o seu lado. Na hora de escrever merda em rede social ou tirar foto comprometedora não tem problema, mas quando vem à cobrança é hora de chorar e falar sobre união e respeito. Chora mais pilantrão!!! Mesmo esse escroto com sua choradeira não conseguiu atrapalhar a apresentação da banda, que foi foda. Encerrando o evento teve Kaos 64. Altas horas da madruga, frio, gente conversando, algumas pessoas baleadas pelos cantos e outra apresentação selvagem da banda. Devido ao horário o pessoal já estava um pouco disperso, mas ainda assim não entendo qual é o barato que o pessoal tem em colar no evento, pagar e não prestigiar as bandas. Se o desejo é ter uma trilha sonora para conversas é só ligar o celular que já era! Apesar desse detalhe chato, a banda detonou no palco, encerrando esse fest de maneira foda. Evento show de bola, com várias bandas legais e de diferentes estilos, local infinitamente acima da média do que estamos acostumadxs, com estrutura para as bandas e punks (juntamente com bangers e rockistas em geral que colaram), ingresso com preço quase simbólico, bar, mesinha com material e a chance de rever pessoas que há tempos não via graças à merda que se tornou o Punk na Grande SP. E um salve especial ao Gustavo e a Carine pela carona salvadora na hora do retorno para a quebrada. Ficar em casa, jamais!!!!
Weirduo, Blatta Knup – 17/07/2016 - São Paulo/SP Domingão com rolê de graça é vida. E para melhorar ainda mais, o pessoal das bandas Weirduo e Blatta Knup decidiram organizar esse som em frente à Fábrica de Cultura um pouco antes de outro som que também era de graça. E mesmo sendo na calçada, tinha materiais à venda e rango vegano. Para quem não sabe, ambas as bandas não possuem guitarristas, sendo apenas baixo, bateria e vocal. Inclusive o flyer do rolê ficou bacana, com as costumeiras informações e uma guitarra cortada, no melhor estilo ‘proibido’. O som estava marcado para começar às 14h00min, e como não moro próximo ao local, desencanei de chegar no horário e perdi o Weirduo. Chegando ao local, vi várias viaturas daquela corja que chamam de polícia militar estacionadas e como o rolê anda tenso, imaginei que talvez tivesse rolado alguma confusão, mas era apenas a falta do que fazer dos vermes em busca de alguma atenção. Felizmente rolou um atraso e consegui ver uma parte da apresentação da Blatta Knup. Equipamento na calçada, barulho de gerador, sol de inverno, punks cara a cara. Mesmo em duas pessoas a banda consegue fazer um baita barulho, fazendo-nos esquecer por completo da guitarra, aquele instrumento tão importante na hora de se fazer barulho. Terminaram sua apresentação mandando um cover do Abuso Sonoro, para fazer os olhos lacrimejarem. Mesmo tendo perdido o Weirduo, a proposta de fazer algo na rua e para quem quiser chegar (menos quem não presta) é interessante e oportuna em tempos de bandas exigindo equipamentos fantásticos, pedindo cachê, sonhando em tocar em casas noturnas para algumas poucas pessoas e esquecendo o que realmente é o Punk. Que essa iniciativa seja vindoura e aconteçam muitos outros eventos nessa pegada. Agente Presidente, DZK, Lixomania, Cólera – 17/07/2016 - Fábrica de Cultura da Vila Nova Cachoeirinha – São Paulo/SP E continuando a domingueira barulhenta, depois das bandas Weirduo e Blatta Knup em frente à Fábrica de Cultura, foi hora de adentrar ao local para ver o outro evento da tarde. A Fábrica de Cultura é um espaço cultural na periferia da cidade e tem em alguns bairros. Nesses lugares é possível gravar, ensaiar, fazer cursos relacionados à produção artística entre outras coisas. E de vez em quando rolam apresentações musicais de diversos estilos e sempre gratuitas. Quando entrei o Agente Presidente estava na reta final de sua apresentação e naquelas de cumprimentar o pessoal e ver quem estava no local, o barulho cessou e fiquei sem saber do que se trata a banda. Rapidamente quem sobe ao palco é o DZK para outra apresentação fodástica. A banda caminha para sua terceira década de vida e isso se reflete no palco e, de quebra, no pessoal que agitou muito. Diferente do que tem se tornou comum que é não agitar, nesse evento xs punks agitaram muito em todas as bandas. Continuando o barulho feito por bandas ‘das antigas’, Lixomania foi a próxima. O pessoal pogou e cantou junto durante toda a apresentação, só descansando durante o sorteio de alguns CDs. Para a felicidade geral, mandaram um som novo, deixando a impressão de não estarem pensando em viver de passado. E encerrando o evento teve Cólera. Dias antes foi aniversário do Redson (se estivesse vivo completaria 54 anos) e uma dose de nostalgia/emoção acompanhou a apresentação da banda. Não é fácil desassociar a imagem do Redson da banda e vice versa, tampouco é fácil continuar na estrada com a perda de um integrante da formação original, carismático e influente dentro e fora do Punk. Mas vida tem que seguir e a nova formação mostra isso, sem esquecer-se do passado, vivendo o presente e olhando para o futuro. A nova formação continua funcionando muito bem ao vivo e mesmo que em alguns momentos venha a parecer mais um tributo do que uma banda, isso não é problema. E para xs punks presentes também não é problema, com o pessoal pogando selvagemente como você só vê em vídeos gravados nas gigs da década passada. Apesar de todos os problemas que persistem no Punk na Grande SP, esse evento foi algo muito bacana em meio a tanta sujeira. Bandas fodas, equipamento decente, local agradável e espaçoso, galera compareceu em peso e sem confusão (apesar de um ou outro lixo no local merecedor de umas bicudas na cara), banquinha com materiais, pessoal ‘das antigas’ presente e algo muito legal, várias crianças acompanhando mães e pais punks. Pois é, enquanto muita gente se esconde com a chegada da maternidade/paternidade, deixando de lado o discurso radical para viver no meio social como se o Punk e maternidade/paternidade fossem incompatíveis, outras preferem mostrar às crianças (e à adultxs) que o Punk pode ser algo bom, só dependendo de nós mesmxs. Cólera – 05/11/2016 – Sesc Pompeia – São Paulo/SP* Não seria novidade colar mais uma vez em som do Cólera, mas dessa vez teria um gosto a mais de curiosidade, já que seria a primeira vez depois da morte do Rédson que os veria em cena, corpo, alma e pogação. Logo saio cedo acompanhado da minha companheira para tentar correr atrás dos tais ingressos a meia entrada, que tanto são cobiçados por estudantes, punks suburbanos e proletários. A “deizão”, conseguimos nossos ingressos na porta e já poupamos
dez para as brejas e refris. O Sesc, estruturalmente, dispensa elogios ou desmerecimentos, longe daquele ambiente fabril quando ocorreu o tão cultuado O Começo do Fim do Mundo. O lugar cheio de mesas rústicas para se acomodar e comer uma porção de batata frita sentado. Logo antes de começar a bagunça, comentamos se seria um show pra pular e pogar ou um mero acústico tipo violão, voz e todo mundo sentado. Até esquentar o motor foram gastos aqueles dez temers reais velhos usados e uma bela e servida porção a dez contos, com brejas e refris a três e cinquenta. Barriga cheia, aquele velho comentário de que estava tudo a um preço bacana, o motor da festa começa a roncar com os acordes do baixo, a cortina abre e o pau fecha. Aos poucos saindo da mesa e adentrando na roda de pogo, abriram com Medo e quando estavam na Direitos Humanos, todo mundo já estava ensopado e empolgado. Foi na lata uma atrás da outra sem frescura, um agradecimento ou outro e o discurso só fica no Pela Paz, que conta com a participação da vocal d’As Mercenárias, Sandra, dando vida a canção, porque vemos o quanto é importante ver garotas que hoje invadiram a cena mostrando que o Punk não é só pro seu namorado. Depois do álbum todo tocado na lata, me surpreendo com o Wendel, que segura a bronca. Tem hora que até dava uns pulinhos estilo Rédson. Em seguida fizeram um resgate que consolidou pra todo mundo dançar, pular, correr ou pogar, com Tente Mudar o Amanhã, SDPM, Dinheiro e Histeria, pra deixar tudo louco. Depois foram mesclando com Quanto Vale a Liberdade?, X.O.T., Caos Mental Geral e estava tão intenso e tão nostálgico, que quando acabou não percebi qual foi a música que fecharam. E ainda teve o Fábio (Olho Seco) dando uma canjinha. Um fato bacana é que não conhecia uma pessoa sequer do tipo que se troca ideia. Tinha muita gente da velha guarda com sua família, assim como muita gente da nova que está começando nos bangs loucos dos rolês. Críticas, dessa vez, nem desconstrutivas tampouco chatas. Fica aí o registro porque sou suspeito pra falar da banda. XIII Marcha da Consciência Negra – 20/11/2016 - São Paulo/SP Pode parecer estranho resenha de evento não Punk e sem banda, mas em tempos de polarização política, acreditamos ser justo comentar sobre as diversas manifestações e eventos que reivindiquem melhorias sociais e que porventura tenhamos colado. A música é parte extremamente importante do Punk, o contato inicial de todos nós com outras possibilidades de vida, mas não é a única coisa e reduzir o Punk apenas a música é contraproducente. E no Bra$il de hoje, faz-se necessário um foco maior no que tange a política. A cada dia que passa a sociedade brasileira demonstra estar mais doente. Ela sempre nos deu provas de estar adoentada, normalmente de maneira dissimulada, mas desde 2013 optou por escancarar a enfermidade intelectual que consome a república das bananas por dentro. Claro, essa enfermidade é curável, mas necessita de algum esforço por parte de quem está doente e é aí que a situação complica, já que a medicação não virá através da mídia corporativa, de intelectuais gagás ou de meliantes da classe política. Em tempos sombrios, qualquer manifestação de enfrentamento com a ordem vigente se torna algo louvável, sobretudo quando quem se manifesta faz parte do extrato social que mais sofreu violências por parte do estado desde tempos antigos, que é a população negra. Estar nas ruas, ousar criticar o estado terrorista, a jagunçada assassina e todos os estereótipos que cotidianamente são reafirmados como verdadeiros sobre nós, negras e negros, é algo que demanda força. E novamente tomamos as ruas para demonstrar nosso repúdio ao massacre promovido pelas polícias, racismo, feminicídio e demais doenças sociais. No Dia da Consciência Negra, como de costume, a concentração para a marcha estava marcada para o MASP, na Avenida Paulista. A tão cultuada avenida paulistana, a representação máxima de uma São Paulo que deu certo (só que não), novamente seria ocupada por pessoas que essa mesma São Paulo adora fazer de conta que não vê. E para surpresa geral, a escória batedora de panela e enrolada no trapo verde e amarelo também marcou uma manifestação para o mesmo local e horário. Até aí, alguém pode dizer que não há problemas em duas manifestações no mesmo lugar, mas desde que fossem com pautas semelhantes. Nesse caso, a pauta da escória é o fim da corrupção (e quem não é?) e, de quebra, aquela nojeira básica que entra o fim das ações afirmativas, supressão de direitos e uma lambeção espetacular em alguns juízes, promotores e milicada em geral. É a classe mérdia fazendo o que mais sabe, que é defecar com o cérebro. Esse pessoal realizou sua concentração muito próxima da concentração da marcha, com um quarteirão de distância, fazendo com que muitas pessoas que vinham de metrô, dependendo da estação que descessem, tivessem o desprazer de passar pelo meio desse entulho humano. Esse foi o meu caso, e na boa, que fedentina! Horas após o término da marcha, a mídia não corporativa noticia que algumas pessoas que tiveram que atravessar a concentração foram hostilizadas pela turma que adora tirar selfie com puliça e ficar enrolada em trapos verde e amarelo. E antes do início da nossa marcha, a tensão aumentou significativamente, com a escória choraminguenta ameaçando seguir com sua micareta em direção de onde estávamos, com o sempre condescendente olhar policial, em busca de um espetáculo midiático e político através de alguma confusão. Mas deu errado, porque a negritude é ligeira e não caiu nesse conto do vigário. Aos domingos a Avenida Paulista é fechada para o trânsito durante algumas horas e isso fez com que muita gente estivesse por lá e tomasse conhecimento da luta e interagisse com as pessoas. Claro, tinha gente com semblante de pânico, com a boca aberta e
até com aquele filete de baba pendurado, observando o caminhar da negritude. Talvez pelo fato da avenida permanecer fechada e com muita gente circulando por lá, mais a micareta que era realizada, deixou a impressão do efetivo assassino estar menos ostensivo durante o trajeto, opinião que durou até o término da marcha, onde pude conferir novamente aquela má vontade típica, somadas ao olhar de desprezo e ódio. Mas tudo transcorreu bem, sem nenhum incidente e acredito que o recado tenha sido dado. Ainda continuo achando que num futuro não muito distante essa marcha será um evento de muita violência, justamente pelo que ela representa e pelos questionamentos que são feitos. Só pra constar, fiquei feliz em ver pessoas do rolê presentes, muitas caminhando sozinhas, mostrando que não é necessário juntar o bonde pra fazer algo, basta vontade de participar. No mais, em país onde metade da população é formada de afrodescendentes, a participação dxs mesmxs continua sendo aquém do esperado e merecido. Talvez um dos motivos pela ainda não adesão maciça seja os eventos com artistas conhecidos, o que acaba ajudando a esvaziar a marcha, diluindo um pouco o caráter político da data. Intervenção Punk nas Ruas #1: Weirduo, Rebeldia Incontida, CAT, Ódio Brutal – 10/12/2016 – Santo André/SP Depois de quase cinco meses sem colar em som por estar morando no interior paranaense, finalmente chegou o dia de tirar a poeira do canal auditivo e lembrar como é bom colar nos rolês. Final de semana estrumbado de eventos na capital e em cidades vizinhas, para todos os gostos e bolsos. Até parece que a cena vai bem e que as pessoas colam em peso nos eventos, só que não. Em várias oportunidades surgiram pessoas propondo a criação de uma agenda na tentativa de evitar esse tipo de situação, com vários eventos em um final de semana, correndo risco de nenhum deles ter presença significativa da galera. Realmente não sei se isso seria viável por vários motivos, mas essa quantidade absurda de eventos (uns dez) voltados para a mesma cena, que até pode ser numerosa, mas não tão participante como poderia, é estranho e na minha humilde opinião, não leva a nada. Dito isso, vamos ao som. E não é que a chuva tentou ramelar minha ida ao rolê. Caiu um baita pé d’água que demorou mais do que o necessário para baixar a poeira, refrescar o calor e umedecer as plantinhas da vida. Mais de hora esperando a chuva diminuir e finalmente posso seguir para o rolê. Desde a onda de manifestações de 2013, a população passou a ocupar mais as ruas, inclusive no âmbito cultural. Diversos coletivos têm organizado eventos em túneis, embaixo de viadutos, praças ou em ruas com pouco movimento, chamando a população a ocupar esses espaços e não cair no papo furado do estado e da mídia com seu discurso policialesco e de violência desenfreada. E o evento de hoje vai nessa linha, organizado de maneira coletiva, embaixo de um viaduto, gratuito e com clima agradável, rango vegano e breja à venda. Ainda que a chuva e o excesso de rolês na Grande SP tenham ajudo a reduzir o número de presentes, o evento como um todo foi foda. Graças à chuva, perdi a apresentação do Weirduo e de boa parte da Rebeldia Incontida. A surpresa ao chegar foi constatar que o som estava legal, possibilitando escutar todos os instrumentos e a voz. Galera agitando na boa, interagindo tranquilamente, com sorrisos sendo vistos com frequência, uma situação que nem sempre acontece nos eventos. Na sequência teve a estreia da CAT (Crush All Tyranny), hardcore extremamente político e que musicalmente foge dos modismos atuais, com muita ideia sendo mandada entre os sons e um batera com a mão bem pesada. E encerrando o evento teve Ódio Brutal, que nem iria tocar, mas como seus integrantes estavam por lá e uma banda tinha sido retirada do evento (por possuir integrante envolvido em denúncia de agressão), acabaram se apresentando de improviso, sem que isso os tenha prejudicado e ainda fez a alegria de quem estava por lá por mais uns minutos com barulho. O Punk na Grande SP tem passado por momentos difíceis nos últimos anos, com muita gente parasita sugando nossa energia, tentando transformar o rolê em uma brincadeira para os finais de semana ou válvula de escape para fazer merda e esse evento é um daqueles que nos faz acreditar que ainda é possível ter camaradagem, respeito, apoio mútuo e segurança para todxs, sem a necessidade de vender o Punk. Show de bola a iniciativa do pessoal que organizou o evento (Dukka, Pedro e coletivo Cultural Revolta), as bandas e a galera que compareceu. É assim que o Punk se mantém vivo. Masters of Noise 3 – 11/12/2016 – Centro Cultural Zapata – São Paulo/SP Continuando a saga do fim semana repleto de sons, sol e muita chuva, no domingo rolou a terceira edição do Masters of Noise, festival que vai ganhando a cara de ser um dos eventos que encerra o ano. Pra variar, outro pé d’água caiu bem na hora de sair de casa, atrasando meu rolê e já me fazendo imaginar que perderia as primeiras bandas. Chegando ao local, vejo o pessoal em bom número, apesar da chuva e dos outros rolês que aconteciam na Grande SP. Além das bandas, o evento tinha exposição e tatuadorxs riscando o pessoal na hora. E graças ao atraso, perdi as bandas Dependentes Químicos e quase todo o set da Maconha, só vendo os últimos acordes. Na sequência teve uma das bandas que mais queria ver, Tërrör Älgüm, com aquele hardcore punk bruto e sem frescura, altamente influenciada pelo que é feito na Suécia, Finlândia, Inglaterra e Bra$il. Pausa rápida para arrumar os instrumentos e
começa outra paulada, dessa vez com Tujërpiis, que ficou sumida por alguns anos e voltou recentemente (se não estou engando, essa foi a segunda apresentação). Pouca enrolação porque a desgraça sonora tinha que continuar e quem sobe ao palco é Xico Picadinho com seu grind metalizado. O batera Henrick está cada vez mais monstrão, já que além das baquetas, o cara também ajuda no vocal. E dá-lhe mais grind, dessa vez com a veterana Cruel Face. O comprimento dos cabelos aumentaram significativamente no palco com a apresentação da Oligarquia, banda de death metal ativa desde os anos 90, que corre por fora na cena metal e por isso mesmo já dividiram o palco com bandas punks várias vezes. Com o cansaço já dando sinais de presença na minha envelhecida carcaça, Tumbero sobe ao palco para mandar seu death/grind modernão que eu normalmente não entendo. Foi aí que o cansaço falou alto e passei a escutar, além do som que vinha do palco, a geladeira de casa gritando meu nome e como sou um cara super protetor, achei melhor dar por encerrada minha tarde/noite de barulho e voltar para o cafofo, a fim de proteger a coitada da geladeira. Nisso, fiquei sem ver Molotov Attack e Menstruação Anárquika. Bom, depois de meses sem rolê, a volta foi mais que bacana com tantos eventos para escolher. Mesmo com a galera comparecendo em número razoável, fica a sensação que poderia ter mais gente (apesar da chuva e dos outros eventos), já que o fest era gratuito e com bandas de diversos estilos. Talvez com mais informação, consciência, bom senso e participação, esse cenário possa vir a mudar daqui algum tempo.
POESIAS SUBVERSIVAS Por Karl Straight, Juänito* e Bruna & Fernando** Liberdade Quem deve recorrer a ilusão para ver sonhos?
Liberdade de dizer o que quero
Quem deve conhecer o coração para depois lutar?
Liberdade de dizer o que há em mim
Será eu? Ou você?
Caminho através dos poros
Não sei!
Respiro esperança
Serão aqueles que acreditam na verdade?
Sofrimento de oprimidos
Eu descobri uma nova meta na minha vida
É hoa de lutar!
Liberdade de ser eu, de ser assim Cárcere e Liberdade O pior cárcere não é o que aprisiona o corpo,
É desenvolver a arte do pensar e reconhecer a emoção
Mas o que aprisiona a mente e algema a emoção
Ser livre é ter um caso de amor com a própria vida
Sem liberdade as mulheres sufocam seu prazer
Não pense que somos livres porque
Os homens se tornam máquinas de trabalho
Vivemos em uma sociedade democrata falsa
E assim por diante.
Ser livre é poder expressar ideias, viver e sentir a vida
Ser livre é não ser servo das culpas do passado
E não toda essa falsidade que insistem em nos dizer ser correta
Tampouco escravo das preocupações do amanhã Viver sem tomar consciência do significado do mundo Ser livre é ter tempo para as coisas que se ama É como vagar por uma imensa biblioteca É abraçar, sonhar e recomeçar Sem tocar nos livros Revolução* A revolução é uma luta que se vive no dia a dia
Tão pouco em protestos corriqueiros
Não cabe nos livros nem em canções de três acordes
A revolução é a prática de nossas ideias
Poema da Revolta* No dia do ato
Na rua é assim
Pronto o desacato
Ou se vai pra revolução
Sem estrelismo
Ou tudo ou nada
Sem líderes
Direito se ganha na luta
Sem mestres
No confronto
Apenas o anonimato
Não com jogral Que a cavalaria ri, faz chacota e te quebra como tal
De preto a cor Molotovs piscando
Não sou apático com seu ato dentro das regras
Na hora do confronto não tem arrego
Não sou neutro porque não defendo seu partido
Antes o coxinha do que eu
Meu posicionamento é a destruição Para surgir um mundo novo
Sem pudor de bens materiais Bancos, vidraças
A paixão pela destruição, meu irmão
Tudo é alvo, não é arruaça
É uma paixão construtiva
Enlouquecendo os liberais
Menos bandeiras e mais revolta Menos bandeiras e mais revolta!
Ativismo de Chilique* Pego me olhando
Eu vejo atos, fatos, mobilizações
E sobre protestos postando
Será que todo esse virtual toca as multidões?
De causas nobres compartilhando
Meu perfil é bacana
O clique passa e a vida rastejando
Quem o descreve pensa e logo não se engana Que atrás dessa imagem que queremos criar, passar e cultuar
Padecendo de verdade Padecendo de olho no olho Ainda mora um ser Padecendo de rua Que luta, goza, sofre e ama
Academia* A academia tá cheia de utopia O dia a dia que eles discutem É a realidade aqui no subúrbio Aqui na periferia
Espelhos de si Mesmxs* ‘Capitalismo, irmão?’
Seu ego logo concedeu
Indagou um(a) andarilho(a)
É o irmão que não divide o pão como você
Sua consciência logo respondeu É o que te deixou na tal condição
Mudar isso? Tocou o coração?
‘Sistema, irmão?’
As respostas que buscamos
Perguntou um(a) morador(a) de rua
Mora no íntimo de cada reflexão
ConheSer Infomar
Informar
Conhecer Espalhar
O fato oculto Escondido no olhar
A verdade escondida Presa no ar
Conhe-Ser Espalhar
Espalhar
Para
Conhecer
Info-A-mar
Feminicídio: Não Será Mais um Fato esquecido!** Lavar, passar e filhos cuidar
Nas mãos de um covarde agressor
Pensamento machista que não quer aceitar
É morta por quem mais deveria dar valor
A Necessidade da mulher em desenvolver
Vários boletins de ocorrência
A capacidade de agir e ser
Mas nenhum caso foi preferência
Profissional, mãe, dona de casa e amante
A mulher espancada pelo marido
E ainda as põe em posições humilhantes
É só mais um caso esquecido
Batalhadora, guerreira, nessa luta sofrida
Maria da Penha é só ilusão?
Buscando o seu valor, um sentido na vida
Quantos feminicídios ficaram em vão?
Não é um troféu, um objeto sexual
Quantas vão morrer nas mãos de covardes?
Tem muita capacidade, muito potencial
Vamos cuidar de nossas mulheres
Muitas vezes iludida pelo amor
Essa é a realidade
Sofre calada a pior dor Trilha sonora desse número: Conflict, Rot, Agathocles, Ramones, Cólera, Sin Dios, Gaze, Skarnio, Discharge, Disfear, G.L.O.S.S., Rakkaus, Makiladoras, Toxic Holocaust, Anti Cimex, Moderat Likvidation, Execradores, Mellakka, The Shitlickers, Doom, Amebix, Warcry, Ekkaia, Reiketsu e Anti Cimex. https://issuu.com/vivenciapunk vivenciapunk@gmail.com
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