Vivência Punk Nº 12

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Recentemente alguém escreveu em tom de desabafo algo como “tem sido muito difícil acordar todos os dias e encarar a realidade sem pensar em desistir”. Essa frase diz muito sobre o que foi o ano de 2019. Logo após o segundo turno da eleição presidencial de 2018, era inevitável a triste certeza que 2019 seria uma tragédia. No decorrer dos meses, essa certeza passou a ser uma realidade assustadora. Fantasmas do passado voltaram a assombrar a fragilizada democracia, que dia após dia foi sendo golpeada com apoio incondicional das oligarquias e com aval de uma parcela significativa da população. A direita e a extrema-direita que vinha em ascensão já há alguns anos, conseguiu sua consolidação no poder, personificada no miliciano. E o ódio deixou de ser um sentimento interiorizado e passou a ser exteriorizado. Tudo e todes que não seguem o padrão desejado pela família de bem, merece ser extirpado do convívio social, com o medo sendo uma companhia constante das pessoas que fazem parte das minorias e tendo o início de ações organizadas de perseguições, agressões verbais e físicas, exposição virtual. No que tange aos costumes, a opressão vem embasada em um livro de parábolas que tenta fazer-nos acreditar ser a verdade absoluta; no campo político, o desejo de perpetuação no poder e de uma volta a um passado ditatorial pela situação traz a reboque a eliminação da oposição e no campo econômico, o liberalismo que atende apenas a elite, favorecendo a concentração de riqueza e aumentando a desigualdade social. É o capitalismo, essa máquina de moer gente, que há anos vem respirando com dificuldade, ganha fôlego por aqui com o conluio entre os três poderes, grupos religiosos fundamentalistas e a elite econômica. Viver e sobreviver em um cenário conturbado como o atual não é fácil. Todo dia parece ter início uma nova batalha que é desproporcional. De um lado, o monstro autoritário amparado pelo poder econômico, militar e até midiático; do outro lado, uma ex-querda esfacelada, com muita dificuldade em dialogar entre si. A ex-querda institucional (partidos, sindicatos, coletivos, artistas e lutadoras/lutadores sociais) mantêm-se calada, esperando pelo fim do sangramento presidencial e de costas a quem não considera essa espera como uma opção inteligente. E é nesse oceano fecal que vivemos. Ver pessoas adoecendo tem sido uma constante e é nesse momento que o Punk deveria fazer toda a diferença em nossas vidas, nos ajudando a suportar tudo o que de ruim vem ao nosso encontro. Infelizmente, nem sempre é assim. O ano foi trágico politicamente, economicamente, socialmente e ambientalmente. A catarse coletiva promovida por notícias falsas divulgadas via redes sociais mantêm a população entorpecida, sendo ludibriada sem questionar ou ao menos se dar conta. A tal velha política que o eleitorado tanto desejou extirpar, continua sendo a inspiração da política vigente, só que aprimorada. E assim o país segue rumo ao obscurantismo, rumo à barbárie. A sociedade dita civilizada treme, balança, perde alguns pedaços e se aproxima perigosamente de sua implosão. Apesar de todo o lixo a que somos expostos cotidianamente, são em momentos difíceis como o atual que explode a criatividade, o desejo de mudança e a força para lutar. Grupos não dependentes da ex-querda institucional fazem toda uma movimentação por conta própria, renovando a esperança em um futuro mais justo e igualitário para todes. E ousadamente (ou ingenuamente) incluímos a comunidade Punk dentro desse grupo que existe e resiste frente ao projeto autoritário que vem sendo colocado em prática. Claro, nem tudo é perfeito e o risco de pessoas do nosso convívio emburrecerem é uma realidade como acontece em qualquer outro grupo. Para tentar evitar que isso aconteça é necessário o compartilhamento de informações, a troca de ideias, o estudo, a formação política levada mais a sério. A banda Rastilho, em uma recente postagem, traduziu em belas palavras aquilo que sentimos, pensamos e desejamos para nós e para o Punk. Sem pudor, mas com todo o respeito, reproduzimos aqui um trecho que nos inspirou verdadeiramente, dando ânimo para não desistir. “O Punk sempre foi e é uma força de inquietação, inconformismo, rebeldia, que apesar dos desfoques, ainda tem noção da realidade que enfrenta, das cenas que habita e da própria força que impulsiona nossas raivas e posicionamentos. Também é testemunha da repressão do Estado terrorista que nos ataca com todas assuas armas políticas, militares, midiáticas e tecnológicas. O Punk também é motivo para lembrarmos que temos forças, que continuaremos lutando por direitos, que não se pode deixar inviabilizar o compromisso de quem decide romper com este sistema capitalista ultraliberal e sua necropolítica. Punk também é lutar sem medo!”

Agradecimentos: Tiopacs, Disfonia, Pedro (Weirduo), Kledeson, Antônio Carlos (Centro de Cultura Social-SP), Paulo Oliveira & Anderson Dino (Destruindo a Tranquilidade), Dänilo (Crüeldäde), Cebolha, Fran (Mafalda) por sempre estar no corre e junto nas batalhas cotidianas e nos apoiar, ao Denis pelas bandas com vocal feminino que sempre apresenta, pessoas responsáveis pelas imagens que usamos e a todas/todos envoldidas/envolvidos diretamente ou indiretamente com zine, por resistir e existir nesse tempo todo. Nossa luta é a nossa classe. Por um Punk político e combativo! Zine dedicado ao Itzac (Sanguinolência), Gilles Berten (Camera Silens), Marcelo Prates (Sub Existência), Marcelo Ticano (Gritando HC) e Chulé.

“É preciso diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, até que num dado momento a tua fala seja a tua prática”. Paulo Freire Trilha sonora deste número: Conflct, Misfits, Motörhead, Corubo, Napalm Death, D.R.I., Infect, I Shot Cyrus, Extreme Noise Terror, Disrupt, Tuomiopäivan, Discharge, Parasytes, Terveet Kädet, Khatarina, Avslag, Witch Hunt, Seaweed, Behind Enemy Lines, Ramones, Homicide, Rastilho, Mellakka, Framtid, Death Dealers, Unseen Terror, From Ashes Rise, Driller Killer, Lái, Recharge, S.O.D, Eteraz e Serial Killer.

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PUNKI MAURI, PRESENTE! 10 ANOS DA MORTE EM AÇÃO DE MAURICIO MORALES A SOLIDARIEDADE PUNK E ANARQUISTA NÃO RECONHECE FRIONTEIRAS. RESPEITO MÁXIMO À TODXS QUE PERDEMOS, SEJAM PRÓXIMOS OU DISTANTES Texto originalmente publicado em Madre Tierra Nº 3 aos 05/2019 e postado no sítio Agência de Notícias Anarquista – ANA, aos 17/07/2019 “A noite já avançou. Não faz tanto frio para toda as roupas que obscurecem nossa imagem, mas isso não importa, o vento refresca nosso rápido avanço. Estamos a tempo. Tudo até o momento vai bem. Estamos sozinhxs, sozinhxs como nunca e como sempre. Pelas ruas sombrias e maltratadas, rodeamos a fábrica de carcereirxs. Nos aproximamos. A próxima parada está perto. Na minha mente reviso o plano acordado…” – “Uma saudação de Liberdade” – (1) Depois de um feriado que antecipava um longo final de semana para muitxs, a cidade de Santiago foi dormir na fria madrugada de 22 de maio de 2009. Uma zona da Avenida Matta permanecia quieta, longe das luzes e agitação dos locais comerciais. Apenas dois ciclistas avançam como silhuetas difusas para diferentes câmaras de segurança. O avanço é interrompido quando as silhuetas se separam e uma delas desce da bicicleta para arrumar algo em sua mochila. Um grande explosão corta então a filmagem. O barulho de uma explosão poderosa ecoa pelas ruas, a confusão desperta o lugar, lançando alertas policiais. No meio da rua Ventura Lavalle, quase na esquina com Artemio Gutiérrez, um corpo sem vida está envolto em um rastro de pólvora, ao lado um revólver – com uma única bala no tambor – mais adiante uma bicicleta negra espera para continuar a viagem. Apenas a poucos metros se encontra a Escola de Gendarmería, lugar onde xs carcereirxs recebem doutrinação e especialização. A polícia, a imprensa, bombeiros e vizinhxs vão chegando no lugar. Após a confusão inicial, as primeiras inspeções mostram o que aconteceu. Um homem havia sido morto pela detonação de um artefato explosivo que portava, o objetivo do ataque era o lugar dxs carcereirxs. Fotógrafos da imprensa se aproximam do corpo e registram as primeiras imagens, difundidas sem filtro para aterrorizar, detalhes macabros e falsos espalhados pela mídia à medida que as horas passam. Depois de cercar a área, a equipe criminalista dos carabineros vai recolhendo as evidências, fotografando e atribuindo um número a cada peça levantada. Como não havia nenhum documento de identificação, fazem o registro das impressões digitais para encontrar a identidade. A obtém no decorrer da manhã. O homem morto é Mauricio Morales, de 27 anos, anarquista, que registra detenções e controles em manifestações anárquicas. Pela imprensa suas tatuagens são descritas com minuciosidade, é quase meio-dia de 22 de maio de 2009. Os primeiros ataques à sua família de sangue começam. A caçada já está desencadeada. CARNIÇA JORNALÍSTICA… “Se a imprensa pudesse ter derramado sangue pela tela, teria feito, mas, ainda assim, esse sangue teria continuado sendo guerreiro, nunca submetido e esse orgulho no alto era o que mais xs incomodava” – Macul con Grecia- (2) As empresas de comunicação não pouparam adjetivos para descrever o lugar, inventando passagens escabrosas. A exposição do corpo e suas feridas atingiu níveis que só se entendem dentro da lógica do terrorismo de estado. À 13:30 horas, nos noticiários do meio-dia difundiram a identidade de Mauri, com sua foto do documento, também indicando que pertencia a uma coletividade que okupava uma casa no centro de Santiago. Durante meses, as investigações policiais pela série de atentados explosivos contra símbolos do poder e dependências bancárias, centraram suas atenções nas okupações, especialmente em algumas, de onde a propaganda e agitação anárquica eram constantes. Então, quase simultaneamente com a entrega do nome de Mauri, duas incursões ocorrem no centro de Santiago. Os carabineros invadiram uma casa particular, que funcionava como centro social, e a polícia investigativa invade a okupação “La Idea”, de onde várixs detidxs foram levadxs. Equipes jornalismo televisionam e cobrem as incursões, enquanto falam dos “avanços na investigação”. Entre declarações pomposas afirmam que o acompanhante de Mauri foge ferido, estaria identificado e sua captura era descrita como “iminente”. A polícia investigativa levou até um de seus quartéis xs companheirxs detidxs, onde tentaram interrogar várixs delxs. Lhes perguntavam pela pessoa que acompanhava Mauri. Lhes pediam um nome que ao menos elxs “imaginaram” que poderia ser, ao que se negaram de forma taxativa. Foram, assim, pressionadxs “se não cooperarem lhes mostraremos fotografias de como ficou o corpo”. Para a polícia, o corpo de Mauri se tornou um troféu, com o qual quiseram atingir todo o seu entorno.


Fizeram uma festa midiática com a morte de Mauri, indagando sobre sua vida, sua família, seu comportamento na universidade e até mesmo destacando que ele mantinha dívidas com uma casa comercial, buscando ridicularizá-lo a todo custo. Equipes de um canal de televisão se aproximam dxs companheirxs e família que esperavam a entrega do corpo do lado de fora do Serviço Médico Legal, tentam conseguir uma entrevista com o mesmo velho e fundamentado argumento “queremos dar-lhes a oportunidade de defendê-lo, de explicar por que ele fez isso, estão dizendo coisas muito feias…” A pontapés e empurrões os fizeram retroceder. Na mesma noite de 22 de maio, num canal de notícias mostrou uma grotesca entrevista com dois supostos companheiros de Mauri, que de costas, encapuzados e com a voz distorcida, contariam o “plano” do companheiro, com um roteiro absurdo e sem sentido. Este é talvez uma das passagens mais patéticas e lastimáveis, que serve como um barômetro do ódio que inspira a figura de qualquer um que atente, mesmo correndo o risco de sua vida, contra o domínio e sua ordem. EM DEFESA DE UM COMPANHEIRO “Companheirxs, estamos conscientes e sabemos bem o que vai acontecer agora, sabemos que dias e meses difíceis estão chegando. Mas também sabemos que a dor e a tristeza da partida de nosso irmão não pode nos paralisar. Recordamos insistentemente que ele morreu em combate, que a ofensiva tem variadas formas, que nenhuma vale mais que a outra. Apelamos então, que a formosa chama de seu coração anarquista propague o irredutível desejo de aniquilar esta realidade. Seu corpo encontra-se agora prisioneiro nas mãos da polícia e seus mercenários, mas a energia de sua vida permanece conosco, com xs companheirxs que junto a ele e de diversas formas enfrentaram e enfrentam aquelxs que querem nos transformar em escravxs”. – “Um guerreiro morreu mas nosso fogo não se apaga” -(3) As duas casas invadidas estavam a cerca de 15 quarteirões de distância, no meio de ambas se encontrava o Centro Social Okupado y Biblioteca Sacco y Vanzetti, lugar onde Mauri vivia e cujxs companheirxs decidiram fazer frente a possível incursão e agitar as águas da memória. Encapuzadxs do telhado enfrentaram os primeiros carros policiais que chegaram ao local, em minutos a rua foi isolada, enquanto a imprensa se situava nos melhores lugares. Mas assim como chegou a carniça, também foram chegando companheirxs, foi correndo a voz e de diferentes pontos, distintxs compas se fizeram presentes, muitxs não conheciam Mauri, mas movidxs por um genuíno impulso solidário chegaram decididxs a contribuir. No meio da tarde foram registrados os primeiros choques com a imprensa, memorável é o ataque a uma equipe televisiva, que momentos atrás havia gerado a detenção de algumxs companheirxs. Com ousadia, a imprensa foi expulsa do lugar, aflorando cumplicidade, resistência e ofensiva. Não se tratava de defender uma casa ou xs companheirxs que do telhado desafiavam o poder, se tratava de defender a memória de Mauri, cortando a quietude de 22 de maio. Um companheiro havia partido, um irmão, mas não eram lágrimas o que iam ser dadas à imprensa e à polícia, havia dor, mas não havia derrota. Um sentimento urgente e coletivo de defesa do companheiro, foi a faísca que acendeu o pavio, Mauri involuntariamente operou como um catalisador para a sedição anárquica. Talvez o formoso dessa longa jornada carregada de sentimentos caóticos, se encontra no caminho de fazer frente ao golpe da morte e os estilhaços da caçada policial. Em vez de silêncio, submissão e dispersão, a resposta foi resistência e ofensiva, expulsando a imprensa das proximidades da okupação Sacco y Vanzetti, se agrupando a várixs compas para levantar barricadas e enfrentar a investida policial. Essa é a beleza da confrontação. Justo nesses momentos onde os poderosos e seus múltiplos personagens ver a derrota expandida, a forma indômita de enfrentar esse momento foi a melhor propaganda de anarquia e companheirismo. Depois das 22 horas, quase cem companheirxs permaneciam reunidxs em frente à “Sacco”, de uma de suas janelas um alto-falante expandia a música que Mauri escutava, as canções que cantava e sua voz (e risos) acompanhavam a noite. Enteiradxs do avanço dos carros policiais, xs companheirxs na rua decidem sair para procurar os piquetes, levantando barricadas em todo o bairro. Se iniciava assim um combate que durou horas, movendo-se por toda a região buscando as principais artérias. Foi uma noite de múltiplas labaredas. Houve detidxs, companheirxs golpeadxs e diversas tentativas dos carabineros para entrar na okupação, mas mesmo quando lançaram água e gases, finalmente não conseguiram entrar. Do telhado os esperavam ansiosamente… Nas primeiras luzes da manhã, as barricadas ainda fumegavam e cada parede do bairro recordava a Mauri. Se semeava assim a semente da memória negra. ESTILHAÇOS E CAÇADA “Hoje, o Estado, a polícia, os gestores econômicos e a intelectuais deste país mostram sua inépcia atacando casas, levantando grotescas declarações, repetindo as imagens da descarada perseguição política, democrática ou ditatorial, dá no mesmo”. – “Uma saudação de Liberdade” – (4)


No funeral chegaram centenas de companheirxs de diferentes lugares, muitxs ainda sem declarar afinidade completa com as ideias e ações de Mauri, demostraram com sua única presença respeito, solidariedade e companheirismo. Novamente nos momentos em que o “racional” ditava para se resguardar, o mais distante possível para não se ver afastadxs com a arremetida policial, o germe anárquico se reuniu para se despedir do corpo físico do companheiro. Faixas, capuzes e vontade foram acompanhados pelo caixão que, de acordo com as ideias de Mauri, levava uma pixação onde se lia “Nem deus nem amo”. A família de sangue decidiu sair dos carros e acompanhar a pé o caminho até o cemitério, avançando junto com todxs xs companheirxs. Se tratava de evitar a todo custa que os carros policiais cortassem a marcha e isolassem o caixão. Depois do funeral, levantaram algumas barricadas nas redondezas do cemitério, sem que houvesse detidxs no local. A imprensa vigiou à distância, conseguindo obter algumas imagens próximas apenas nos arredores da casa da família de sangue. Os ecos dos enfrentamentos depois da morte de Mauri, foram superando qualquer distância, levando a notícia a diferentes territórios, de onde foram manifestando solidariedade, contribuindo para a expansão da memória. A presença policial e jornalística em torno das okupações foi permanente, intensificando os controles que já existiam desde antes de 22 de maio. O poder, por meio do assédio, buscava provocar o fechamento dos espaços, porque entendia a contribuição que significavam para a propagação das ideias/ações antiautoritárias. Carabineros e a polícia investigativa disputavam o protagonismo no caso, elaborando diferentes teorias, que finalmente implicaram a presença de ambas polícias no entorno de Mauri. Mesmo assim, nenhum caminho os levou a seu acompanhante. O rompimento entre a família de sangue e xs companheirxs de Mauri, que a polícia não pode conseguir em um primeiro momento, foi obtido ao longo dos meses. Psicólogos policiais foram assessorando a família de sangue, aproveitando-se delxs, guiando e orientando sua dor para o caminho que atendesse à investigação. Então, finalmente, de um familiar, a polícia obtém uma declaração com uma lista de pessoas que possivelmente acompanhavam Mauri, que também seriam “culpadxs” de sua decisão de atacar, de suas ideias e ações contra a autoridade. Tudo isso seris conhecido apenas em 2010, quando no âmbito do tristemente famoso “Caso Bombas”, muitxs de seus companheirxs enfrentavam as acusações do poder. Em uma tese distorcida e inventada da promotoria, havia uma organização ilícita terrorista, com um plano criminoso estudado para difundir o terror por meio de ações diretas. Nesta organização havia supostos líderes e uma estrutura definida, com papéis estabelecidos. E como a cereja no bolo, a promotoria argumentou que para realizar o “plano criminoso” xs imputadxs levantavam “fachadas” de okupações, chamadas no delírio fiscal como centros de poder. Mauri e outrxs 14 companheirxs, foram apontados como parte integrante desta organização ilícita terrorista. Durante as intermináveis audiências é onde a declaração de parte de la família de sangue vem à tona. Foi um momento duro e amargo, porque além de todo o carnaval mediático e policial após sua morte, finalmente, parte de sua família nuclear não só pisou a sua vida e valores ácratas, negava também sua força individual e colaborava com os eternos inimigos de Mauri: os defensores da autoridade. Ao longo dos anos, o curso dos acontecimentos pode parecer tragicômico, com suas voltas e delírios investigativos, mas o certo é que assim conseguiram desarticular entornos, com o medo e desgaste, e também desalojaram a okupação Sacco y Vanzetti, detiveram mais de 10 companheirxs por vários meses, estenderam o julgamento por mais de um ano e durante o processo expuseram -mais uma vez- fotografias do corpo morto de Mauri, detalhando cada ferida. É sem dúvida lamentável que este último fato não tenha encontrado resistência, por mínima que fosse. Finalmente, o julgamento terminou com a absolução de todxs xs acusadxs. Assim terminava -naquele momento- a tentativa de judicializar um amplo entorno anárquico e resolver, pelo menos policialmente, a morte de Mauri. A MEMÓRIA NEGRA “Quando a morte de repente nos surpreende, são xs vivxs que se perguntam sobre o “sentido” e “significado” desta morte… Xs mortxs não podem nos responder; apenas suas vidas e ações podem nos dar pistas sobre o que motivou nossxs irmãxs a serem como eram…” -Gabriel Pombo da Silva- (5) Pouco mais de três meses de sua morte, seus companheirxs de okupação editam um material escrito, onde se compila grande parte de seus escritos, canções, contos e poemas. A intenção é compartilhar coletivamente suas reflexões e ideias, para que possam se propagar para outrxs companheirxs e não deixaria Mauri preso em seu círculo íntimo. No meio da caçada, num gesto generoso, diferentes companheirxs contribuíram com canções, escritos, entrevistas ou cartas que haviam deixado. Mauri não era um tesouro que devia ser guardado para si mesmx, escondendo-o dos olhares do resto, nem era o herói martirizado cuja figura se elevava acima dxs outrxs. Pelo contrário, sempre foi reivindicado como mais um companheiro. Depois do embate jornalístico, com suas múltiplas difamações, entre declarações policiais pomposas que tentaram descrevê-lo, era importante fazer um resgate do companheiro. Evitar as reinterpretações e possibilitar que o próprio Mauri, em primeira pessoa através de seus múltiplos escritos, fosse se aproximando de outrxs companheirxs e entornos.


Há companheirxs cujas mortes que são explicadas pela vida que decidiram viver. O gesto de editar um livro com seus escritos, enquadra-se precisamente em possibilitar aquelxs não foram próximxs ao companheiro, conheceram o trânsito de seu caminho, os diferentes caminhos que o levaram a ser quem foi, as decisões de vida que finalmente o aproximam da morte. Assim, Punki Mauri foi se expandindo entre companheirxs, viajando milhares de quilômetros, falando diferentes idiomas mas com uma língua negra comum. Suas experiências, valores e ideias voaram, derrubando as fronteiras do tempo e da geografia. Houve decisão e persistência em que a chama de sua vida não se apagará. A memória negra foi adquirindo amplas e variadas formas para se propagar e contagiar novxs compas. Nesse trânsito, todo gesto foi e é um aporte. Sem líderes nem dirigentes, estamos todxs chamadxs a buscar incansavelmente como contribuir para essa propagação, da forma que criamos mais certeira. Não há uma memória oficial, mas múltiplos gestos para seguir prokurando que viva a Anarquia. O PASSO DOS ANOS “Quatro anos? Me parece uma infinidade, mas também não foi nada quando Culmine me enviou a notícia daquele 22 de maio, junto com um recorte de jornal com sua foto. Apenas um pedaço de papel, uma imagem já marcada pelo tempo, destinada a se decompor rapidamente? Sim, mas também muito mais! É o símbolo de uma memória indelével, é uma imagem íntima e querida, uma das verdadeiramente poucas até agora, permanece sempre pregada na parede da cela. É um símbolo de uma relação com o guerreiro Mauri e com sua tribo guerreira, impressa com fogo sempre quieta e segura em meu coração e na minha mente. Além de qualquer fronteira, distância, repressão, e morte!” – Marco Camenisch- (6) Já são 10 anos da morte de Mauri, é quase inevitável fazer uma retrospectiva, analisar como foram acontecendo e se enfrentando diferentes fatos. Fazer um resgate da beleza de certos momentos de confrontação, destacando a permanente presença da solidariedade, a agitação e a propagação da memória. Não foram 10 anos de quietude ou de recordação em silêncio, foi um tempo onde de diferentes territórios se levantaram gestos de memória coletiva, como ideia/ação que tende a propagar a vida que Mauri foi forjando, sua decisão de confrontar o estabelecido, sua negação ativa a qualquer autoridade, ao mesmo tempo que de forma inseparável segue propagando a Anarquia e o Kaos como força vital. A partida de Mauri tornou-se o ponto de encontro entre muitxs outrxs companheirxs. Um ponto de encontro para realizar novos desafios, é aí que reside a vitalidade da memória, não é a fotografia estática de um momento de confrontação, é o presente que vamos construindo, nutridxs tanto das experiências de outrxs companheirxs como de nossos próprios interesses e anseios. Assim vamos projetando o caminho. Depois da passagem da morte e da caçada policial, nos afirmamos na orgulhosa decisão de não retroceder, alimentando o sorriso com a certeza de que o poder não pôde impor nem o silêncio, nem a submissão. Não pôde deter a dimensão ofensiva de nossa memória negra, que combate a resignação e o medo, apenas funcionais para a autoridade. Punki Mauri tem estado presente nas ruas todo esse tempo, porque quem se lembra dele não está longe dos caminhos de luta, não se levanta uma memória da janela da comodidade, mas do terreno próprio do combate à dominação. Não houve vitimismo, nem qualquer tentativa de apagar sua memória. Mauri não é o inocente que cai em uma montagem, era um ser anárquico que se atreveu a desafiar o imposto. Morreu como escolheu viver. Não é um herói ou um mártir idealizado, é apenas mais um companheiro, com defeitos e virtudes, com acertos e erros, cujas decisões de vida foram propagando o fogo nos corações anárquicos. Nestes anos tem havido vários movimentos repressivos, muitxs companheirxs foram presxs, algumxs conseguiram sair das jaulas, outrxs receberam longas condenações. Algumxs companheirxs se foram, se cansaram, outrxs vão chegando e com sua raiva alegre trazem novas energias. Muitxs daquelxs que hoje se lembram ativamente de Mauri o conheceram depois de sua morte, sentindo-se próximos e companheirxs através do que em vida foi forjando. Houve uma transferência geracional da memória, como uma fibra negra que nos conecta e une. Na rua hoje continua rindo em outras risadas, com total vitalidade. Suas ideias ainda são ferramentas para resistir e atacar aquele que tenta nos dominar. 10 anos de sua morte, Mauri segue entre nós, se impregnando em novxs cúmplices. Segue presente no combate, gerando o desprezo da polícia e da imprensa, o vemos em suas grotescas campanhas de exposição e desprestígio. Os anos passam, mas nossxs mortxs em guerra seguem nos acompanhando. Boa Viagem Mauri Nada terminou, tudo continua. “Algo sempre permanece. Dizem que as ideias são indeléveis. Aqui e ali e em todos lugares. Não apenas vocês, não apenas nós, todxs. Todxs e para sempre. Ainda temos um caminho à frente.” (7) >> Notas: (1) Comunicado escrito por três grupos de ação em 23 de maio de 2009, saudando o companheiro Mauricio Morales. (2) Extraído do livro “Macul con Grecia. Fuego en las manos contra la Autoridad”.


(3) Comunicado escrito pelo Centro Social Okupado Sacco y Vanzetti no dia 22 de maio de 2009. (4) Comunicado escrito por três grupos de ação em 23 de maio de 2009, saudando o companheiro Mauricio Morales. (5) Texto publicado em 2013. (6) Texto publicado em 2013. (7) Escrito dos companheiros Yanis Skuludis, Sokratis Tzifkas (Prisão de menores de Avlona), Mpampis Tsilianidis, Dimitris Dimtsiadis (Prisão de Koridallos). 22 de Maio 2011.

PUNK O PUNK EM NÓS, SEMPRE! Por Juänito Por mais que nos vemos fora do Punk, ele vem atrás. Essa cultura abriu (e abre) mentes, por mais que se autoquestione “não tô na cena” e coisa e tal. Ai é que nos enganamos, quanto mais revolta sentimos, mais o PUNK toma conta de nós! É como ouvi uma vez: você não se torna, nasce, nasce na sede de justiça, nasce quando não há saída, nasce quando aprendemos que viver é aprender! nasce no sentimento incontido, nasce conosco esse sentimento indomável chamado de Punk ou qualquer outro gênero que queiram dar!

DESTRUINDO A TRANQUILIDADE MESMO COM AS DIFICULDADES, LOCALIDADES INTERIORANAS SEMPRE TIVERAM CENAS BACANAS. TER ESSAS HISTÓRIAS REGISTRADAS POR QUEM REALMENTE VIVEU TUDO INTENSAMENTE DEVERIA SER UMA PREOCUPAÇÃO NO PUNK E NO UNDERGROUND EM GERAL. E É ISSO QUE TORNA O DOCUMENTÁRIO DESTRUINDO A TRANQUILIDADE TÃO IMPORTANTE Por Treva VP – Olá! Muito obrigado por ceder um pouco de seu tempo para esta troca de ideias. Você está envolvido com o underground há muitos anos. Para quem não sabe, conte um pouco sobre o envolvimento de você com a cena barulhenta. Paulo – Conheci o underground de São Roque há uns 20 anos atrás, mais ou menos, Toquei em algumas bandas como Spunkados, Cry of Revolt, Celeuma e RHD (Raça Humana Desgraçada); ajudei a organizar eventos, o que teve mais edições foi o Musical Destruction, que fazia o Dino e o Waguinho e os últimos também teve a ajuda da Patrícia. Também fiz um fanzine chamado No Flag, teve pouca tiragem e era bem inocente, olhando hoje em dia, mas foi um bom aprendizado. VP – São Roque é uma pequena cidade do interior de São Paulo e, mesmo estando próxima à capital, mantém características típicas de localidades interioranas. Como começou toda a movimentação na cidade? Paulo – Essa era uma das respostas que eu procurava quando iniciamos as pesquisas e entrevistas, eu não participava do movimento no começo, conheci e comecei a participar já quase uns 10 anos depois. Posso dizer bem resumidamente, para não contar muito sobre o que estará no filme, que a inquietação de algumas pessoas transcendeu os estereótipos de cidades do interior. VP – Como surgiu a ideia de fazer o Destruindo a Tranquilidade? Paulo – De ouvir as estórias das pessoas e ver tudo que foi produzido na cidade, de bandas, shows, zines, selo, lançamentos de discos, splits com bandas de outros países, bandas de outros países tocando em bares e locais pequenos com equipamento simples, toda uma construção/produção que não é muito comum longe dos grandes centros. Aí eu e o Dino pensamos em fazer um filme para documentar parte de nossa estória. VP – Quais as maiores dificuldades enfrentadas para realizar esse documentário? Existe uma previsão para o lançamento? Paulo – Pensando agora sobre isso, confesso que a maior dificuldade até agora é a questão do tempo e disponibilidade, se pudéssemos ter nos dedicado durante pelo menos um ano só ao documentário, provável que já estaria pronto. O Dino tinha equipamento para captação de imagem e som, com o tempo eu consegui equipamento para edição, mas diminuiu muito meu tempo, haha. E éramos próximos de praticamente todos os entrevistados, e todas entrevistas rolaram com cervejas ou algum outro ‘goró’, foram praticamente bate-papos, só com uma câmera registrando, tentamos deixar os entrevistados o mais à vontade possível, que às vezes, na hora que liga a câmera e ter que deixar os pensamentos alinhados, não é fácil. A vontade de produzir esse filme foi maior que os percalços de não ter financiamento. Previsão existe, gostaria muito que ficasse pronto para 2020, essa previsão já foi alguns anos antes, mas esperamos que dessa vez fique pronto e que esse filme possa ser visto. VP – Para matar a curiosidade de quem já viu o trailer, poderiam contar mais um pouco sobre o trampo? Paulo – No trailer foi usado um trecho sobre o início da primeira banda que é o Scarrhous, tem quase duas dezenas de entrevistados que


participaram de bandas do início dos 90 até mais ou menos 2008, fizemos esse recorte e falamos de algumas bandas dessa época, a maioria das pessoas envolvida com organização de shows, produção de zines, selos e etc, eram envolvidas com bandas. Tem muita informação histórica e história de pessoas. VP – Uma das dificuldades para quem se aventura a documentar o Punk nacional e o underground em geral é encontrar registros audiovisuais da década de 80, 90 e até início dos anos 00. Como tem sido lidar com essa dificuldade? Paulo – Material de arquivo até que têm bastante, fotos, vídeos, encartes, fitas, discos, contamos com a ajuda dos integrantes das bandas e amigos que nos emprestaram seus acervos pessoais para que digitalizássemos, o problema desse material, principalmente o de vídeo é a qualidade, a qualidade de vídeo caseiro de 20 anos atrás era bem inferior. VP – Fazer um documentário gera um gasto mínimo. Vocês têm arcado com a despesa ou existe algum apoio? Paulo – Todo o documentário foi feito com nosso dinheiro. VP – Com relação à divulgação do documentário, como está? Existe a intenção de participar de mostras de filmes/documentários independentes que acontecem pelo país? Vai rolar DVD à venda ou apenas a disponibilização na grande rede? Paulo – Só foi feita a divulgação do trailer em alguns blogs e páginas virtuais do seguimento de música extrema por enquanto. Esperamos que quando tivermos com o filme pronto, ele possa passar em mostras, festivais, cineclubes. Se puder passar na maior quantidade de lugares, melhor. Creio que temos uma história que pode interessar pessoas além do grupo de pessoas que já conhecem as bandas e os estilos musicais. Não pretendemos DVDs, talvez seja uma mídia que para o independente/underground não tenha muito alcance. VP - Para o pessoal que acha que fazer um documentário é só entrevistar, editar e compartilhar, poderia fornecer um passo a passo resumido? Paulo – Eu e o Dino trabalhamos na área do audiovisual e olhando para trás eu gostaria de ter feito algumas coisas de outra maneira, mas o trabalho tem uma longevidade que abre diversos questionamentos ao longo desses anos, porém, não tem apenas um jeito de fazer filmes documentários, se a pessoa tem a disponibilidade de entrevistar, editar e compartilhar, já acho bem ótimo que ela esteja documentando o recorte histórico que ela esteja vivendo ou queira abordar, eu não teria como fornecer um passo a passo, até porque meu método de produção e criação, por mais que seja baseado em literatura e experiência prática, acaba sendo meio caótico, eu não teria uma didática resumida ou uma fórmula passo a passo, mas, quem tiver interesse pode enviar uma mensagem, que posso falar os métodos que usamos nesse filme, no próximo já quero fazer de outra maneira, haha. Mas, quem quiser trocar ideia sobre fazer filmes, pode ficar à vontade para perguntar, trocar conhecimentos é lindo. E o documentário pode ultrapassar o lance das pessoas entrevistadas, tem diversos tipos de linguagem, pode ser feito com imagens de arquivo, com narrações, com ou sem personagens entrevistados, as possibilidades são diversas. VP – Que conselhos daria para pessoas não profissionais que estejam pensando em se aventurar na produção de documentários relacionados ao Punk ou ao underground em geral? Paulo – Assistam muitos filmes, estudem, copiem, quando estiverem seguros, busquem outras alternativas, conversem com pessoas. Entrevistem amigos, familiares, pessoas próximas, criem narrativas, filmem, façam (em grupos). VP – Uma das características da cena local foi a preferência por vertentes mais extremas. Em sua opinião, a que se deve isso? Paulo – Às vezes me faço esse tipo de pergunta e não tenho uma resposta definitiva no momento, mas, creio que essa preferência cresça de uma vontade de sair da mesmice da música popular, se expressar através da música, não ouvir a mesma música que as pessoas que estão apenas seguindo o status quo, consumindo cegamente e defendendo o direito de continuarem sendo exploradas e vivendo sem tesão ou tendo um tesão por coisas e não ideias e momentos. É uma forma de falar, eu não sou que nem você, o problema é quando a ‘nossa arte’ é apropriada por grupos que queríamos nos diferenciar. VP – Imagino que a movimentação em São Roque tenha tido vários momentos memoráveis e, entre eles, esteja à vinda das bandas Hellnation em 1999 e Wojczech em 2001. País de terceiro mundo, cidade do interior, underground com tantos problemas para manter-se, a presença de duas bandas gringas em um “curto” espaço de tempo deve ter deixado boas lembranças. Lembra-se de algo que vale a pena comentar sobre a passagem dessas ou de outras bandas? Paulo – Eu só vi a Hellnation, inclusive essa data aí tá invertida, pelas minhas anotações o Hellnation foi em 2001 e o Wojczech em 1999, para mim foi bem impressionante ver o Hellnation, jovem do interior, que nunca nem tinha ido a São Paulo para ver show de uma banda conhecida brasileira, vendo uma banda dos EUA tocando num bar minúsculo, curtindo, depois ainda encontrei os caras na rodoviária, falamos algumas besteiras, bêbados, hahaha. Tudo isso só foi possível pelo esforço das pessoas que organizavam os eventos na época que pelo que me lembro a maioria era organizado pelo pessoal da Shit Records e da banda Dischord. VP – E na atualidade, ainda existe alguma movimentação na cidade? Paulo – Da mesma maneira não existe, infelizmente, ainda tem algumas bandas que eu tenho notícias, eu não moro mais na cidade, mas a visito algumas vezes por ano, por que ainda tenho familiares lá e aproveito para encontrar os amigos, muitas vezes vejo mais os amigos. De bandas que sei que estão na ativa são: Bixera, Infernal Course e tem um coletivo que não tenho certeza que está na ativa que organiza um festival chamado ‘Ai, coitado do vizinho’ de uma mulekada mais hardcore e tal. VP – Além das lembranças, o que sobrou daquele período? Paulo – Além das lembranças, os aprendizados e os amigos, que mesmo distantes, ainda tem aquele espaço especial aqui no peito.


VP – O (des) governo federal acredita existir um “marxismo cultural” e que ele deve ser combatido, por isso declarou guerra à cultura. Trampando com audiovisual, quais preocupações esse tipo de postura gera e quais os possíveis caminhos que o cinema, a música, o teatro e toda forma de manifestação cultural pode seguir com o acirramento do confronto ideológico e com essa ideia de guerra cultural? Paulo – Já está mais difícil para muita gente, eu trabalho profissionalmente com filme publicitário, que costuma ser uma parada que envolve grana privada, mesmo assim em uma dessas propagandas de banco público que foram censuradas no início do ano, eu tinha participado da equipe. Mas sei de colegas e amigos que trabalham mais com ficção e as demais artes já estão sofrendo represálias por suas temáticas ‘sociais/humanitárias’, infelizmente, tende a piorar se nossos corpos não encontrarem a liberdade para levantar os punhos, é um momento muito triste, muito deprimente, mesmo com movimentos que tendem a criar coisas lindas e encontrar pessoas que estão querendo caminhar junto com você, essa tempestade de merda que vem de cima, tem sufocado um pouco os de baixo. Espero que possamos continuar nos expressando e produzindo arte e produzindo juntos, como sociedade, seja qual micro-sociedade você faça parte. Façamos juntos. VP – Pra vocês que viveram intensamente toda a movimentação na cidade, qual a importância em registrar esse período? Paulo – Pra mim esse registro era inevitável, muita gente, sempre nos disse que faltava contar esse momento, essa movimentação da cidade, aproveitamos nossos conhecimentos e estamos fazendo. Acredito muito nesse trabalho como um registro histórico importante, pode ser uma pequena cena numa cidade do interior do estado de São Paulo, mas, muita gente se envolveu ali, muita gente aprendeu, muita gente compartilhou e compartilha, muitos tiveram a cena como base para a profissão que exerce hoje, para construir e formar as pessoas que são, foi aprendido com erros e o que acho mais importante falar, principalmente nos dias de hoje, é que estávamos juntos, como alguém já disse por aí, nas ditaduras são proibidas reuniões, aglomerações, porque as pessoas juntas podem realizar muito mais. E esse nosso filme fala um pouco disso. VP – Muito obrigado pelo papo. Ficamos por aqui no aguardo do documentário e na torcida para que tenha uma ótima receptividade. Gostaria de acrescentar algo? Paulo – Agradeço o interesse em saber mais sobre o nosso filme e pela ajuda na divulgação, espero que você possa assisti-lo em breve e que ele te faça sentir, que todos que assistam consigam dar uma risada, se impressionar, sentir os pelos do braço arrepiar, querer conhecer mais as bandas, querer montar bandas e fazer filmes, posso sonhar né? https://pt-br.facebook.com/caipirasmakesnoise

https://www.facebook.com/insanemindfilms/?ref=py_c

https://www.youtube.com/watch?v=ns2sZcVfgyw

CRÜELDÄDE A CAPITAL DO PAÍS, CENTRO NERVOSO DA NECROPOLÍTICA, ONDE A CORJA ENCASTELADA TRABALHA EM BENEFÍCIO PRÓPRIO E CONTRA O POVO, CONTINUA SERVINDO DE INSPIRAÇÃO PARA O SURGIMENTO DE BANDAS PUNKS, MOSTRANDO QUE A REBELIÃO NÃO TEM FIM Por Treva & Hannah VP – Começando com a pergunta básica de sempre, quando começou a banda, formação e influências? Dänilo – Valeu aí pelo espaço mano, agradeço demais. Então, a Crüeldäde na real era um projeto que eu tinha sozinho das antigas com outro nome, se chamava Rabia, isso lá pra meados de 2012, 2013, mais ou menos, depois assim que eu voltei a morar no DF eu me juntei com uma galera e a gente começou essa banda. Depois deu aquela parada e em 2017 eu chamei o Thiago Pança e o Tião, respectivos guitarrista e baixista e demos o nome de Crüeldäde. Hoje em dia a banda segue eu na bateria/vocal e o André no baixo e às vezes a gente chama uns guitarras hoje em dia pra compor o line-up. Nesse momento os caras que chamamos foram o Valbert que toca na banda Alarme e o Bruno que toca no Numbomb. As influências claramente é Disclose e Anti-Cimex, porém a gente escuta tudo que gira em torno do D-Beat japonês e sueco. Eu particularmente escuto muito metal, principalmente bandas de Death Metal Old School ou bandas que remetam a essa sonoridade. VP – Mesmo com pouco tempo de atividade, a Crüeldäde já tem diversos registros próprios e participação em coletâneas. Foi a própria banda que bancou esses lançamentos ou rolou alguma parceria? Dänilo - É a gente gosta de gravar kkkkkk. Então o primeiro trampo gravado da banda veio da força de um amigo nosso, grande Daniel, que não reside no DF, mas ele tocava numa banda daqui que se chama What I Want. Esse mano deu uma grande força pra gente, nos incentivou a gravar. Depois veio participações em compilados, dois deles eu mesmo que produzi pela minha distro e um outro que a gente participou foi um convite feito pelo Fofão da Besthöven que inclusive gravou nosso primeiro disco no estúdio dele. No mais a gente lança agora por conta própria, mas sempre corremos atrás pra ver se rola uns selos pra ajudar a gente a lançar. Enquanto isso não rola a gente faz nós mesmos esse corre. VP - Qual a temática abordada nas letras e como é o processo de criação das músicas? Dänilo – Bom, a gente procura coisas que estejam na nossa vivência, mas também existem coisas que a gente vê por aí, geralmente a gente fala sobre questões raciais, LGBTQIfobia, sobre violência contra a mulher e de vez em quando sai umas letras sobre como a guerra é uma merda e como ela destrói o mundo.


Nosso processo é bem simples na real, o André faz uns riffs, grava lá na casa dele, me manda a ideia, eu escuto, daí depois a gente vai pro estúdio ensaiar. Algumas letras eu que escrevo e outras o André que escreve e aí sai o som, na real tem muita coisa que rola naturalmente na hora no estúdio. VP – Escutando o som da banda, nota-se influência das vertentes mais porradas do metal. É isso mesmo? E se for, quais bandas do estilo vocês curtem? Dänilo – Claramente mano, eu escuto muito metal, cara o André eu sei que gosta de uma panca de Metal, eu mesmo escuto muito Death como disse antes, mas eu também escuto muita coisa dentro do Speed Metal, do Heavy Metal, Black/Thrash e por aí vai mais uma pancada de coisa. VP – Crüeldäde disponibilizou seus trampos para download, facilitando para que pessoas de qualquer lugar do mundo tenham acesso à banda. Mesmo tendo passado a loucura inicial com o download, esse ainda é o meio pelo qual a maioria das pessoas adquire material de bandas independentes. Vocês acham que ainda vale a pena lançar material físico? Dänilo – Pow, essa é uma pergunta bem complexa, eu particularmente acredito que fazer material físico pra você conseguir um trocado pra reverter pra banda é bem dificultoso, porém sempre tem aquela galera que adora um material físico e gosta do disco em mãos. A gente bota tudo pra download e deixa lá, se alguém quiser reproduzir fica à vontade, o som é livre, então deixa ele fluir. VP – Apesar de todos os problemas, o Punk vem passando por uma grande renovação com o surgimento de bandas, coletivos, zines, distros e a Crüeldäde faz parte dessa renovação. O que acham de toda essa movimentação que está rolando pelas diversas quebradas do país? Dänilo – Sem dúvidas cara, participamos aí da forma que conseguimos e podemos, eu mesmo tenho minhas distros, faço blog, participo de coletivos com a galera pra espalhar a contra cultura pra galera. E mano, a ideia é que nossas ideias libertárias sejam difundidas pelo país todo e pelo mundo. Espero cada vez mais ver coletivos surgindo, zines, distros, bandas e a galera se fortalecendo juntos. VP – E com relação à participação em gigs, estão rolando? Tem alguma previsão de rolê por outras localidades? Dänilo - Pô, a gente não tem nenhuma gig marcada, vamos em breve começar a compor pra gravar um material novo, a gente só tocou fora do DF uma vez que foi em Goiânia e nunca mais tocamos fora, só por aqui mesmo. Inclusive a galera que quiser chamar a gente pra tocar em qualquer lugar aqui do DF e de fora do DF estamos na disposição hehehe. VP - Mesmo com o histórico de bandas musicalmente e liricamente violentas em um passado não tão distante, muitxs punks mais jovens parecem não entender essas bandas mais antigas e tampouco as mais novas que seguem mantendo essa tradição de agressividade. Parece que com toda a informação disponível houve um retrocesso e o pessoal empacou numas de que apenas punk rock e umas poucas bandas de hardcore são realmente punks, ignorando ou não entendendo a evolução do Punk. Nisso, muitas bandas de d-beat, crust, neocrust, powerviolence, grindcore e crossover são ignoradas por esse pessoal. Em sua opinião, o que está acontecendo? Dänilo – Cara eu acredito que toda forma de som seja ela dentro do punk ou não, ela deve ter algum caráter político, tantos estilos sonoros que foram deixados os temas abordados nas letras pra fora e começaram a escrever umas bobagens. Lógico que existem vários temas pra se abordar, agora ter música que tem uma proposta política, que veio de um rolê contra o sistema e esquecer o tema pra abordar coisas totalmente contrárias não são válidas na minha opinião. No lance de muita gente ignorar outros estilos como você mencionou é meio que sectarismo e achar que só tal som que tem essa proposta. Pô música é música em qualquer lugar, ela é um instrumento de luta mano, seja ela crust, d-beat, punk, hardcore, rap, metal, samba e por aí vai. VP – O país vive um momento político extremamente conturbado. Direitos trabalhistas e civis são sistematicamente atacados, a censura volta a rondar a cultura, repressão e vigilância passam a ser constantes. Nesse contexto caótico, como é viver em Brasília, o epicentro de todo esse atraso? Dänilo – Uma porcaria, claro. Aqui todo dia surge uma notícia nova de alguém que foi agredido ou agredida por diversos motivos, mas todos por preconceito. É difícil viu, infelizmente viver aqui nesse lugar caótico, mais como estamos aqui seremos sempre a resistência contra essa corja de fascistas. VP – Recentemente um companheiro punk de Ceilândia foi agredido pela escória intolerante e o caso repercutiu na comunidade Punk e até fora dela, gerando notas de solidariedade e uma vaquinha virtual para ajudar a custear as despesas médicas. Isso serviu para lembrar-nos que além da ação direta radical no enfrentamento a grupos intolerantes, ter uma retaguarda para apoiar juridicamente e/ou financeiramente é de grande importância. Como o underground brasiliense e da região têm lidado com a questão dos grupos intolerantes que muitas vezes insistem em estarem presentes em gigs ou locais frequentados por punks, headbangers, góticos etc? Dänilo – Cara, essa notícia foi triste demais, claramente uma tentativa de homicídio contra alguém antifascista. Quando rola alguma gig é claramente avisado que fascistas não são bem vindos, nunca, se acontece o caso de algum ir é ação direta. VP - De uns anos para cá, um dos principais motivos de divergências entre pessoas e coletivos ideologicamente à esquerda tem sido a presença ou não de integrantes de um determinado grupo subcultural e de origem duvidosa. Um interminável ciclo de discussões acaloradas, tretas virtuais e outras tantas que chegam ao mundo real e que tem deixado muitos problemas a serem resolvidos e sujeira a ser limpa. Qual a opinião da banda em relação a essa situação? Dänilo – Pô a esquerda não deixa de ser uma grande escória também, é tudo no final disputa de poder pra ver quem vai roubar e ter mais grana quando sair fora e deixar a galera na miséria como sempre ocorreu. Eu sou totalmente adverso a qualquer tipo de política por voto, seja de esquerda ou de direita. Claramente a gente tenta abordar isso em letras, mas não só lá, porque pela sonoridade acaba ficando meio


incompreensível de entender, a não ser que você saque da letra, mas a gente transmite nossa ideia libertária e de libertação humana através de outras formas, seja ela escrita, num bate papo com a galera ou em um evento. VP – Obrigado por essa troca de ideias. Gostaria de acrescentar algo? Dänilo – Meu querido eu que agradeço imensamente pelo convite, pela troca de ideia e estamos aí na luta. Acho que o que eu só quero acrescentar é que a galera tome consciência do que estamos vivenciando , do caos que tá se tornando, vamos lutar contra o fascismo e sermos adversos a qualquer política por voto e política dominadora, sejamos liberttári@s. Na mais, só acessa lá nosso bandcamp e nosso facebook pra escutar o som e falar mal da gente hahahahahaha. VALEUUU!!! https://crueldadedbeat.bandcamp.com/

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SUB-TRAÍDAS A PRESENÇA FEMININA NO PUNK É INDISCUTÍVEL DESDE O SEU COMEÇO, AINDA QUE PRESENÇA NÃO SIGNIFIQUE IGUALDADE. COM O PASSAR DOS ANOS E COM A POLITIZAÇÃO, O PUNK PASSOU A SER MAIS INCLUSIVO E IGUALITÁRIO, E SE HOUVE AVANÇO É POR QUE AS MULHERES PERCEBERAM O PUNK COMO UMA POSSIBILIDADE REAL DE LIBERTAÇÃO, ESTREITAMENTO DE LAÇOS DE AMIZADE, DE LUTA CONTRA O PATRIARCADO E PELA EMANCIPAÇÃO DA MULHER PUNK DENTRO E FORA DA COMUNIDADE Por Hannah & Treva Muitas vezes, ingenuamente, acreditamos que determinada movimentação política, social ou cultural que esteja acontecendo no presente seja uma novidade, uma criação daquele momento histórico e que nós, participantes ou não, somos pessoas privilegiadas por ter a chance de presenciar tal acontecimento. Ledo engano! Em nosso raso entendimento, toda movimentação que presenciamos nunca tem início em nosso presente, mas sim no passado, seja ele passado próximo ou distante. É nesse passado que está a origem do que vivenciamos no presente, seja a explosão de um novo estilo musical ou uma violenta insurgência popular. Hoje, ao olharmos o Punk e suas vertentes, vemos uma nova safra de bandas (ativas ou inativas) femininas ou com a participação de mulheres. Pesadelo Cotidiano, Afronta, Ratas Rabiosas, Alto Nível de Insanidade, Lili Carabina, Gulabi, Sapataria, Bioma, Contraponto, Warkrust, Mar Morto, Bad Trip, Räivä, Guerra Urbana, Rastilho, Klitores Kaos, Violence Increases Fear, Aurora, Punho de Mahin, A Creche, Vasen Käsi, Blatta Knup, Detestável, Carrapato’s, Mau Sangue, A Vida Toda um Quase, Disindividu, Untraps, Manger Cadavre? entre outras tantas. Voltando um pouco ou muito no tempo, veremos que mulheres decididas iniciaram a luta por igualdade dentro do Punk, se tornando protagonistas de suas vidas e vivências ao se organizarem em diversas frentes, incluindo a criação de bandas que as representasse. Abuso Sonoro, Mácula, Útero Punk, Negative Control, Menstruação Anárquika, Ira dos Corvos, Tuna, Amor Protesto y Odio, Revolta Popular, Delito Anti-Social, Terror Revolucionário, Luta Armada, Feminil Kaos, Bulimia, Dominatrix, Kólica, Skizitas, Rebeldia Incontida, Kaos Klitoriano, No Rest, Indigesto, Pós Guerra, The Renegades of Punk, Justiça, One Day Kills, Cosmogonia, Lixo Suburbano, Infect, Diagnose, Baixo Calão e muitas outras. É nessa leva de bandas mais antigas que se encontra a Sub-Traídas. Antes de iniciarmos a tentativa de biografia da Sub-Traídas, um rápido lembrete. Apesar dos avanços tecnológicos dos últimos anos e de hoje em dia quase todo mundo carregar consigo um pequeno computador em forma de smartphone, nem sempre foi assim. Anos atrás, a grande rede não era tão popular e de fácil acesso e muitas bandas disponibilizavam informações de maneira amadora, precária. Com o surgimento de diversas plataformas especializadas em música e de redes sociais, a alternância de uso desses mecanismos fez com que muita informação fosse perdida ou estivesse, no mínimo, incompleta. Por isso essa biografia está longe de ser algo correto, com todas as informações, com aquela precisão cirúrgica do jornalismo investigativo. Mais do que tentar colocar em palavras toda a correria da banda, a intenção é tentar não deixar cair na vala do esquecimento a nossa própria história, sem contar que isso aqui é um zine Punk e não uma revista musical corporativa. No mais, valeu por entender nosso lado. Formada pelas amigas Bety (vocal), Fernandinha (guitarra), Ana (baixo) e Fernanda (bateria) no ano de 2003 em Osasco, cidade que fica na região metropolitana de SP, tinham como influências iniciais bandas como Cólera, Bulimia, Kólica, Mercenárias e outras bandas femininas e feministas que estivessem inseridas no Punk e na cena riot grrrl mundial. E por falar em Osasco, apesar da proximidade com a capital, Oz (como é chamada por quem lá reside) não é uma das maiores cidades da região metropolitana de São Paulo, mas sempre esteve presente no underground seja pela criação de espaços voltados a música independente, pelos eventos ou por uma série de bandas que lá surgiram desde os nãos 80. Uma das características do Punk sempre foi a criatividade, quase sempre aliada à ironia e sarcasmo. É algo presente na produção contracultural, inclusive em nomes de bandas, vindo desde a primeira geração até a atualidade. Uma leitura atenta ao nome da banda pode identificar um erro ortográfico, mas proposital, Sub-Traídas ao invés de Subtraídas. Segundo a banda, sub é por que mulheres viveram à sombra de homens e de maneira submissa durante boa parte da história da humanidade e traídas se refere ao sentimento que têm do sistema. Ao juntar as duas palavras originando Sub-Traídas, passa a significar a realidade das mulheres ao terem seus direitos subtraídos. Depois de um período básico compondo e ensaiando, começam a tocar pela região de Osasco e São Paulo. As apresentações energéticas, som e letras bacanas, fazem com a banda ganhe apoiadoras e apoiadores, fazendo que o nome Sub-Traídas aparecesse com frequência em cartazes


de gigs. Em 2005 participam ao lado de bandas como Ódio Social, Punkadaria, Hipocrisia Religiosa, Esgoto, Dissidentes, 2 Minutos de Ódio e de mais algumas da coletânea Abecedário Punk Vol. 2 da Acintoso Records, com a música Sociedade Suicida. Seguem as gigs e em 2009 participam de outra coletânea, a Reação Feminina, lançada pela Plebe Records (selo dos integrantes da Plebeus Urbanos e que lançou diversos materiais bacanas, inclusive de bandas de Osasco), que contou com bandas femininas de diferentes localidades do país, sendo elas Bertha Lutz, Bonecas de Trapo, Lolittas, Baby Lizz e Frida Punk Rock. Cada banda participou com quatro sons e os escolhidos pela Sub-Traídas foram Violência e Vício, População, Castelo de Lona e Quem é Você? Nesse período participaram de gigs com diversas bandas bacanas como As Bernadetes, RDK, Delito Anti-Social, Trancarua, Derrotista, Noskill, Geração Ofensiva, Condenados, Holocausto Sonoro, Apatia No entre outras nas cidades de Osasco, Itapevi, São Paulo e outras mais. Ainda teve uma pausa rápida devido à maternidade da batera Fernanda. E como sempre acontece em bandas, mudanças na formação são quase inevitáveis. Não conseguimos apurar a data exata, mas a Ana e a Fernandinha deram lugar a Cristiane e a Elaine. Em 2014 lançam via Plebe Records o CD O que há Para o Futuro? contendo 10 faixas, incluindo as que saíram na coletânea Reação Feminina. Com o CD pronto, as gigs continuam rolando, dividindo o rolê com as mais variadas bandas como Holocausto Sonoro, Plebeus Urbanos, Rebeldia Incontida, Psicultura e Lapinpolthajat, sendo que os rolês passaram por diversas cidades, entre elas Sorocaba, Diadema, Itapetininga, Santos e São Paulo. Mesmo com um CD recém-lançado e com a boa receptividade do mesmo, as atividades da banda foram rareando a partir de 2015. As últimas notícias de atividades da banda são de 2016, referentes à participação em eventos nas cidades de Guarulhos e Santos. Infelizmente, ficou nisso e de lá para cá não houve mais atividade, pelo menos não que ficássemos sabendo. Não houve comunicado avisando o fim da banda, nada do tipo. Acreditamos que a correria diária, as responsabilidades que surgem e que não podem ser empurradas com a barriga tenham motivado a banda a parar por um tempo. É uma pena, pois a Sub-Traídas tinha muito potencial e com certeza somaria muito na luta das mulheres no underground e, em especial, no Punk. Fica a certeza de essas garotas terem colaborado dentro do possível com uma cena Punk mais justa e igualitária, usando a contracultura como ferramenta de luta por direitos dentro e fora do Punk, já que nunca se negou a participar de eventos fora da cena e nem com bandas/artistas de outros estilos. E como não houve comunicado de encerramento, sempre fica a esperança que em um momento que a vida estiver mais tranquila, sem tanto estresse cotidiano, as garotas tenham tempo e paciência para retornar com a banda. Certeza que serão bem recebidas. https://myspace.com/subtraidas

https://www.last.fm/pt/music/Sub-Tra%C3%ADdas/+wiki

https://www.facebook.com/Banda-Sub-Traidas

MEMÓRIA ROLESÍSTICA TEM ROLÊ QUE PARECE UMA SAGA E FOI O CASO DESTE. METRÔ, TREM E DOIS ÔNIBUS PARA ECONOMIZAR UMAS POUCAS MOEDAS. A COMPENSAÇÃO VEIO PELO FATO DE ESTAR ENTRE AMIGUES, O QUE AMENIZA QUALQUER PERRENGUE. E PERRENGUE NÃO FALTOU NESSE Por Treva Geralmente as pessoas acham que evento inesquecível é aquele que conta com bandas gringas, em local grandioso, com estrutura impecável e que leva uma multidão. No Punk, isso não é uma realidade por diversos motivos. E na boa, não nos importamos. Para nós, um rolê foda é aquele que fazemos em companhia de pessoas que respeitamos e/ou gostamos, com bandas de parças, independente de quantas pessoas estejam no local e sem dar muita atenção à estrutura. O Spike Punk Fest foi um evento que rolou aos 22/08/2009 na cidade de Jacareí, interior de SP. Se não estou viajando, o evento era para comemorar o aniversário de 18 anos de um cara conhecido por Spike, daí o criativo nome do fest. Ninguém perguntou, mas só para aumentar a quantidade de linhas, depois desse evento nunca mais ouvi falar do rapaz. A região do Vale do Paraíba sempre teve uma movimentação interessante quando o assunto é o Punk e também outros estilos de música torta. Então, não foi surpresa quando começaram as conversas sobre esse fest, já que as bandas ao serem convidadas, já avisavam as pessoas próximas. A lista de bandas convidadas era grande e tinha Pé Sujus, 3º Mundo, Shit with Corn Flakes, Atos de Vingança, Anarcotreta, Kob 82, Jhaspion, Os Muleque Horrível, Amnésia Coletiva, PS-HC e umas bandas bem estranhas pro meu gosto, inclusive uma delas tocou um cover que era motivo mais que suficiente para os integrantes levarem umas bicudas. Mas começando pelo começo, digo que esse rolê foi uma odisseia típica da vida punk. Nos dias que antecederam o som, já tínhamos a ideia de que muita gente iria acompanhar as bandas da capital e rolava uma expectativa em saber quantas pessoas realmente iriam. Tudo teria sido extremamente fácil se tivesse rolado uma van alugada ou ido de ônibus, mas como punk gosta de complicar tudo, a ida e a volta acabou virando uma aventura. O evento estava marcado para começar às 21h00min ou algo próximo a isso, então nos encontramos algumas horas antes, por volta das 17h00min na estação Brás, uma das maiores da cidade, com terminal de ônibus e estações de metrô e trem. Um pouco antes, encontrei algumas pessoas em uma estação de metrô na zona sul, próxima de casa e seguimos para o ponto de encontro. Ao chegar à estação já tinha muita gente e ainda outras tantas estavam para chegar. Celulares não paravam de tocar, com punks avisando que estavam a caminho e que se rolasse algum atraso era para esperar. Os minutos foram passando e as pessoas chegando sozinhas ou em pequenos grupos, formando uma grande massa de punks. Se um/uma punk chama a atenção, imagina dezenas. Não sou bom em cálculos baseados no olhar, mas devia ter umas 80 pessoas, talvez


até mais. E quem circulava pela estação olhava de maneira curiosa, tentava fotografar ou filmar, sempre de maneira discreta por temer algum xingamento que seria até justo. Com todo mundo no local, hora de ir para a plataforma e pegar o trem rumo ao lado leste. Enquanto caminhávamos para a plataforma, éramos alvo de olhares curiosos, de reprovação e até de desdém. Interessante notar como qualquer atitude considerada fora da normalidade, mesmo que sejam apenas vestimentas ou cortes de cabelo, é capaz de provocar e incomodar as pessoas. E dentro do vagão não foi diferente, com muita gente aproveitando a deixa e pegando o mesmo vagão e tentando uma aproximação. Não é sempre que se veem tantas pessoas punks juntas e dispostas a interagir. Entre conversas sobre o que é o Punk, o porquê das roupas e cortes de cabelo , pedidos de foto e até mesmo sobre a ideologia política, teve punk que aproveitou para dar aquela mangueada básica e faturar uns trocados. Entre a estação inicial Brás e a final Estudantes, foram 15 estações, uma baldeação no melhor estilo “sai da frente que passo por cima” para entrar no outro trem e cerca de 1h30min sacudindo dentro da grande lata velha. Depois de um bom tempo no trem, finalmente chegamos a Mogi das Cruzes e você aí deve estar pensando “ué, o rolê não é em Jacareí?” Como escrevi lá no começo, punk gosta de complicar. Pegar um busão na rodoviária impossibilitaria que todo mundo fosse junto, sem contar o valor da passagem que era mais caro. Alugar um busão teria sido uma boa ideia, mas acho que ninguém imaginou que tantas pessoas topassem esse rolê, então o jeito foi complicar para que todo mundo fosse. Ao chegarmos à última estação do ramal, mais punks nos aguardavam na plataforma. Algumas pessoas residiam na cidade, outras foram mais cedo e ficaram por lá esperando o restante. A estação era típica de uma cidade do interior, simples, sem a modernidade das estações que foram reformadas, tanto que para passar de uma plataforma para a outra, cruzamos pela linha férrea, utilizando uma pequena escada ao final da plataforma para descer e subir. As poucas pessoas que estavam na estação observavam com interesse aquela movimentação diferente. Já do lado de fora da estação, hora de procurar algo para comer e beber, já que as informações eram de que não havia mercado no entorno do som. Sem contar que a entrada era um pacote de breja ou R$ 10,00 e obviamente era mais econômico comprar uma breja de qualidade duvidosa. Depois do reabastecimento, hora de pegar o busão para Jacaré. Sim, depois do trem, agora tinha um busão intermunicipal. Não tenho muitas lembranças dessa parte do rolê, só de parte das pessoas pagando a passagem enquanto outras passavam por debaixo da catraca sob o olhar complacente do cobrador. E sei lá depois de quantos minutos, chegamos a Jacareí, mais precisamente no centro da cidade. E quem pensou que já estava encerrada a questão de mobilidade urbana, ainda tinha outro busão. Nesse momento eu já tinha provado algumas das bebidas que o pessoal levava e como sou um bunda mole, já estava um pouco aéreo, o que limita as minhas lembranças. Não é nada para me orgulhar, só estou justificando algum furo na narrativa. O terminal de ônibus das linhas municipais e intermunicipais (de cidades próximas) ficava no mesmo prédio que a rodoviária, só que em uma rua lateral. Ao chegarmos, o local estava repleto de jovens, com headbangers, góticos, um pessoal meio hiponga e a rockeirada de praça, com todo mundo alegre. Como nosso próximo transporte tinha hora para sair e ainda sobravam uns minutos, geral foi procurar algo para comer ou mais bebida, fumar um cigarrinho de artista ou estabelecer algum contato com aquela molecada doida que lá estava e também seguia para o fest. Assim que o veículo parou, a desarrumada fila virou uma zona, Vi gente entrando pela porta traseira, pelas janelas, enquanto rolava aquela confusão desorganizadamente organizada na porta do busão. Ligeiro, passei boa parte das pessoas que se acotovelavam e logo já estava na catraca. Para não perder o hábito, tinha muita gente passando por debaixo da catraca e um, pasmem, passou por cima. Mas não um passar por cima pulando a catraca, foi literalmente surfando por cima das pessoas, praticando crowd surfing dentro de um ônibus. Histórico! Inclusive consegui fotografar (daquele jeito, né) parte da cena, já que era um acontecimento que merecia ser registrado para a posteridade. Depois de uns minutos de algazarra, finalmente o busão segue pelas ruas de Jacareí, abarrotado como se estivesse em horário de pico em uma grande cidade. Falaram que do Centro até o local era rápido, mas o álcool somado ao busão cheio, um baita falatório e as ruas escuras e desertas da cidade, davam a impressão de estarmos andando em círculos. Demorou um pouco, mas chegamos. O ponto era próximo ao local e o ônibus esvaziou por completo, só restando o cobrador e o motorista. Uma rápida caminhada e finalmente chegamos. O lugar era tipo uma chácara, terreno grande e em declive, com uma casa legal. Assim que entro, vou dar uma conferida em quem estava por lá, ver o movimento e pegar uma breja. E aí que a coisa fedeu, porque a breja já tinha acabado. As únicas disponíveis eram as que tinham sido trazidas pelo pessoal que estava no mesmo busão que eu e estavam quentes. E como nada do som começar, decidi procurar algum boteco por perto na intenção de comer e beber algo. Quase ao lado da casa tinha uma quitanda, onde foi possível comprar um pacote de bolacha para forrar o estômago e o melhor, um boteco no fim da rua. Mas não era um boteco qualquer, e sim um com jukebox rolando forró. Pois é, eu e mais uma meia dúzia de punks sem noção descemos até o forró e foi só alegria. Fomos bem recebidos pelas pessoas presentes, muitas vieram trocar ideia, até o dono do lugar foi simpático, já antevendo as moedas extras que iria faturar. De minha parte, só queria beber e consegui graças a duas senhoras que estavam na maldade com a minha inocente pessoa. Tudo estava indo bem, eu sensualizando de um lado da mesa e elas sensualizando do outro lado, conversa interessante, álcool fazendo efeito e eu desencanando de ver as bandas, até que uma delas perguntou se eu sabia dançar. Cortou a brisa. Dei um pequeno perdido dizendo que ia ver como estava o show e que depois eu voltava. Aí, ao sair do forró, vejo o aniversariante vindo em minha direção todo esbaforido e dizendo que eu e as outras pessoas não podíamos ficar ali, que deveríamos voltar para o som. Eu, sem entender como era possível minha mãe estar incorporada naquele adolescente, em outra cidade, tarde da noite e me dando esporro, o acompanhei juntamente a outras pessoas, rumo ao som. O problema era que o protótipo de punk não parava de falar, reclamando por não estarmos no som, que a polícia ia nos levar, que ia trancar o portão para que ninguém saísse, umas doideras sem sentido que acabou por me irritar. Simplesmente deixei o garoto falando e voltei para o forrozão. Chegando novamente ao bar, vi que tinha punks que não lembro estarem lá antes. Essa confusão mental com certeza era culpa do álcool. Não sei por quanto tempo fiquei lá, mas acho que não foi muito. Passado uns minutos, o restante de punks decide voltar para o som, sendo recebidos pelo aniversariante mala sem alça que voltou a reclamar. Gente, que moleque chato! Já bem louco, hora de aproveitar o rolê. Entre uma banda e outra, uma volta pela área, observando o movimento, trocando ideia, tentando achar uma água (isso mesmo, água). Foi aí que me falaram estar rolando uma safardanagem dentro da casa, e lá vou eu conferir com esses olhinhos


que a terra há de comer. Nos quartos rolava um surubão no melhor estilo Calígula. A rockeirada adolescente, alterada pelo consumo de álcool e outras coisas, não perdeu tempo. Todos os clichês negativos usados por quem é do rock quando se refere a bailes funk estavam lá. A parada era uma bomba: álcool, drogas, sexo sem proteção, talvez sem consentimento em alguns casos, menores e maiores de idade. A cena cortou minha brisa e deu uma amuada. Depois do que vi, o efeito do álcool foi passando rapidamente e aproveitei o rolê mais de boa. Vi as bandas, troquei ideia com muita gente, vi mais cenas bizarras, compartilhei momentos engraçados com quem estava lá e, por bom comportamento, ganhei um selinho. Teve até dois doidos que não vou citar os nomes, pularam na piscina. O detalhe assustador é que fazia um frio congelante na madrugada. Com relação às bandas, o pessoal agitou muito durante as apresentações. O problema foi que várias não puderam tocar porque o equipamento era das bandas da região e após tocarem, queriam levar embora. Pelo que lembro tortamente, rolou muita conversa para que deixassem as bandas de São Paulo usar o equipo, o que funcionou por um tempo e permitiu que Jhaspion, Pé Sujus, Kob 82, Shit with Corn Flakes se apresentassem. Mas quando os rockstars decidiram que queriam ir embora, não houve jeito e nessas Anarcotreta, Atos de Vingança, PS-HC, Os Muleque Horrível ficaram sem tocar. Por problemas não relacionados ao som, o 3º Mundo acabou não tocando, mas alguns de seus integrantes colaram no som. Também teve apresentação da Amnésia Coletiva e de umas bandas bem esquisitas, diria que com alta tendência a ser lixosas. Felizmente, essas fuleiragens acabaram. Terminado o som, hora de fazer a chamada e ver quem está perdido, encontrar quem falta e voltar para a capital, fazendo tudo de novo. Mas como Punk gosta muito de complicar, deu ruim à volta. Sei lá quem indicou o ponto de ônibus e lá fomos nós. Os minutos foram passando, passando, uma friaca assassina que fez com uma fogueira fosse acesa na rua, de tão frio que estava. E os minutos continuavam a passar, lentamente, como se ninguém estivesse com fome e frio. A alegria deu lugar a irritação, o silêncio se fez presente, quando um carro dobra a esquina e freia bruscamente. Certeza que ficaram assustados ao ver uma renca de punks em torno de uma fogueira e rapidamente voltaram pelo mesmo caminho. Bom, isso alegrou um pouco o pessoal. Nisso, alguém que passava pela rua foi interpelado sobre o horário do ônibus, explicando que o mesmo passava na rua debaixo. Horas naquele frio, com fome, um cansaço fudido e no ponto de ônibus errado... bem Punk isso. Descemos a rua e o busão estava no ponto com algumas poucas pessoas entrando. A felicidade foi imensa. Chegando ao Centro de Jacareí, fomos procurar alguma padaria aberta para matar a fome. Como algumas pessoas estavam sem dinheiro, a solidariedade esteve presente e ninguém ficou sem ter o que comer. Com o pessoal devidamente comido e bebido, algumas pessoas decidem pegar o busão na rodoviária, que apesar de mais caro, era mais rápido. Aquela despedida básica e seguimos para o outro busão que ia para Mogi das Cruzes. O silêncio era quase total, com poucas conversas e muito cansaço. Já em Mogi, outro pequeno grupo se despede por serem da cidade e seguimos de trem para a capital. Entre uma piada e outra, alguns roncos chamavam a atenção das pessoas. A cara de derrota da punkaiada era visível, mas no fundo todo mundo estava feliz. Era uma época legal, o rolê era no mundo real e não no virtual, as redes sociais ainda não dominavam nossas vidas e estar com as pessoas era mais interessante do que cuidar da vida alheia através de uma tela. E o principal, mesmo tendo problemas que ainda hoje são pertinentes, existia uma camaradagem saudável entre as pessoas, um desejo de que o próximo final de semana chegasse logo para estarmos juntos nas aventuras que o Punk propiciava. Durante o trajeto de retorno, o pessoal ia se separando aos poucos, algo um pouco melancólico, até que sobrou eu e mais um, que era meu vizinho de bairro. Descemos na mesma estação, felizes por estarmos a pouquíssimos minutos de nossos cafofos (ele morava mais perto da estação e se tivesse me convidado para dormir na casa dele, na cama dele, até de conchinha, eu tinha topado, porque eu estava só o pó da rabiola). Outra despedida e sigo vagarosamente pelas ruas, com a sensação de que a cada passo meu quarto ficava mais distante. Ao chegar onde moro, muitas pessoas estavam na pracinha em frente cuidando de crianças, conversando ou indo à feira, e eu todo mulambo, sujo, com aquele semblante de derrota, mas feliz por não ser aquelas pessoas. E claro, pessoas de bem são pessoas de bem em qualquer época e a vizinhança futriqueira não conseguiu evitar os olhares indignados. Ao falarmos sobre o Punk, sempre mencionamos a produção contracultural, as bandas, distros, zines e gigs, as tretas com pilantras, as participações em manifestações, o visual, mas quase nunca mencionamos a amizade, a camaradagem que essa comunidade pode nos propiciar. É como se falar de algo que envolva sentimento tornasse o Punk menos ameaçador, o que é uma besteira. A amizade é algo que deve ser cultivada e valorizada. A saga que envolveu ir e voltar desse rolê serve para nos lembrar da importância da estar entre amigues e de sermos menos arrogantes e individualistas, de cuidarmos mais de nós. As diferenças existem e não devem ser motivo para odiar e sim para exercitar a capacidade de diálogo e superação de diferenças. E ao colocar os pés em casa, só deu tempo de avisar mamis que eu estava vivão e que só sairia da minha tão amada cama à noite, o que foi cumprido sem dificuldade.

GIGS Por Treva CRIMETHINC – 06/07/2019 – CENTRO DE CULTURA SOCIAL – SÃO PAULO/SP Depois de passar boa parte da manhã e tarde em uma luta de MMA com o ralo de casa, acabei sendo nocauteado violentamente, perdendo a luta e um bocado da autoestima. E com o ânimo detonado, sem poder lavar roupa e tomar banho, decidi encarar a friaca brava e seguir rumo ao CCS para ver o debate e tentar aprender algo de bom. Em sua segunda passagem pela pocilga Bra$il, o coletivo estadunidense Crimethinc esteve fazendo um belo rolê passando por 14 cidades e divulgando o livro Da Democracia à Liberdade: a diferença entre governo e autodeterminação. Inicialmente a turnê, organizada pela No Gods No Masters, estava programada para acontecer entre abril e maio, mas acabou sendo adiada e rolou entre junho e julho.


Cheguei ao local com um pouco de atraso (culpa do ralo) e a conversa já tinha iniciado. Ao entrar na sala e dar uma rápida olhada, a primeira coisa que notei foi a ausência de punks. Tá certo que punk “sabe” tudo, então colar nesse tipo de evento é desnecessário. Melhor é encher o tóba de pinga e chutar saco de lixo. O local não estava cheio, o que não me surpreendeu, já que isso que chamam de ex-querda tem se mostrado cada vez mais enfraquecida e atordoada depois de levar tanta porrada. Sem contar que debater política, militância e coisas do tipo é legal em redes sociais. Mas conforme os minutos foram passando, mais e mais pessoas foram chegando, lotando o espaço e dando um pequeno sopro de esperança. Debates podem facilmente empapuçar, mas não foi caso deste. Em pouco mais de duas horas de conversa, Brian, representante do Crimethinc, mandou um papo reto sobre diversos assuntos. Mas o papo também foi entre xs presentes, com as pessoas expondo suas opiniões e vivências. Coletivos, crowndfunding, jardinagem, autodeterminação, antifascismo, editais públicos e em como a ideia de democracia pode ser usada por diferentes grupos políticos e até mesmo por déspotas conforme seus interesses, foram alguns dos assuntos abordados durante a troca de ideias. Não vou me aprofundar porque isso aqui é uma pequena resenha, mas se o pessoal for minimamente humilde, muito do que foi debatido servirá para questionamentos acerca de nossas posturas individuais e coletivas. Independente da minha boa ou má vontade, a impressão que tive é que parte das pessoas estavam lá para mostrar o quanto são mais anarquistas que outras. Em várias falas era nítida a soberba, como se o anarquismo levasse as pessoas a um nível superior de entendimento dos problemas do mundo. Sobrou até para punks, que como disse logo no começo, nem colaram, demonstrando um grande desconhecimento da falastrona que acreditava ser o suprassumo da militância anarquista. Eca! Continuo acreditando que esse tipo de evento é essencial para o enriquecimento do debate, mesmo que isso signifique vontade de vomitar ao escutar algumas pessoas. Estamos em constante aprendizado e conseguir controlar a náusea faz parte. Compartilhar experiências e conhecimento é essencial para o aprendizado e para um maior fortalecimento de quem estiver dispostx a lutar. Como diz minha mãe, “o saber não ocupa espaço”. TERRORISMO SONORO: DISFONIA, EXISTÊNCIA MISERÁVEL, ESTORVO SONORO, DISCHAVIZER, MAU SANGUE – 06/07/2019 – SÓTÃO ESTÚDIO & PUB – SÃO PAULO/SP Quando 2019 começou, euzinho, todo feliz, achei que ia estourar de tanto colar em rolês. Os meses foram passando e eu ficando em casa, ora por ser um saco de vacilo e não prestar atenção nos avisos que surgem na rede social, ora por falta de moedas. Tem vez que a parada fica tão desgracenta que até evento gratuito eu acho caro. Sai de mim “nhaca” financeira! Com o fim do primeiro semestre, revalidei a esperança para o segundo. E não é que comecei bem. Depois de colar no debate com a participação do Crimethinc, encarei o frio siberiano e segui para esse som que foi do jeito que gosto: bandas legais, com fácil acesso e de graça. Não acredito que som, material ou qualquer outra produção punk tenha a obrigação da gratuidade, muito pelo contrário. Entendo que é necessário algum dinheiro circulando no Punk, mas quando a carteira está na UTI, são os eventos gratuitos é que salvam a vida. Enquanto seguia para o som e alimentava meu recalque por estar perdendo mais uma vez o Face to Face (que tocava na cidade no mesmo dia), torcia para que rolasse um pequeno atraso no som. Se existe algo que me irrita são os atrasos recorrentes. Já utilizei várias vezes as porcas linhas do zine para reclamar desse hábito que considero contraproducente. Pois é, e quando eu torço por ele, não acontece. O som começou no horário marcado e acabei perdendo as duas primeiras bandas, as novatas Disfonia e Existência Miserável. Ao chegar, quem estava na reta final do barulho era a também novata Estorvo Sonoro, mandando um grind/crust metalizado. Sem demora, foi a vez do Dischavizer, duo que está cada vez mais afiado e mandando muito bem. Bandas com formações atípicas como essa mostram a versatilidade ainda existente no Punk. E encerrando o rolê, teve a Mau Sangue, que mesmo com a ausência de uma guitarrista, não perdoou e detonou nos sons e ideias. E aqui vai uma dica de bom comportamento: não é a primeira vez que vejo mulheres mandando ideias em gigs e homens fazendo questão de também falar, ou melhor, repetir a fala da mulher, como se houvesse uma necessidade de legitimá-la. Escutar também é uma maneira de apoiar. Mas a melhor fala veio de uma garota, que ao perceber o falatório masculino, mandou um “deixa as minas tocar” que foi lindo, fazendo com que o silêncio masculino voltasse e a ideia pudesse prosseguir sem interrupções. Enquanto voltava para casa, esqueci o recalque por não ter ido no Face to Face e me vi em uma reflexão sobre a atual situação do Punk. Depois daquela aporrinhação que foi os tais 40 anos do rolê, onde muita gente nada a ver aproveitou e surfou uma onda que não era a sua e outras tantas pessoas inflaram seus egos escorando-se em situações (algumas vexatórias, diga-se de passagem) vividas no passado, é gratificante ver que tem muita gente nova (ou nem tão nova assim) produzindo cultura punk em suas mais variadas formas, sejam bandas, canais, blogs, zines, espaços, distros, coletivos ou organizando gigs, tudo isso sem esquecer o viés político. Até porque o Punk sem política é só rock, e isso até o ultraje a rigor toca. E para o pessoal curva de rio que sonha com um rolê despolitizado, onde fique mais fácil e aceitável suas merdas, digo que estão perdendo seu tempo e que é melhor procurar outra coisa para fazerem nas suas medíocres vidas. SOLIDARIEDADE PUNK – 26/07/2019 – UNDERGROUND CLUB – SÃO PAULO/SP Existe uma imensa diferença entre colar em som e organizar um. Ainda que o Punk nos permita alguns desleixos, a real é que não é tão fácil como a maioria das pessoas imagina. Por isso, faço questão de deixar aqui minha admiração por quem insiste em organizar gigs, mesmo consciente dos riscos envolvidos. Depois de anos de envolvimento com o Punk e de colar em tantas gigs, finalmente decidi (tentar) organizar uma. E aí que a coisa fica estranha, porque é um misto de prazer e dor de cabeça. A inexperiência somada à inocência em acreditar no proceder de punks é receita para o desastre. E certeza de que todos os erros que costumeiramente critico, coloquei em prática. Pessoalmente, acho que o atual momento político faz com que seja necessário reafirmar de qual lado da barricada realmente estamos, mas longe


de achar que é obrigação do Punk iniciar uma revolução armada visando destruir o sistema e criar uma sociedade mais justa. É um papo bonito, tentador, mas com a capacidade organizacional (e em alguns casos, intelectual), isso fica no campo da fantasia. Falas românticas de uma época inocente. E foi pensando no momento político, na guerra declarada à cultura, educação e movimentos sociais e na bundamolice de muitas bandas “punks” que preferem fazer de conta que nada acontece para evitar ter que tomar posicionamento e correr risco de perder algumas moedas arremessadas por bajuladorxs, é que pensei em um evento reunindo bandas legais, com preço acessível de cinco facadas no bozo e renda revertida para o Centro de Cultura Social, espaço político anarquista que existe e resiste desde 1933 e de fundamental importância para a politização de punks dos anos 80 e 90. Mesmo com o espaço sendo cedido gratuitamente, com as bandas somando sem receber nada em troca e tendo um por que do evento estar rolando, muita gente preferiu pagar de esperta e ficar embaçando na porta para depois meter o biruta e entrar sem pagar. Se pelo menos essas pessoas gastaram as cinco facadas no local e viram todas as bandas, minimiza a preguiça que esse tipo de atitude causa. No mais, por essas escrotices que insistimos em fazer é que não temos um grande festival nos moldes daqueles que pagamos um pau, não temos espaços onde seja possível experimentar uma vivência punk em toda a sua plenitude, por isso as gravadoras, distro e zines encerram as atividades, pessoas ou coletivos deixam de organizar eventos e por aí vai. Somos nós, punks, que ferramos com tudo. Pé’s de breque not dead! Casa aberta cedo, pessoal chegando aos poucos, muitas conversas e quebrando a calma, uma batida policial em uma residência no quarteirão seguinte de onde estávamos. Várias viaturas, motocicletas e até o helicóptero na operação cinematográfica que, aparentemente, resultou em nada. Só para encher linguiça na resenha, o helicóptero fez questão de iluminar o punhado de punks que estavam na frente do Underground Club, recebendo em troca “acenos” educados e animados. Com um atraso simpático, o barulho começou com a Lamúria, banda nova e que entrou no rolê aos 45 minutos do segundo tempo. Quem iria participar era a Disfonia, mas por problemas pessoais de um dos integrantes, acabou não rolando. Por estar em cima da hora e com a dificuldade em encontrar outra banda disposta a participar, desencanei e achei melhor ficar só com cinco bandas e evitar preocupações. E do nada, no dia do som, após uma rápida troca de ideias com o Felipe (guitarrista da Lamúria), o evento volta a ter seis bandas. E na boa, que baita banda! Nova, com poucas músicas, mas com aquela brutalidade que amamos. Grindcore periférico, politizado e radical como o Punk deve ser. Sem embaço, a próxima foi a Satanlivre. Pô, como não gostar de uma banda com esse nome? Tendo integrantes da Lamúria e de outras bandas que não mais existem, mas que trilharam um caminho mais radical dentro do Punk, a Satanlivre detona um crust com letras curtas e muita ideia entre os sons. Na sequência teve Weirduo, novamente detonando apenas com bateria, baixo e vocal. A parada é tão foda que nem lembramos a ausência das seis cordas. Assim como ocorreu nas apresentações anteriores, muita ideia trocada entre os sons. Em tempos de polarização política e de avanço da direita, é importante uma conversa rápida entre os sons, uma explicação sobre a letra. Gig não é comício, mas o Punk sem postura política real é apenas rock e isso já tem muita banda fazendo. A próxima foi a Voz Ativa. Tinha uns 10 anos que não via a banda e a última vez foi em um evento tão foda que teve até morte. Pois é, e depois de tanto tempo finalmente rolou uma oportunidade de ver os moleques. Hardcore punk raivoso, “tumultuento” e feito por algumas figuras do punk paulistano. Em meio a banhos de cerveja e água, cusparadas e empurrões nos integrantes, o pau comeu, com o pessoal agitando muito. O líquido derramado no chão fez com que o mesmo ficasse escorregadio, levando muita gente a capotes memoráveis, mas sem perder a classe. Á pedido do Thiago (batera da Voz Ativa e Hino Mortal), uma banda tocaria entre elas para dar tempo do mesmo respirar e se recuperar, e nisso seria a vez da Discrepante. Infelizmente, por vacilo do zé ruela que organizou a parada, integrantes do Hino Mortal já foram para o palco preparar suas coisas e os rapazes do Discrepante ficaram de fora. Vacilo imperdoável da minha parte. E o Hino Mortal era outra banda que fazia muito, mas muito tempo que não via, mais precisamente desde o festival A um Passo do Fim do Mundo. O pessoal agitou, mas devido ao horário, ao álcool e espertxs com o piso escorregadio, foram mais cautelosxs e o pogo ñ ficou descontrolado. A minha primeira tentativa de organizar um som teve bandas bacanas de várias vertentes punks, foi em um espaço legal e de fácil acesso, teve preço decente e ainda visava somar com o CCS. Mas isso não quer dizer que tudo funcionou bem, porque estaria mentindo. Poderia ter sido bem melhor, focando mais na dinâmica da parada para fazer tudo funcionar 100%, mas não rolou. Fica aqui meu pedido de desculpa e se rolar outras aventuras no campo da organização, só posso dizer que tentarei fazer a parada funcionar de maneira correta. No mais, muito obrigado ao Underground Club, bandas e a quem colou e colaborou com a entrada. A rebelião punk não deve ficar apenas em palavras, nos visuais ou nas pilhas de materiais. Ela pode e deve ser colocada em prática cotidianamente. 90 EM CHAMAS, PUNHO DE MAHIN, ATOS DE VINGANÇAS, KANCER S.A., HINO MORTAL – 18/08/2019 – JAILHOUSE PUB – SÃO PAULO/SP Domingão preguiçoso com tempo bom e rolê foda. Mas antes do rolê propriamente dito, uma passada no Centro de Esportes Radicais para ver a sessão gratuita do Tony Hawk e outros skatistas que não conheço. Logo que cheguei ao Centro rolava um Suicidal Tendencies nas caixas de som que animou mais ainda. Entre velharias do punk, manobras no half pipe e muita gente circulando (incluindo crianças), a sessão terminou e logo começaria um tributo ao Charlie “Bronha” Jr., o que significava que era a hora de vazar do lugar e, da região central, seguir para zona leste. Foi a primeira vez que colei em um som na Jailhouse Pub, que vem recebendo com certa frequência eventos com bandas punks em domingueiras. Espaço bacana com diversos comes e bebes, lugares para sentar, palco e som decente. Fica a torcida para que o pessoal apoie o espaço colando nos eventos e consumindo no local. Com um pequeno atraso que não chegou a atrapalhar o rolê, a primeira banda a se apresentar foi 90 em Chamas. Foi a primeira vez que vi os rapazes, que mandam muito bem um punk rock com letras questionadoras e várias ideias trocadas com o pessoal. O vocalista Hugo fez questão de lembrar o período estranho no qual vivemos e de qual lado da barricada estamos. É isso que bandas punks devem fazer, assumir postura crítica em tempo de retrocessos.


Punho de Mahin é uma banda novíssima, mas com integrantes calejadxs no Punk e que estão ou estiveram envolvidxs com as bandas Ódio Brutal, Bandido da Luz Vermelha, Condenados e Vozes Incômodas, e que vem sendo muito comentada pela proposta: uma banda formada por afrodescendentes que denuncia o racismo estrutural vigente e indecente, utilizando o Punk como ferramenta de enfretamento a essa doença social. Em uma época onde o presidente, cada vez que abre a boca faz lembrar um butico com diarreia, cuja matéria fecal líquida parece alimentar uma caganeira intelectual coletiva que contaminou uma parcela significativa da sociedade, foi lindo ver afrodescendentes no palco detonando um punk/hardcore e com temática altamente indigesta para bolsominions e pessoas senso comum. A tão falada diversidade no Punk pode não estar no nível desejado, mas é verdadeira e tende a melhorar. Depois de um tempo hibernando, Atos de Vingança voltou à atividade tendo como novidade o retorno do vocalista original, Rafael. E depois de anos afastado, foi show de bola vê-lo novamente na banda, dividindo os vocais com o guitarrista e vocalista Diego. Mesmo sendo apenas a segunda apresentação desse retorno e estando sem ensaio, o quarteto mandou muito bem na sua mistura de d-beat com altas doses de metal. Sem embaço entre as bandas, na sequência teve os equatorianos do Kancer S.A. A banda é quase que completamente desconhecida por aqui, mas mesmo assim conseguiu marcar diversas datas, a princípio passando por RS, PR, SP, RJ e MG. Fora o rolê na terra das florestas incendiadas criminosamente, a garotada começou no Equador e também passou ou passará pelo Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai, Colômbia e Peru, tudo isso no melhor esquema diy, mais uma vez lembrando-nos que o underground pode ser autossuficiente desde que haja cooperação e não competição. Fazer o Punk funcionar mantendo sua independência depende unicamente de nós. A apresentação da garotada foi muito boa, hardcore com algumas passagens semi grind e parece ter agradado à todxs, a despeito de serem desconhecidos. Sem contar que os caras são gente fina e estavam visivelmente felizes pelo rolê, interagindo com todo mundo. Encerrando a tarde e noite barulhenta, teve Hino Mortal. Como o espaço fica em área residencial, o barulho vai somente até às 22h00min, facilitando imensamente o retorno para casa. E com a carcaça dando sinais de desgaste depois de horas na rua, alternei momentos de tranquila observação da apresentação da banda por uma janela bem ao lado do palco, com outros sentado e lamentando a dor nas costas e pés, problemas relacionados à (um) idade avançada. Rolê foda em um espaço bacana, com bandas punks musicalmente diferentes entre si, preço acessível, terminando cedo e tendo a chance de rever pessoas queridas. O que mais se pode querer em um domingo? EXÍLIO & NUNCA – 24/08/2019 – ESTÚDIO LAMPARINA – SÃO PAULO/SP Em uma semana que vimos parte das florestas brasileiras sendo reduzidas a cinzas e a classe política, em especial, o capitão e sua corja passando vergonha ao falarem toneladas de besteiras a respeito da questão ambiental, nada melhor que bons rolês para nos fazer esquecer um pouco de como tem sido difícil acordar todo dia nessa pocilga e encarar a realidade. Quem tem o azar de me conhecer sabe o medo que sinto do frio. Dependendo da temperatura, troco fácil um rolê em boa companhia pela solidão do quarto. Para encarar o frio eu sou frouxo mesmo, mas tem vez que é necessário encontrar alguma valentia e a noite de hoje me fez procurar e encontrá-la, mesmo com alguma dificuldade. Em uma noite com vários rolês bacanas acontecendo simultaneamente na cidade, a escolha foi difícil. Decidido em qual colar, hora de arrumar os agasalhos, encher a pança e seguir para o som. Mesmo com a coragem presente, demorei a sair de casa, já que a bundamolice estava tentando atrapalhar. Chegando ao local do som, a primeira surpresa foi trombar o parça Fralda que não via há mais de uma década. Em meio a tantas notícias ruins, é sempre bom ver que pessoas conhecidas continuam vivas, criando e compartilhando. Além disso, foi uma surpresa o local que é muito maneiro, uma casa enorme e que te faz ficar de boa facilmente. Após uma rápida conversa com o parça sumido, subo as escadas rumo à sala onde o barulho acontecia e chego na reta final da apresentação da novata Exílio. O duo guitarra/vocal e bateria detona uma mistura de black metal com doom, sempre com muito peso e lentidão, sendo a trilha sonora ideal para uma pessoa perdida em um pântano prestes a pisar em areia movediça e tendo a certeza que morrerá por lá sozinha. Aproveito os minutos de intervalo entre as bandas para colocar um pouco do papo em dia e vou com o parça vê-lo telar um moletom para o Heron (Uzômi). Enquanto o trampo era feito, a conversa rolava solta tendo como trilha sonora o DVD The Ultimate Revenge 2, bem na parte das bandas Death e Dark Angel. Sério, é por isso que eu amo esse tal de underground e a capacidade que ele tem de proporcionar momentos legais. Eu mantenho uma relação afetiva com a Nunca por motivos nada a ver com cena. A banda é originária de uma cidade do interior de SP (Araras) onde minha mãe nasceu e tem família. Durante a infância ia para lá com certa frequência e gostava, já que era a chance de ver e conhecer coisas que a capital não poderia oferecer. E depois de burro velho, já com a vida entortada pelo barulho, descobri as bandas Hinfamy e Kuolema que eram da cidade e outras de cidades vizinhas que tinham uma incrível capacidade de fazer música foda. Depois de algumas linhas repletas de sentimentalismo, bora voltar ao que interessa. Nunca já esteve diversas vezes de rolê pela Grande SP, mas eu sempre vacilava e perdia a oportunidade de ver a banda, mas dessa vez isso não aconteceu. E na boa, que parada foda! Uma mistura brutal de crust, black e death metal, além de uma parte lírica fodástica. Apesar do local não estar cheio, isso não interferiu na brutalidade com que o trio detonou seus sons, atropelando xs presentes em um set curto e sem firula. Assim que encerraram a apresentação, fiquei pensando em como perdi tantos rolês dos caras por aqui. A noite de sábado estava só começando e já tinha tido a chance de conhecer mais um espaço legal, ver bandas fodas pela primeira vez, rever pessoas e tudo isso de graça. Dessa vez nem o frio foi capaz de estragar o rolê. E pensar que ainda tinha mais por vir. WOMEN N’ CRUST – 24/08/2019 – MORFEUS CLUB – SÃO PAULO/SP Dando sequência a essa maravilhosa noite de sábado (tirando a parte que diz respeito ao frio siberiano), após a gig com Exílio e Nunca, segui para o segundo rolê, um fest que contou com oito bandas fodas que contam com a participação de mulheres e seguem a cartilha do crust, cada


uma com suas características. Esse evento foi organizado pelo Coletivo Levante das Minas, conhecido por organizar e divulgar a produção musical torta feita por mulheres. Sem desmerecer os outros eventos, mas acredito que esse tenha sido o maior e foi lindo. Chegando ao local, vi umas poucas pessoas do lado de fora e pensei que o som poderia estar minguado ou todo mundo dentro do pico. Felizmente foi a segunda opção e para minha surpresa, o lugar estava cheio. Isso mesmo, cheio. Com presença feminina em maior número, isso serve para lembrar-nos que quando elas sentem-se seguras, com certeza colam no evento. Só a presença das mulheres teria enchido boa parte dos rolês que colei nos últimos tempos, então é algo para refletir. Além dxs punks (cê jura?), muitxs bangers e góticxs estavam presentes. Também tinha diversas mesinhas com materiais para todos os gostos e bolsos, brechó e ainda tinha muita gente para conversar. Ia rolar a exibição do documentário Viver pra Lutar, mas como cheguei com rolê já caminhando e na euforia com o que estava acontecendo, esqueci o doc. Por tudo que já foi dito linhas acima, fica fácil entender que estava fodástico! Sérião, é o tipo de rolê que me faz acreditar no Punk, em um senso de comunidade que seja mais igualitária e autossuficiente. Como estava vindo de outro rolê, ao chegar a carioca Stërko já estava no palco. O quinteto conta com duas vocalistas e mesmo sendo uma banda nova, mostraram muita garra ao mandarem um crust com influências de metal e não esquecendo a ideia para trocar entre sons. Um pessoal veio acompanhando a banda, o que é muito legal, já que é uma chance para conhecer outras pessoas, trocar ideias, estabelecer contatos e conspirar. Mesmo sendo uma banda nova e, de quebra, desconhecida por muita gente, o pessoal prestigiou a apresentação e inclusive tinha muita gente agitando. Sem embaço, quem estava no palco era a Nuclëar Fröst. Gente, o que foi aquilo? Parecia que tinha um busão biarticulado manobrando no local. A brutalidade gerada no palco teve resposta imediata na pista, com o pessoal agitando muito. Além da energia da banda, a camaradagem e respeito que se fez presente ajudaram no clima. Já vi várias apresentações da banda, mas buscando na memória não me lembro de nenhuma tão foda quanto à dessa noite. Talvez a participação no Massacre Crust em 2018, mas sei lá, parece que dessa vez xs integrantes estavam decididos a liquidar todo mundo. As boas conversas faziam com que o intervalo entre as bandas passasse num piscar de olhos, e logo quem estava no palco era a Manger Cadavre? Depois do atropelo que foi a Nuclëar Fröst, imaginei que seria difícil para qualquer banda tocar na sequência, mas estava enganado. Mesmo com o pessoal estando um pouco mais de boa devido ao cansaço e pelos primeiros sinais de incômodo com a fumaça dos cigarros (que gerou um baita comentário na vez do Rastilho), a banda detonou. Dias antes do fest vi um vídeo gravado durante a apresentação no Abril Pro Rock, no qual a vocalista Nata rasga um pôster com a cara do capitão. Foi lindo e é assim é que deve ser, com bandas e pessoas envolvidas com o Punk tendo postura crítica frente ao caos político pelo qual a república das bananas passa. Continuando a divulgação de seu mais recente material, Anti Auto Ajuda, a banda fez uma baita apresentação, mostrando o porquê do reconhecimento obtido, inclusive fora da comunidade Punk. Trassas foi a próxima banda. Com uns bons anos de atividade, já tendo passado por diversas formações e trilhado vários estilos, de uns tempos para cá parece que a banda firmou sua personalidade sonora e vem apresentando-se com frequência, mostrando seu crust com algumas influências de crossover e thrash. Não vi toda a apresentação porque divide o tempo com algumas boas conversas, mas o que vi foi bacana. Sem contar que a atual formação conta com algumas presenças fodas de integrantes do Óbitto e Rot. Durante a semana desse fest fomos bombardeadxs com notícias sobre incêndios florestais e com o governo federal ignorando a tragédia ambiental enquanto foi possível. Dias antes, a cidade de São Paulo passou por uma experiência bizarra, com o dia virando noite graças a diversos fatores meteorológicos que acabaram trazendo parte da fumaça resultante das queimadas no norte e centro-oeste para a cidade. Os episódios repercutiram na grande imprensa, aqui e na gringa, resultando em muitas cobranças aos governos estaduais e federal. Mas o que isso tem a ver com som? É que também tivemos nossa cota de fumaça. Como estava muito frio, o pessoal fumante achou mais cômodo fazer a sua fumaceira dentro do local, gerando uma nuvem tóxica que incomodou muita gente. O local onde as bandas tocam é um tipo de porão gigante, então a fumaça ficou por lá passeando e sei lá se o pico tem algum sistema de ar ou algo do tipo, por que se tem, não funcionou. O evento era simpático à presença de crianças, que não puderam se divertir vendo as bandas devido a fumaça. Na real, a parada ficou tão zoada que muita gente optou por ficar no andar de cima, onde o ar estava bem melhor. Eu mesmo, que nem sou reclamão, achei que estivesse de rolê no meio de uma mata ardendo em chamas ou dentro de um escapamento de caminhão, de tanta fumaça inalada. Até as duas meias que usava ficaram com cheiro de cigarro. E isso diz muito sobre o nosso senso de comunidade, que na teoria é lindo e na prática vai até a página dois, lembrando-nos que temos muito que melhorar enquanto pessoas. E depois de toda essa reclamação, vamos voltar ao que (também) interessa. Em meio ao fumacê que pairava no ar e “enfedentinava” à todxs, Rastilho surge no palco. Sei de pessoas que acham um pouco incômodo discurso durante apresentações, que estamos no local em busca de uma fuga, esquecer os problemas cotidianos e que as letras cantadas já são suficientes para manter o viés político de qualquer gig. Eu quero acreditar que o Punk passa por um momento de reconstrução, deixando para trás antigos hábitos e um desses é achar que falar de política seja desnecessário, porque não é. Viver é política, ser punk é uma escolha política e nada mais natural do que falar sobre questões políticas em gigs. E se tem algo que o Rastilho manja é sobre política. E antes do barulho começar, a vocalista Elaine já mandou um papo reto que, mesmo com a escuridão do lugar, deu para ver muita gente corada de vergonha. Enalteceu o festival, o protagonismo feminino e, sem moralismo, mandou uma voadora certeira na questão do cigarro em um ambiente fechado. Posso estar equivocado, mas Rastilho existe para incomodar, para lembrar todxs nós dos erros que insistimos em cometer e que o Punk não é nenhuma perfeição. E dá-lhe outra apresentação brutal da banda, muita gente agitando, cantando e, por incrível que pareça, com a fumaça diminuindo. Nessa altura, minha carcacinha já começava a ranger e aproveitei o intervalo entre as bandas para sentar e tirar um cochilo. Mas foi muito rápido e logo já estava em pé e outra dose de brutalidade seria despejada sobre nós, dessa vez com a Vasen Käsi. Com nova formação, o quinteto fez estrago tocando um crust moderno, com umas paradas mais melódicas na linha neocrust. Mesmo com toda a energia emanada pela banda, o cansaço estava presente juntamente com o estrago alcoólico em muitas pessoas. Aí, uma boa parte das pessoas ficou mais de boa só assistindo, mas mesmo assim a roda ainda permaneceu aberta. E encerrando o evento, Warkrust. Ano passado a banda foi o destaque do festival Massacre Crust com uma apresentação fodástica e a


expectativa era grande. Infelizmente, com o horário avançado e com o cansaço, muita gente já começava a deixar o Morfeus, o que é um tremando vacilo. Não que seja obrigação ficar até a última banda, mas em um evento tão foda como este, sabendo que iria virar à noite e das dificuldades em organizar festivais legais com bandas de outras quebradas, acho que não custava nada permanecer no local. Enfim, é só a minha humilde opinião. Mas retornando ao barulho, a exemplo das outras bandas, a Warkrust fez uma apresentação devastadora. Mesmo com os vários contras tipo horário e cansaço, xs integrantes não perdoaram. É o tipo de banda que soa demolidora em estúdio e ao vivo. Tudo transcorria 100% tranquilo, galera agitando e banda destruindo, quando a vocalista Anne deitou na beira do palco e foi sacudida por um amigo. Foi o suficiente para começar um rebosteio e o inevitável aconteceu: a colisão entre a empolgação e a ideia de ser x muito “pá do rolê”. Algumas discussões, empurrões, a turma do deixa disso se fazendo presente e a situação acalmou. Na boa, mas se nem dentro da bolha é possível um diálogo sem estresse, se não é possível entender quem está ao lado, fica difícil acreditar no palavrório decorado que a bolha punk verbaliza a todo momento. Mesmo com esse pequeno tumulto, a fúria da Warkrust não diminui, fechando de maneira cabulosa esse fest. Parabéns as bandas e ao Coletivo Levante das Minas por organizar um evento tão bacana como foi esse, com várias bandas de localidades diferentes, virando à noite, com preço acessível, em local com fácil acesso e lembrando-se das mães com suas crianças, mostrando a força e competência das mulheres envolvidas com o Punk. BRUTAL GRIND FEST XXIX – CENTRO CULTURAL ZAPATA – 07/09/2019 – SÃO PAULO/SP O capitão do mato pediu para a população usar verde e amarelo na data de hoje para demonstrar o amor ao país e para comemorar (?) a independência, mas uma galera mais ligeira conscientemente e rotineiramente usou preto, branco, cinza, vermelho, patches, bottons e rebites. Sacomé, foda-se o sete de setembro, foda-se o patriotismo e o nacionalismo, foda-se o fundamentalismo cristão e neopentecostal, foda-se todas as formas de preconceito que contaminam a população e fodam-se todos os valores pregados por esse governo desgraçado. É com muito ódio no coração que lembramos a tal data cívica. Chegar a 29 edições de um evento que reúne bandas barulhentas e que já foi realizado em diversos espaços na cidade não é pouca coisa. Aí, coloca nessa conta a situação precária da cultura e, em especial, a miséria que é o underground, e vamos ver que as pessoas envolvidas nessa parada são doidas. Mas, felizmente, a vida também é feita de loucuras. Pelas bandas envolvidas, preço do rolê e facilidade para chegar ao local, não diria que foi uma surpresa ver o pessoal colando em bom número. O problema é o mesmo de sempre: a quantidade de gigs acontecendo simultaneamente na Grande SP. Eram tantos rolês no mesmo dia que parecia que o mundo estava prestes a acabar e todo mundo decidiu agilizar um evento para a despedida. Na real isso é ou não um problema dependendo de como encaramos a situação. Ter diversos rolês em quebradas diferentes é bom para a cultura geral e bom para o Punk, já que a maioria dos equipamentos culturais encontra-se na região central. Por outro lado, o excesso de gigs faz com que as pessoas esperem algo perto de suas casas, deixando de colar em gigs realizadas em locais mais distantes e por fim acontece uma menor interação entre punks, com todo mundo sendo desconhecido de todo mundo. Deixando a divagação de lado e voltando ao que interessa, com aquele atraso básico que dessa vez não atrapalhou porque permitiu boas conversas sem perder bandas, o barulho começou com a novata Existência Miserável, que entrou no rolê em cima da hora e não decepcionou com seu grindcore. E já que estamos falando em velocidade, na sequência teve o duo Dead Cops, grind com alguma influência de crust e metal. Pra quebrar um pouco a velocidade, os manos colocam umas partes mais lentas e extremamente pesadas que deixa muita banda de metal negro ou da morte no chinelo. Momento daquela pausa para conversa, hidratação ou para desbeber a breja, e quem já estava no palco era a Älä Kumarra. Muita banda reclama da falta de espaços, da grana que nunca chega ou da falta de apoio de quem se diz envolvidx com cena (independente do estilo musical) e são motivos mais do que justos para reclamações e desapontamentos. Mas ficar só na reclamação não vai mudar a situação, então o que liga é correr atrás, somar com outras pessoas, cooperar e não competir. E é nessa linha que vai a Älä Kumarra e o resultado pode ser visto na quantidade de flyers que conta com o nome da banda, inclusive sendo convidada para participar de eventos fora do Punk. E no rolê de hoje quem estava de volta era o baixista Celso, que ficou de molho uns tempos e colaborou para que a banda fizesse outra apresentação foda. Infelizmente o pessoal estava de boa, mais observando do que agitando e foi assim em boa parte do rolê. Altas horas da madrugada, o clima continuava amigável entre todxs, até o frio deu um tempo permitindo que o pessoal ficasse do lado de fora quando quisesse, e foi nessa vibe (como diz a modernidade) que o Besthöven fez sua apresentação matadora. Enquanto a banda arrumava suas coisas no palco, em uma rápida conversa com um parça lembramos como foi caótica a primeira passagem da banda por SP, no finado Covil 360. Depois de alguns anos sem se apresentar na cidade (o rolê por SP teve, além da capital, Campinas e Sorocaba), a expectativa era grande e a ideia era de que o bicho iria pegar. Mas não foi o que aconteceu, a despeito da apresentação matadora, o pessoal esteve bem comportado. Tudo bem que o local não é muito propício ao pogo/mosh pit por questões meramente estruturais, mas surpreendeu a calma das pessoas. Isso não significa que não estivessem gostando, muito pelo contrário, os aplausos e assobios estiveram presentes durante todo o set e ao final ouve pedidos para que a banda tocasse mais alguns sons, mas legal mesmo seria se tivesse rolado aquele tumulto básico com gente pulando de todo e pra todo lado. Terminado o barulho, hora de sair fora, mas o transporte público ainda não funcionava. Ficar por lá trocando ideia com xs punks ou procurar uma alternativa para seguir rumo ao cafofo? Como sono, cansaço e fome são presentes no punkismo geriátrico no qual estou inserido, fiquei com a segunda opção e fui atrás de um busão noturno, tendo a certeza de que o Punk ainda tem muito a oferecer além daquilo que é normalmente visto. A LIBERDADE É UMA LUTA CONSTANTE – 21/10/2019 – AUDITÓRIO DO IBIRAPUERA-PARQUE DO IBIRAPUERA – SÃO PAULO/SP Nos últimos meses eu tenho nutrido uma tremenda preguiça com relação a tudo, inclusive rede social. E isso por que eu sou um privilegiado (ou chato) e vivo boa parte do tempo na bolha Punk, com pouco ou nenhum contato com familiares, vizinhos ou pessoas conhecidas fora do rolê, o que me poupa de muita aporrinhação e náusea. É um paradoxo, mas mesmo tendo críticas com relação ao funcionamento e uso excessivo das redes sociais, eu mesmo continuo participando de uma e acho quase impossível viver sem ela, já que nem celular tenho e aí ficaria bem mais


difícil tomar conhecimento das movimentações punks e de outras coisas, já que tudo está nas redes sociais. E foi graças ao uso bem meia boca que faço de uma determinada rede que descobri esse evento cabuloso aos 45 minutos do segundo tempo. Sebunda-feira é um dia detestável até para quem está caminhando sem eira nem beira (o que não é bem o meu caso, por enquanto), imagina para quem está com a vida corrida e com diversos compromissos. Para piorar, o tempo não estava grandes coisas, um friozinho leve atrapalhando, garoa em alguns pontos da cidade, tudo contra, mas era inaceitável perder essa conferência com a Angela Davis. Além dela, a conferência tinha a participação da pesquisadora Raquel Barreto (que também é responsável pelo prefácio da autobiografia de Angela), da escritora Bianca Santana e da mediadora Christiane Gomes, da Fundação Rosa Luxemburgo. Além de ser uma ótima oportunidade para compartilhar conhecimentos, o evento servia como lançamento do livro Uma autobiografia. E fazendo com que tudo ficasse ainda mais bacana, a organização pensou na acessibilidade de pessoas surdas e colocou uma intérprete de libras, tinha um baita telão, era gratuita e pertinho de casa. Só alegria! Ao aproximar-me do local, vi dezenas de pessoas caminhando na passarela que leva ao parque e outras tantas descendo dos ônibus nos dois sentidos da avenida. Foi lindo ver aquela multidão de mulheres e homens afrodescendentes de todas as idades lotando um espaço com capacidade para 15 mil pessoas no mais conhecido parque da cidade e em plena segunda. E como nem só de negritude vive o campo progressista, muitas pessoas com outros biótipos estiavam presentes. Também foi possível notar a presença da comunidade LGBT+ e de adeptos das religiões de matriz africana e de muçulmanos, ambos usando as vestes características de suas religiões. E a cereja do bolo foi ver que punks colaram, mostrando que apesar dos problemas existentes na comunidade, tem muita gente antenada com o que está acontecendo, não limitando a vivência punk a gigs, chapação desenfreada ou parasitagem sem vergonha. Para quem não está acostumado com pontualidade (o meu caso), é sempre impressionante colar em eventos que começam e terminam no horário previsto. E no horário marcado, deu-se início a tão aguarda conferência, com a multidão em completo silêncio, que vez ou outra era cortado por um grito político ou aplausos quando algo muito bacana era dito. A parada durou mais de duas horas e por isso não vou me ater ao que foi dito, senão essa resenha vira um livro e se você tem interesse em saber qual foi a ideia trocada, é só procurar pelo vídeo no Youtóba. Aqui, o que vale ser citado é a grande quantidade de pessoas que compareceram ao evento em um parque que no seu funcionamento diário reflete a desigualdade e todas as mazelas que impregnam a republiqueta bolsonarista; afrodescentes, que normalmente estão no parque em situações de subordinação profissional ou até mesmo nem são bem-vindxs aos olhos da classe média minion, tomaram o local para si por algumas horas e para escutar mulheres negras falando sobre política radical em um país onde o machismo e o racismo é estrutural. Para quem deseja um mundo onde caibam vários mundos, essa noite foi especial e inspiradora. Apesar da importância do evento e de admirar Angela Davis por sua luta antirracista e anticapitalista, tenho minha discordância com algumas ideias. Angela é marxista e isso é algo que dá uma baita preguiça, principalmente por lembrar-me a pelegada daqui com seus papos birutas sobre encastelar-se no poder e nada de ruptura radical. Inclusive não faltou o pedido de liberdade para o sindicalista conciliador, que rapidamente virou aquela cantoria chorumelenta que conhecemos. Mas essa é só a minha opinião e prefiro focar no que ela fez e faz de bacana, sobretudo sua influência para as mulheres negras que estão na luta. Enfim, depois de mais de duas e meia de conferência, o papo que poderia ter avançado pela madrugada foi encerrado, deixando aquela sensação de que muita coisa bacana ainda poderia ter sido dito por aquelas mulheres guerreiras. Entre tantas falas contundentes, uma que chamou minha atenção foi da Bianca Santana, na qual ela dizia ser importante a presença daquela multidão no evento, mas questionava onde essa mesma multidão está quando o movimento negro convoca para alguma manifestação e que o atual momento político do país não é para lacração empreendedora individual. Papo retíssimo como deve ser. Após o encerramento, as conferencistas permaneceram no palco conversando com as pessoas, tirando fotos, autografando livros, interagindo de maneira simples, aparentemente despreocupadas com os minutos que insistiam em caminhar acelerados, nos lembrando do quanto é necessário na atualidade compartilhar conhecimento e o quanto o apoio mútuo é saudável para enfrentarmos o obscurantismo. Rolê sem som, sem pogo, mas com conhecimento adquirido, que serve para renovar a energia e fazer acreditar que ainda vale a pena conspirar e lutar. THRASH ATTACK ABC – 09/11/2019 – LAJE – SÃO CAETANO DO SUL/SP Dois meses sem colar em gigs e isso por que achei que fosse estourar de tanto rolê no segundo semestre. Esse hiato de rolês foi recalque por não ter ido ver a despedida do Slayer e só foi possível dar fim no recalque quando entendi verdadeiramente que não deveria colar porque o preço do ingresso estava caro para o meu padrão, que lá teria muito “troozão” tontão e que o Tom Araya é um imbecil reacionário e beato do tipo que dá nojo. Aí, momentaneamente, passou o recalque e sigo feliz. Sabadão e o mundo estava em comoção comemorando os 30 anos da queda do muro de Berlim (que muita gente faz questão de ignorar, mas contou com a participação ativa dxs punks de lá) e por aqui a polarização ressurgia com força já que uma parte da população reclama enquanto a outra comemorava a soltura do sindicalista conciliador de classes. Pessoalmente, estou liberando toda a minha bosta com esse papo de que com o sindicalista livre vai rolar uma reorganização da ex-querda e será iniciada a resistência ao autoritarismo. Piada pronta! Essa ex-querda pelega é bunda mole, treme na base ao ver a jagunçada do estado e duvido que tenha a mesma garra que a nossa vizinhança vem demonstrando nos últimos meses. Depois, colocar na mesma fala ex-querda brasileira, poder, resistência e democracia é difícil de acreditar. Por quê? Porque as leis restritivas que dificultam as movimentações sociais foram aprovadas no governo petista, na época da dilminha. E por falar nela e na ex-querda, vale refrescar a memória um tanto atribulada do pessoal que enquanto a molecada estava sendo brutalizada pela polícia paulista (e em outros estados) em manifestações em um passado muito recente, ela e a ex-querda se mantiveram em silêncio, ignorando a violência policial descontrolada, mas quando um pequeno grupo deu uma linda massagem em um coronel da pm, a lixosa logo manifestou apoio e solidariedade ao verme e repúdio aos atos violentos de autodefesa praticados por manifestantes (só a polícia pode ser violenta no imaginário). Aliás, petistas nunca criticaram a matança promovida pelas polícias nem nunca lamentaram o extermínio da população negra ou indígena, no máximo alguma fala em época de eleição. Entonces, só para ficar claro, o lula e seus brinquedos chamados ex-querda institucional que se danem!!! Ninguém nega que houve melhoras durante o governo petista, mas olhando aqui de baixo parece muito pouco para quem sempre cobrou muito de outros governos


enquanto oposição e cumpriu pouco quando foi situação. É fato: o sindicalista babão e a alta cúpula da ex-querda partidária almejam o poder e não a revolução, ruptura ou luta de classes. Besta é quem acredita nesse conto do vigário. Depois de anos sem colar nesse espaço (que já foi muito conhecido no Punk e tinha outro nome), um pessoal assumiu a responsabilidade pelo lugar e vem fazendo uma movimentação bacana. Agora só falta as pessoas apoiarem o espaço, colando nos eventos, consumindo no local e evitando arrastar para que a coisa funcione bem e por muito tempo. E você aí deve estar pensando “caracá, e o som Treva?” Foi massa! Em um final de semana com diversos eventos espalhados pela Grande SP, imaginei que colaria poucas pessoas. Não foi o ideal, mas também não estava vazio a ponto de ser possível manobrar um caminhão no lugar. Com atraso e ainda com poucas pessoas, a primeira banda a se apresentar foi a Viscera, death/thrash do ABC. Molecada jovem, guitarras estilosas, agitaram muito durante a apresentação. E para quem acha que a participação feminina no metal está resumida a Nervosa e mais algumas poucas bandas, melhor se informar, já que no caso da Víscera as seis cordas eram divididas com uma garota. É muito bacana ver mulheres envolvidas na cultura independente, ainda mais em uma cena que muitas vezes passa uma imagem de pouca igualdade entre gêneros. Na sequência teve outra banda de metal, Hereticae. Os jovens são de Londrina, norte paranaense, região pela qual nutro muita simpatia desde que passei uns meses vadiando por lá nos idos de 2016, em uma cidade pequena, sem vida cultural, com muitas igrejas, população careta e, por ironia, com um nome praticamente falocêntrico. E se você já escutou algo sobre a região ser bem reaça, pode acreditar que é verdade. Quebrada politicamente e moralmente estranha, lembrando as localidades no meio do nada dos Estados Unidos e repleta de rednecks que vemos em filmes. Mas talvez seja justamente essa “trava” moral e política na região que faça com que uma grande quantidade de manifestações culturais surja nas cidades da região, sendo um contraponto ao reacionarismo e a música sertaneja de qualidade duvidosa. E a banda Hereticae ganha importância quando levamos em consideração as questões citadas anteriormente sobre o norte paranaense, mostrando que o black metal nada tem a ver com a escória intolerante e suas ideias estúpidas. E a molecada está preparando um material que deve sair em 2020. Ficamos na torcida. E a porradaria metálica continuava com a Eskröta. Não tenho acompanhado com o devido empenho o que vem sendo produzido na cena metal da republiqueta, já que empaquei nas bandas que escutava na adolescência. Mas não é preciso ser um gênio para ver e entender que o metal, assim como o Punk, passa por uma renovação muito foda, com bandas que mantém acesa a chama rebelde do metal enquanto bandas bolorentas vão perdendo espaço graças a sua “tanga frouxice” musical e ideológica, perdendo-se no caminho apesar das reclamações quase sempre histéricas e apelativas. Como rolou um atraso, não houve muito papo e as garotas foram logo detonando seu thrash muito influenciado pelo hardcore, inclusive tocando um cover do Ratos de Porão. Essa apresentação serviu como um esquenta para o dia seguinte, onde dividiram o rolê com Cemitério, Surra, Nervosa, Krisiun e Brujeria. Ufa! O que falar do Ulster? Se levarmos em consideração o contexto político dos anos 80, as letras, o som e o visual que a banda tinha, é possível dizer que tenha sido uma das mais ameaçadoras, senão a mais, da cena daquela época. E mesmo com o passar dos anos, problemas na formação e mudanças no mundo, ela continua foda! Agora reduzida a trio, a apresentação foi demolidora, contando com sons que não tocavam há anos e três novos que em nada ficam devendo aos mais antigos. E antes que eu pudesse pensar em pedir algum som, encerravam a apresentação com o cover I’m Sofisticated, do The Roots. Mesmo sem ter roda aberta, o atropelo promovido pela banda foi intenso. Outra banda clássica do Punk no rolê, Armagedom. Depois de 37 anos de muito barulho, tendo criado um dos discos mais fodas que já ouvi na vida (Silêncio Fúnebre), a banda avisa que vai tirar férias por tempo indeterminado. E foi nesse clima meio final de festa meio ansiedade por uma parada que rolou a apresentação. Contando com novo batera, Panda Reis, que também manda muito nos tambores, era de se esperar que a banda fosse continuar sem problemas, mas não é isso que vai rolar. E parece que o fato de saberem que as férias estão chegando fez com a apresentação fosse mais intensa, com os caras tocando com uma fúria incrível. Ao tocarem Políticos, Militares, Religiosos foi como escutar a trilha sonora perfeita do caos atual no qual vivemos. E ainda nesse mês vai rolar a última apresentação. Triste. Encerrando o evento teve a banda chilena Conflicto de Interés. Fazendo um pequeno rolê por Argentina e Brasil (aqui foram cinco datas), o encerramento foi justamente nesse evento e o cansaço já falava mais alto. Mesmo assim, e com o horário apertado, o quarteto mandou um hardcore intenso, que lembrou as bandas que tocavam na Verdurada quando ela era um fest relevante. Rapidez, vocais gritados e muita energia. Mesmo com parte das pessoas já tendo saído fora para não perder o transporte público, quem ficou até o fim presenciou a apresentação de uma banda muito bacana, que também conta com participação feminina no vocal e na guitarra. Enfim, outro evento massa, bandas bacanas, preço acessível, lugar legal e de fácil acesso. Talvez punks e headbangers tenham dado uma ramelada em não comparecer em peso, mas nem isso desmereceu o evento. Quem colou ficou satisfeitx. S.P.H.C PARTY! – 16/11/2019 – FEELING MUSIC BAR – SÃO PAULO/SP Feriado prolongado e Grande SP com vários eventos legais para todos os gostos, bolsos e localidades. Eu mesmo achei que fosse colar em vários, mas a chuva, grana e preguiça em ver algumas pessoas foram sabotando os rolês no decorrer dos dias. E para não passar batido, colei nesse som com preço camarada, bandas legais, clima leve e pertinho de casa. Mesmo sendo quase vizinho do local, nunca tinha colado em nenhum som lá. E foi uma surpresa bacana. Espaço legal, com boa capacidade, palco grande, som foda e próximo à estação de metrô. O espaço parece estar passando por uma reforma, então tem uma aparência meio abandonada, com tijolos aparentes, ferragens expostas e alguma coisa para terminar, talvez dando um charme ao local. Com um clima diferente do qual estou acostumado quando colo em gigs, nesse rolê as pessoas estavam tranquilas, sem muita marra, sem olhares desconfiados e sem aquela tensão que, infelizmente, passou a ser uma característica em gigs punks. Uma sensação de good vibes no rolê também é bacana. Deixando de lado a questão “climática”, o som começou com um atraso básico com o interiorano Sangue Ódio Hardcore. Ignorante que sou (ou estou) nos paranauês do hardcore “bermuda, tênis, camiseta e boné abara reta”, não conhecia a banda, que está na atividade desde 2002. Hardcore fortemente influenciado pelo metal, alternando rapidez com partes lentas e extremamente pesadas, além de um pouco de groove. Erroneamente temos o hábito de associar esse tipo de som à postura boroca tipo crowd kill e culto à masculinidade, mas aqui não é o caso. A banda assume postura antifascista e tem letras muito boas, prezando pela positividade.


Sem embaço, foi a vez da Älä Kumarra despejar o punk sujo pelos amplificadores. Em um passado não muito distante, o Punk fazia parte da vida dos hardcoreanos, mas uma série de acontecimentos negativos acabou por afastar as pessoas e gerando duas cenas distintas e com pouca interação. Triste, mas esse tipo de situação não é privilégio daqui e também aconteceu em diversos países. Por isso foi bacana ter a presença da Älä Kumarra na festa e mesmo não sendo o som que a maioria das pessoas presentes escuta, o pessoal marcou presença durante a apresentação. Na sequência teve outra banda do interior, Derrota. Era a que mais destoava musicalmente e, na boa, foi uma baita surpresa. Quinteto instrumental, três guitarras (não confundir com Iron Maiden), numa definição “trevística” seria uma mistura de post-punk, shoegaze, guitar, experimental, psicodelia e post-rock, tudo isso tocado pelo Fugazi. Entenderam? Eu, cabeça fechada que sou quando o assunto é música, fiquei hipnotizado durante a apresentação e tenho certeza que não era o único. Ao término da primeira música, os aplausos empolgados deram a tônica do que seria a apresentação da Derrota. E foi linda! Sérião, essa é a melhor palavra para descrever os minutos com aquela música ecoando no espaço. Bora voltar para a crueza, dessa vez com One True Reason. E finalmente a frente do palco ficou com cara de gig hardcore, com o mosh pit começando o trabalho. Hardcore quebrado, muita influência de metal, postura condizente com o estilo e sem fugir das tretas que afetam nossa existência na atualidade. Realmente não manjo do estilo e foi apenas a segunda vez que vi a banda, mas, assim como na primeira, foi uma apresentação extremamente energética. E para encerrar a festa, Questions. Nem tem o que falar de uma banda que já rodou boa parte do mundo, trampa com um tremendo esmero em todo o seu material, organiza gigs e ainda puxa para cima um monte de bandas e pessoas. Pois é, como se tudo isso não fosse o bastante, as apresentações dos caras são sempre furiosas, mas com aquela vibração saudável, sem patifaria. É circle pit, stagediving, danças cabulosas que a idade não me permite tentar, todo mundo cantando junto e muitos, muitos sorrisos. É visível a felicidade de todo mundo durante a apresentação e isso é muito bacana. A banda continua na divulgação do seu último trampo Libertatem! e tem tocado em várias quebradas do país. A apresentação foi foda, com a galera cantando junto, pulando do palco e agitando sem escrotidão. E na boa, ajuda muito quando tem palco e som bacanas. Evento foda para salvar o feriado, com ótimas bandas, diversidade de estilos material farto, em pico legal e que nos levou a um passado não muito distante, onde o punk e o hardcore caminhavam lado a lado, apoiando-se mutuamente, mesmo com as diferenças presentes. 16ª MARCHA DA CONSCIÊNCIA NEGRA – 20/11/2019 – AVENIDA PAULISTA – SÃO PAULO/SP Brisa minha, mas sempre tive a sensação de que a esperança em dias melhores e menos intolerantes estava presente na marcha em anos anteriores. A cada ano, o desejo de um país mais justo e igualitário era renovado, fornecendo o ânimo necessário para a luta cotidiana. Mas ano passado achei que a marcha foi realizada em clima de velório pós-eleição e com todo mundo sabendo que 2019 seria uma tragédia. E está sendo. Mais do que nunca o racismo está presente na vida cotidiana, seja no mundo real ou virtual, e é difícil não adoecer com tanto lixo. As pessoas brancas, incluindo as que acreditam serem exemplos de desconstrução, muitas vezes, no afã de “ajudar”, acabam colaborando com a normatização de comportamentos preconceituosos. Também não podemos esquecer que uma parcela significativa de pessoas ditas descontruídas não consegue rever seus privilégios, mas acham importante sua super militância antifascista. Que preguiça! Enfrentar o racismo estrutural é vital para que a população afrodescendente tenha algum direito, inclusive o de viver. Tendo como tema Vida, liberdade e futuro. Contra o genocídio e criminalização do povo negro!, a marcha desse ano foi realizada em um contexto sócio-político totalmente diferente e contrário às nossas demandas. Hoje, o racismo está explicitado em todos os lugares e por amplos setores da sociedade, o desemprego, a violência policial, o encarceramento em massa e a falta de acesso aos serviços mais básicos marcam nossas peles como a chibata marcou séculos atrás e tiram muitas vidas. É nesse contexto que se dá a atual luta antirracista e o sonho de democracia racial ficou no passado em filmes, livros, novelas ou letras de canções. E a Avenida Paulista, centro financeiro da cidade, frequentada e admirada por pessoas que prezam o capitalismo e ignoram suas nefastas consequências, foi ocupada por pessoas que normalmente só circulam por lá rapidamente, de passagem ou, quando muito, fazendo a varrição das calçadas. Mas hoje é diferente. O evento começou por volta do meio dia com rodas de conversas, diversas atividades e discursos. Como tinha alguns afazeres domésticos, cheguei um pouco antes do início da caminhada, lá pelas 16h00min. Como de praxe, a pelegada ligada aos partidos de ex-querda estavam presente em bom número, aproveitando o ato para divulgar suas pautas e empesteando o lugar com o cheiro fétido do oportunismo, porcamente disfarçado de militância de esquerda. Diferente do que aconteceu em anos anteriores, a jagunçada do estado estava mais distante, apenas na frente e atrás do ato, mantendo uma distância considerável para o padrão que normalmente vemos em manifestações e sem presença ostensiva. Não que isso indique alguma melhora no preparo dessa escória para lidar com a população, mas foi somente uma jogada política, já que o governador doria tem pretensões presidenciais e tenta descolar sua imagem do coiso, como se isso fosse possível. Aí, não pega bem a postura intimidatória da jagunçada em um ato antirracista. E foi sem o bafo quente da meganhada na nuca que o ato começou, com uma rápida cerimônia religiosa e, em seguida, a caminhada pela avenida símbolo do capitalismo em São Paulo. Mesmo sendo mais da metade da população, mesmo com todo o histórico de sofrimento que teoricamente sensibiliza as pessoas, ainda não foi possível colocar uma multidão no ato. A data e o seu significado ainda encontram resistência em uma parcela de afrodescendentes que passaram por um processo de embranquecimento cultural e ideológico, que faz com que neguem suas origens e entendam em qual lugar da sociedade estão. Talvez o fato de acontecer no mesmo horário diversos shows em homenagem a data e de haver outras manifestações, fez com que acontecesse uma diluição de manifestantes. Ainda temos muito pelo que batalhar para que a consciência de classe e étnica esteja presente entre irmãs e irmãos. Mesmo com os problemas, a luta seguirá. Ainda que não fosse a multidão esperada, a marcha contou com uma diversidade que dava uma beleza extra ao ato. Crianças, homens e mulheres de todas as idades e origens étnicas, pessoas envolvidas com as religiões de matriz africana, muçulmanas e muçulmanos, comunidade LGBTQIA+, punks e militantes antifascistas estavam presentes, mostrando que a luta antirracista é ampla, não estando separada da luta contra o


capitalismo e seus tentáculos sujos (homofobia, machismo, xenofobia e autoritarismo) e que não deve ser apenas de afrodescendentes, claro, respeitando o protagonismo de quem é vítima dessa doença social. Essa é uma luta que pode e deve ser de todos nós. A caminhada que teve início na Paulista e foi até o Centro, seguiu em uma tranquilidade que ninguém está acostumado (tirando bozonaristas e suas micaretas), sem nenhum incidente. O local de encerramento foi em frente ao Teatro Municipal, e como já é de costume, as pessoas ocuparam a escadaria, proporcionando uma bela imagem que nos dá ânimo para não desistir. É fato que muita merda ainda está por vir e que nada será fácil, mas lutar é uma constante na vida de negras e negros. Tem sido assim desde que a primeira pessoa foi sequestrada na África. Com a escadaria e a praça em frente ocupada, rolaram mais alguns discursos, muitos gritos de guerra, até ser dado como oficialmente encerrada a marcha. Aí, foi o momento de observar a dispersão, refletir sobre alguns porquês da vida e aproveitar as horas que restavam do feriado encontrando punks de rolê pela região e assistindo a apresentação do Jorge Ben Jor que seria em uma praça próxima. E fogo nos racistas! MASSACRE DE PARAISÓPOLIS: NÃO FOI ACIDENTE. É GENOCÍDIO! – 04/12/2019 – SÃO PAULO/SP Nas primeiras horas de domingo, primeiro de dezembro, uma operação da polícia militar resultou em nove jovens mortos (por sufocamento e traumas resultantes de pisoteamento durante a fuga) que estavam em um baile funk. Desnecessário explicar o que aconteceu, já que até a mídia corporativa cobriu mais uma tragédia envolvendo bailes, juventude e periferia. A real é que a maldade inerente à pm paulista tirou a vida de jovens com idades entre 14 e 23 anos, jovens com uma vida inteira pela frente, de onde poderia surgir um novo cientista que encontraria a cura da Aids ou uma presidente que conduziria o escombro de país rumo à igualdade e justiça. Mas para a pm paulista que vive em guerra permanente contra a população e, em especial, contra a população menos favorecida, a única vida que tem validade é a de colegas de farda e qualquer outra é descartável. Na boa, policial nem é gente. Para as famílias, amigas e amigos desses jovens, sobraram dor e revolta. Nove famílias arrebentadas pelo despreparo desse lixo que chamam de polícia militar, cujo lema é “servir e proteger” Hã? Como? Quem? Quando? E como se não bastasse a perda real, a ausência pelo resto da vida, ainda teve o transbordamento de chorume em redes sociais e grupos de WhatsApp, mostrando que ódio depreciativo e destruidor estão normatizados e cabe ao lado de cá da barricada encontrar ferramentas técnicas, intelectuais e psicológicas para esse enfrentamento, caso tenhamos a intenção de sobreviver a essa inundação de chorume. Esse ato aconteceu em frente à secretaria de (in)segurança pública de SP e foi uma maneira de homenagear os jovens que perderam a vida e de cobrar uma rígida apuração dos fatos. Sabemos como é sujo o processo de apuração de desvios de conduta por parte de agentes de segurança, mas a pressão popular é um instrumento de grande valia. A movimentação começou às 17h00min, mas cheguei ao local quase duas horas após o início. Por ser uma terça-feira com tempo chuvoso, até que tinha bastante gente. Coletivos culturais e do Movimento Negro, ONGs, militantes antifascistas, pelegada de ex-querda e população em geral colaram no ato para deixar claro o repúdio à política de segurança pública adotada nas últimas décadas pelo psdbosta no Tucanistão, também conhecido por São Paulo. Entre muitos discursos, gritos de guerra e homenagem às vítimas, rolou um minuto de silêncio que foi doído. Silêncio absoluto, onde só era possível escutar a respiração da cachorrada do doria. Com punhos e cabeças erguidas, as pessoas faziam questão de demonstrar que, apesar da violência e da impunidade, ninguém ali temia aqueles sacos de lixo vestindo cinza. Ao final do silêncio, aplausos. Diferente de outras manifestações que sempre observei quando possível as expressões na fuça da gambézada, dessa vez ignorei sua existência. Percebi uns e outros filmando a manifestação com aquela discrição que um carro alegórico tem durante o desfile no Sambódromo, mas o nojo que sentia era tamanho, que preferi fazer de conta que não estavam lá. Não os via, mas sentia o cheiro fétido que exalam. Por volta das 20h00min o ato foi encerrado e lentamente as pessoas foram seguindo pelas ruas do Centro. Quantas dessas pessoas serão vítimas da violência policial? Quantas irão morrer pelas mãos de policiais? São questões presentes no cotidiano e que demandam muita energia para suportar. Apesar de ter sido um ato motivado por uma tragédia que não deveria acontecer se isso que chamam de Brasil fosse uma nação civilizada, o fato de ver tantas pessoas presentes traz algum alento. Fora isso, rolou a oportunidade de rever algumas pessoas que não via há algum tempo e saber que elas estão bem (dentro do possível no atual contexto político) e que continuam do lado de cá, e isso faz um bem danado. No mais, foda-se a polícia militar paulista! Foda-se o governador de cabelo tingido, dente embranquecido artificialmente e cara cheia de botox! Foda-se qualquer bozonarista! E viva toda forma de cultura periférica! MASTERS OF NOISE – 07/12/2019 – CONTAINER PUB STOP – DIADEMA/SP Organizar um evento mais simples é um tremendo trampo, imagina um festival com 40 bandas divididas em dois dias e gratuito. É para respeitar e apoiar quem mete o louco e faz um evento desse porte em um undeground com tantos problemas como é o caso de SP. Durante alguns anos o festival foi realizado em um boteco pertinho de casa. Agora está em outro município da Grande SP e em um local melhor estruturado, o que faz toda a diferença. Alguém aí pode dizer que o local ainda não é o ideal e eu vou entender, mas mesmo assim o pico é espaçoso, uma construção feita somente com contêineres e contando com lanchonete, loja, barbearia, estúdio de tatuagem, mini rampa, mesas com cadeiras e espaço para dois palcos. Um lugar decente e com o conforto e comodidade que também merecemos. Como foram 20 bandas tocando sem descanso, com apenas alguns poucos minutos entre elas devido aos acertos com o equipamento, nem vou resenhá-las individualmente para não cometer alguma injustiça, já que nem vi todas. Sem contar que muitas vezes as conversas acabam por tirar o foco do som.


Nesse primeiro dia a escalação contava com Kenfoikeumato, Detestável, Invokaos, Noise Against the System, Asfixia Social, Extreme Agony, Bastard God, Tujërpiis, Desobedeça, Krostah, Inhuman Penitence, Baga, Dischavizer, Arrested for Possession, Repudiyo (a última banda que vi nesse rolê), Uzômi, Skarnio, Anal Maggots, Xico Picadinho e Mau Sangue, todas dando o melhor de si. Ao chegar e ver o local ainda com poucas pessoas, fez com que acendesse o sinal de alerta, já que outros eventos rolavam pelas quebradas, mas no decorrer das horas o pessoal foi chegando e, se não estrumbou, pelo menos não ficou vazio. O pequeno atraso para começar o som não atrapalhou a dinâmica do fest, já que as bandas tocavam alternadamente nos dois palcos, o que gerou pouco embaço entre elas, fazendo com que o barulho tivesse pouca pausa. Outra coisa que me deixou feliz foi o fato de ver a maioria delas pela primeira vez. Além da quantidade de bandas, a variedade sonora também é fator positivo. Tinha crustcore, crossover, grindcore, thrash metal, death metal, grindcore e até melodic hardcore. O bacana disso é poder conhecer outras bandas e ter a chance de interagir com pessoas com curtem vertentes diferentes, permitindo sairmos um pouco da bolha musical de sempre. E além das bandas, quem tinha algumas moedas sobrando pode ser feliz nas diversas banquinhas de materiais. Devido ao cansaço acumulado na semana e por querer descansar porque no dia seguinte tinha Suicidal Tendencies, saí fora antes do fest terminar e fiquei sem ver algumas bandas, mas o saldo final foi mais que positivo. Ter a oportunidade de conhecer bandas e pessoas, rever amigos que não via há algum tempo, as boas conversas, acredito que é disso que o underground é feito e é isso que faz toda a parada valer a pena. SUICIDAL TENDENCIES – 08/12/2019 – PARQUE DA JUVENTUDE CITTÀ DI MARÓSTICA – SÃO BERNARDO DO CAMPO/SP Tudo aquilo que me faz feliz: domingão ensolarado, rolê gratuito e em companhia de pessoas que estimo. Mas não era um rolê qualquer, era Suicidal Tendencies! Isso mesmo, ST tocando de graça em SBC. Pelo que entendi, a parada foi um trampo conjunto entre a prefeitura da cidade, um conhecido skatista da região e o Sick Bastards Social Club, espécie de ONG que conta com a participação de integrantes do Suicidal Tendencies. O evento era para festejar a reinauguração da tradicional pista de skate da cidade, agora turbinada e transformada em um parque para prática de esportes radicais. A festança rolou no sábado e no domingo, contando com campeonatos, exibição de profissionais das duas e quatro rodas, dj’s, food trucks, pistas liberadas em diversos momentos e atrações musicais. Por essas informações colei achando que o evento seria na própria pista, mas para a surpresa geral foi ao lado, no Paço Municipal de São Bernardo do Campo, e isso significa quem não vi a tal pista reformada, tampouco pude demonstrar minhas habilidades sobrenaturais no skate. Pra quem costuma colar em lugares periféricos atrás de gigs, foi uma surpresa esse rolê acontecer em área central e de classe média alta. Pois é, torres residências circundavam o local e tinha até um shopping ao lado que serviu de base de apoio, gerando uma movimentação atípica de pessoas com bandanas, bonés com abas levantadas, skates e camisetas de bandas. E apesar da falta de sombra e do chão ser asfalto, o lugar acabou sendo bacana para a realização do evento, mesmo tendo poucas barracas com comes e bebes e banheiros químicos, além da presença fedorenta da guarda civil municipal dando uma geral em todo mundo na entrada. Ao lado tinha até um presépio bem grande, todo firulento e que atraía uma grande quantidade de “pessoas de bem” em busca de um momento instagramável. A apresentação do Suicidal Tendencies estava marcada para começar às 17h00, mas rolou um atraso de mais de hora, deixando todo mundo impaciente, já que estávamos debaixo de sol forte. E enquanto o pessoal deixava o equipamento no jeito, uma uma trilha sonora de skate rock bem fraquinha que fez a alegria da rockeirada de praça E depois de muita movimentação no palco, testes no som, rolou um falatório besta que serviu para justificar a apresentação de pessoas envolvidas na organização do evento, incluindo o prefeito da cidade, que ostentava um sorriso falso enquanto acenava para a multidão, que, prontamente, mostrou o dedo médio, fazendo com que o prefeito saísse à francesa do palco. Depois desse furo, o barulho finalmente começou com a banda mandando de cara You can’t bring me down. Aí foi um salve-se quem puder, com uma roda imensa abrindo e eu partindo para o primeiro crowd surfing, que resultou em um belo capote e em um esfolado feio no braço (foi quando descobri que o piso era de asfalto). Mesmo com a carcaça avariada logo na primeira música, a empolgação me fez fazer um curativo às pressas muito conhecido pela alcunha de “passar cuspe no machucado”, permitindo que eu continuasse no mosh pit. Apesar da empolgação, nunca fui um grande apreciador de ST, nem da fase inicial. Coisa de gosto pessoal mesmo. Mas tinha alguns sons que esperava ansiosamente ouvir e alguns deles foram sendo tocados no decorrer do rolê como War inside my head, Possessed to skate, Send me your money e How will I laugh tomorrow (essa nem esperava que tocassem). E a carcaça, apesar dos estragos, até que suportou bem o mosh pit. Claro, já na volta e com o corpo frio, as dores apareceram, lembrando-me que existe diferença entre idade biológica e mental. Por diversos fatores, para nós não é comum eventos com multidão e diurnos, e acho que isso fez toda a diferença nesse. Olhar ao redor e ver tantas pessoas agitando em um final de tarde fez com o mosh pit ficasse insano. Era gente voando para todos os lados, rodas imensas e um circle pit que teimava em não parar. E no decorrer dos sons, aumentava o número de pessoas com esfolados, alguns bem feios. Teve um cara com uns arranhões na nuca que dava a impressãoo do rapaz ter tretado com uma onça, de tão horrível que estava a parada. E toda essa agitação deixou a segurança um pouco contrariada, que decidiu agir com certa agressividade (mesmo com o semblante demonstrando o pavor de um quebraquebra) com quem caía no reservado. Algumas cusparadas certeiras colocaram a segurança em seu devido lugar, permitindo que a bagunça continuasse. Só para constar, em boa parte dos intervalos entre os sons o pessoal fazia questão de homenagear o coiso com a já clássica “ei bolsonaro, vai tomar no cú!” Lindo de ver e ouvir. E cerca 1h20min depois de iniciada, a festa chegava ao fim. Se dependesse do gás do pessoal, o rolê continuaria por mais uma hora ou mais tranquilamente, mas tinha horário para encerrar. Ficou faltando muitos sons, entre eles Institutionalized, o que me deixou indignado e com vontade de reclamar no Procon. Mas deixando a chatice de lado, acho que o setlist tentou agradar a todo mundo, dando uma geral na carreira da banda. Sem contar que bandas com muitos lançamentos tem dificuldade em incluir todos os sons esperados. Nos dias seguintes, acompanhando a repercussão na grande rede, era possível ver que muitas pessoas não colaram por desacreditarem no evento. Pois é, como tudo foi feito meio que em cima da hora, teve gente que não botou fé, achou que era notícia falsa, que não ia rolar ou não


ficou sabendo. Eu mesmo, se não fosse um amigo avisando, provavelmente não teria tomado conhecimento do rolê. Mesmo com todas as facilidades tecnológicas, eventos organizados com pouca divulgação tendem a passar batidos ou não gerar credibilidade. Que isso sirva de alerta a quem organiza gigs. Apesar de um problema de som ali, um calor aqui, alguém besta que agita com a asa aberta acolá, o evento foi foda! Muita gente presente, inclusive famílias com suas crianças, pessoal agitando muito e quase sem patifaria, zero presença de imbecis, gratuito e com fácil acesso, mesmo sendo em outro município. Estava tudo tão bacana que no meio da roda achei R$ 0,05, o que deve ser um sinal de sorte para o próximo ano. Agora só me resta cuidar da carcaça e torcer para que não demore tanto tempo para ter outro evento do tipo. LETALL, DELINQUENTES, DESALMADO – 13/12/2019 – 74 CLUB – SANTO ANDRÉ/SP Depois do rolê do Suicidal Tendencies, achei que fosse ficar entrevado em casa por dias, mas que nada! Mesmo não sendo o Wolverine e, de quebra, não tendo adamantium no corpo, dessa vez o fator cura foi rápido e eu já estava inteiro para o fim de semana. Se eu fosse numerólogo resenharia essa gig de maneira esotérica. Som punk em uma sexta-feira 13 no mês 12... 13/12.... A.C.A.B, mas como escolhi o caminho da descrença absoluta, a resenha vai ser no estilo tosco de sempre. E enquanto muita gente utilizava seu tempo em redes sociais postando imagens que faziam alguma analogia entre a data e o tão amado desprezo pela polícia, segui para esse rolê que foi foda! Eu sei que poderia estar mais cheio, mas como a banda tinha outras datas na Grande SP e para uma galera molenga colar em som é quase como fazer um sacrifício, o local não encheu como esperado. Mas é aquilo, sem apoio, um dia as pessoas cansam de organizar as paradas e aí quero ver o pessoal reclamando. Vão ter todo o tempo do mundo para fazer rolês na internet e relembrar o passado. Já prevendo algum atraso, demorei a sair de casa, o que foi bom, já que cheguei um pouco antes do início da apresentação da Letall. Nunca tinha visto a banda e foi muito bacana. Punk mais de boa, até meio melódico em alguns momentos, com letras inteligentes e ótimo para pogar todo mundo junto, naquele clima de camaradagem e respeito. Com um olho no relógio e outro em quem estava mexendo no equipamento, tinha como preocupação a ordem das bandas. Como moro em outra cidade, o horário é algo que faz toda a diferença já que o transporte público para de funcionar lá pela meia noite. E como se toda a positividade astral da data estivesse direcionada ao local e nas pessoas envolvidas com o som, quem surge para arrumar o equipamento é o pessoal da Delinquentes. Ufa, que sorte! Sem querer menosprezar o Desalmado, mas minha preocupação era que os paraenses encerrassem a gig, o que fatidicamente faria com que eu perdesse uma boa parte da apresentação, já que dependo de transporte público para retornar ao cafofo. E com pouquíssimo embaço, o barulho recomeça. Tendo incialmente uma mini turnê com três datas, com a correria de outras pessoas passou para cinco. Horas antes a banda tinha feito um ensaio aberto em Poá, na Casa Punk, e à noite estava destruindo em Santo André. É clichlê, mas a primeira apresentação a gente nunca esquece. Muito bacana ter a oportunidade de ver uma banda com três décadas de correria, sem concessões, sem adocicar seu som e oriunda de uma região que muitas vezes tem a sua produção contracultural ignorada por quem diz viver o Punk ou o underground em geral. Se não é fácil para quem está em São Paulo, imagina as dificuldades enfrentadas em Belém, Manaus, Macapá e demais cidades da região. Respeito máximo as pessoas de localidades distantes que fazem do Punk uma trincheira de resistência contra a massificação cultural e idiotização política. Mas voltando ao que realmente interessa, a apresentação da Delinquentes foi foda! Crossover para endoidar qualquer pessoa. Pena que a apresentação foi um pouco curta para uma banda com tanto tempo de estrada. E ainda teve participação da Márcia (Pós Guerra/Luta Armada/Casa Punk) dividindo o vocal na música Punk do Subúrbio, lembrando-nos que o Punk é abrangente. Encerrada a apresentação, fico no aguardo do Desalmado. Já tive a oportunidade de ver os caras algumas vezes e sempre foram apresentações destruidoras e imagino que a dessa noite também será. Mas destruidora mesmo é a velocidade com que os minutos passam. Pergunto as horas para um jovem e sua resposta dá como praticamente encerrado meu rolê. Vejo algumas pessoas que não moram na região deixando o local enquanto os integrantes do Desalmado tentar montar tudo sem embaço, mas dessa vez não vai dar e decido sair fora. Coisas da vida. Mesmo não vendo uma das bandas, o rolê foi muito bom! Chance de conversar com outras pessoas, ver duas bandas pela primeira vez, preço acessível e tudo isso ainda numa sexta-feira. O final de semana vai ser longo. VERMINOISE, RASTILHO, REIKETSU – 14/12/2019 – PORTO PRODUÇÕES MUSICAIS – SÃO PAULO/SP E o final de semana segue a mil, dessa vez com a comemoração de uma década de correria da Reiketsu, que ainda contou com as participações do Vermenoise e Rastilho, em outro lugar com fácil acesso e estrutura bacana. Uma chuva chata caiu na cidade bem na hora que eu me preparava para sair, fazendo com que o atraso fosse inevitável. Como se não bastasse a chuva, esqueci o número do lugar, o que me fez seguir pela rua meio que sem destino até encontrar o lugar. É somente nesses momentos que ainda lembro estar na Pré-História e não ter celular para agilizar a vida pode ser um incômodo. Chegando ao local, subo as escadas, pergunto onde é sala do barulho, caminho pelo espaço e ao abrir a porta da sala, uma triste surpresa. O cara mais alto (ou pelo menos um dos) do rolê era a primeira pessoa dentro da sala para quem estava entrando. Só que além de alto, o cidadão é forte, então eu não tinha a menor chance de ver a apresentação do Vermenoise. O som que saía dos amplificadores seria apenas uma trilha sonora para admirar a costa desse moço. Talvez, com um pouco de sorte, o cara colocasse uma das mãos na cintura ou na parede e eu poderia ver o que rolava no ambiente por debaixo de seu sovaco. Mas que nada, o cara estava firmão de braços cruzados e quando meu canal lacrimal já umedecia meus olhinhos e uma lágrima de tristeza se preparava para escorrer em meu rosto carcomido, o cara olha para trás e abre espaço para que eu possa passar e ver a banda. Putz, que lindo! Sério, que atitude foda! Em uma comunidade com tantos problemas, com tanta marra e falácia, uma atitude simples com dar espaço para alguém nanico poder ter uma visão um pouco melhor é algo encantador. Por ter um proceder


foda é que o cara sempre está/estava envolvido com bandas bacanas, desenha muito e tem o seu quinhão de reconhecimento. E sim, gentileza é algo que também deve existir no Punk. Nunca tinha visto a Vermenoise, que já tem uns bons anos de batalha e alguns lançamentos. Guitarra, bateria e vocal detonando um grindcore monstruoso com uns lances viajandões, mantendo todo mundo com a sensação de atropelamento e olhando atentamente a destruição sonora promovida pela juventude interiorana. O país do presidente miliciano continua sendo uma máquina de produzir anti-música e o Vermenoise demonstra que entendeu muito bem o que as bandas mais antigas fizeram e que, se depender dessa juventude, o barulho está garantido pelos próximos anos. E só para constar, a gritaria é de responsabilidade de uma mulher, mostrando que em todas as vertentes da música torta existe participação feminina e só não vê e ouve quem é idiota. Uma rápida pausa para arrumação do equipamento e quem começa a apresentação é o Rastilho. Na boa, nem tem mais o que falar dessa banda que já não tenha sido falado ou escrito. Crust fodástico, rápido, pesado, com algumas partes um pouco melódicas e letras certeiras. Devido ao horário, dessa vez a banda deixou um pouco (só um pouco) de lado uma de suas características que é a troca de ideias e priorizou o som. Mesmo assim, a vocalista Elaine mandou uma ideia antes de o barulho começar porque é aquilo, a desconstrução é um procedimento diário. Tirando alguns pequenos problemas no som, a apresentação foi devastadora. O local não permite nenhuma movimentação, então o jeito era assistir e aplaudir. E dessa vez eu não vacilei e arrumei um lugar bacana na salinha onde não tinha ninguém na frente. Tudo bem que estava bem próximo a um dos guitarristas e volta e meia o braço da guitarra passava bem próximo ao meu rosto, me deixando com medo de levar um sopapo do instrumento, mas nada do tipo ocorreu. E para encerrar o rolê, a banda aniversariante, Reiketsu. Meses atrás tocaram na cidade e por falta de moedas perdi a gig, o que me deixou muito chateado com a minha incapacidade de gerir uma miserável carteira. Mas os meses passaram e finalmente surgiu outra oportunidade de ver a banda. Como nunca tinha visto ao vivo, a ansiedade era grande. Pensa em um bagulho foda, com muito peso, melodia, lentidão, partes rápidas e letras cabulosas. É a trilha sonora do desespero. Parecia que todo mundo estava hipnotizado, com o olhar fixo nos integrantes e só um leve balançar de cabeças acompanhando o som. Movimentação apenas entre as músicas, quando rolavam os aplausos. Os rapazes deram uma geral em toda a trajetória e acho que agradou à todes. Tudo bem que poderiam ter tocado mais uma ou outra música, talvez até ter repetido alguma, mas de qualquer forma, foi foda! E assim que terminou o barulho, saí em desabalada carreira rumo ao cafofo, tendo que encarar uma subida nada agradável para chegar ao metrô. No caminho encontrei alguns punks que iam para outro rolê, uma rápida conversa e volto o foco na caminhada porque a barriga roncava e a carcaça gritava, mas feliz por ter visto bandas fodas e ver que, apesar dos problemas, muita coisa boa continua rolando no subterrâneo contracultural. MOVE IT – FESTIVAL DE MÚSICA PELOS ANIMAIS – 21/12/2019 – CENTRO DE TRADIÇÕES VEGANAS – SÃO PAULO/SP O Move Institute é uma organização sem fins lucrativos, administrada por mulheres e que luta pela libertação animal e humana. E como a música tem um poder de transformação imenso, nada melhor que usá-la para mobilizar as pessoas em torno da ideia de uma vida livre de produtos de origem animal e, de quebra, dar espaço a outras pautas pertinentes. Esse foi um baita evento com dez bandas divididas em dois dias, com uma estrutura que o underground em geral não está acostumado a ver. Palco grande, equipamento legal (mesmo que em alguns momentos falhasse), banheiros químicos, alimentação, palestras, brechó, estacionamento, cadeiras e colchões para sentar/deitar, gratuito, tudo isso em uma área verde colada ao centro da cidade e com fácil acesso. E como se isso não fosse o suficiente, o final de semana era ensolarado. Mesmo com tudo isso a favor, o público ficou muito aquém do esperado . Pensando no Punk, até entendo o pequeno público, já que o final de semana estava repleto de eventos, mas isso era um ato político, algo com uma proposta mais ampla e que deveria atrair pessoas não envolvidas com o Punk e mesmo assim não conseguiu gerar interesse, pelo menos nesse primeiro dia. Os motivos para que isso tenha acontecido são inúmeros, mas o mais preocupante é o desinteresse pela política e pela militância. Mesmo com o bafo quente e fedorento do autoritarismo fungando no cangote de todo mundo, a grande massa esquerdista continua pelegando, esperando que a estruturação de uma frente de resistência parta da política institucional. Vão cansar de esperar por isso. Para não perder o hábito, cheguei um pouco atrasado e a banda Make It Stop já estava no palco. Hardcore como deve ser, rápido e sem frescura. A banda é nova, mas mostrou muita energia ao vivo, mesmo com poucas pessoas presentes e ninguém agitando. Aliás, quatro das cinco bandas participantes são novas e envolvidas com o Punk e talvez esse tenha sido um dos motivos para que poucas pessoas de fora da comunidade prestigiassem o primeiro dia do festival. E só para constar, no segundo dia teve Der Baum, In Venus, Teu Pai já Sabe?, Eskröta e Dead Fish. Sem muita enrolação, A Vida Toda um Quase foi a próxima a se apresentar, Punk com melodias, “pogantemente” dançante e com várias ideias mandadas entre os sons. De uns anos para cá surgiu uma nova safra de bandas que trazem um frescor revigorantes, muitas vezes mais preocupadas em transformar o Punk em um espaço verdadeiramente seguro para todes do que iniciar uma luta armada. E na boa, isso é muito político! E além de político, é algo que realmente podemos fazer, construir e manter, é algo que está a nosso alcance imediato, diferente das grandes revoluções. Uma pequena pausa no barulho para escutar o que tinha a dizer integrantes do Sea Sheperd. Mesmo sendo um papo rápido com cerca de dez minutos, foi o suficiente para explicarem a proposta da ONG e quais os trampos que estão fazendo na atualidade. Além dessa conversa, estavam com uma banquinha vendendo diversos produtos. Voltando ao barulho, era a vez da Boca de Lobo. Apesar do nome agressivo, musicalmente a banda toca um hardcore pula-pula, com muitos vocais falados e alguma influência de metal. Não é o tipo de som que escuto e por isso mesmo acabei não entendendo qual é da banda. Olhava para o palco e via uns caras que pareciam ter saído de uma apresentação de alguma banda moderna, dessas que a hipsterlândia ama. Pode até parecer má vontade, mas não é. Toda banda tem suas qualidades e eu é que não curto mesmo esse tipo de som, mas tinha uma molecada felizona agitando enquanto os caras tocavam e é isso que realmente importa.


Apesar do cheiro bom de sandubas que volta e meia impregnava no ar, estava convicto em não gastar. E nisso, a fome começou a apertar e meu humor a desaparecer. Felizmente a Bioma já se preparava no palco e isso, somado a boa conversa com parça das antigas, me ajudou a não prestar atenção na ruidera que começava na minha barriga. Apesar de nova, Bioma é uma banda que frequentemente tem o nome em flyers, mostrando que o corre feito pelas moças é grande. Com um discurso fortemente focado no enfrentamento ao patriarcado e na luta contra a LGBTfobia, a banda é uma das mais interessantes da nova safra. Hardcore rápido, com algumas passagens mais grooveadas e muita ideia entre os sons, deixando claro de qual lado deve estar o Hardcore e o Punk. E para fechar a noite, Dominatrix. A veterana banda, muito provavelmente uma das principais influências da maioria das novas bandas formadas por mulheres, encerrou o primeiro dia de evento. Pela importância da banda, achei que deveria ter mais pessoas presentes, mas mesmo com o local não estando cheio, as pessoas se aglomeraram em frente ao palco e cantaram boa parte das letras. Fazia uns 12 anos que não via a banda e achei a apresentação um tanto quanto morna, em alguns momentos parecia ser mais um projeto da Elisa acompanhada por outras mulheres que revisitam os sons da Dominatrix. Talvez a banda não estivesse em um bom dia ou eu é que me tornei um cara chato, vai saber. E se por um lado achei que faltou energia na apresentação, o discurso continua afiado e certeiro como sempre foi. A guitarrista/vocalista Elisa, única integrante da formação original, mandou muitas ideias entre os sons, falando sobre feminismo, intolerância, veganismo e em como a libertação humana está atrelada a libertação animal. E pouco depois das 22h00min o evento estava encerrado. Nem o chuvisqueiro que caiu durante a apresentação da Dominatrix foi capaz de atrapalhar o rolê, que mesmo com o pequeno número de pessoas presentes, foi muito foda no todo. E fica a torcida para que o Move em breve organize outro fest ou que o local possa ser utilizado por outras pessoas que organizam shows, já que é um espaço muito bacana.

MATERIAIS Por Treva ESPIRAL PUNK ZINE Nº 2 Publicação chilena de maio/2017, esse zine traz entrevista com a banda Sidosis, resenhas de materiais das bandas Lepra Punk, Força Macabra, Axion//Protesta entre outras e textos sobre o anarquismo no Chile, eugenia, sobre o espaço El Taller Kruriche Ingovernable e suas diversas atividades, ocupações e sobre o programa La Hora Kutre. Visualmente tem aquela saudável mistura de textos com fontes variadas e colagens que tanto amamos. Mesmo sendo de dois anos atrás, é bom para sabermos o que está acontecendo em terras andinas e, quem sabe, entendermos que o Punk vivenciado nos países vizinhos cria muita coisa boa e que temos muito em comum com essas pessoas, podendo compartilhar diversas experiências que somariam em nossas vidas. Não sei se o zine continua em atividade, mas o contato é mdc.espiral@gmail.com . Arriba les punx! PUNK - MEMÓRIA. HISTÓRIA E CULTURA Com o subtítulo de Documentos que resgatam parte da memória, preservam a história e valorizam a cultura punk, esse é um trampo que nos proporciona uma leitura deliciosa. Escrito por Antônio Carlos de Oliveira, tem como diferencial de outros livros o fato do escritor ter vivido ativamente o Punk na cidade de São Paulo nos anos 80 com tudo que tinha de bom e ruim: repressão, violência, experimentos, decepções, diversão e aprendizado. Além de participar do movimento na década de 80, esteve presente em um momento muito importante que foi a aproximação de punks com o Centro de Cultura Social, propiciando um contato mais aprofundado com o anarquismo, com militantes de outras gerações e com outras vivências. Esse contato foi vital para punks e para o anarquismo: punks adquiriram um conhecimento político radical que deu um novo gás àquelxs jovens e que influenciou/influencia e vai continuar a influenciar o Punk, e para o anarquismo que viu o nascimento de uma nova geração de militantes (dentro das possibilidades da época). O livro é a transcrição de uma palestra sobre o Movimento Punk realizada no próprio CCS, considerada a primeira reunião entre punks e anarquistas. Além da palestra transcrita, o livro conta com a reprodução de documentos sobre o Punk do acervo do CCS. É uma leitura leve, rápida e divertida, com momentos ingênuos, mas que refletem o desejo de mudança da juventude tida como sem futuro e marginal. Contato: ccssp@ccssp.org antcarlosoli@ig.com.br

http://ccssp.org/ antcarlosoli@gmail.com

a.carlosoliveira1@terra.com.br

www.facebook.com/CCSSP33 antoniocarlos.oliveira.3956@facebook.com

DISFONIA – FAVELAS BRASILEIRAS Enquanto muita gente continua chorando por bandas covers que não cansam de passar vergonha, a renovação no Punk segue em ritmo acelerado, A bundamolice de bandas mais antigas ou novas, somado a atual situação política parece ter dar um novo sopro de vida, trazendo de volta o radicalismo de outrora, mas preparado para o que vem pela frente. Disfonia é um duo d-beat noise oriundo da região do ABC Paulista e é formado por Bob (bateria e voca)l e Herman (guitarra e vocal). A banda é novíssima e só tem alguns meses de existência, mas já disponibilizou essa primeira demo tape chamada Favelas Brasileiras, lançada pelo selo Vergeten Records.


Aqui a parada é pouca ideia. São 16 sons embebidos na fonte dis e anarcopunk, contando com covers de Final Slum War e Abuso Sonoro, com letras curtas no melhor estilo papo reto, focando no cotidiano embrutecedor, em suas mazelas e fugindo do academicismo que muitas vezes só causa preguiça nas pessoas. A qualidade da gravação ficou boa, com os instrumentos e o vocal audíveis e a parte gráfica, mesmo simples, têm todas as informações que podem interessar, inclusive as letras. Os destaques ficam pros sons “Favelas Brasileiras”, “Varado de Bala”, “Do Recreativo ao Medicinal” e “Cracolândia”, originalmente gravada pelo Final Slum War. E ainda vem um patch da banda, pra gente embelezar o visú que as pessoas de bem tanto amam. A renovação Punk na terra das queimadas é uma realidade saudável e não visa competição ou aniquilação de bandas antigas e/ou frouxas. Respeitamos e aprendemos com o passado, mas vivemos o presente e miramos o futuro. Viver de passado é pra museu e a urgência de nosso presente está visível nas bandas que surgem aos borbotões pelas quebradas do país. É isso que manterá o Punk vivo e em atividade por mais 40 anos. https://www.youtube.com/watch?v=f4J0kVBrCek&fbclid=IwAR28pMijb_Jp6P88QeLNPFu9slY8zBAp_leXfaAwvvFscrWqwRv03TfESm0 https://www.facebook.com/Disfonia-D-beat-Noise-T%C3%ABrrorist%C3%A4-419556802138527/ WEIRDUO – ESTAMOS NAS RUAS Weirduo é uma das bandas mais ativas no Punk de São Paulo, seja organizando eventos nas ruas e com a utilização de gerador ou participando de eventos de outras pessoas, o fato é que os rapazes tocam em quase todos os espaços que surgem. Gravado em 2017 e lançado no ano seguinte, Estamos nas Ruas é mais um registro fodástico desse duo. Sim, a barulheira é feita por apenas duas pessoas, Pedro (baixo/vocal) e Gil (bateria). Entre CDs e gravações de ensaios, já são oito lançamentos devidamente disponibilizados gratuitamente para que todo mundo tenha acesso. Então, não adianta dizer que a grana está curta, por isso fica difícil conhecer outros sons. Atualmente, só poste fica parado. O CD é um lançamento conjunto entre nove distros e selos, mostrando que cooperação é sempre melhor do que competição. O trampo vem com 20 sons divididos em cinco temas: cidade, modernidade, repressão, indivíduo e cultura, mostrando que criatividade ainda é algo presente no Punk. Não manjo de produção, mas de acordo com a minha capacidade auditiva e entendimento, o CD ficou muito bacana, com a parte musical e gráfica do jeito que todo mundo gosta e merece. Músicas rápidas, barulhentas e com letras cabulosas, mostrando sensibilidade ao lidar com temas que nem sempre damos a devida atenção, fazem desse CD um dos melhores que escutei recentemente. Difícil destacar algum som, mas para não fugir do lugar comum de resenhas, Prefixos e Sufixos e Kimbundu são muito fodas musicalmente e liricamente. A primeira é uma crítica ao Punk e suas subdivisões sempre em disputa para ver quem faz menos e a segunda utiliza várias palavras de origem africana (e que boa parte das pessoas não imaginavam) para estruturar a letra, que não deixa de ser uma crítica ao eurocentrismo impregnado na sociedade e até mesmo no Punk. Pois é, e você aí escutando as mesmas bandas desde sempre, que pouco ou nada somam ao Punk, com interesse zero em conhecer o que tem de novo no rolê que você diz viver. Está perdendo! https://weirduo.bandcamp.com/

https://www.facebook.com/weirduohc https://www.instagram.com/weirduohc/

https://www.youtube.com/weirduo

POESIAS SUBVERSIVAS Por Tiopacs,, Karl Straight*, Juänito** e Hannah*** CONFLITOS E CONFRONTOS (dedicado à Otavia Machado) Molotovs contra o choque!

Esta mulher reza.

No barraco de madeira a mãe crente sofre,

Reza por tudo o que o filho faz de errado,

Sofre por ver Seu Zé, seu marido, todo dia no mesmo porre.

Reza por um mísero trabalho

Sofre por que o filho do homi, frequentemente corre.

Esta mulher morre,

Esta mulher chora!

Morre porque o estado tupiniquim está no topo dos omissos.

Chora por nunca ter comida na panela,

Morre pura e simplesmente por isso.

Chora toda vez que se lembra dela.


SERÁ O FIM? Você não percebe o fim dessa raça?

Plantas cortadas ao meio sem um pingo de piedade

Seres humanos ingratos!

Catástrofe!

Destruindo a mãe natureza,

Será o fim dessa raça maldita?

Lixos lançados aos mares,

Será o fim dessa raça maldita?

SENSÍVEL* Acompanhei muitos seres sendo destruídos e levados

E os fez piores do que já eram

Como se fossem folhas ao vento

A mim, sinceramente,

A maioria a dor desumanizou

Tornou-me mais humano

PODE NÃO PARECER* Pode não parecer Mas acima das mais densas nuvens de tempestade

Pode não parecer

Existe um céu azul

Mas por maiores que sejam os seus problemas E as contradições de suas crises

Pode não parecer

Ainda assim é possível encontrar refúgio

Mas abaixo da agitação barulhenta de um mar revolto,

De que você tanto precisa.

O fundo do oceano é colorido, silencioso e quase em câmera lenta CRÍTICA AO LIBERALISMO** Ah, os liberais

Liberdade de consumo

Estes sim anormais

Aprisionando os animais numa jaula sem fronteira

Querem liberar o capital

É só ter e nada mais

Para explorar cada vez mais QUEIME FLORESTA QUEIME** Quando um presidente imbecil

O capitalismo sorri feliz

Representa um grupo oligárquico

Queime floresta queime

Que vê fauna e flora como inimigas do desenvolvimento É momento de obedecer o deus capital

Restou apenas o cinza das cinzas Sem vida, sem cor

Queime floresta queime

O agronegócio comemora Mais terras para monocultura e pasto

O dia do fogo é o triste sinal Florestas ardendo em chamas

Queime floresta queime

Consumindo a vida MARCINHA DE CARNAVAL 2020*** Doutor, eu não me engano

Doutor, eu não me engano

Meu coração é antifascista

O clã bozonaro é miliciano


QUEM DISSE, QUEM FALOU?** Quem disse que o capitalismo venceu?

Nossa história é movimento

Quem falou que o anarquismo morreu?

Renasce a cada injustiça, a todo momento

Nossas ideias são a prova de balas Nossas atitudes a base de fogo

Quem disse, quem falou? Apenas palavras pronunciou

Quem disse que a luta não valeu?

Nada construiu

Quem falou que seria fácil, padeceu

Pouco realizou

DORIA*** De família com histórico escravocrata

Cabelo tingido

Bem nascido e bem criado

E botóx na cara

Produzido para enganar Mais um lixo na política lamacenta

Bolsodoria Bozodoria

Sorriso falso

Boçaldoria

Dentes exageradamente clareados

Bostadoria

FULERADA *** Vendo fotos e vídeos antigos

Prestativas, politizadas, criativas e coerentes

Lembrei-me de quando nos encontrávamos no fest

Sempre criando e compartilhando

O Punk e o Hardcore juntos

A sensação de enfrentamento era real

Alimentando nosso senso de comunidade Mesmo com os problemas, isso era especial

Vendo fotos e vídeos antigos Vejo pessoas que tanto me decepcionaram

Vendo fotos e vídeos antigos

Trocaram o radicalismo pela zona de conforto

Vejo pessoas que admirava

Sendo condescendentes com o que não presta O X na mão passou a ser apenas um adorno sem sentido

INÉRCIA *** Apenas vejo

Apenas sofro

Apenas escuto

Apenas perco

Apenas clico

Apenas dou adeus a algum futuro digno

A inércia como uma maneira de viver

A inércia servindo à máquina política

ERA TUDO BRINCADEIRA*** Vocês o elegeram Agora vivemos um grande desastre Mesmo sabendo o que ele pensava E vocês dizem que não sabiam que isso iria acontecer Justificavam dizendo que eram bravatas Incapazes de reconhecer a própria mediocridade

E que era necessário livrar-nos de um mal maior Eu quero que vocês se fodam!


MOMENTOS FELIZES* Sou mais feliz quando sonhamos juntos

Dividimos alegrias e curtimos nossos momentos

Sonhamos juntos e buscamos nossas realizações

Somente ao seu lado sinto o que o amor é um sentimento que constrói um futuro

INDIFERÊNÇA* Quem quer guardar o lixo passado?

Brigas e discussões acumuladas preenche outro canto

Quem quer viver com as tralhas do passado?

Imagens de pessoas indelicadas ocupam mais espaços

Estranho! Você não quer?

Deixando tudo sujo

Não em sua casa, mas talvez em algum canto do seu coração

Ninguém pode culpar você

Nas pilhas de papel encaixotadas, os vestígios de raiva e sofrimento

Pessoas que levaram sua inocência

Você guarda dor? Acumula ódio? Arquiva indiferença?

Quebraram promessas ou te fizeram sofrer

Um passeio pelo seu eu pode ser revelador

Você já teve sentimentos e agora eles te consomem Faz sentido ser livre do lixo

Um monte de rejeição empilhada em um canto de seus pensamentos

Seu silêncio pode passar a mensagem mais importante

A TERRA** Os campos que semeiam a vida de mais uma batalha por terra perdida

Trabalho duro ao redor do tempo quando a terra não for para todos Continuamos em movimento!

Passagem apenas de ida do sol quente na cabeça de quem lida com essa enxada sofrida

Pra quê aos ricos dar batalha?

Da colheita que vinga na terra prometida seguimos fortes plantando

Esse trabalho duro que ele não encara

As cidades jantando

Porque a terra deve pertencer a quem trabalha

Continuamos colhendo e as metrópoles comendo a vida que plantou o sagrado alimento

Ocupar, resistir e produzir Combater, destruir, construir, dividir e persistir

EM MEIO AO CAOS E VAI E VEM** Em meio aos carros

É o vai e vem

Entre caminhões e coletivos o vai e vem

Em meio ao movimento

A cidade não para

A cidade não para

Não para de matar

A cidade não para

O seu tempo

De te engolir

A sua vida

De te enforcar

O seu pensamento

Não para de nos sufocar

A sua saúde

Ela não para, não para

O ar cinza ilude

O cheiro do dinheiro em seu olfato exala

A fumaça desgraça O seu ar O meu nariz O nosso lar



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