Vivência Punk Nº 11

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Passado pouco mais de seis meses da posse do novo (des)governo, as previsões nefastas , uma por uma, vão tornando-se realidade, por pior que elas sejam. O que um dia já foi chamada de democracia plena vem recebendo porrada de todos os lados, enquanto sua energia vital se esvai aos poucos. Piada pronta: utilizar a democracia para eleger alguém que é contrário a democracia já diz muito sobre a capacidade intelectu al do eleitorado. Não somos uma ONG, não somos especialistas em política nem centro de estudos, somos punks e isso aqui é um zine tosco feito por pessoas não gabaritadas em política. Entender o que aconteceu é algo que demanda tempo, conhecimento, pesquisa, tudo o que não vai ter em um zine, mas temos o entendimento que a tão falada ascensão do conservadorismo, o liberalismo econômico, o descrédito em relação à democracia e uma simpatia pelo autoritarismo não surgiu com a recente polarização política. É algo que acompanha o Bra$il há muito tempo, estando intrinsicamente ligado ao surgimento do país e seu desenvolvimento (ou não) enquanto nação. Uma rápida e não hipócrita conferida na História do Bra$il para entender boa parte de nossa tragédia: o último país a abolir a escravidão, ter recebido quase metade dxs africanxs sequestradxs violentamente de suas terras para serem escravizadxs aqui e em outros países , a corrupção existente desde a época do império e quase transformada em patrimônio cultural imaterial, o fato do país ter sido uma colônia de exploração e assim continuando mesmo após a independência, o extermínio dos povos originários, a violência que ceifa mais vidas do que muitas guerras, a religião cristã sempre presente na esfera de poder e a dificuldade para o estado manter-se laico, o esquecimento histórico pelo qual passa boa parte das lutas ocorridas e conquistas sociais obtidas, o desinteresse na melhoria da educação/saúde/habitação e transporte, a não valorização da cultura, a concentração de riqueza nas patas de poucas pessoas etc. Uma lista interminável de mazelas que não caberia nessas linhas. A simpatia pelo autoritarismo e tudo de nocivo que vem com ele é algo enraizado na sociedade brasileira. Começou com xs invasores e foi perpetuada através dos séculos, resultando nisso que vemos na atualidade. A atual disputa ideológica e o alto grau de demência coletiva promovida pelos dois espectros políticos envolvidos na disputa de poder apenas turbinaram sentimentos e opiniões que até então não eram de bom tom. Conviver com essas ideias e com essas pessoas é uma realidade e a confrontação é inevitável. Em tempos passados o ódio era velado e não sabíamos que era x inimigx. Hoje, a face da opressão é visível, facilitando o revide. Esses quatro anos nos custarão muitos outros e o que foi destruído permanecerá assim, independente de quem assuma o poder em um futuro próximo. Cabe a cada pessoa, grupo, coletivo, quebrada, ONG ou seja lá o que for, lutar por cada pequeno espaço, seja no mundo real ou virtual, agindo como se estivesse em uma guerrilha. Não será fácil, não é o que desejávamos, mas é o que temos. Se abrirmos mão da luta, mesmo que seja uma pequena luta, em nome de uma cordialidade que sempre esteve disfarçada de hipocrisia, seremos engolidxs, mastigadxs e depois cuspidxs. E na boa, ninguém está querendo isso para si, né? No mais, desejamos à todxs muita força, garra e bom senso para encarar as adversidades que continuarão a surgir. A luta por um mundo onde caibam vários mundos foi, é e continuará a ser válida.

Agradecimentos: Ramon Raw Punk (valeu pela ideia e aprendizado), Tiopacs (força moleque!), Ronald (What I Want), Contra, Tamires (pela ideia da capa) e responsáveis pelas imagens que utilizamos no zine e não creditamos por não sabermos os nomes.

Esse zine é dedicado à Mickey Coyle (Dead Wretched e G.B.H), Ninguém, Hildebrando (Street Fear e The Unabombers), Alex Brown (Gorilla Biscuits), Lorna Doom (Germs), Xinês (Excomungados, Igreja Punk do Fim de Semana, Garimpo Cultural e Corsário Discos), Carlos Fuentes, B.A. (Kaos Punks), Michiro Endo (The Stalin), Luis (Bazofia), Bruno DG e Cláudio (Autogestão).

“Nenhuma pessoa branca que vive hoje é responsável pela escravidão dos negros, mas todos os brancos vivos hoje colhem os benefícios dela, assim como os negros que vivem hoje tem as cicatrizes dela.” Talib Kweli

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Trilha sonora deste número: Misfits, The Rival Mob, Agathocles, Ripcord, Heresy, Vitamin X, Detestation, Substandard, Abuso Sonoro, Diagnose, Contraponto, Tragedy, Terveet Kädet, Discharge, Hoax, Käkkä-Hätä 77, Bad American, Napalm Raid, Autonomia, Vulpess, Anti-Hud Mina, Helvetin Viemärit, Ääratila, Disaster, Beyond Description, Motörhead, Napalm Death, Extreme Noise Terror, Totalitär, Shelter, Appendix, Corubo, Infect, Question, Atentado, Warchild, Death Side, Khatarina, Lost World, D.R.I. & Unarm.


BRASIL: TRADIÇÃO AUTORITÁRIA Por Elaine Tavares – Publicado originalmente no site Correio da Cidadania O ethos do escravismo ainda é forte na vida nacional. A geração que viveu depois de encerrada a ditadura civil/militar, a partir de 1984, aparentemente sempre teve a ilusão de que vivia em um país democrático, capaz de caminhar seguro para um tempo de direitos e justiça. Nada mais falso. O Brasil, historicamente, este ve bem mais próximo do autoritarismo do que da liberdade e os tempos ditos “democráticos” também foram eivados de repressão. Os avanços conquista dos com muita luta foram poucos e agora estão fragilizados diante de nova avançada do conservadorismo. Primeiro é importante lembrar que foi esse gigante adormecido um dos últimos espaços da América do Sul a se tornar independente da servidão da colônia. Enquanto os países de colonização espanhola iniciaram seu processo em 1808, na Venezuela, com revolução armada, o Brasil só cortou os laços com Portugal em 1822 depois de um arranjo bem safadinho entre Dom João e seu filho Pedro. E, nessa dita quebr a de laços, tampouco se fez República, que só viria em 1889, fruto de um golpe militar, praticamente feito à surdina, sem muito alvoroço e igualmente arranjado. Ou seja, enquanto o restante do continente já respirava ares republicanos por mais de meio século, o Brasil dormit ava sob um “império”. O marechal Deodoro da Fonseca, que acabou à frente da quartelada criadora da República, assumiu a presidência como interino, e só em 1891 foram realizadas eleições que o formalizaram no cargo. Mas não eram eleições gerais, e sim feitas dentro do Congresso Constituinte, portanto indiretas. Deodoro cumpriu dois anos e depois assumiu o seu vice, Floriano Peixoto, de triste memória para os moradores da ilha de Santa Catarina (obrigados que são a carregar o nome de Florianópolis). Esse governo foi tão duro que ficou conhecido como “Repúblic a da Espada”. Depois dele vieram outros, de 1894 a até 1930, constituindo a chamada Velha República, que até teve eleição, mas com baixíssima participação popular e votos de cabresto. A Segunda República, ou primeira fase da “Era Vargas” iniciada com a revolução de 1930, teve Getúlio Vargas como chefe provis ório até 1934, sendo depois respaldado pela Assembleia Constituinte que o levou, por eleição indireta, à presidência, na qual ficou até 1937. Mais um período, longo, com a população fora das decisões. Naquele ano, quando já se preparavam as eleições para presidente, Getúlio dá um golpe, alegando que o Brasil passava por uma grave “ameaça comunista”, e segue no governo até 1945, quando se encerra o que ficou conhecido c omo a Terceira República. Foi um tempo de profundo autoritarismo, no qual, inclusive, Getúlio entregou Olga Benário, grávida, aos nazistas. A Quarta República vai de 1946 até 1964, passando pela cadeira de presidente nove pessoas, com algumas delas esquentando muit o pouco tempo. Foi nesse período também que aconteceu o suicídio de Vargas, quando estava novamente na presidência. Período turbulento e cheio de intrigas na alta cúpula do poder. De novo, a chamada “ameaça comunista” foi mote para um golpe, comandado pelos militares, mas com amplo apoio da classe dominante civil. O que se seguiu à queda de João Goulart foi a ditadura, tenebroso período de torturas, mortes e desaparições, que se configurou chamar de Quinta República, no qual só militares comandaram o governo. Tempo duro, sem liberdade e sem possibilidade de participação nas decisões da vida nacional. Em meio a um “milagre” responsável por uma grande dívida, vivia-se a paz dos cemitérios que tantos, hoje, fazem questão de saudar. A chamada democracia só veio dar ar da graça no Brasil em 1984 quando a ditadura se desmilinguiu na transição para a Sexta República, num processo que igualmente não teve a participação popular. Apesar das grandes manifestações nacionais clamando por eleições dir etas, o presidente civil foi escolhido de maneira indireta: Tancredo Neves. Mas, não assumiu. Morreu antes da posse, assumindo no seu lugar, o vice, José Sarney. A partir daí foi chegando o neoliberalismo que fincou estaca no coração da nação. Collor, Itamar e FHC. Governos difíceis par a os trabalhadores, de muita perda de direitos e muitas batalhas sindicais e populares. A partir de 2003, com Lula e depois Dilma, ambos do Partido dos Trabalhadores, o governo assumiu uma coloração mais social, m as ainda atrelado às políticas neoliberais. Nesse período foram garantidos alguns avanços, mas nada que mudasse as es truturas da nação. A participação popular não foi estimulada e a democracia participativa não vingou. Então, veio o golpe em 2016 e Temer assumiu, iniciando a curva conservadora outra vez. Vejam que a história política brasileira é uma sucessão de situações complicadas, golpes, autoritarismos, caudilhismo e muito pouco, quase nada, de participação real das gentes. Se formos voltar ainda mais no tempo, a herança escravocrata pode ser uma explicação para essa interminável fieira de conservadorismo e atraso. “O bagulho é loco”, se poderia dizer, afinal, de toda essa gente que comandou o país desde o início da República apenas 12 ter minaram o mandato. E a população nunca foi chamada a decidir sobre qualquer coisa. Mesmo os chamados conselhos, criados na época neoliberal, nada mais eram do que espaços ritualísticos, nos quais o domínio seguia na mão do Estado. Assim, a assunção de Jair Bolsonaro, representando o que há de mais atrasado na fazendinha Brasil, não é nenhuma surpresa. Es sas forças do obscurantismo nunca estiveram por muito tempo escondidas. Dormitavam, mas de olhos abertos. Tampouco é novidade o poder estar tomado por forças religiosas. Sempre foi assim, só que qu em andava de braços dados com ele era a igreja católica. Hoje, são as neopentecostais. Tivemos um curto período, o da Teologia da Libertação, em que alguns padres fizeram a diferença junto à população. Mas, essa pastoral foi aplastada pela política do Vaticano, que não queria saber de transformações. Dito isso, o fato de tudo parecer um incrível filme de terror - principalmente para as gerações mais novas, que desconhecem a história - não deveria paralisar as pessoas. Mas, aparentemente muitos ainda estão anestesiados por alguns anos de política “paz e amor”, es sa equivocada tática da conciliação de classes levada pelo PT.


A história sempre mostrou que qualquer aliança com a classe dominante sempre acaba mal para os trabalhadores, para os índios, para os negros e para os camponeses. Por isso, o conhecimento profundo sobre o caráter do círculo de poder do país é fundamental para a forma como se mobilizam as gentes. A análise certa levará a uma decisão correta sobre como enfrentar o governo que agora assume, renovando o histórico autoritarismo que nos acompanha desde a invasão dos portugueses. Os primeiros dias vêm causando uma comoção inexplicável. Afinal, tudo isso estava bem claro no discurso e no sucinto plano de governo do então candidato Bolsonaro. Criado como um personagem do “uatizapi”, ele incorporou o discurso que vinha das ruas. E esse discurso pedia regime militar, tortura, segurança com mão dura, fim da corrupção. Era o Brasil escravocrata se expressando. O Brasil que vê o trabalho e as gentes do povo como “coisa inferior”. O Brasil que mata índio para abrir estrada, que pouco se importa com a fome dos pobres ou com a dor dos que nada têm. “Se não tem é porque não se esforçou”, dizem as senhoras igrejeiras. Assim, ganha a parada pela candidatura que se ancorou nessa postura não poderia ser surpresa o gabinete que foi se compondo. Tudo o que viria seria para destruir os poucos avanços já conquistados e aplastar qualquer outra ideia de autonomia ou participação popular. Por isso o ministro da educação é contra a educação, o do meio ambiente é a favor da destruição do ambiente, o da saúde ama as farmacêuticas, o da fazenda é amigo de banqueiro e a da agricultura quer acabar com as terras indígenas e quilombolas, e assim por diante. É tudo ao contrário do que as forças progressistas queriam que fosse. E por que é assim? Porque esse povo que assumiu, amparado pela classe dominante sempre pronta para o retorno, sabe muito bem o que é a luta de classes. Portanto, há que apagar todos os vestígios das conquistas populares. Não pode deixar pedra sobre pedra. Por isso todos os cartuchos serão usados contra o que é mais caro para a esquerda ou os progressistas, seja lá o que isso signifique. Ações contra Cuba, contra a Venezuela, contra os países africanos. E muitas benesses para os Estados Unidos, para Israel, para a Colômbia. Ninguém ali está para fazer o jogo do bom-mocismo. Por isso virão ações contra a Universidade, contra a educação, contra o patrimônio público, contra a agricultura familiar, os sem-terra, os trabalhadores. É a guerra, gente. Não há conciliação. É beijinho, beijinho e tchau, tchau. E, de novo, o “comunismo” aparece como um inimigo a se combater e tudo o que não se enquadra na pauta da destruição, é comunista. Eles sabem que não é. Mas, apontam o dedo e a massa atira. É a guerra. A população, desprovida de conhecimento sobre o que seja socialismo ou comunismo, acredita que essa forma de governos seja coisa do “demônio” e, assim, la nave va. Diante disso, o que fazer? Bem, o que temos feito ao longo dos séculos, como povo e como trabalhadores: lutar. Mas luta mesmo, renhida e dura. Não é tempo para moções, cartas de repúdio, crença na Justiça ou denúncias no Ministério Público. Os últimos acontecimentos nacionais deixaram bem claro uma verdade que se escondia: não há justiça para os empobrecidos, para as vítimas do capital. O judiciário é arma da classe dominante, ínfima, contra a maioria. A justiça é coisa para conquistar. Por isso é chegada a hora dos sindicatos, dos partidos políticos, dos movimentos. Há que explicar, há que ganhar mentes, há que organizar. Há que ter batalhas coletivas. Não existem super-heróis, aqueles que chegam na hora H e salvam o mundo. Não é uma cruzada individual. É luta de classe. É “bagúio” doido. E tem de ser enfrentado coletivamente. Eles não estão para brincadeiras. Sabem bem o que estão fazendo e onde querem chegar. E nós?

T.V. EM UM PASSADO NÃO MUITO DISTANTE, A TELEVISÃO EXERCIA UM FASCÍNIO NAS PESSOAS NA MESMA INTENSIDADE QUE OS SMARTPHONES NA ATUALIDADE. TAMBÉM TINHA QUASE A MESMA FUNÇÃO: PROMOVER INTERAÇÃO, ALÉM DE SER A PRINCIPAL FONTE DE INFORMAÇÃO OU ALIENAÇÃO Por Karl Straight A televisão suga minha energia. Sinto-me como se estivesse sofrendo uma lavagem cerebral; sinto-me hipnotizado quando assisto algo na tela e sei que isso está destruindo minha mente. Mas tento lutar contra isso. Minhas crianças parecem zumbis em frente à tela. Andam por aí como se estivessem em um sonho, mas sei que é um pesadelo. Estão fora da realidade e parecem ser felizes dessa maneira, recusando-se a encararem a realidade. Vejo que a televisão tornou as pessoas estúpidas. Uma droga altamente viciante e eu estou me tornando dependente dela. Estou ficando dependente de seu sensacionalismo, da ausência de ideias e acostumado a um meio que está se omitindo do dever de informar, que escolhe valores e empurra goela abaixo de todxs. Assim como outros vícios, esse não é fácil de enfrentar tampouco permanecer livre. Mas é necessário se desejamos uma mente mais saudável e combativa. Desligue a TV.


A SILENCIOSA TERCEIRA GUERRA: PETRÓLEO UM RECURSO NATURAL ABUNDANTE, RENTÁVEL PARA ALGUNS, POLUENTE PARA TODXS, FINITO E RESPONSÁVELPOR MORTES HUMANAS E NÃO HUMANAS Por Juänito A Terceira Guerra começou faz tempo. Quando se financiou ditaduras nas Américas, quando dividiram e sangraram ainda mais a África, quando o Golfo foi bombardeado por petróleo, quando invadiram o Iraque e a forma como massacram a Síria. Sim, o PETRÓLEO É O MOTIVO DE TUDO ISSO e não sei o porquê, já que é um recurso que tende a perder valor econômico por ser FINITO. Matam milhões hoje por dinheiro que não sabem onde vão gastar, matam gente aos milhares por uma matéria prima em declínio e sem utilidade humana para a sociedade. A 3ª Guerra não é declarada, ela se esconde na hipocrisia da falsa democracia liberal, guerra silenciosa que usa do anonimato para contar seus mortos. O MAIS COVARDE DOS SISTEMAS, O MAIS CÍNICO DOS SISTEMAS, O CAPITALISMO MATA E DIZ QUE NÃO. O mais hipócrita dos sistemas que nos aprisiona na sua “relativa liberdade”. Bem vindos à realidade, esse sonho americano. Ainda acha que vai fazer a América?

CONSCIÊNCIA POLÍTICA TER CIÊNCIA QUE SE FAZ PARTE DO COLETIVO, PORQUE A VIDA É UMA TEIA QUE NOS UNE Por Juänito Consciência política: obter a ciência de que se faz parte do coletivo, entender que você é um dos elos que no final forma a corrente. Ter a consciência do coletivo não é resumir a política em partidos, instituições e lugares que se trabalha “esse coletivo”, ela começa dentro de casa quando entendemos que a louça suja teve uma causa, quem sujou e qual o efeito que tomou na causa, que foi “o que levou a sujar e partilhar”, a partilha é o efeito. CONSCIÊNCIA POLÍTICA É VIVER EM COLETIVO E QUANDO NOS INSERIMOS NELE, porque a vida é uma teia que liga diretamente/indiretamente cada um.

O EUROCENTRISMO QUE NOS MATÊM IGNORANTES EM NOSSA PRÓPRIA COMUNIDADE ENQUANTO SEGUIMOS SONHANDO EM VIVER UM PUNK EUROPEU, COM OLHOS E OUVIDOS VIDRADOS NO QUE ACONTECE NA PARTE DE CIMA DO GLOBO, PERDEMOS A OPORTUNIDADE DE CONHECER UMA PRODUÇÃO MARAVILHOSA CRIADA E COMPARTILHADA PELA NOSSA VIZINHANÇA DE CONTINENTE Por Treva Há muito tempo atrás, li uma frase que ajudou a mudar a forma como encarava as relações com a vizinhança do continente, englobando toda expressão cultural e, principalmente, no que se refere ao Punk. Não lembro exatamente a frase nem de quem é, mas era algo como “não são elxs que falam espanhol, somos nós que falamos português”. Sozinha a frase pode proporcionar diversos entendimentos conforme a vontade de quem a lê, mas ela estava em um contexto de crítica ao Bra$il e seu isolamento cultural fortemente influenciado pelo desejo, muitas vezes inconsciente, de ser Europa ou América do Norte. Compreender o significado dessa frase me ajudou a ter outro olhar sobre a América Latina e todo o Terceiro Mundo, dos quais o Brasil faz parte, mesmo agindo como se isso não fosse verdade. Desde sempre nos é ensinado que o melhor do mundo encontra-se no hemisfério norte, em especial no velho continente, mais precisamente na Europa Ocidental. Ciência, tecnologia, esporte, literatura, cinema, culinária, tudo feito pelas pessoas mais bem preparadas e com o maior conhecimento. É como se a cultura europeia fosse a pioneira, mais importante e útil, sendo referência obrigatória para as outras nações. Essa ideia de centralidade cultural europeia é forte dentro e fora do continente europeu, como se ela fosse a única (ou pelo menos a mais importante) representante da cultura ocidental. Essa ideia é chamada de eurocentrismo. A nós, população terceiro-mundista, só resta admirar, enaltecer e reconhecer a pretensa capacidade superior de quem se encontra na parte de cima do globo. O esperado é que admiremos e venhamos a consumir tudo que é criado e produzido por lá e isso acaba sendo extremamente prejudicial para a diversidade cultural do mundo, visto que dezenas de outras nações também tiveram importância cultural e acabam sendo relegadas a um segundo plano e, em especial, é nocivo para países que foram colônias europeias. Neles, o eurocentrismo se faz presente de maneira intensa, e esse também é o caso do Bra$il. Infelizmente, essa postura também existe no Punk. O eurocentrismo exerce influência e nos condiciona, mesmo que involuntariamente, a procurar nos reconhecer em estereótipos europeus. Por aquil, o eurocentrismo no Punk se faz presente no que diz respeito ao visual e, principalmente, no desconhecer a produção contracultural latina, sendo esse desconhecimento o foco do texto. Bandas, fanzines, distros, coletivos e indivíduos, as diversas cenas do continente, toda a diversidade contracultural do punk latino é ignorada por muitxs punks brasilerxs, ainda focadxs no que é


produzido na parte de cima do globo terrestre. E antes que alguém venha dizer que esse assunto tem cheiro de nacionalismo disfarçado, o texto é uma crítica a uma postura que não é ética nem coerente, não sendo condizente com o Punk. Valorizar quase que cegamente determinadas bandas/produções/cenas em detrimento de outras, numa tentativa medíocre de copiá-las é uma deficiência cognitiva, já que o Punk preza a pluralidade. Nos anos 80 e 90, época da troca de cartas e materiais, mesmo com as informações chegando atrasadas e/ou deturpadas, punks brasileirxs tinham interesse em conhecer o que era produzido em diversos países, mesmo tendo clara preferência pelos países do continente europeu. Mesmo assim era comum vermos fanzines falando sobre cenas e bandas latinas e materiais chegavam por aqui com alguma dificuldade, mas até com certa frequência graças à proximidade linguística e territorial. Essa proximidade deveria ser um facilitador para um eficiente intercâmbio contracultural, mas pelas dificuldades inerentes à época (principalmente econômica, visto que todos os países se encontravam em graves crises econômicas) acabou não se concretizando. Anos depois, com a explosão da internet e as facilidades que vieram com ela, uma nova procura por descobrir cenas se fez presente, incluindo as cenas da América Latina. Infelizmente esse interesse durou pouco e novamente o velho continente tomou à dianteira, com uma parcela significativa de punks optando por mergulhar no delírio de ter suas coleções completas (graças ao mp3) dos ícones do Punk, mesmo aqueles que pouco ou nada tinham a ver com o Punk real, aquele feito por pessoas, de luta, de resistência e independência. Somado a isso, teve a economia brasileira que durante alguns anos esteve menos cambaleante e com inflação baixa, facilitando a vinda de bandas gringas para cá, quase na totalidade bandas europeias e estadunidenses. Sim, queremos e merecemos ver as bandas que crescemos ouvindo e que tanto nos influenciaram, mas limitar o Punk a bandas de determinados países é contraproducente e patético. Economia navegando em águas não tão turbulentas e preguiça intelectual nos fizeram perder a chance de conviver com punks latinxs e, de quebra, conhecer, aprender, ensinar. Enfim, trocar experiências que tanto são importantes, necessárias e prazerosas. Nessa época algumas bandas latinas estiveram excursionando no Brasil, principalmente em São Paulo, mas na maioria das vezes para poucas pessoas, visto que a maioria estava disposta apenas a apoiar eventos com as bandas conhecidas de sempre, fossem elas daqui ou do hemisfério norte. Novamente a chance de um intercâmbio contracultural foi perdida e quem sabe se nossa postura tivesse sido diferente, hoje poderíamos ter um grande festival no país com diversas bandas latinas juntamente com as locais e outras europeias, estadunidenses ou de outros continentes. Mas como mais uma vez deixamos passar a oportunidade, só nos resta lamentar e tentar não repetir o erro em uma próxima oportunidade, se ela surgir novamente. Essa fixação que punks brasileirxs nutrem com relação ao que é feito na Europa e, em menor escala, Estados Unidos, beira a idolatria, uma limitação intelectual que virou regra ao invés de ser exceção. É comum vermos em redes sociais o compartilhamento de flyers de eventos gringos seguidos por dezenas de comentários que enaltecem o evento, mas compartilhar flyer de gig que acontece na América Latina ou mesmo em nossa cidade, nada! Parece termos optado por ser uma “colônia contracultural” e isso já é o suficiente. Triste, muito triste. O Punk é uma comunidade global que se autorreconhece por códigos visuais, sonoros, comportamentais e ideológicos. Não somos uma receita culinária a ser seguida igualmente em todos os lugares ou um produto manufaturado que sempre será igual em qualquer parte do mundo. A beleza e sagacidade do Punk está em sua adaptabilidade, incorporando elementos locais que o tornam mais perigoso e combativo e deixando de lado outros que, porventura, pouco ou nada somam naquela região e/ou momento. É isso que torna o Punk realmente perigoso e impossível de ser controlado por quem quer que seja. Punks são punks em qualquer lugar do mundo. Nossas vivências não são melhores ou piores, mais ou menos importantes do que qualquer outra. Elas estão juntas, unidas, fazendo com o que o Punk continue sendo uma movimentação global e uma ameaça à ordem vigente. A soma de tudo que é produzido mundo afora faz nossa contracultura circular, nossas ideias são semeadas, cultivadas e colocadas em prática. O intercâmbio de vivências é essencial e nós que estamos aqui no Bra$il também podemos/devemos olhar para o que é criado na América Latina (e no restante do Terceiro Mundo) com mais interesse, porque a vivência dessas pessoas é muito próxima, senão igual a nossa, com os mesmos desafios, a mesma precariedade, a mesma violência repressiva por parte do sistema que tenta a todo custo nos subjugar. Nossa produção contracultural é apreciada por punks de todo o continente, sendo considerada de extrema importância para a movimentação Punk na América Latina. E por que não podemos apreciar e apoiar o que essas pessoas estão criando? Conhecer o Punk latino, interagir com as pessoas, apoiar a movimentação existente na região só traria benefícios a nossa própria vivência, não esquecendo que o Punk não reconhece as fronteiras criadas pelo ser humano e mantidas a todo custo por armas em nome do deu$ capital. No mais, desejamos um Punk plural, sem perder o radicalismo, mantendo as influências originais sempre presentes e somadas a outras possíveis, evitando assim que nos tornemos cópias do que vemos em cenas distantes, mantendo-nos como uma ameaça real e incontrolável.

DISFORME “DIFÍCIL CRER QUE UMA NAÇÃO, POR DUAS DÉCADAS, FICOU AMORDAÇADA! MEIA QUATRO NUNCA MAIS! EXPOR IDEIAS, INCONCEBÍVEL! E A LEI QUE EXISTIA ERA A LEI DA TORTURA! MEIA QUATRO NUNCA MAIS!” Por Treva & Hannah Quando pensamos em Brasília, normalmente lembramo-nos do filme Fuga de Nova Iorque. Imagine um futuro distópico onde a violência e criminalidade atingiram níveis alarmantes na terra do “pato” donald trump e decidem transformar a ilha de Manhattan em um presídio de segurança máxima, com xs condenadxs circulando livremente pela área. Essa maravilha da sétima arte é de 1981 e como toda boa ficção, já era visionária ao prever um futuro não muito agradável. Pois é, conseguimos imaginar uma parte muito específica de Brasília sendo transformada em presídio de segurança máxima, onde um grupo seleto de pessoas teria a oportunidade de desfrutar de uma vida plena, com toda a regalia a quem estão acostumadxs e que são merecedorxs. Na boa, se nós fossemos cineastas, faríamos uma versão chupada chamada Fuga de Brasília: Só Sai Mortx que, diferentemente do original que é uma ficção, o nosso filme seria baseado na realidade do país e em nosso desejo de matar quase que a totalidade da corja política.


Mas nem só de escória, falcatruas, golpes e diarreia intelectual vive Brasília. Junto a muita coisa boa que por lá acontece (excluindo a política, é claro!), tem uma série de bandas ativas ou inativas que criticam/criticaram a estrutura de poder e vivem/viveram o DIY e o Punk intensamente. Terror Revolucionário, ARD, Os Maltrapilhos, Agamenon Project, Besthöven, Bulimia, What I Want, Subterror, Males Fecundos, Galinha Preta, Kurgan, The Insült, Utgärd Trölls, Macakongs 2099, Detrito Federal, Murro no Olho, Kaos Klitoriano, Crüeldäde, Alarme entre tantas outras bandas que lembram-nos que nem só de escrotidão vive a capital federal. Entre as muitas bandas boas que por lá surgiram está a Disforme. Mas antes, uma explicaçãozinha: devido à falta de informações aprofundadas sobre a banda, esse texto foi feito no melhor estilo quebra-cabeça, unindo informações que encontramos soltas, em uma tentativa de escrever a “biografia”. Por isso é certeza do texto não estar 100% correto e nos desculpamos por isso. Talvez um pouco mais de empenho e pesquisa pudessem melhorar a qualidade, mas a correria e as tretas cotidianas sugam uma boa parte de nossa energia, comprometendo a qualidade do texto. Fica o nosso desejo de homenagear outra banda foda que encerrou as atividades. Formada em março de 2005 por iniciativa da Tainara (vocal), tinha como parças de banda Claudete (vocal), Petrônio (baixo), Danilo (guitarra) e Marcelo Podrera (bateria). Com essa formação gravaram uma demo ensaio com cinco sons e que resultou em algumas apresentações. Nesse período, Claudete e Danilo deixam a banda e esse último é substituído por Rodrigo, que fica pouco tempo. Com problemas na formação, uma parada foi inevitável, até a chegada de Negrete para assumir a guitarra, quando retomam as atividades. Em 2006 gravam a demo 64 Nunca Mais (título mais que atual), que chegou a ser lançada na Europa pelo selo feminista Not Just Boys Fun. Nesse material a banda já mostrava o que viria pela frente: hardcore reto, sem frescura, com algumas influências de crust e metal e com letras altamente questionadoras, com destaque para a faixa título. Essa demo proporcionou à banda diversos rolês em Brasília e entorno. Em 2008, mantendo a mesma formação, lançam Mais Um Número, resultado de uma parceria com o selo Two Beers Not Two Beers. Um trampo furioso com 18 sons, letras inteligentes e que fogem da mesmice, som brutal, contando com a participação de Adriana (Terror Revolucionário) em um som e ainda tem cover d’Os Maltrapilhos. Com o trampo em mãos e a boa repercussão, a banda inicia uma série de apresentações. Infelizmente, devido a problemas internos e mudanças na formação que não deram certo, com a saída de Tainara e Petrônio, substituídos respectivamente por Ray e Felipe, decidem dar um tempo em 2010 e a Disforme entra em um hiato de alguns anos. Em agosto de 2014 retomam as atividades com a formação responsável pelos dois lançamentos, sendo Tainara (vocal), Petrônio (baixo), Negrete (guitarra) e Marcelo Podrera (bateria). Esse retorno trouxe, além de diversas participações em gigs, uma relação de amizade e parceria com a Manger Cadavre?, resultando em um Split foderoso chamado Limbo, lançado em 2015. Com quatro sons de cada banda, o CD foi fruto da correria das duas bandas e dos selos Two Beers Not Two Beers, Poeira Maldita Distro, UK, Zuada Distro, Seein’ Red e Terceiro Mundo Chaos, mostrando mais uma vez que a união e apoio mútuo é o caminho. Mesmo com um lançamento foda como o Limbo, com as gigs acontecendo e com uma formação duradoura, nem tudo ia bem. O batera Marcelo Podrera, integrante desde o início, deixa a banda e é substituído por Márcio Medeiros. Mas a mudança não foi o suficiente para evitar o estrago e, pegando à todxs de surpresa, em meados de 2016 é anunciado em sua página oficial o fim das atividades, sem alarde e sem lavar roupa suja em público. Com tanta banda lixo que se diz Punk, é muito triste ver bandas com propostas honestas tendo fim prematuro. E apenas algumas semanas após o fim da banda é anunciada a participação com a música LCP na coletânea Latin America Noise Compilation Vol. 2 do selo Brutal Basaria, contando com a participação de mais 63 bandas, entre elas Disbrigade, S.F.C., B.E.T.O.E, Avitacion 101, Subcut, Deus Castiga etc. Mesmo parada, o respeito pelo trampo da Disforme continuava, sobretudo no DF e região. Mais uma prova disso foi que em 2017, participaram de outra coletânea, a Brasília Hardcore Mixtapes Volume 4 – From Enslavement To Estrtutural, com o último som gravado pela banda chamado Missionários e que conta com a participação de Jão (Ratos de Porão e Periferia S.A.). Mas a grande notícia estava por vir. Em agosto de 2018 anunciam duas apresentações que aconteceriam em novembro. Nem deu tempo do pessoal ficar feliz com uma possível volta da banda, já que de cara avisaram que seriam apenas essas apresentações mais que especiais ao lado do Manger Cadavre? aproveitando para divulgar o Split e só. E novembro chegou rápido com a banda participando dos eventos Brazlândia Underground e do VI Festival Sinta a Liga. As apresentações serviram para matar a saudade de quem já tinha visto e para saciar a curiosidade de quem não conhecia a banda. E como já haviam avisado, foi apenas essas duas apresentações e nada mais, sem choro nem vela. E você deve estar querendo saber o que xs integrantes estão fazendo após o fim da Disforme. Pois é, também não sabemos. Não achamos (ou não procuramos corretamente) informações sobre o que fazem na atualidade quando o assunto é barulho. Para conseguir mais informações teríamos que ficar perguntando para várias pessoas e isso é chato pacas, parece que estamos cuidando da vida alheia e a ideia nem é essa, por isso o foco do texto é a Disforme e só, o que também serve como uma boa desculpa para uma “biografia” incompleta. Faz parte. Em meio a tanta banda porcaria que chafurda no lamaçal da hipocrisia, cantando sobre situações que não vivem ou acreditam, jogando no lixo sua história em troca de alguma fama ou moedas, bandas como a Disforme fazem muita falta, seja pelo som, letras ou postura frente aos problemas do Punk e do mundo. https://www.facebook.com/oficialdisforme https://www.instagram.com/disforme64/

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RAMON RAW PUNK UM ASSUNTO POUCO ABORDADO NO PUNK É A QUESTÃO DAS DIVERSAS DEFICIÊNCIAS, SEJA VISUAL, AUDITIVA, MENTAL, FÍSICA OU MÚLTIPLA. TALVEZ POR IGNORÂNCIA, DESLEIXO OU INDIFERENÇA, NEGLIGENCIAMOS O ASSUNTO. NESSE PAPO COM RAMON, ELE CONTA UM POUCO SOBRE SUA VIVÊNCIA, ESCLARECE DÚVIDAS E DÁ DICAS PARA UM ROLÊ REALMENTE MAIS INCLUSIVO Por Juänito & Treva Vivência Punk – Ramon, muito obrigado por topar responder essas perguntas. Apesar do discurso inclusivo, a comunidade Punk ainda tem falhas e acaba por ignorar diversas situações. Esperamos que essa troca de ideias colabore para um olhar mais atento às diversas questões que enfrentamos enquanto punks e nos desculpe por nosso desconhecimento sobre o assunto e por qualquer colocação idiota, mas estamos aqui para aprender. Para começar, como você se envolveu com o Punk? Ramon – Então João, comecei no Punk com 17 anos, quando um amigo meu chegou com a coletânea SP Punk Vol. 3. Caralho, isso que é Punk?! Daí, outro amigo meu chegando em casa ligou a TV colocando na Rede Minas, no programa Musikaos, e estava tocando Invasores de Cérebros e Inocentes. Curti e continuei. Vivência Punk – No Punk, diversas questões são tratadas seriamente, mas algumas acabam sendo tratadas de maneira superficial ou até mesmo ignoradas. Entre essas que são ignoradas, está a presença de pessoas com alguma deficiência física. Você poderia nos contar sobre sua deficiência, que tipo de limitação você acaba tendo e qual o melhor tratamento? Ramon - Eu tenho paralisia cerebral com um atraso intelectual e motor. Com o tempo desenvolveu a poli neuropatia periférica. Atualmente faço uso de muletas, fisioterapia intensa e tratamento com neurologista e ortopedista em Lavras e Belo Horizonte. Tenho dificuldade para andar e equilibrar. Vivência Punk - Como você sente-se inserido no Punk? Ramon - Eu tenho muito acesso a internet e muitos conhecimentos sobre bandas, fanzines, trocas de ideias, informações sobre a contra cultura punk. Vivência Punk – Como é viver em uma sociedade pensada basicamente para pessoas não portadoras de deficiências? Quais os obstáculos enfrentados cotidianamente? Ramon - Não é fácil, existe muito preconceito, No meu caso, calçadas com buracos e degraus, ônibus altos, pessoas que não tem paciência de esperar. Vivência Punk – Mesmo com campanhas educativas e uma política de inclusão, o mercado de trabalho ainda nos parece ser relutante. Como está essa situação? Ramon - Não existe trabalho para todos os tipos de deficiência. O número oferecido de trabalho não corresponde ao número de deficientes. Vivência Punk – Assim como em todas as áreas, o governo tem falhado sistematicamente quando o assunto é saúde pública. Qual a situação para as pessoas que necessitam de um atendimento especializado? Ramon - Existe muita demora nos atendimentos e nem tudo se consegue. Eu tenho um plano de saúde que me ajuda muito. Vivência Punk – Sempre ouvimos falar em situações de exclusão e preconceito. Como você lida com isso? E no Punk, já passou por alguma situação constrangedora? Ramon - Eu procuro conviver com pessoas que me aceitam e respeito à opinião das outras pessoas. No Punk sempre fui bem acolhido. Vivência Punk – Na maioria das vezes, gigs punks são realizadas em locais improvisados que possuem vários problemas de acessibilidade. Baseado em sua experiência, que sugestões você daria para quem organiza gigs quando o assunto é melhorar a acessibilidade? Ramon - Que fossem em locais planos. Vivência Punk – E para o pessoal que cola nas gigs, alguma dica? Ramon - Que tomem cuidado. Vivência Punk - Conte dos seus projetos e como é a cena em MG, em Lavras e nos arredores. Ramon - Meus projetos são formar minha banda, minha distro/selo de bandas independentes. A cena mais forte é em Belo Horizonte, em Lavras está fraca. Em Varginha, Itaúna e Divinópolis acontecem muitos eventos. Vivência Punk - Quais bandas novas ou antigas você nos indica, já que é Punk antenado? Ramon - Novas: B.E.T.O.E, Ultimo Gobierno, Raza Odiada, Final Slum War, Disease. Bandas antigas: Besthöven, Luta Armada, Pós Guerra, Discharge.


Vivência Punk – Conte-nos o que aprendeu e levou para sua vida com as letras, bandas e zines. Ramon - Aprendi na ideologia do Punk o faça você mesmx, faça seu próprio visual do punk. Das suas músicas, de suas distros, trouxe-me muitos conhecimentos de bandas, fanzines etc. Vivência Punk – Ramon, muito obrigado por essa troca de ideia. Gostaria de acrescentar algo? Ramon - Faça do Punk uma ameaça. Lute pelo que você acredita, autogestão, autonomia, ocupar e resistir. Amei responder as perguntas. (A ) (E) (///)

WHAT I WANT EM TEMPOS SOMBRIOS, QUANDO MUITAS BANDAS EQUIVOCADAMENTE ASSUMEM POSTURA ISENTONA FRENTE AO RETROCESSO PELO QUAL PASSAMOS, TENTANTO NÃO SE ENVOLVER EM POLÊMICAS COM RECEIO DE PERDER “FÃS” OU MOEDAS, OUTRAS TANTAS FAZEM JUSTAMENTE O CONTRÁRIO, REAFIRMANDO DE QUAL LADO DA BARRICADA ESTÃO. COMO DIZ O AGATHOCLES, “GRIND IS PROTEST” Por Treva Vivência Punk – Começando com a pergunta básica, quando começou a banda, formação e influências? Ronald – A grande verdade é que a banda surgiu no início dos anos 2000, eu, Daniel e Arthu nos conhecemos enquanto frequentávamos shows e ali iniciou nossa amizade e consideração mútua. Em 2014 aconteceu o primeiro ensaio e a proposta era muito simples, fortalecer a nossa amizade criando uma rotina de encontros, nada de shows, nada de gravação, apenas um encontro. Felizmente não conseguimos manter essa postura, começamos a tocar em vários rolês e gravamos um CD. De 2014 a 2018 a formação foi Ronald no baixo, Arthu guitarra e vocal e Daniel na bateria. Por questões pessoais, o Daniel saiu em 2018 e atualmente estamos à procura de um novo batera. O Arthu é o mentor da nossa sonoridade, o cara é uma enciclopédia de estilo e talento. Nossas principais influências são Nasum, Agathocles e Rot. Vivência Punk – Quais os lançamentos até o momento? Ronald – Gravamos em 2015 uma demo You Talk Of Times Of Peace For All, And Then Prepare For War com 5 sons e em 2017 lançamos nosso primeiro full What I Wan com 12 sons, em homenagem a Vila Amaury, uma ocupação que foi inundada pelo Lago Paranoá na fundação da nossa bela capital federal, Brasília. Vivência Punk – Assim como outras bandas de grind e mincecore, What I Want consegue compartilhar numa boa o rolê com bandas de metal e/ou punks. Esse intercâmbio de estilos é algo que vocês procuram ou é apenas consequência da disposição para se apresentar em todos os lugares possíveis? Ronald – Somos uma banda underground e o underground é composto por vários estilos e vertentes, sinceramente para nós não importa as diferenças, buscamos sempre apoiar rolês honestos que tratem todos com respeito e sem qualquer tipo de discriminação. Temos grandes amigos no Metal, no Punk, no Hardcore, no Grind, enfim, o What I Want é um pouco disso tudo. Vivência Punk – What I Want faz questão de deixar claro que não participa de eventos financiados por governo ou grandes empresas e isso nos lembra de uma série de bandas que cantam sobre autogestão etc, mas com frequência fazem o contrário e vemos seus nomes em cartazes de eventos que estão distantes do que cantam e dizem defender. Cada banda e pessoa sabe o que é melhor para si, mas será que é realmente necessária a participação nesse tipo de evento? As moedas que eventualmente uma banda venha a ganhar justifica um possível dano causado ao underground? Ronald – Como você mesmo disse, cada um sabe o que faz. Somos extremamente contrários a utilização de verba pública em eventos underground, entendemos que fazemos parte de uma contra cultura e em nosso entendimento a contra cultura não pode e nem deve ser financiada pelo Estado, ou por Igreja, ou por grandes corporações. Na verdade esses três atores querem se apoderar de nossa liberdade, controlando nossas vidas e tolindo a nossa autonomia. Vemos o underground e a contra cultura como algo extremamente viável, somos e podemos sim ser independentes, mas para que isso ocorra temos que ter consciência do nosso papel, todos são importantes, público, bandas, organizadores, artistas, autores de fanzines, fotógrafos, o cara que cede o espaço, todo mundo, essa comunidade unida pode mudar. Agora ver banda superfaturando cachê, superfaturando gravação de CD/DVD, superfaturando estrutura de som, superfaturando viagem só porque o dinheiro é público, isso não apoiamos, mas respeitamos a liberdade de escolha, apenas não contem conosco para tocar e nem apoiar. Participar de fundo de auxílio à Cultura é justificar uma máquina voltada para o desvio de verba pública que poderia ser utilizada para outras necessidades básicas. É óbvio que sabemos que existem pessoas honestas, porém são a minoria, um projeto de R$ 120 mil para beneficiar uma banda é um tapa na cara, os dados são públicos basta pesquisar. Nada justifica! Vivência Punk – Além da banda, vocês também organizam gigs. O fato de estarem em uma banda ajuda na hora de organização? E quais as dificuldades ainda existentes para agilizar algo legal e de maneira independente? Ronald – Sempre que possível organizamos um rolê chamado Isto não é uma competição, a ideia é apoiar bandas de outros estados que queiram tocar aqui no DF, uma forma de retribuirmos às pessoas que nos recebem, não é uma troca de shows, é um apoio. A cada evento organizado, maior é nossa admiração por aqueles que se propõem a isso. Organizar um show é um trabalho desgraçado, a principal dificuldade está relacionada a grana, o dinheiro é escasso, buscamos cobrar um preço acessível nos ingressos, menores de idade sempre entram de graça. Não fazemos com tanta frequência por falta de grana e tempo. E por sermos de uma banda eu acho que a responsabilidade é ainda maior, tem muita


gente que acha que ter banda é apenas aparecer para tocar o que é muito cômodo, nossa visão é diferente, por termos uma banda sempre que possível somos os primeiros a chegar e os últimos a sair de qualquer rolê. Vivência Punk – Para a maioria das bandas independentes, pensar em turnê em um país do tamanho do Bra$il é algo complicado. Mesmo assim, vocês já estiveram se apresentando em Manaus, que é um bocado distante de Brasília. Como foi esse rolê por lá e já rolou gigs em outras localidades distantes? Ronald – O engraçado é que muita gente acha que temos um grande histórico de viagens, o que não é verdade, além do DF, só tocamos em Manaus, Goiânia e Anápolis, sendo estas últimas cidades próximas. Uma vez nos chamaram para tocarmos no México, mas como não tínhamos grana para nos manter lá, não fomos. A relação que temos com as cidades citadas é de grande consideração. Uma das coisas boas que a banda nos proporciona é criarmos novos laços de amizades, o nosso CD foi lançado por 4 selos, o Pikillers do Mato Grosso, Insetu’s de Goiânia, Goregrind de São Paulo e Manaós de Manaus. Fomos para Manaus pela primeira vez por gratidão, graças ao Endrix da Manaós e ao Paulo da Distro dos Infernos, parcelamos nossas despesas em 10 meses e fomos na cara e na coragem. Sete meses depois tocamos novamente em Manaus a convite dos organizadores do XXX Fest, mais uma vez num esquema colaborativo banda e organização compartilhando custos, inclusive é isso que achamos certo, cada um dentro da sua condição. Tô cansado de ver banda cheia de exigência em cima de rolê underground, cachê, pizza e o caralho a quatro, aí o cara que organiza toma um prejú e deixa de fazer e organizar gigs. Goiânia e Anápolis também não existem palavras, incrível como a rede underground e a contra cultura são capazes de fazer coisas inimagináveis. O segredo para tudo isso é cooperação, colaboração e trabalho conjunto. Vivência Punk – Os integrantes da banda também estão envolvidos em outros projetos. Poderiam comentar um pouco sobre eles? Ronald – Como eu disse antes, o Arthu é o cara, capitaneia o Agamenon Project e toca na banda UTU de Black Metal, eu estou cantando com uns amigos em um projeto de Thrash Metal chamado Nosso Fim, além de sempre que possível ajudo na organização de shows. Vivência Punk – Com quais bandas vocês gostariam de dividir o rolê? Ronald – Nosso grande sonho era tocar com o Rot e felizmente já realizamos em um rolê fantástico em Goiânia, outra banda que já planejamos é o Extreme Noise Terror. Particularmente eu gostaria de tocar com uma banda ícone do underground brasileiro que superfatura o cachê de show quando o evento tem dinheiro público, provavelmente isso nunca acontecerá, pois fatalmente negaríamos o convite e não sei se teria estômago para tal evento. Vivência Punk – A banda sempre enfatiza a necessidade de cooperação. Por que, mesmo com todas as dificuldades existentes, ainda é treta exercer a cooperação de maneira honesta e sem interesses? Ronald – Somo seres humanos e o ser humano foi posto neste planeta para ver ou se preocupar apenas com o próprio umbigo, ainda mais em uma sociedade degradante incentivada pelo capitalismo canibal. Ter lucro é necessário, mas temos sempre que maximizar ao extremo? No underground tem uma coisa que nos incomoda, as aparências. É muito bonito falar de cooperação, de coletivo, mas na hora de por a mão na massa ou abrir mão de algo para o coletivo são os primeiros a torcer o nariz, quem faz isso é muito covarde e falso. Buscamos sempre tratarmos os outros como gostaríamos de ser tratados e falamos sempre o que pensamos e é incrível como isso incomoda, ao ponto de pedirem para pegarmos leve ou tirar nossa bandeira do palco. Tem muita banda aí que está no underground por falta de opção, se venderiam por muito pouco. Temos nossa integridade e fazemos o possível para agirmos como falamos nos shows. Vivência Punk – Em tempos de polarização política e avanço da direita (inclusive no rock e no underground), existe algum receio por parte da banda que pessoas escutem o som, mas não entendam as letras pelo fato de estarem em inglês? E para quem não entende o idioma e tem preguiça de utilizar algum tradutor, sobre o que tratam as letras? Ronald – Isso é algo que eu sempre penso, infelizmente muitas são inacessíveis pela característica vocal e por estar em outro idioma. Para suprir um pouco esta barreira, optamos por sempre nos manifestarmos durante as apresentações. As letras tratam muito sobre a nossa vivência e como observamos o mundo, questionamos o ser humano e toda a nossa humanidade, falamos sobre cooperação, sobre medos e principalmente sobre a liberdade. Uma reflexão: erramos quando deixamos de lado a nossa mensagem, erramos quando achamos que som extremo é só barulho e curtição, erramos quando segregamos pessoas que não pensam exatamente como nós. Vivência Punk – Apesar do viés contestatório que norteia o Punk e o Metal, em ambas as cenas pessoas declararam apoio ao “coiso”. Como lidar com essa situação? Ronald – De verdade, infelizmente isso não me assusta. Como você disse anteriormente, vivemos em um tempo de polarização em grande escala, mas esta realidade já era observada em pequenas comunidades, inclusive a nossa, metaleiros evitando punks que evitam emos que evitam cristãos que evitam metaleiros, um ciclo de intolerância e falta de diálogo. Particularmente escuto e converso com o máximo de pessoas possível e aprendo mais com aqueles que possuem percepções distintas. Costumo dizer que melhor que um fascista morto é um ex-fascista arrependido. Quanto mais batermos de frente, mais a ignorância é fortalecida, obviamente não temos que aceitar intolerância e discriminação de forma pacífica, se agredirem fisicamente temos que revidar, mas não tenho dúvida e com base em diversas experiências que já tive que o diálogo em busca do entendimento é a melhor forma de mudarmos o mundo. Vivência Punk – Nos últimos meses, muitas bandas ficariam escorregadias frente a questões políticas, tentando evitar possíveis desconfortos. Vocês, pelo contrário, fazem questão de deixar claro qual sua opinião e de qual lado estão. Essa postura trouxe algum problema além do esperado? Ronald – Às vezes eu penso que seria mais fácil ficar calado, mas fazer isso seria ir contra o que entendemos como certo. Já fomos criticados por falar demais, já fomos taxados de intolerantes, público já saiu quando estendemos nossa bandeira de igualdade e contra qualquer tipo de discriminação e muitos nos consideram chatos. Mas o underground é o espaço ideal para o debate de ideias, evitar desconforto é se esconder ou aceitar injustiças e preconceitos e nunca seremos assim.


Vivência Punk – Quais são os planos futuros do What I Want? Ronald – Com a saída do Daniel teremos que frear um pouco nosso planejamento, faremos poucos shows em 2019, no máximo 5, vamos nos dedicar para construção e gravação de novos sons. Vivência Punk – Ronald, obrigado pela troca de ideias. Gostaria de acrescentar algo? Ronald – Na verdade gostaríamos de agradecer pela consideração, o What I Want nasceu de grandes amizades e as novas amizades nos fazem ter vontade de continuar. Vivam o underground em sua plenitude, sem padrões, um ambiente libertário e conciliador, aonde as diferenças nos fazem melhores, o respeito deve ser mútuo e quando um cair outros estenderão as mãos para ajudar, busquem o diálogo e evitem ao máximo o pré-julgamento. Não dependemos de ninguém, o faça você mesmo nos mantém fortes e independentes. Leiam fanzines e valorizem todos os tipos de manifestações contra culturais, não apenas banda. Muito obrigado, celebraremos o caos!!!!

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MEMÓRIA ROLESÍSTICA MESMO NÃO SENDO UNANIMIDADE NO PUNK, O PRIMEIRO ROLÊ DO MISFITS NO PAÍS ARRASTOU MUITA GENTE. A CHANCE DE VER UMA BANDA CLÁSSICA, MESMO COM FORMAÇÃO DIFERENTE DA ORIGINAL, É QUASE SEMPRE UM PRAZER. E QUANDO A MESMA AINDA CONSTA NA LISTA DE FAVORITAS, A PARADA MELHORA AINDA MAIS. Por Treva É fato que a explosão do Nirvana catapultou o rock e quase todas as suas vertentes para o grande público, tornando-se a música da juventude por alguns anos. Durante esse período, muitas bandas aproveitaram a oportunidade e emplacaram sucessos e, em certos casos, até midiáticos. Quem teve esperteza, assessoria ou sei lá como queira chamar, teve seus quinze minutos de fama e conseguiu ganhar algum dinheiro. E isso rolou em todo o mundo, inclusive por aqui. Mas como toda tendência, essa também teve começo, meio e fim. E foi justamente já na reta final, quando o rock dava sinais de desgaste, mas ainda com um público consumidor presente, que o Misfits fez sua primeira turnê no país. Era uma época em que o termo internet começava a ser veiculado fora dos meios acadêmicos, rádios rock e MTV Bra$il ainda serviam como fonte de conhecimento musical para o grande público e a Galeria do Rock não tinha se tornado a galeria das roupas descoladas. Pois é, assim era 1998. Apesar de parecer uma novidade para muitas das pessoas presentes, a banda tinha uma história de décadas na estrada e era muito conhecida no Punk (cê juuuraaa?), no metal (principalmente pelas fotos de integrantes do Metallica usando peitas da banda) e na cena psychocô. Isso seria motivo mais que suficiente para que alguma produtora esperta tivesse interesse em bancar um giro da banda pelo país, com pouca chance de arcar com prejuízo. A banda se apresentou nos dias 21 e 22/07/1998. Colei na segunda data, uma quarta-feira e o local escolhido foi a Broadway, pico que fazia muito sucesso no meio musical naquela época, já que tinha uma estrutura muito boa para eventos de porte médio. Mesmo sendo no meio da semana, uma gelara em ótimo número pagou R$ 25,00 para prestigiar o rolê, que além dos gringos, contou com a participação do Gritando HC. Rolê em dia útil tem vários problemas, e um deles é que muitas vezes fica complicado chegar ao local justamente por causa do trânsito sempre caótico na cidade. Mas no caso desse, o fato do local ficar próximo a terminal de ônibus, estação de metrô e trem, facilitou e muito a vida de quem foi, com a grande maioria das pessoas chegando sem problemas e até com uma boa antecedência. O pessoal chegava e ficava em frente ao local papeando, tomando um goró ou mangueando em busca de juntar uns trocados para comprar o ingresso. A banda estava em turnê divulgando o álbum American Psycho, que muita gente não curte, mas que eu caí de amor logo na primeira ouvida. Por ser a primeira visita da banda, a ansiedade era grande por parte dxs presentes, mesmo sabendo que a formação não era a original. Mas de boa, é algo comum vermos bandas já caquéticas vindo se apresentar no país em busca de algumas moedas para que integrantes comprem seus medicamentos. Em minha opinião, esse não era o caso do Misfits, que depois de um bom tempo parado, voltou a gravar e excursionar com uma formação até que sólida e que rendeu dois bons álbuns com inéditas. Depois de muita conversa do lado de fora, hora de entrar e aí surgiram os perrengues. Por ser uma casa de shows, a segurança queria depenar tudo que pudesse ser transformado em arma segundo suas convicções. Só não barraram nossos pensamentos. De correntes presas em carteiras a cintos, de bottons a rebites, tudo era inspecionado pela segurança e, dependendo da sua cara e da boa ou má vontade de quem te revistava, você entrava ou não com os apetrechos. Um saco! Já dentro do espaçoso local, hora de seguir rumo à pista e aguardar os minutos que nos separavam da realização de um sonho. Enquanto os minutos passavam e a ansiedade aumentava, lembrei-me da minha juventude sem net e do trampo que era conhecer sons, das muitas imagens de bandas de metal com integrantes usando visú do Misfits, dos covers gravados por várias bandas e que serviram como introdução ao trampo da banda, das fitas com seleções punks compartilhadas muitas vezes de maneira discreta, para evitar atrito com headbangers que não aceitavam a influência punk no metal e outras tantas situações bizarras. Mas antes do sonho tinha o pesadelo. Brincadeira de mau gosto à parte, Gritando HC era uma banda que estava na correria, em parte graças ao


finado Donald, sempre procurando novos espaços para organizar um som, envolvendo outras bandas, tentando fazer algo mais saudável, menos pedreiragem e sempre conseguindo arrastar um pessoal mais jovem aos eventos. Então, a escolha da banda para participar da gig não foi algo absurdo, apesar de contrariar o pessoal mais radical que a achava muito comercial (??). E mesmo não sendo o tipo de som que curto, a apresentação foi bacana, incendiando a molecada. O último som foi um cover do Olho Seco, Botas, Fuzis, Capacetes e que contou com a participação do vocalista Fábio, talvez servindo como prenúncio do retorno da banda que se daria em breve. Depois daquele embaço básico que serviu para deixar todo mundo mais ansioso, as luzes são apagadas e fica visível o enorme pano de fundo com a cara da mascote Crimson Ghost, além de outros cobrindo os amplificadores. Uma introdução tétrica é tocada e surge no palco o próprio Crimson Ghost segurando uma tocha, devidamente caracterizado como está na capa do American Psycho, andando de um lado para o outro e instigando o pessoal que já estava em processo de enlouquecimento. Logo após Crimson Ghost deixar o palco, desce um telão que exibia trechos de filmes clássicos de terror e tendo como trilha sonora uma versão mais lenta de Halloween, enquanto o pessoal gritava, assobiava e se espremia em frente ao palco durante longos minutos. Meus amores e minhas amoras, eu sei que muita gente não curte a banda, que acha meia boca as letras e o som ou que não passa de uma banda cujo prazo de validade já tinha espirado há tempos e, até certo ponto, concordo com essas afirmações. Mas vou ser chato e afirmar que só esse início de apresentação já valeu a pena! A parada estava louca! E se você está achando que o teatro terminou, ainda tinha mais. Logo que encerrou a exibição no telão, o mesmo subiu, o palco foi iluminado e começou a introdução da música que dava nome ao disco recém-lançado. Crimson Ghost aparece outra vez no palco, agora puxando com uma corda o vocalista Michale Graves preso em uma camisa de força. Mais um pouco de encenação, Crimson Ghost sai do palco, o Graves consegue se soltar da camisa e Jerry Only, Dr. Chud e Doyle aparecem no palco para delírio geral. A partir daí foi só cacetada, um lance meio Ramones, tocando uma infinidade de sons muito mais rápidos e pesados que as gravações em estúdio e com pouca interação com o público. Começaram com American Psycho e seguiram alternando sequências com sons do então novo álbum e com os clássicos. Claro que as mais antigas sempre tinham uma receptividade maior, principalmente quando tocaram Last Caress, super conhecida via Metallica e que levou xs mais jovens ao delírio, mas as novas músicas também empolgaram, principalmente quando tocaram Dig Up Her Bones, cujo clipe circulava de vez em quando na MTV Bras$il em programas específicos. Eu mesmo estava na expectativa que tocassem vários sons novos, principalmente Shining, mas vou ser previsível: esperava mesmo era por Skulls, I Turned Into a Martian e Where Eagles Dare que cantei a plenos pulmões num inglês impecavelmente ruim. E aqui vai um “causo” nada a ver com o rolê, mas que tem a ver com o Misfits. Na época eu tinha uns vizinhos que eram irmãos (e que os pais não deixaram irem comigo nesse rolê) e rolava aquele lance de gravar umas fitas cassetes para eles. Como era para escutar no walkman, não era necessário colocar o nome das músicas ou ter capa, era gravar uns sons bacanas que eles ficavam felizes. E aí, numa dessas gravações, constava Skulls, e o irmão mais novo apareceu dias depois questionando o porquê de o Misfits fazer um som com o nome de Escolas. Tempos difíceis sem a amada internet para todxs, que hoje nos permite saber de tudo e mais um pouco sem esforço. Enquanto o quarteto fazia com que o pau comesse no palco, o mesmo poderia ser dito sobre o que rolava na pista. Punks, bangers, psychobillies, alguns pilantras disfarçados e rockeirada doida agitavam e trocavam alguns carinhos nos primeiros minutos. A coisa acalmou quando ficou bem definido quem mandava na roda e coube a galera tanga frouxa ficar de boa ou sair andando. Com isso, todo mundo pode preocupar-se mais em agitar e fazer da pista um caos. Mas é claro que sempre tem um tonto que insiste em aparecer e nesse rolê não foi diferente. Um headbanger da Baixada Santista, conhecido pelos seus quase 1,90m de altura e por ser acostumado a agitar com as “asas” bem abertas para acetar na maldade que estivesse por perto, estava na roda acreditando ser o dono do metro quadrado. Cerca de um mês antes, esse arrombado estava arrastando no mosh pit durante a apresentação do Kreator (escuto muito metal, já fui banger) e me acertou um murro na boca do estômago que me custou uns bons minutos apagado. Ao recobrar a consciência, a banca da qual eu já tinha feito parte foi em busca do zé ruela para cobrar, mas a turma do “deixa disso” conseguiu impedir o linchamento do cidadão para não zicar o rolê. Pois é, passou um mês e estamos novamente dividindo a roda. Além de ser alto, o cara era corpulento, tipo um lutador desengonçado e eu, apesar de também posar de lutador, estava na categoria chassi de grilo. Sabia que no mano a mano eu ia levar um prejú se não conseguisse acertar o saco do seboso logo de cara, então fiquei de boa agitando com um olho no palco e outro no safado, porque tenho um faro bom para treta. E não deu outra, logo o pangaré arrumou uma confusão com uns parças e levou um tremendo sopapo indo ao chão. Além do murro bem dado, o chão molhado e escorregadio ajudou a derrubar o folgado que pareceu um prédio sendo implodido. Mas o melhor estava por vir, o cara caiu ao meu lado, praticamente com a cara nos meus pés. Eu olhava o cara caído no chão molhado, sem camisa, levemente tonto por causa do murro, virando de lado e usando o braço para levantar, sem sucesso. Olho a roda e vejo uma série de empurrões e discussões e aí me lembrei do murro que levei desse cidadão desabado aos meus pés e sem vacilar, dei uma bela bica na fuça do cara. Não acredito que isso seja algo para comemorar ou me orgulhar, mas gente folgada tem mais é que se foder e, no caso do doidão, só devolvi a agressão. E pensar que tudo ocorreu em poucos segundos. Mesmo com a confusão rolando, a banda continuava a detonar no palco e a roda permanecia aberta, com as pessoas agitando e o banger caído no chão, apagado e com cara de rã com câimbra, esperando pelo socorro. Por sinal, o socorro veio em forma de outro banger muito conhecido, também da Baixada, que pedia para o pessoal não agredir mais o amigo enquanto ia puxando pelo braço o cara desacordado. O coitado parecia um pano de chão limpando a pista. E antes de ser definitivamente salvo, levou uma bicuda de uma garota, que depois fiquei sabendo ter sido empurrada de maneira violenta logo no início do barulho e que acabou se machucando. Encerrada a treta, era hora de voltar a prestar atenção unicamente na banda e agitar enquanto houvesse força. Por cerca de uma hora, com um som após o outro e sem muita enrolação, o Misfits foi detonando suas músicas. Na pista, a roda não fechava e tinha gente voando para todos os lados, principalmente em direção ao “chiqueirinho”, para desespero da segurança. E por falar nela, foi só rolar a primeira tentativa de agressão para que o pessoal da frente começasse com a chuva de cusparadas e insultos, servindo de aviso que não seria permitida agressões gratuitas e que se rolasse algo, o revide seria imediato e, na melhor das hipóteses, na mesma moeda. Depois disso, o rolê fluiu até bem tranquilo entre segurança e plateia, sem grandes problemas, com uma ou outra discussão ou encarada, mas nada que motivasse exame de corpo de delito. Ao final da apresentação, Jerry Only, Doyle e Dr. Chud arremessam palhetas e baquetas, cumprimentam algumas pessoas que estavam na grade e logo desaparecem entre os equipamentos. Hora de sair fora, mas antes uma rápida parada na banquinha de merch, que tinha umas tralhas lindas e que levaram minhas moedas. E aí, meio que do nada, começa um falatório, pessoas circulando apressadas, mas não era treta, e sim


Jerry Only que estava na grade dando autógrafos e tirando fotos. Felicidade para quem demorou a sair do local. Consegui um autógrafo em um adesivo roxo que tinha o nome da banda e que abrilhantou por anos a janela do meu cafofo. Bom, depois de conseguir o autógrafo, aparecer de bicão em inúmeras fotos que as pessoas tiravam com ele, um parça deu uma acelerada para não perdermos o transporte público e, enfim, saímos fora. Eu estava sujo, cansado, sem voz, com vários hematomas, mas feliz. Misfits não fala sobre revolução, antifascismo ou qualquer outro tema sério que influencia diretamente a vida e o mundo. Assim como os Ramones ou Toy Dolls, é diversão, algo que muitas vezes esquecemos, mas que também faz parte do Punk e da vida.

GIGS Por Treva NÃO TEMOS CONDIÇÕES DE RESPONDER A TODOS – 15/02/2019 – SESC CONSOLAÇÃO – SÃO PAULO/SP 2019 começou do jeito que imaginávamos: governo do RJ exigindo o encerramento antecipado de uma exposição para evitar performance que criticava a ditadura, polícia usando de violência desmedida para reprimir manifestações em São Paulo e em Curitiba decidindo a hora que um evento punk deveria terminar e surrupiando parte do equipamento. E pensar que a situação ainda pode piorar muito mais. Mesmo com todos os problemas, a vida tem que seguir. E nisso, aproveitei para colar nesse evento no Sesc. Uma exposição cabulosa focada no que rolou durante o final dos anos 80 e início dos 90, relembrando os tempos da troca de cartas, fotos, filipetas e material físico como discos, fitas cassetes e de vídeo. Enfim, tudo aquilo que entulhava nossos quartos e os transformava em outro mundo. Com curadoria a cargo de Alexandre Cruz (vocal da Garage Fuzz), a exposição ficou em cartaz por mais de dois meses e contou com acervo do próprio Alexandre, além de Marcilio Lopes (zine Crude Reality), Alexandre Bonfim (zine Verbal Threat), Billy Argel (guitarrista da Lobotomia) e mais algumas preciosidades cedidas gentilmente por uma ou outra pessoa. O material exposto é de encher os olhos, mostrando um recorte mais pessoal e menos didático do Punk naquela época. Circulando pelo local, a vista é bombardeada com muita informação. Discos, fitas de vídeo e cassete, cartazes de gigs, filipetas, fanzines, adesivos, cartas, um pano de fundo de palco do Psychic Possessor maravilhoso (e que ficaria lindo no meu quarto) e uma série de cartas trocadas. Tinha bandas para todos os gostos: Napalm Death, Ação Direta, Bikini Kill, Terveet Kädet, Safari Hamburguers, Slapshot, Poison Idea, DYS entre tantas outras e um vídeo com alguns depoimentos para dar aquele ar de modernidade e nos lembrar de que a exposição é sobre o fim dos 80 e início dos 90, mas que estamos em 2019. Para quem viveu a época, circular pela exposição e ver o vídeo, gastar algumas horas observando atentamente os flyers ou lendo as entrevistas, tinha como resultado reencontrar diversas lembranças. Vi coisas que ativaram minha memória afetiva, lembraram-me de pessoas e situações que pareciam tão distantes, mas que na linha da vida estão na esquina, muito mais próximas do que poderia imaginar. Além da exposição propriamente dita, também rolava uma oficina de zines com máquina copiadora à disposição, que gerou trampos bem interessantes, alguns claramente feitos por pessoas não envolvidas com o Punk ou com o mundo dos zines. Também rolaram workshops e diversas apresentações de bandas, mas nada a ver com o que entendemos por Punk. As pessoas e bandas convidadas são, digamos, artistas que em algum momento de suas vidas tiveram contato com o Punk e isso me lembrou daquele pessoal de NY dos anos 70 que frequentava o CBGB, com pretensões artísticas e nem um pouco revolucionárias (no sentido mais simples da colocação). Na reta final da exposição, rolou um festival que entre várias bandas chatas teve como a única legal The Stupids, que se apresentava por aqui pela primeira vez. Mas as outras bandas eram tão ruins e a ideia de estar no mesmo espaço que uma galera tanga frouxa que se acha muito pá do hardcore, me fez desistir de colar. Enfim, a exposição ficou show de bola. Bem dividida, com placas informativas, tudo traduzido para não deixar ninguém perdido por causa de idioma que não é o falado aqui, tudo funcionando muito bem. Seria bacana se essa exposição seguisse para outras unidades do Sesc em outras cidades, dando a oportunidade para que muita gente que ainda está envolvida com o Punk ou para aquelas que já se afastaram, mas conseguiram levar para suas vidas as boas ideias, tivessem a chance de ver pela primeira vez ou relembrar de fatos. E claro, em uma época onde o populismo de direita avança, é sempre bom ver expressões artísticas progressistas fora da bolha e em lugares com muita frequência de pessoas. JUSTIÇA PARA MARIELLE: VIDAS NEGRAS E PERIFÉRICAS IMPORTAM! 14M – 14/03/2019 – SÃO PAULO/SP Um ano da morte de Marielle Franco e Anderson Gomes. Depois de muito bater cabeça durante as investigações, com declarações constrangedoras ou evasivas, acontece do nada a prisão de dois lixos (um policial reformado e outro que foi expulso da quadrilha... ooops, digo, corporação) e rola um espetáculo midiático promovido pelo (des)governo do Rio de Janeiro, numa tentativa de mostrar competência e acalmar parte da opinião pública e, quem sabe, até evitar uma nova onda de manifestações pelo país. Mas só a apresentação de dois possíveis responsáveis pelas mortes não é o suficiente, por que a pergunta que não quer calar é quem mandou matar Mariellle? E aí é que o bicho vai pegar. Será que o poder púbico vai ter culhão para prosseguir com as investigações até onde seja necessário e encontrar x/xs responsáveis por esse brutal episódio? Quem viver verá. A morte de Anderson e, em especial, de Marielle, não é mais ou menos importante do que as outras centenas de mortes promovidas pelo tal estado (com letra minúscula mesmo) que utiliza sua jagunçada para eliminar xs indesejáveis. Qualquer morte promovida pelo estado deveria ser considerada importante e investigada de maneira séria. No caso de Marielle, a diferença é que ela era uma vereadora que focava sua luta nos Direitos Humanos, tinha visibilidade e sua morte jogou luz na escuridão. Ficou claro que o assassinato sistemático de negras e negros é uma escandalosa realidade que ao invés de envergonhar essa pocilga que chamam de nação, vem sendo naturalizado e justificado. Assim como acontece com nossas irmãs e irmãos dos povos originários, da comunidade LGBTQI, do campo, das pessoas que estão em situação de vulnerabilidade social ou de quem não teme a luta por igualdade e justiça, querem fazer com que todxs, inclusive nós, acreditemos que nossas


vidas são descartáveis. Mas elas não são! Com essa corja encastelada nos três podres poderes sendo apoiada por uma parcela lodenta da população, nossas vidas valem porra nenhuma. Mas a resistência vai continuar. Apesar do momento político extremamente conturbado e da cambaleante situação da ex-querda, a mesma decidiu não deixar passar batido a data e organizou um ato que reuniu a pelegada partidária de sempre, alguns coletivos bem meia boca e outros respeitáveis. O ato inicialmente contava com a participação de religiosos, artistas, aulas e intervenções durante a concentração e no decorrer da caminhada, mas um tremendo temporal caiu na cidade e acho que boa parte do que estava planejado foi por água abaixo. Pois é, graças ao chuvaréu, cheguei ao ato já na reta final. Mesmo assim, um pessoal guerreiro e em bom número estava presente, tendo enfrentado as intempéries climáticas que tanto estrago tem feito na Grande SP nos últimos dias. Entre falas, batucadas e gritos de guerra, a dor e a indignação eram visíveis e facilmente sentidas. Apesar do aparato repressivo presente em bom número, os lixos acinzentados ficaram no seu canto sem arrastar, limitando-se a fazer a típica cara de bosta. Pouco antes das 22h00min o ato foi encerrado debaixo de uma leve chuva. Interessante ouvir a organização pedindo para xs participantes seguirem em grupo a fim de evitar ou amenizar possíveis perrengues com a polícia ou com a escória bolsonarista. Isso é algo bacana, mostra preocupação com a integridade física das pessoas, bem diferente do que acontece em boa parte das gigs punks, onde muitas vezes bandas e organizadorxs estão preocupadxs com a possibilidade de ganhar algumas moedas e foda-se o resto. Nesse Bra$il doente, cheio de ódio e que cultua o encarceramento, a tortura e morte como forma de embate político, muita gente ainda vai morrer, seja nas cidades ou no campo. Mas resistir é preciso. 1ª CAMINHADA DO SILÊNCIO – 31/03/2019 – PARQUE DO IBIRAPUERA – SÃO PAULO/SP A cada dia o passado nefasto se torna presente e, mais do que nunca, ter postura frente ao avanço de grupos autoritários se faz necessário e urgente. Nos dias que antecederam a caminhada, diversos eventos e atos aconteceram na cidade. Inclusive horas antes deste, teve uma manifestação na Avenida Paulista que, segundo a imprensa corporativa e independente, rolou uma troca de carinho entre simpatizantes da ditadura e antifascistas. Só para constar, o ato da Paulista foi organizado pela pelegada que pouco ou nada fez quando ficaram cara a cara com xs viúvxs da ditadura, preferindo evitar o contato mais próximo e deixando a querela para ser resolvida pelxs antifascistas. Eu sei que sou chato pacas, mas fico de cara ao observar atentamente essa esquerda que se coloca como contraponto ao governo autoritário. Branca, com cara de bem nascida, bem alimentada e muito bem criada, que em boa parte do tempo parece estar brincando de ser do contra, sem capacidade de dialogar com outras minorias, com outros movimentos sociais, enclausurada em uma ideia ultrapassada de líderes, partidos e afins. Se continuar desse jeito, continuará a ser uma piada pronta. A concentração começou por volta das 16h00minhs, com apresentações musicais e discursos. O número de participantes, mesmo que não estivesse na casa dos milhares, aumentava aos poucos. A pequena multidão reunia muita gente que enfrentou a ditadura, familiares de vítimas (sejam elas desaparecidxs ou não), juventude que deseja algo melhor para seu futuro do que o oferecido por esse governo, coletivos pelegos, exquerda putrefatata que vive de passado e antifascistas. Lá pelas 19h00minhs, a caminhada começou. Com velas acessas, flores e cartazes com os nomes e/ou fotos de desaparecidxs, as cerca de dez mil pessoas seguiram lentamente pelo parque em direção a um monumento em homenagem às vítimas da ditadura, que fica em outra parte do parque. O silêncio era quebrado pelas vozes entoando nomes dxs desaparecidxs e isso era realmente emocionante, levando pessoas ao choro. Claro, a ex-querda caquética volta e meia tentava iniciar um coro em homenagem ao messias encarcerado, que era prontamente abafado por outros gritos. E na boa, presenciar isso me deixou muitíssimo feliz, talvez seja um sinal que uma parte da ex-querda esteja acordando e entendendo que ficar o resto da vida idolatrando um embalsamado não vai resultar em revolução. Chegando ao monumento, as velas foram colocadas ao redor e uma chamada com os nomes das vítimas foi feita, provocando muita emoção entre xs participantes. Após a chamada, parte das pessoas deixou o local, ficando por lá somente as que fariam uma vigília até a meia noite. A alienação só atende aos interesses de quem almeja o poder, independente da orientação política. Muita gente não faz a menor ideia do que foi o período da ditadura e divulgar os acontecimentos, ensinar a História verdadeira é de extrema importância para evitar que as pessoas desprezem a democracia e optem por regimes autoritários ou populistas. Conversar e compartilhar informações é um bom começo nessa luta. MULA SEM CABEÇA, WEIRDUO, GULABI, ÄLÄ KUMARRA, LILI CARABINA – 13/04/2019 – ESTÚDIO SÓTÃO – SÃO PAULO/SP Pode parecer brincadeira, mas já tinha quatro meses que não colava em um som. Não que os sons estejam rareando, muito pelo contrário. Só não deu certo de colar por diversos motivos que vão desde a falta de moedas até o fato de eu ser um tremendo vacilão e não ficar sabendo de rolês bacanas que aconteceram. E depois de alguns meses, finalmente chegou momento que tanto prezo. Se existe algo que eu realmente gosto nessa existência miserável é colar em gigs, ter a oportunidade de conhecer pessoas, bandas, jogar conversa fora (seja ela inteligente ou abestada) e desfrutar de alguma de autonomia e liberdade. Já escolado nos paranauês dos atrasos em gigs, nem me preocupei em chegar no horário marcado no flyer. E na boa, isso é chato pacas, uma das falhas que insistem em ocorrer em gigs punks e de outros estilos em SP. Virou regra os atrasos, que muitas vezes são de horas e isso é uma das justificativas de muitas pessoas para não colarem. Salvo exceções, como algum problema de atraso no deslocamento de bandas, intempéries climáticas, tretas ou algo que realmente atrapalha na organização, continuo achando desnecessários os atrasos. Sei que muitas vezes esses embaços rolam para fazer as pessoas consumirem no local (afinal, todo espaço precisa de grana para manutenção), é um tempo para as pessoas papearem etc., mas continuo achando isso um saco.


E depois da longa espera (no meu caso, nem tão longa), a primeira banda a se apresentar foi a Mula Sem Cabeça, que fazia sua estreia e entre xs integrantes tem gente da Älä Kumarra e da Lili Carabina. Punk rock com passagens mais aceleradas, melodia e que ganhou a simpatia de todxs. Na sequência teve as bandas Weirduo e Gulabi, mas que não vi direito porque estava conversando. Ainda que outras pessoas também estivessem conversando, o pessoal ficou dentro do lugar, prestigiando as bandas e não na rua como é comum acontecer. Nem tenho banda, mas imagino que isso tenha feito muita diferença no clima do rolê e na energia das bandas. Sérião, nada mais besta do que sair de casa para colar em gigs e ficar do lado de fora e em muitos casos, falando com as mesmas pessoas de sempre, aquelas com quem se fala diariamente nas redes sociais e sobre os mesmos assuntos. Pausa para o descanso, pessoal vai para rua fumar e conversar, enquanto a Älä Kumarra arruma o equipamento. Sem muita demora, é o momento de renovarmos nossos votos de amor incondicional pela barulheira feita por bandas finlandesas, suecas e brasileiras dos anos 80. A banda, mesmo sendo razoavelmente nova, vem conseguindo se apresentar com frequência pela Grande SP, correndo por fora do circuito oficial paneleiro. Devido a um acidente sofrido pelo baixista Celso meses atrás, a banda contou com a ajuda de Thiago da Vozes Incômodas. Mais para o final do set rola uma participação do Celso, para matar a vontade fazer barulho. E fechando o rolê, Lili Carabina, mais uma banda a somar na participação feminina no Punk. Por sinal, esse rolê teve três bandas com participação de mulheres, o que é um fator incentivador para que outras montem bandas, distros ou o que desejarem. A banda é nova, mas tinha acabado de lançar seu primeiro registro, a demo Pistolar y Pogar e não decepcionou. Punk rock maroto, que fez as pessoas cantarem e agitarem num clima descontraído. Assim como aconteceu durante a apresentação das outras bandas, muita troca de ideia entre os sons e críticas certeiras. Essa apresentação contou com a estreia da nova batera, que também é da Mula Sem Cabeça. E assim que terminaram a apresentação, hora de dar aquele “tchau” ligeiro e seguir de volta ao cafofo porque a barriga roncava horrores. Depois de meses sem colar em rolê, esse primeiro do ano foi nota 10. Chance de ver três bandas que não manjava, em um ambiente agradável e na faixa (rolou uma arrecadação de brinquedos para a Biblioteca Comunitária do Saber, em Suzano/SP), rever pessoas e ter a certeza que apesar da galera curva de rio que insiste em tentar transformar tudo e todxs em algo parecido com o rio Tietê, o Punk segue firme. M.M.P.M², REBELDIA INCONTIDA, DISCREPANTE, EKIDAD, DECLÍNIO SOCIAL, PESADELO COTIDIANO, ÄLÄ KUMARRA – 19/04/2019 – UNDERGROUND CLUB – SÃO PAULO/SP Feriado prolongado e com uma porrada de rolês acontecendo na Grande SP e litoral, para todos os gostos e bolsos. O tamanho da cidade (incluindo a região metropolitana) favorece uma maior quantidade de eventos, somado ao fato de muita gente fazer sua própria correria e às vezes nem olha ao redor (em alguns casos, os olhos estão vidrados no próprio umbigo) e o resultado é fácil de imaginar: eventos que tinham tudo para serem legais, ficam vazios, passando batidos. A cooperação deu lugar a competição e essa situação parece difícil de mudar. Já presenciei diversas conversas, tretas e até propostas, mas nada positivo aconteceu. Alguém uma vez falou sobre a criação de um calendário, que se não resolvesse, pelo menos poderia amenizar esse tanto de evento encavalado um no outro, mas a ideia ficou perdida no tempo e azar o nosso. Sexta-feira santa, aquela mistura de clima religioso com loucura consumista dominava a cidade. Enquanto a cidadã e o cidadão de bem corria atrás de ovos de chocolate e/ou reza e a galera radical de internet se descabelava em tretas virtuais motivadas pela vinda de duas bandas covers gringas, uma movimentação saudável acontecia na cidade cinza. Pois é, muita gente ainda prefere deixar a roupa íntima para ver umas bandas que só fazem passar vergonha e enlamear sua própria história, sempre trazidas por aquelas produtoras espertas que acreditam na vocação para ser otárix que muita gente do rolê também tem e com orgulho. Já prevendo um atrasado básico, nem esquentei em chegar no horário marcado no flyer. Bora aproveitar o dia vadiando. O que eu não esperava era que o rolê fosse virar à noite. Mas de boa, porque esse tipo de rolê é sempre massa e é uma pena ele estar rareando (por motivos justos, digase de passagem). Depois daquele embaço básico, minimizado por muita conversa, finalmente chega a hora do barulho com M.M.P.M². Banda nova, vinda da região do ABC e que nesse rolê teve alguns problemas com a formação, mas nada que atrapalhasse a barulheira. Na sequência teve Rebeldia Incontida, que sempre está na correria organizando umas paradas e colocando em prática o faça você mesmx. Com nova formação que mantém a velha pegada, xs rebeldes fizeram com que, de maneira tímida, o pessoal começasse a agitar, lembrando-nos que isso era um rolê punk. A próxima foi Discrepante, que apesar de ter uns bons anos de estrada e vários materiais lançados, continua correndo por fora, fazendo com que suas apresentações sejam mais raras do que deveriam. Se você procura por crust com letras fodas, essa é a banda. Ekidad é do Peru e para ser sincero, não conhecia. Foi uma surpresa ver o flyer da turnê dos rapazes pelo Bra$il, já que de um tempo pra cá só banda gringa vinda do hemisfério norte parece ter relevância para uma parcela de punks. E se tem algo de bom no Punk é a possibilidade de bandas de países vizinhos e quase que totalmente desconhecidas fazerem um rolê por aqui. Enfim, sem ter ideia do que esperar, aproveitei a oportunidade para conhecer um pouco do que é criado na cena peruana. Acredito que por ser desconhecida pela maioria das pessoas presentes, o pessoal agitou pouco e observou muito. Mas foi uma grata surpresa, servindo para lembrar que a realidade punk brasileira é muito próxima, talvez até idêntica, a de nossa vizinhança latina e que um olhar mais atento a essas movimentações poderia ser muito útil a nós, nos ajudando a descontruir esse eurocentrismo enraizado no fundo do butico. O Punk é uma comunidade global e não é restrito a alguns países ou a um punhado de bandas. Fazia muito tempo que o Declínio Social não se apresentava em SP. Com os integrantes cada um residindo em uma cidade, fica difícil ensaiar, compor e agilizar rolês. Mas dessa vez deu tudo certo e os rapazes compartilharam várias datas com a Ekidad, incluindo uma apresentação em um acampamento do MST, mostrando que apesar das bandas covers daqui (que ninguém critica, ao contrário do que acontece com as gringas) e da cambada de tanga frouxa que faz rolê ou ativismo virtual e que se acha no direito de ficar falando um bolão, o Punk continua sendo uma movimentação social e contracultural. Creio que essa foi a primeira vez que os vi ao vivo e na boa, que atropelo! Apesar do cansaço que a estrada proporciona e do horário avançado, a apresentação foi foda. “Ni oi! Ni nunka!” Envolvida no rolê em cima da hora, a novata Pesadelo Cotidiano veio do Rio de Janeiro para assombrar revisionistas e quem curte um som mais refinado. Oriundxs do Complexo do Alemão, a vivência diária na comunidade e tudo de bom ou ruim que isso envolve, resulta em um som caótico, de uma crueza que remete ao primórdio do hardcore punk brazuca, funcionando como trilha sonora para o caos que está instalado na cidade maravilhosa e no país como um todo, podendo incomodar pessoas com audição sensível. Sem pagar de simpatia, xs


integrantes mostram um radicalismo sonoro, lírico e ideológico que há tempos foi erroneamente deixado de lado por muita gente, que resulta em uma cena muitas vezes frouxa, despolitizada e conivente com patifaria. E para encerrar a gig, Älä Kumarra. Como já eram altas horas, algumas pessoas já tinham deixado o local ou apagado devido ao cansaço ou álcool, fazendo com que a banda se apresentasse para um número menor de pessoas. Evento com várias bandas e que vira à noite tem disso. Aparentemente os rapazes não se importaram e detonaram um set curto, contando novamente com a participação do baixista Celso, que por motivos de saúde, não está 100% com a banda. Gig foda em um espaço maneiro, contando com bandas bacanas e que muitas vezes são preteridas por quem organiza as paradas ou ”forma opinião” no Punk, preço acessível (rolou uma doação de alimentos, mostrando mais uma vez que fomentar a solidariedade na comunidade punk é importante), banquinhas com materiais, boas conversas, algum estresse (se isso não rolar não é um evento completo) e com a presença de um bom número de pessoas. É nesse tipo de evento que minha crença em um Punk sempre disposto a incomodar, sem rabo preso, autogerido, horizontal e político se renova. Êra! PUNK PELO ESPAÇO DO SABER – 25/05/2019 – AÇÃO EDUCATIVA – SÃO PAULO/SP A cada dia que passa, fica mais evidente a importância de qualquer manifestação cultural oriunda do underground. Em tempos sombrios como o que vivemos, a arte subterrânea passa a ser uma espécie de guerrilha cultural contra a onda reacionária que assola o país e impregna de ignorância tudo e todxs. E quero acreditar que essa ideia de guerrilha cultural, de resistência e confrontação, norteia o Punk nessa terrinha arrasada. Claro, isso não vale para um grupinho de bandas e pessoas que vivem de passado, bostejando ignorância em rede social ou dando carteirada como se isso fosse intimidar alguém. Essa galera tá a mais no mundo, emporcalhando o Punk enquanto mergulham com gosto em uma piscina olímpica cheia de matéria fecal líquida em busca de moedas ou reconhecimento. Na véspera de outra demonstração do que almeja uma boa parte da população, principalmente aquela que está na parte mais alta da pirâmide social, rolou esse evento maravilindo para nos lembrar de qual lado estamos. O evento rolou no prédio da ONG Ação Educativa, era gratuito, mas solicitava uma contribuição voluntária de brinquedos que seriam doados para o Espaço do Saber, uma biblioteca que fica na cidade de Suzano (Grande SP) e que atende cerca de 100 crianças fornecendo diversas atividades enquanto o poder público brinca de guerra fria. A parada foi toda organizada pelas garotas da banda Gulabi e foi uma bela voadora com os dois pés na cara de muita gente. Se bandas femininas ou com integrantes mulheres continuam a serem preteridas em manifestações contraculturais, nada mais justo que colocar em prática o faça você mesmx e organizar eventos com bandas parceiras e para quem tem interesse em somar. Como sempre, imaginei que rolaria um atraso e nem me preocupei em chegar cedo. Para quem chegou no horário marcado, o local tinha café gratuito, bebedouro, banheiro limpo e cadeiras confortáveis, mimos que não são comuns em gigs punks. E depois do atraso, o barulho começou com Weirduo, que tocou sons de seu próximo projeto, outras mais antigas, além de covers do Dropdead e Dead Kennedys. O duo bateria + baixo/vocal tem se apresentado com frequência e fazem parte de uma nova leva de bandas que sugere uma renovação mais do que necessária no Punk. O vocalista/baixista Pedro mostrou muita sensibilidade ao comentar sobre os recentes suicídios de punks que abalaram muita gente e que serve para lembrar-nos que nesse mundo doente, ninguém está imune à tristeza ou desespero e que não existem motivos para romantizar ou desdenhar da depressão e/ou da ansiedade. Sem embaço entre as bandas, Alto Nível de Insanidade foi a próxima. Hardcore lindeza, mistura perfeita entre o som estadunidense, a tosqueira brasileira e pitadas de modernidade, com letras que, segundo explicação da vocalista (e no meu raso entendimento) tratam de conflitos internos que são resultado da loucura cotidiana. Mesmo com umas poucas pessoas agitando, a energia que vinha do palco era grande. Não manjo a banda, mas foi fácil cair de amor principalmente pela música que encerrou a apresentação, chamada Ironia. Pensa em um som para escutar até empapuçar, com o volume no talo, pulando sozinho no quarto até o momento que alguém abre a porta e você passa aquele carão. É esse! Hora de quem organizou o tudo, a Gulabi. Respeito máximo a essas garotas que agilizaram um evento massa, com bandas bacanas, em pico decente, horário de boa e com clima agradável. A parada estava tão de boa que tinha até criança no rolê. As garotas mandaram um punk rock maroto, com muita ideia entre os sons (algo que rolou com todas as bandas), mostrando que a ideia passada apenas na letra é fácil e não significa que quem canta entende ou se identifica com o assunto (exemplos não faltam). Mandaram sons próprios e covers de The Adicts e Penadas por la Ley. E para encerrar o rolê, Questions. Tinha pelo menos uma década que não via a banda e nesse período muita água passou por debaixo da ponte. Os caras realizaram diversas turnês, dividiram rolês com as mais variadas bandas e mostraram que o hardcore pode ser maloqueiro, consciente e independente. Ainda que esteticamente não seja uma banda Punk, suas raízes estão no Punk e é por isso que os integrantes estão sempre envolvidos em diversas correrias. Lembro-me de em 2012 ter rolado um festival no Sesc para comemorar os 30 anos do aniversário do O Começo do Fim do Mundo e muita gente torceu o nariz para a participação do Questions, dizendo que o hardcore tocado pelos caras não tinha nada a ver com o Punk, que eram boys entre outros tantos comentários sem noção. Fico imaginando se essas pessoas ainda hoje estão envolvidas com o Punk ou já seguiram com suas vidas rumo ao maravilhoso mundo da/do cidadã/cidadão de bem enquanto o Questions continua a produzir, fazer turnês e questionar, utilizando o hardcore como forma de conscientização política. Entonces, como o evento tinha que terminar às 20h00, os caras economizaram na conversa e partiram logo para a música. Que baita apresentação! Curta, mas fudidamente intensa, com participação de algumas garotas dividindo o vocal com o Edu, agitando e mostrando que música torta é para todxs. E no final ainda rolou uma fotinha linda reunindo quem estava presente. Rolê foda mostrando que o Punk continua vivão com algumas das diversas bandas que surgiram nos últimos anos, com uma postura mais engajada e questionadora, dando fôlego novo a cena. Não esquecemos o passado, mas preferimos viver o presente e almejar um futuro melhor, mesmo que ele seja melhor apenas no Punk.


23ª PARADA DO ORGULHO LGBT DE SÃO PAULO – 23/06/2019 – SÃO PAULO/SP A expectativa era grande para a primeira Parada após a eleição do candidato diarreia. A polarização política e a naturalização do discurso de ódio, seja ele vindo das classes política, religiosa ou da vizinhança passa fome, nos obrigaram a mudar, a pensar, questionar e buscar novas formas de luta. Ficar paradx sendo homossexual, negrx, indígena, seguir religiões de matriz africana, pró-aborto, ateu, punk, anarquista, pobre ou qualquer outra postura minimamente contrária a onda reacionária, é assistir ao próprio desaparecimento. Colei em alguns atos nesse primeiro semestre e a impressão não foi positiva. Apesar de contarem com uma boa adesão de pessoas, do falatório muito bem articulado e até de uma frágil e quase hipócrita união do campo progressista, a bundamolice era evidente. E se essa é a tal resistência ao autoritarismo, fodeu! Apesar de todos os problemas, dos retrocessos que estão aí para quem quiser ver, o governo continua morno no que diz respeito a assumir de vez seu viés autoritário. A palavra democracia continua a ser usada amplamente, como se fosse para nos lembrar de que caminhamos em uma corda bamba e talvez seja esse o momento em que a esquerda deveria deixar sua zona de conforto e voltar às ruas. E foi nesse cenário cinzento que rolou a 23ª Parada do Orgulho LGBT de São Paulo. Por isso mesmo acreditava em uma maior politização da Parada, e acho que, dentro do possível, rolou. Óbvio, isso não significa uma maior politização de quem participa. Em todo caso a organização, sabendo da necessidade de radicalizar um pouco, adotou como tema desse ano 50 Anos de Stonewall – Nossas Conquistas, Nosso Orgulho de ser LGBT+, servindo de lembrete que as conquistas de hoje que tentam retirar é fruto de uma luta que começou décadas atrás, aqui e em outras partes do mundo. Além da Parada, aconteceram vários eventos na cidade durante a semana, alguns ligados a Parada, outros acontecendo de maneira independente. Acredito que parte desses eventos atenda a cobrança por mais política e menos festa que muita gente cobra todo ano. Teve campeonato de futebol, feira cultural, feira de livros e zines com temática LGBT+, palestras, oficinas, debates, workshops, premiação e diversas festas que agitaram a cidade e fizeram com que uma quantidade absurda de informação e dinheiro circulasse. Se vacilar, até quem não presta lucrou com o evento. Pois é, quando envolve grana o preconceito desaparece e hipocrisia continua sendo mato nessa merda. Apesar das besteiras costumeiramente defecadas pela boca do presidente sobre a questão LGBT+, o domingão ensolarado e com temperatura agradável foi um convite para participar da Parada. Eu e dona Encosto tínhamos a ideia de chegar cedão e aproveitar ao máximo, mas os afazeres domésticos juntamente com a carteira adoentada provocaram uma mudança de plano. Mesmo chegando mais tarde, deu para curtir horrores e, no meu caso, passar alguma vergonha. Segundo estimativas, mais de três milhões de pessoas circularam nas oito horas de evento, que contou com 19 trios elétricos, mas não faço a menor ideia de quem esteve cantando neles. Além da comunidade LGBT+, havia muitas famílias com crianças, idosxs, casais héteros, artistas e, claro, a pelegada política mendigando votos. Aparentemente, a calmaria reinava, apesar da quantidade absurda de pessoas na rua, sendo que não presenciei nenhum episódio de violência. Buscando informações dias depois, parece que tudo foi realmente tranquilo, felizmente. Posso estar equivocado, já que não estou inserido dentro do contexto LGBT+, mas a Parada é o encerramento de uma série de eventos, é a cobertura de calda de chocolate sobre o sorvete. E para a comunidade, festejar também é um ato político, ainda mais na atualidade. A cobrança exagerada por politização e uma consequente postura mais radical justo nesse último evento parece-me mais um desserviço do que uma crítica construtiva. Enquanto observava a movimentação, brisei em como seria foda se toda aquela multidão fosse adepta da ação direta e estivesse no apetite de destruir agências bancárias, incendiar viaturas policiais com vermes dentro e provocar o caos, sendo que essas imagens em minha mente quase me fizeram virar os olhos no meio da muvuca. Mas não é assim que lutam. Esse pessoal almeja coisas simples como poder viver sem medo de ser agredidx ou mortx, de não ser alvo de olhares inquisidores ou comentários maldosos, querem apenas existir dignamente. Seria legal um pouquinho de empatia e tentar entender isso ou aceitar que dói menos. Outra possibilidade é o pessoal discordante organizar sua própria parada ou eventos que tenham mais a ver com o que acreditam. Críticas com relação à presença de grandes marcas mais interessadas em fidelizar um nicho consumidor do que com direitos também estão presentes e são justas até certo ponto. E mesmo quando a crítica é voltada para o consumo de substâncias lícitas e ilícitas ou a pegação, parece-me algo raso, já que em eventos como rodeios, Carnaval, raves ou qualquer outro com público majoritariamente heterossexual, esses comportamentos também estão presentes e não geram o mesmo nível de indignação. Talvez seja justamente o fato do evento ser festivo a motivação para que tantas pessoas diferentes colem. Em alguns momentos a rua fica tão abarrotada, que é mais fácil seguir pelas paralelas, que acabam se tornando uma extensão do evento. Bom para o comércio de todo o entorno. É também no entorno que estão os melhores banheiros, sejam eles químicos, “murais” ou jardinais”. Na boa, depois de um certo tempo, encarar banheiro químico é só para quem tem muuuuuiiiiiita coragem, o que não é o meu caso. E vendo a multidão transbordando pelas ruas paralelas, fica o questionamento de até quando o trajeto Avenida Paulista e Rua da Consolação vai suportar o público gigante. Talvez a diversidade de eventos atrelados a este seja justamente uma tentativa de espalhar o público e assim evitar uma superlotação no encerramento das festividades. Após o encerramento, houve um show na Avenida Ipiranga, ao lado da Praça da República, famoso ponto de encontro da comunidade. Infelizmente, não sei se por questões de segurança ou algum outro motivo menos nobre, a praça estava cercada por tapumes e com policiamento para impedir que entrassem Isso também ocorreu com a Praça Roosevelt, que ficava no caminho. Cercar locais públicos como praças, limitando o direito de ir e vir das pessoas não me parece algo normal. Sei lá, continuo achando que isso tem como motivação impedir que as pessoas continuem na região mesmo após o fim do evento. E enquanto o show rolava no palco (que também não sei quem cantou), eu e dona Encosto caminhamos pela região observando a movimentação e divagando sobre alguns dos porquês da vida. Naturalmente pelo horário, fica fácil imaginar que muita coisa louca acontecia. Dos bares e lanchonetes abarrotados a filas imensas nos banheiros (e que geravam várias conversas doidas), da pegação ao vexame de quem chapou, observar atentamente tudo que acontecia era um prazer. Em um Centro que muita gente ainda evita por medo e preconceito, com o poder público interessado em gentrificação, ter tanta vida e pessoas circulando por algumas horas é ótimo. As horas foram passando, o cansaço chegou juntamente com a fome e decidimos que já era o momento de sair fora. O metrô continuava movimentado, parecendo uma extensão da Parada com gente cantando, dançando e dando pt. A melhor semana do ano (juntamente com a do Carnaval) aproximava-se de seu final. Muita gente iria insistir por mais algum tempo nas ruas, até que os bares fechassem e a movimentação tivesse fim.


Uma semana passa rápido e é muito pouco para quem deseja viver décadas. Mesmo com a criminalização da homofobia aprovada pelo STF alguns dias antes, a luta da comunidade LGBT+ por uma vida sem medo vai ser dura. A intolerância passou a ser mais uma pauta de muita gente da classe política, que representa a opinião de uma população reaça que não para de crescer. Esse enfrentamento ainda trará muitas dores para o lado de cá da barricada, mas lutar não é uma opção, é a única escolha. Politizar a Parada vai ser consequência de como se apresenta cenário político. Cabe a militância trabalhar para que a política como conhecemos também faça parte do cotidiano LGBT+ e que a interseccionalidade de lutas esteja mais presente. Festejar também pode ser luta. E que venha a 24ª Parada. CCJ É ROCK NO MÊS DO ORGULHO LGBT+ – 29/06/2019 – CENTRO CULTURAL DA JUVENTUDE – SÃO PAULO/SP No Mês da Visibilidade LGBT+ e um dia após o aniversário de 50 anos de Stonewall, rolou esse evento lindeza com bandas que possuem integrantes LGBTQIA+. E como não poderia deixar de ser, vários outros eventos aconteciam na cidade, mas isso já é algo tão normal, que quase ninguém dá importância. Pensar que em 2019 ainda seja necessário debater a homofobia no Punk é entristecedor. Pessoas que não seguem o padrão heteronormativo muitas vezes não se sentem seguras em um evento Punk e isso deveria nos causar vergonha. Apesar do discurso afiado e decorado, muitas vezes a prática falha. Insistir em debater vícios sociais como a homo/lesbo/transfobia, o machismo, o racismo, a xenofobia e todas as formas de preconceito e opressão é nossa obrigação enquanto punks. Passar pano, fazer de conta que tudo corre às mil maravilhas é enganar a nós mesmxs. Claro, comparando com o tanto de besteiras que escutamos no mundão, a comunidade Punk até que está saudável intelectualmente, mas ainda temos muito que melhorar e ter espaços seguros, ainda que por umas poucas horas durante uma gig, é essencial. Como sou um cara esperto pacas, achei mais econômico atravessar a cidade de ônibus, aproveitando a integração e economizando um pouco. A volta que um dos ônibus deu foi tamanha, que passou até por Mato Grosso antes de chegar ao destino final bem depois do horário que eu esperava. E se não fosse o atraso para começar o som, teria perdido umas duas bandas. Quando cheguei, quem estava no palco era o Messias Empalado, que conta com integrantes do Mau Sangue, Blatta Knup e Bioma. Sou um completo ignorante nesse tipo de som, mas a parada é um post-punk com um pouco de noise, industrial, algumas coisas que não sei do que se tratam e uma pegada punk. Se não sei o que comentar sobre o som por não manjar, as letras posso afirmar que são fodásticas! Muita afronta à religão, algo esquecido entre punks que parecem muitas vezes até nutrir simpatia por deus ou por alguma religião de doida. Teve um som que a letra era uma simpática “homenagem” ao capitão lixão, servindo para lembrar que é mais do que necessário que bandas deixem claro de qual lado estão. Encerrada a apresentação do Messias Empalado, hora de beber uma água, dar aquela olhada básica e recalcada nas banquinhas de materiais e trocar uma ideia. Nisso os minutos passaram rápido e já era a vez da segunda banda, Bioma. Só conhecia a banda de nome e por um adesivo que vi colado perto de casa e que tentei arrancar sem sucesso. Hardcore não tão veloz, com vocais gritados e muita ideia entre os sons. É gratificante ver uma nova geração de bandas sem medo da política, sem rabo preso e cantando sobre outros assuntos que vão muito além de coisas batidas como “vamos destruir o sistema e quebrar os policias e pilantras”. Pausa para o descanso e conversa, é a vez da Sapataria. Se existe algo que sempre admirei no Punk é a criatividade das pessoas em arrumar nomes para as bandas e essa característica parece não desaparecer. Com um som calcado em um hardcore um pouco mais melódico, com umas partes grooveadas e vocalização meio rap, a banda passou seu recado de maneira competente. Mandaram um cover do Gritando HC, Quero Ser Punk com Você, só que mudaram um pouco a letra e nome do som, passando a ser Quero Ser Sapa com Você, pra delírio da garotada. Assim como ocorreu nas outras bandas, além das letras sempre críticas, rolou muita ideia entre os sons. Às vezes até pode parecer chato colar em um som e ter que escutar gente falando sobre política, mas Punk é política e viver é um ato político Foi justamente em um passado recente, quando uma parte do Punk deixou de falar sobre política é que surgiu uma brecha para um monte de curva de rio encostar no Punk. Martelar nesses assuntos faz com que a ideia não morra e ainda afasta o pessoal lixoso, mantendo a saúde da comunidade. Como rolou um atraso pra começar o rolê, na reta final teve uma acelerada e nem rolou aquele embaço entre as bandas, com os integrantes do Teu Pai já Sabe? surgindo rapidamente no palco. E eu poderia terminar essa resenha colocando trocentos corações que estaria de bom tamanho e quem esteve no rolê entenderia perfeitamente. Em palavras, diria que foi foda! Com nova formação, a banda tocou com uma energia impressionante, fazendo com que as pessoas finalmente agitassem, todo mundo cantando junto entre sorrisos e abraços. Ninguém no rolê tá pra ser saco de pancada ou pacifista bunda mole, porque o mundo nem permite mais isso. Mas podemos, pelo menos quando estamos entre nós, tentar mudar a postura, ser menos facada e mais camaradagem, se é que me entendem. Bandas como o Teu Pai já Sabe? contribuem para uma desintoxicação do rolê, instigando reflexões sobre diversos assuntos. Às vezes pode até parecer, mas o Punk não morreu. Continua vivo, muito vivo e esse rolê mostrou que tem muita gente disposta a construir uma comunidade mais saudável, igualitária e menos hipócrita. Assim que tem que ser.

POESIAS SUBVERSIVAS Por Hannah, Karl Straight*, Tiopacs** & Juänito*** ELE(S) E NÓS Ele não!

Eles não!

Nós sim!!!

Nós sim!!!


RENÚNCIAS* Renúncia de mim mesmo

Olhe através do espelho e veja o que perdi no meu triste lamento

Deixei paixões perdidas em vão, caídas pelo caminho

Renúncia de mim mesmo

Esquecidas em algum lugar

Eu apenas escrevo desejos infinitos

Quero um dia olhar para você e dizer a dor que sinto

Porque ides sem mim?

No triste adeus, no beijo que nunca dei

Renúncia de mim mesmo

A dor que você sentiu quando a deixei sem o meu amor

Deixei paixões perdidas

Foi tolice o que fiz

Fui tolo em negar meu amor

Sentimentos de angústia que agora estão em mim

Ahh...deixe-me dias de solidão.

NOSSOS DIAS* O que faz seu coração disparar?

Algo o move em direção aos seus próprios passos

Seu sangue correr nas veias?

Atenda as dores do seu coração

Nem todo mundo sente chora quando você chora

Descubra-o, abrace-o

Nem todo mundo sente dor quando você sente dor

Você descobrirá esse mistério

Poderíamos estar tão sem vida

A vida é exatamente aquilo que muitas pessoas precisam

Sem emoção, sem energia

Nada nessa vida dá uma chance maior ao dia

Que poderíamos morrer e ninguém notar?

Do que uma boa injeção de paixão em nós mesmxs.

Sinto seus sinais vitais 1964 OU ELES TOMARAM O PODER** Dedicado a Fran Braga Ainda sinto o cheiro de gás lacrimogênio!

E se algo der errado com as nossas crianças,

E os corpos carbonizados em pólvora causam-me pesadelos,

É mais barato ao estado, matar do que educar

Repulsa e tormento de um mundo onde não se pode amar e sonhar

O aborto é hediondo porque vidas são santas,

Uma nação privada do real conhecimento,

Mas os DOI-CODI dos porões querem retomar

"A senhora gravidade passa então a reinar"

Pense! Logo exista! Resista e não taca-lhes diante de toda tirania

E o genocídio é o alicerce que sustenta o reino

Travestida de bom senso hipnótica é você

dos adeptos de uma intervenção militar

Que pouco a pouco subtraem o seu direito de querer

Pense! Logo exista! Resista e não taca-lhes diante toda a tirania Travestida de bom senso, hipnótica é você Que pouco a pouco subtraem o seu direito de querer Aplaudam a desgraça e assim mantenham-se vivos Para os seus futuros filhos verem o sol brilhar Cante o hino, cale a boca Faça apenas o que eu digo Na escola do fascismo é proibido opinar


QUEM DISSE QUEM FALOU?*** Quem disse quem falou?

Nossa história é movimento

Quem disse que o capitalismo venceu?

Renasce a cada injustiça, a todo momento

Quem falou que o anarquismo morreu? Nossas ideias são a prova de bala

Quem disse quem falou?

Nossas atitudes a base de fogo

Apenas palavras pronunciou Nada construiu

Quem disse que a luta não valeu?

Pouco realizou.

Quem falou que seria fácil padeceu RASCUNHOS*** Eu escrevo nesse rascunho

Um simples pedaço de papel rabiscado

O que já não cabe em mim

Mas isso sou eu

E implora por ser escrito

A poesia

Eu escrevo nesse rascunho

Sou eu

Sobre minha vida, meus erros

Aliviando tensões por meio de metáforas

E minhas atitudes

Usando caneta falhada como arma

Talvez pra você seja coisa inútil DONOS DA RUA*** Pessoas carentes fazem da rua seu lar

Os donos da rua tem a nos dizer muitas coisas

E o que pra você é o chão

Eles são uma das principais vítimas da desigualdade

Pra eles é a cama

Dessa medíocre sociedade

O que pra você é lixo

GAROTA***

Pra eles é comida

Garota louca

Eles são os verdadeiros donos da rua

Beijou outra na boca

E os únicos que realmente sabem o que acontece

Causou polêmica na pequena cidade

Alguns vieram de tão longe

É o demônio?

Talvez em busca de uma vida melhor

É espírito?

E a sociedade só lhe ofereceu aquilo

É uma doença?

Ser o resto

Não!

Ser o podre

É prazer carnal

Geralmente eles contam histórias interessantes

Sexo com gosto de Carnaval

Sobre a vida nos dão lição de moral

Hormônios misturados com amor

Todas as noites pra eles é risco

Revolução.

De ser espancado Morto, torturado Por um qualquer metido a Alex da Laranja Mecânica



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