Astrolábio
substantivo masculino astr mar instrumento náutico antigo, em forma esférica ou de círculo graduado, com haste móvel, us. para observar e determinar a altura do Sol e das estrelas e medir a latitude e a longitude do lugar onde se encontra o observador [Us. pelos gregos desde 200 a.C.].
POSFÁCIO
esta sequência de cenas é apenas a descrição minuciosa e encadeada em qualquer narrativa tradicional.
esta não é uma história realista.
ASTRO LaBIO João F. Castilho
experimento terceiro
além dos sonetos
um texto escrito com um quê de martírio
um peso sentido como
se eu fosse burro de carga
suposições no aumentativo para dar emoção à palavra
já que o poeta não tem coração.
noite seca e excepcionalmente quente. alguns vagabundos vagueiam ao redor do Centro de Convenções procurando alguma vítima. nas sombras das árvores uma mulher caminha apressadamente, olhando para os lados e rezando o terço. os sujeitos veem quando ela passa debaixo do poste de luz – que ilumina seu rosto e seu cabelo ruivo artificial. como os leões espreitam os veados, eles cercam a moça sem que ela pudesse vê-los e reagir a tempo. um deles joga uma pedra do outro lado da rua e ela se assusta, apressa o passo. cada vez mais perto dos moribundos, sua respiração ofegante se esvai no ar quando seus saltos tocam o chão de concreto. a mulher pensa estar ficando louca, e por isso reza o credo em voz alta. todos os demônios fogem de perto, mas a espreita continua firme. somente mais alguns poucos passos e as hienas partem pro ataque. “segura, segura” diz um deles pedindo calma. eles se encolhem entre a árvore e o muro gradeado. essa mulher tem o olhar de quem sabe sobre seu fim, como quem já leu o script e sofre por isso. num piscar de olhos eles a agarram e aparecem outros dois caras do outro lado da rua, que vinham logo atrás dela, eram padres indo pra missa. trocam tapas e gritos que ecoam por toda a vizinhança. eu estava vendo isso tudo do terceiro andar do prédio ao lado, fumando um palheiro e esperando o inimaginável acontecer, mas somos humanos fúteis, os padres saíram feridos, a mulher foi assaltada e os drogados foram festejar com Dom Quixote. desceram a anhanguera lutando com moinhos de vento e apedrejando ônibus.
ozório
pinguei limão nos olhos e gritei pro meu irmão ozório
socorro! ele me ouve, mas fica parado ele me sente, mas hesita.
I
nesse exato instante estou no topo do prédio onde minha madrinha mora, ela dorme no terceiro andar enquanto eu penso pela sétima vez se devo, ou não, pular na piscina.
pinguei mais limão nos olhos e ozório não vem, se não ele, por favor alguém eu sei que ninguém vem.
você aí, porque não chama a ambulância? alguma boa alma faça o favor de
acordar ozório, pingue limão nos seus olhos.
já se foram três cigarros
e a alguns minutos do solo de Miles Davis. o vento bate forte.
passam morcegos em rasantes, correm os carros imprudentes, pouco a pouco as luzes se apagam e as horas impiedosas queimam no relógio.
joão de barro II nasci na capital, diz-se cidade grande posso contar quatro postes acesos que me acompanham na insônia,
com asfalto e muito imigrante, nada mal.
converso com a cidade mesmo que calado.
codinome joão, joão de barro ou da silva
ela me engole entre buzinas
joão, até mais tarde, me liga.
e casais que discutem a relação, sou pego de surpresa por um jovem que se masturba com uma foto da tia mais nova.
sem prévia ou sinopse da netflix.
sem trailer e nenhum pouco chique. joão, já basta! diga a todos que fiquem.
a noite é implacável e saborosa, são horas e horas de desassossego
penso se deus é isto, sentir tudo e observar tudo o que não é da sua conta.
mais um na multidão : francisco, chico, maria & joão, por Deus, essa ave sangria sem nome próprio nessa nau eu me afogo e me calo sem voz.
eu não oro por mim. aqui, nessa folha, construo minha casa de barro
envolto aos pecados que pregam bem de leve o fim.