revista
Ob ser vató ri vol. 1 - 1ª edição
dos Direitos e Cidadania da Mulher
Especial
México
PENSAMENTO FEMINISTA NA AMÉRICA LATINA: mapeamento interativo com outras perspectivas
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revista Observatóri@ dcm
Vol. 1 – 1ª Edição – Especial México
Apresentação
Nessa edição apresentamos os destaques da nossa expedição ao México, em maio de 2016. A visita foi muito produtiva para conhecermos outras perspectivas de feminismo, ampliando nossas referências, conhecendo outras experiências para fortalecer a luta das mulheres em toda sua diversidade. Entre todas as coisas que aprendemos e experienciamos selecionamos para compartilhar com @s leitor@s perspectivas dos feminismos latino americanos, em especial o Feminismo Abya Yala, o Feminismo Comunitário e o Lesbofeminismo. Também compartilharemos as atividades de campo que realizamos durante a visita. Para organizar esses conteúdos produzimos o mapa digital “Feminismos do Território Abya Yala” que apresenta as atividades de campo, atividades culturais e referencias de autoras e ativistas que atuam pensando e combatendo a colonização patriarcal do corpo das mulheres e do território. A maioria das referências está em espanhol, porém a equipe do Observatóri@ se prontifica a auxiliar @s leitor@s nas traduções!
expediente Observatóri@ dos Direitos e da Cidadania da Mulher Edição Geral e Pesquisa: Juliana Mercuri. Projeto Gráfico e Diagramação: Silvana Martins. Tradução: Claudio Dominguez. Endereço: Praça Santo Epifânio, 243, V. Indiana - São Paulo, SP e-mail: observatoriadcm@gmail.com www.observatoriadcm.com.br
Colabore!
Você conhece algum projeto, autora ou conteúdo relacionado ao tema que não encontrou no mapa? Mande sua sugestão para nós! É possível agregar mais informações no mapa e deixá-lo mais completo! acesse o mapa completo aqui:
https://goo.gl/8YZnyR
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índice
Festival Internacional de 4 IIArtes Feministas da Cidade do México
de Estudos 5 CESMECA-Centro Superiores do México e America Central da Universidade de Ciências e Artes do Chiapas (UNICACH)
de Direitos da Mulher do 6 Centro Chiapas – CDMCH de Mulheres em 9 Círculo Chicomuselo 11 Caracol Oventik de la Tierra - Sistema 12 Universidad Indígena-Intercultural de Aprendizajes y Estudios “Abya Yala” (SIIDAE “ABYA YALA”)
14 Mulheres Zapatistas 16 Feminismo Comunitário 19 Lesbofeminismo
O que é Abya Yala? O topo da wiphala (a bandeira da Unidade dos Povos Andinos (foto acima) é identificado com o sol, com o dia; a parte de baixo com a lua, com a noite. Foto: Reprodução
baixe aqui Feminismo desde o
Abya Ayala:
Ideas e proposições de 607 povos da nossa América
https://goo.gl/VPFG9v
A palavra que se refere à territorialidade do continente chamado de América em idioma do povo Kuna, original da região que atualmente se conhece como Panamá e Colômbia. Literalmente significa “terra em plena madurez”, ou” Terra de Sangue Vital”. Atualmente é utilizado por organizações, comunidades e instituições indígenas e seus representantes por todo o continente para referir-se ao território continental, contrapondo-se a nomenclatura e historicidade colonial. Fonte: Wikipédia
https://es.wikipedia.org/wiki/Abya_ YalaYala
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destaques
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II Festival Internacional de Artes Feministas da Cidade do México O Festival aconteceu no dia 21 de maio de 2016 nas dependências da UACM (Universidade Autônoma da Cidade do México). Foi organizado pela Ímpetu, uma associação formada por jovens que trabalham pelos direitos das juventudes a partir da perspectiva de gênero. A Ímpetu oferece uma série de cursos e capacitações em Direitos, Gênero, Saúde, Arte e História das Mulheres. Para conhecer essa organização acesse: http://impetumexico.org/ O Festival contou com a participação de diversas ativistas mexicanas e latino americanas que compuseram a programação expondo fotografias, publicações, música, dança, culinária performance, além de oficinas de conteúdo artístico e político. A equipe da Observatóri@ participou da oficina da trama de coletivas brasileiras “La trama Sangre Bue-
na” que apresentou a intervenção “Onde meu Sangue me Liberta?”. A atividade se baseia nos fundamentos da metodologia do círculo, utilizada em processos restaurativos. Foram disponibilizados materiais de pintura para construir um mapa coletivo que teve como tema de reflexão, “Onde meu sangue me liberta?”. Aos poucos, o encontro e a reflexão sensibilizaram as participantes que compartilharam experiências, criando símbolos e significações próprias para seus corpos e seu sangue que transitam e ocupam o território. ■
acesse Para ver o videoclipe do Festival: www.laquearde.org/2016/05/25/la-manada-feminista-merespalda-ii-festival-internacional-de-artes-feministas-en-cdmx/
Convocatória do Festival: http://impetumexico.org/festival-internacional-de-artes-feministas/ Para conhecer os cursos oferecidos pela Ímpetu: http://cursosimpetu.org/
CESMECA-Centro de Estudos Superiores do México e America Central da Universidade de Ciências e Artes do Chiapas (UNICACH) A equipe da Observatóri@ participou de uma roda de conversa no CESMECA organizada pela Professora Amaranta Cornejo, docente do Programa de Pós Graduação em Estudos e Intervenção Feminista. O Programa está orientado a formar pesquisador@s interessad@s em recuperar a unidade entre teoria e prática e fortalecer a pesquisa feminista e social. Outro destaque do programa é o enfoque nos feminismos latino americanos que ganham cada vez mais notoriedade como campo de conhecimento e de intervenção social, através de propostas pedagógicas relacionadas à diversidade de realidades existentes em consonância com o desenvolvimento de um postulado ontológico que busca transformações necessárias para o bem viver das mulheres e da sociedade. A Observatóri@ participou da atividade apresentando sua experiência em atenção e acessória jurídica às mulheres, sua filosofia e práticas de atendimento. A advogada Mariana Fideles apresentou a Lei Maria da Penha, os impactos de sua aplicação no desigual con-
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texto brasileiro, as medidas protetivas e a abertura que a lei criou para o tratamento e acolhimento também dos agressores. Juliana Mercuri apresentou as atividades de pesquisa da Observatóri@ dos Direitos e Cidadania da Mulher e a proposta de mapeamento da diversidade de demandas e estratégias de luta das mulheres por garantia de direitos. Alessandra Tavares encerrou a exposição contando sua trajetória na Justiça Restaurativa e o trabalho que realiza nos coletivos Mulheres Negras, Periferia Segue Sangrando e Fala Guerreira da Zona Sul de São Paulo. A atividade foi muito produtiva para consolidar o intercambio sobre a situação das mulheres nos diferentes contextos, destacando similitudes e diferenças de necessidades das mulheres do Chiapas, México e de São Paulo, Brasil. ■
acesse Para conhecer a proposta do Programa:
http://cesmeca.mx/index.php/ maestria-eeif
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Centro de Direitos da Mulher do Chiapas – CDMCH
A equipe Observatóri@ foi recebida no CDMCH em São Cristóbal de Las Casas pela advogada Claudia e as assistentes sociais Veronica e Addy. Durante o encontro elas contaram a história da organização, conversaram sobre contexto chiapaneco e sua rotina de trabalho.
Equipe Observatóri@, Trama Sangue Buena e Equipe do Centro de Direitos das Mulheres dos Chiapas, em San Cristóbal de las Casas.
As atividades do Centro se iniciaram em 2003 em comunidades indígenas de quatro regiões dos Chiapas. Seu objetivo é promover a autoestima das mulheres através do conhecimento e exercício
3 de seus direitos, fomentar entre as organizações sociais e as instituições governamentais o conhecimento e o respeito aos direitos das mulheres, defender amplamente casos de violência e construir uma plataforma permanente de pesquisa e análise das violações dos direitos das mulheres. Em 2004 o Centro consolidou um plano estratégico que articulou quatro linhas de atuação: formação, pesquisa, defensoria e incidência, sendo que todas as linhas têm o enfoque de gênero como eixo transversal. O marco referencial utilizado pelo centro parte do princípio que a identidade das mulheres, principalmente indígenas, está construída em um sistema de desigualdades de gênero, classe, etnia e idade que se interseccionam e se sobrepõem, sendo frequentemente não reconhecida pelo feminismo hegemônico.
7 centro de direitos da mulher do chiapas – cdmch
A violência contra a mulher nos Chiapas tem várias causas. São comuns casos de violência relacionados às relações trabalhistas servis ou semiescravistas, à presença de uma estratégia militar contra insurgente (Guerra de Baixa Intensidade), o discurso e políticas corporativistas e desenvolvimentistas do governo, a violência social, sexual e doméstica como também a violência simbólica interiorizada nas mulheres. Os diagnósticos mostrados pelos estudos realizados pela organização mostram que a situação e condição das mulheres indígenas e campesinas do Chiapas têm como base a desigualdade, a discriminação e a subordinação que as impedem de tomar decisões. A pouca participação e o reconhecimento da cidadania das mulheres está relacionado a:
1. A exclusão das mulheres ao direitos a propriedade da terra e a copropriedade de outros recursos familiares; 2. O aumento da imigração masculina; 3. A pobreza extrema; 4. As dificuldades de alimentação básica; 5. A dependência dos programas assistencialistas governamentais, especificamente o PROSPERA; 6. A persistência dos usos e costumes discriminatórios, ou seja, valores e normas tradicionais da cultura indígena que sustentam e aprofundam o caráter patriarcal do sistema.
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8 centro de direitos da mulher do chiapas – cdmch
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Segundo as pesquisadoras, a cultura tradicional e a herança colonial subordinam as mulheres ao incluí-las em uma herança cristã e introduzindo-as ao sistema patriarcal. Além disso, se aprofunda o processo discriminatório da cidadania étnica quando surge o estado onde as mulheres não tem voz e são destinadas ao âmbito doméstico e ao domínio dos homens (pais, irmãos, maridos). A mediação dos homens e o reconhecimento à propriedade e identidade são uma fronteira que limitam o exercício cidadão das mulheres e as colocam em uma posição subordinada aos homens. O Centro atua principalmente na assistência às mulheres com problemas de titularidade e reconhecimento de propriedade da terra. O acesso aos direitos a propriedade da terra para as mulheres é limitado e condicionado a diversos fatores como as práticas sociais derivadas dos usos e costumes locais, as modificações da legislação agrária, a aplicação de programas de titulação de terras que as excluem e a transferência desses direitos por meio do mercado de compra e venda e do arrendamento de terras. Outro fator importante é que a garantia de direitos das mulheres se vincula também ao regimento interno dos éjidos (propriedades de exploração comum, criadas pela Reforma Agrária em 1915 e consolidada em 1934). Esse tipo de propriedade possui status jurídico e representação própria frente
às autoridades municipais, estaduais e federais, ou seja, mesmo que existam políticas públicas que incentivem a participação política das mulheres dentro das comunidades, elas ainda dependem da incorporação dessas políticas ao regimento interno dos éjidos. Um dos problemas que enfrentam é, por exemplo, a responsabilização das mulheres por suas famílias e pelo cumprimento de obrigações dos homens nas terras comunais. Mediante o abandono dos maridos que imigram para os E.U.A. ou outros municípios industriais, muitas vezes são obrigadas a pagar pelas dívidas por eles adquiridas, mesmo sem usufruir de nenhuma garantia de direito sobre a terra em que vivem inclusive após o abandono e sendo permanentemente controladas pelos chefes de família e comunitários. Nesse sentido as capacitações e formações oferecidas pelo Centro contribuem para que as mulhe-
acesse Site do Centro: cdmch.org/cdmch/ Detalhes do contexto Chiapaneco: http://cdmch.org/cdmch/nosotras/contexto Conheça o Programa PROSPERA: https://www.gob.mx/prospera Para saber mais sobre as Mulheres em relação à Lei Agrária Mexicana e aos éjidos leia: http:// www.juridicas.unam.mx/publica/librev/rev/derhum/cont/35/pr/pr22.pdf
Para entender o que são os Éjidos: http://www.pa.gob.mx/publica/pa070408.htm
centro de direitos da mulher do chiapas – cdmch
res tomem conhecimento de seus direitos e fortaleçam sua participação nas assembleias comunitárias seja acompanhando o desenvolvimento de sua demanda jurídica de maneira autônoma ou promovendo o que chamam de “defesa participativa”. Nessas formações são apresentados conteúdos sobre formas de justiça: A justiça positiva (Estado), a justiça comunitária e a justiça autônoma (Zapatistas). A introdução dessas várias maneiras de entender a justiça contribui para a formação política das mulheres e muitas vezes acarretam na organização de coletivos dentro das comunidades que lutam pela titulação das terras. As formações acontecem há nove anos nas sedes do Centro que dispõe de alojamento e oferece alimentação às mulheres que participam. Segundo as colaboradoras, é fundamental que as mulheres compareçam e que compartilhem os conhecimentos adquiridos com as outras mulheres de suas comunidades em sua língua materna, multiplicando conteúdos e ampliando o acesso, e tornado-se assim “promotoras legais” em suas comunidades. Além de seu papel de multiplicadoras de conhecimento essas promotoras também acompanham outras mulheres oferecendo suporte jurídico. ■
4 Ritual Maia
Círculo de Mulheres em Chicomuselo
Após o encontro no CDMCH nossa equipe foi convidada para participar de um Círculo de Mulheres incentivado pelo centro no município de Chicomuselo. Saímos de São Cristóbal de Las Casas às 5 horas da manhã para viajar 5 horas em direção à fronteira com a Guatemala. Fizemos uma parada no município de Comalapa para buscar algumas participantes do encontro. Chegamos a um pequeno sítio na zona rural Chicomuselo ainda no período da manhã. Aos poucos foram chegando mulheres, a maioria delas já de idade avançada. O Círculo teve início com uma rodada e apresentação
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10 círculo de mulheres em Chicomuselo
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seguido por um ritual conduzido por uma das participantes que mesclou rituais maias às tradições cristãs. A facilitadora responsável pela atividade propôs que discutíssemos em grupos situações que nos causavam tristeza e sofrimento. Em seguida ampliamos o debate discutindo situações que causavam o sofrimento de nossas famílias e comunidades. De maneira geral as mulheres presentes compartilharam suas experiências de abandono, violência, alcoolismo e também problemas que enfrentam em suas comunidades, muitos relacionados aos conflitos ambientais e sociais causados pela atividade mineira na região. A atividade mostrou a potencia da escuta e do compartilhamento de angústias em suas dimensões subjetivas e comunitárias. Enquanto algumas se mostraram preocupadas e vulneráveis, outras incentivavam sua participação nos coletivos de mulheres como uma maneira de enfrentar às problemáticas apresentadas e a recuperar a autoestima, oferecendo apoio e contanto umas para as outras as estratégias que utilizam para melhorar suas condições de vida junto aos seus maridos e também nas comunidades. Ao indagarmos sobre a pouca participação de mulheres jovens, as colaboradoras do Centro disseram que “os problemas começam quando elas casam” já que, as mulheres mais jovens ainda vivem com suas famílias estão menos expostas às violências comuns às relações matrimoniais. A finalização das atividades foi realizada pela Alessandra Tavares com uma dinâmica utilizada em círculos de Justiça Restaurativa. Essa experiência também foi interessante porque apesar da barreira da língua, essa atividade é geralmente aplicada em círculos restaurativos formados por mulheres de uma cidade como São Paulo também tem forte potencial de sensibilização quando aplicada ao círculo formado pelas mulheres das comunidades rurais dos Chiapas. ■
os problemas começam quando
elas
casam” já que, as mulheres mais jovens ainda vivem com suas famílias estão menos expostas às violências comuns às relações matrimoniais.
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Caracol Oventik
Os Caracóis são regiões organizadoras das Comunidades Autônomas Zapatistas formadas pelos “Municípios em Rebeldia”. Visitamos o Caracol de Oventik, a uma hora de San Cristóbal de las Casas. Nos caracóis estão localizadas as Juntas de Bom Governo de comunidades de diferentes municípios. As Juntas têm como função reunir representantes dos Municípios Autônomos para deliberações e debates sobre a comunidade, como também entre as comunidades. Os caracóis foram criados em 2003 para substituir a anterior forma de organização dos municípios existentes e para resignificar a relação do EZLN das comunidades com a governança autônoma e coletiva. Além das Juntas de Bom Governo os caracóis possuem hospitais, comedores, escolas, oficinas e espaços de Lazer. ■
acesse Para saber mais leia Caracóis: A autonomía regional zapatista, de Héctor Díaz-Polanco: http://www.redalyc.org/ articulo.oa?id=32513706
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Universidad de la Tierra - Sistema Indígena-Intercultural de Aprendizajes y Estudios “Abya Yala” (SIIDAE “ABYA YALA”)
Durante nossa estadia em San Crstóbal de Las Casas visitamos a UniTierra, iniciativa que integra o SIIDAE “ABYA YALA” - Sistema Indígena-Intercultural de Aprendizagem e Estudios “Abya Yala”. Em 1989 organizou-se o Centro Indígena de Capacitação Integral (CIDECI) que oferecia oficinas de artes e ofícios para capacitar jovens indígenas não escolarizados. Também eram oferecido cursos de espanhol. Em 1997 os mesmos organizadores do CIDECI criaram a Sociedade Cooperativa de Produtores “Milakxik Jiñi Mi CH´Ujb” que oferece capacitações em sistemas agroecológicos em comunidade indígenas. Em 2004 que se organizou a UNI-Tierra que propõe o compartilhamento e construção de conhecimento em uma proposta pedagógica inovadora que abdica do modelo ocidental de universidade. Através de seminários, conferências e congressos sobre Agroecologia, Direito Autonômo, Arquitetura Vernácula, Hidrotopografia, Administração de Projetos e Comunidades, Eletromecânica, Interculturalidade Crítica, Análise dos Sistemas-mundo, Estudos (pós e des) coloniais e Teologias Contextuais a organização constitui em um espaço de aprendizado livre que resignifica o conceito de universidade. O espaço do SIIDAE tem dependências adequadas para todos os cursos de capacitação oferecidos, biblioteca, sala de convivência, anfiteatro, horta e criação de animais. Ali também funciona
uma editora que se encarrega de publicações desenvolvidas pelos colaboradores da Uni-Tierra. Os seminários são abertos e acontecem semanalmente às quintas feiras. São ministrados em espanhol tezeltal, tojolabal e tzotzil. Fomos recebidas pelo diretor da organização que nos contou que a iniciativa tem como objetivo fortalecer e proporcionar autonomia aos jovens indígenas tendo como perspectiva a cosmologia indígena e a filosofia Abya Yala. Os zapatistas participam frequentemente das atividades aportando conceitos e discutindo suas práticas políticas e organizativas. Também são frequentes as participações de povos em resistência de todo o mundo, compartilhando sua cosmovisão, disseminando a pluralidade e reforçando o entendimento de um mundo onde “caibam muitos mundos”. Atualmente participam das atividades de capacitação profissional 290 jovens indígenas, sendo que a
13 Universidad de la Tierra
maioria é homem. Uma das razões apontadas para a pouca participação das mulheres nas capacitações profissionais é que existe uma forte resistência em deixar as mulheres saírem das comunidades. A visita foi muito importante para termos contato mais profundo com a cosmovisão indígena e para entender melhor a filosofia Abya Yala, alguns conceitos e símbolos. A Uni-Tierra é uma iniciativa de conhecimento, que questiona o entendimento do que é o conhecimento em si, criando um espaço para fomentar a reflexão a difusão e criação de outro referencial teórico que diversifique e/ou oponha-se à matriz europeia de pensamento político, social e ambiental. Conhecer essa perspectiva é fundamental para entender também as demandas das mulheres indígenas que não são contempladas pelo feminismo branco e hegemônico. ■
acesse Para saber mais sobre os seminários:
http://seminarioscideci.org/
Sobre a UniTerra:
http://seminarioscideci.org/ organigrama/
Instalações do SIDAE: Oficina de Costura, Salão Comunal, Oficina de Tecelagem e Criação de animais.
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pensamento feminista na américa latina: outras perspectivas
Mulheres Zapatistas
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Comandanta Ramona e Comandanta Suzana
O movimento zapatista é conhecido pela forte participação das mulheres. As mulheres participaram tanto das filas de combate do EZLN, como também se destacaram participando da rede de comunicação que transmitia informações aos combatentes organizados na Selva Lacandona e dentro das próprias comunidades. Segundo o Subcomandante Marcos a organização e as revindicações das mulheres indígenas que integraram e/ou apoiaram o EZLN consistiu em uma “Revolução dentro da Revolução”, porque além de assumir o compromisso de enfrentar o Estado Neoliberal, pleitearam transformações dentro de suas próprias tradições indígenas e para alcançar igualdade de gênero. A determinação das mulheres em transformar sua realidade culminou na Lei Revolucionária de Mulheres. A Comandanta Ramona e a Comandanta Susana, passaram mais de quatro meses percorrendo as comunidades
zapatistas, reunindo mulheres e comunidades inteiras traduzindo as propostas em várias línguas indígenas e seguindo os costumes de reunião comunitária da região. Relatam que a principio houve resistência dos homens, e que aos poucos, com um potente trabalho de conscientização nas comunidades eles passaram a entender e aceitar suas revindicações.Ainda assim, existem relatos e pesquisas sobre o andamentos do processo de adoção e incorporação dos princípios de igualdade dentro dos territórios Zapatistas, consistindo em uma longa luta dessas mulheres pela transformação da cultura patriarcal dentro de suas comunidades. Quando consultadas todas as mulheres e comunidades a Lei foi divulgada pelo Despertador Mexicano, órgão informativo do EZLN em dezembro de 1993. (ROVIRA, 2002) ■
15 mulheres zapatistas
acesse Para conhecer melhor a rede mulheres zapatistas acesse “Mujeres de la Sexta”: https://mujeresylasextaorg. wordpress.com/
Lei Revolucionária de Mulheres
“Em sua justa luta pela libertação do nosso povo, o EZLN incorpora as mulheres na luta revolucionária sem importar sua raça, crença, cor ou filiação política, com o único requisito de fazer suas as demandas do povo explorado e seu compromisso a cumprir e fazer cumprir as leis e regulamentos da revolução. Além disso, tendo em conta a situação da mulher trabalhadora no México, se incorporam suas demandas justas de igualdade e justiça na seguinte Lei Revolucionária de Mulheres: 1ª As mulheres, sem importar sua raça, crença ou filiação política tem direito a participar na luta revolucionária no lugar e grau que sua vontade e capacidade determinem; 2ª As mulheres têm direito a trabalhar e receber um salário justo; 3ª As mulheres têm direito a decidir o número de filhos que podem ter e cuidar; 4ª As mulheres têm direito a participar em assuntos da comunidade e ter cargos si eleitas livre e democraticamente; 5ª As mulheres e seus filhos tem direito a atenção primária de saúde e alimentação 6ª As mulheres tem direito a educação 7ª As mulheres têm direito a escolher seu companheiro e não serem obrigadas a casarem-se a força; 8ª Nenhuma mulher poderá ser agredida e maltratada fisicamente nem por familiares e nem por estranhos. Os delitos de estupro serão castigados severamente; 9ª As mulheres poderão ocupar cargos de direção na organização e possuir patentes militares nas forças armadas revolucionárias 10ª As Mulheres terão todos os direitos e obrigações que figuram nas leis e regulamentos revolucionários
Veja Também “Atualidade e cotidiano: A lei Revolucionária de Mulheres do EZLM de Sylvia Marcos: https://www.vientosur.info/IMG/ pdf/la_ley_revolucionaria_de_ mujerescideci.pdf
Mulheres Zapatistas: A inclusão das demandas de gênero, de María del Pilar Padierna Jiménez:
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http://www.scielo.org.mx/pdf/ argu/v26n73/v26n73a8.pdf
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Feminismo Comunitário
Julieta Paredes “las mujeres somos la mitad de todo”
Essa corrente de feminismo se define como um movimento sócio político, sendo ao mesmo tempo teoria social e ferramenta de luta contra o patriarcado. Centra-se em um significado de comunidade que provem de uma visão de mundo não colonial que resgata a cosmovisão dos povos originários da América. O movimento se originou na Bolívia, a partir da experiência do coletivo Mujeres Creando, do qual a autora e ativista aymara boliviana Julieta Parede fez parte. Em seu livro Hilando filo desde El Feminismo Comunitário (2010), ela explica que a comunidade se constitui de duas partes diferentes (homem-mulher) que por sua vez constituem identidades autônomas, que ao mesmo tempo tem uma identidade comum.
“A negação de uma das partes atenta também contra a existência da outra. Submeter à mulher a identidade do homem, ou vive e versa, é cercear a metade do potencial da comunidade, sociedade ou humanidade. Ao submeter à mulher, se submete a comunidade porque a mulher é a
8 metade da comunidade e ao submeter uma parte da comunidade os homens se submetem a si mesmos, porque eles também são comunidade.” (PAREDES, 2010)
“Ao dizer que a comunidade tem duas partes fundantes, queremos dizer que a partir do reconhecimento da alteridade inicial a comunidade mostra toda sua extensão, diferenças e diversidades, é dizer que o par mulher-homem inicia a leitura das diferenças e diversidades na humanidade, inclusive as diferenças e diversidade de não reconhecer-se homem e não reconhecer-se mulher.” A autora problematiza o uso da ideia de gênero, amplamente utilizada por organizações feministas ocidentais na busca de melhoria nas condições de vida das mulheres. Ela afirma que “não haverá equidade de gênero entendida como igualdade, porque o gênero masculino se constrói a
feminismo comunitário
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partir do gênero feminino, por isso que a luta consiste na superação do gênero como injusta realidade histórica.” Para ela transcender o gênero como construção histórica e cultural é fundamental para começar e criar maneiras outras maneiras de socializar @s wawas (palavra aymara para bebê) acarretando em uma prática feminista que não reconheça masculino ou feminino e implodindo as relações de poder construídas pelo gênero considerando o uso desse conceito para problematizar a opressão do patriarcado contrarrevolucionária. (PAREDES 2010) A prática social e política das comunidades, nacionalidades, povos, organizações e movimentos sociais e a representação das comunidades continuam em poder dos homens, refletindo patriarcalização e colonização das comunidades ainda em curso. Para transformar as condições materiais da subordinação e exploração das mulheres a autora apresenta o marco conceitual que vem sendo utilizado pelo Feminismo Comunitário para analisar o contexto social e também como estratégia de transformação da realidade. Os conceitos e categorias utilizados estão relacionados a cinco aspectos da vida das mulheres que se relacionam entre si:
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O corpo: deve ser entendido como uma unidade energética, sensível, espiritual e sensorial que permita que as mulheres amem seus corpos para relacionar-se com o universo que as rodeia e significar-se livremente para além do racismo, machismo e classismo que codificam e categorizam a existência do corpo da mulher. O espaço: entendido como “o campo vital para que o corpo se desenvolva”. Pode ser a rua, a terra, a casa a escola o bairro... onde se dê a vida comunitária. O tempo: se concebe como “a vida que corre graças ao movimento da natureza e dos atos conscientes” e que é percebida como o tempo. A narrativa temporal do patriarcado não reconhece percepção das mulheres do movimento da natureza e seus atos conscientes. Um exemplo desse não reconhecimento pode ser o trabalho doméstico que o patriarcado não entende como trabalho. O movimento: “O movimento nos permite construir um corpo social, um corpo comum que quer viver e viver bem”. A Memória: é vista como o caminho já percorrido pelas antecessoras, as avós, as mães, das raízes das quais procedemos”
O mapa mental na próxima página explica a relação entre esses conceitos. Para Paredes, esse marco conceitual é fundamental como estratégia de resistência para as indígenas de todo território Abya Yala, que são frequentemente tratadas pelo estado neoliberal como estatística de pobreza, reforçando uma narrativa de dependência, subalternidade. A epistemologia proposta é construída por mulheres de diferentes organizações sociais
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acesse
feminismo comunitário
Livro em PDF: Hilando fino desde el Feminismo Comunitário: produzir nos diferentes espaços
tempo ››
espaço
construir movimento
imento ›› m ov m
memória
tempo ››
ória ›› co em
imento ›› m ov
ória ›› co em
tempo ››
movimento
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›› espaço
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memória e produção de conhecimento
mapa mental
tempo ››
corpo
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›› espaço
tempo para
imento ›› m ov m
ória ›› co em
›› espaço
››
o rp
cuidar, curar e desfrutar o corpo
imento ›› m ov m
populares, que constroem coletivamente outro referencial a partir de sua experiência e revindicações específicas, criando assim sua própria narrativa e soluções para sua realidade. A narrativa das mulheres dos povos Abya Yala se contrapõe ao feminismo hegemônico, institucionalizado por políticas públicas ou ONGS que desconsideram a identidade das mulheres indígenas. Paredes e o coletivo Mujeres Creando integraram um grupo de trabalho para o desenvolvimento de políticas públicas para o governo de Evo Morales, Presidente do Estado Plurinacional da Bolívia com a intenção de repensar a institucionalização das políticas para mulheres e semear dentro do aparato estatal outra abordagem sobre as necessidades das mulheres a partir da perspectiva indígena. Outro questionamento importante do Feminismo comunitário é o reconhecimento de que o patriarcado não de seu no território apenas durante o processo de colonização. Segundo Paredes, a antropologia e arqueologia feminista contribuem para a compreensão
https://sjlatinoamerica.files.wordpress. com/2013/06/paredes-julietahilando-fino-desde-el-feminismocomunitario.pdf
Vídeo Julieta Paredes Femismo Comunitária: https://www.youtube.com/ watch?v=NrivDMl1qDU
Vídeo (longo): Feminismo Comunitário: Aula Pública com Julieta Paredes: https://www.youtube.com/ watch?v=FqD5uD_lHh8
Etnocentrismo e colonialidade nos Feminismos Latino Americanos: Cumplicidade e consolidação das Hegemonias Feministas no espaço transnacional, de Yuderkys Espinosa Miñoso: http:// www.decolonialtranslation.com/ espanol/Etnocentrismo%20y%20 colonialidad%20en%20los%20 feminismos%20latinoameri....pdf
A antropologia feminista hoje: algumas ênfases chave, de Maria Patrícia Castañeda Salgado: http:// www.revistas.unam.mx/index.php/ rmcpys/article/viewFile/42526/38713
de que os povos Abya Yala também mantinham relações sociais não igualitárias entre homens e mulheres. Critica a perspectiva indigenista idílica que apresenta as populações do Abya Yala como puras e livres de conflitos sociais, reforçando assim uma imagem de indígena produzida pelo imaginário europeu. Ressalta que colonização interferiu no processo de transformação social desse território, impondo o sistema patriarcal branco e europeu e “tapando” as desigualdades já praticadas pelas sociedades indígenas. Ao encontro das práticas patriarcais coloniais e ancestrais a autora chama de “Entroncamento Patriarcal”. ■
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feminismo comunitário
LesboFeminismo Norma Morgrovejo
Tivemos a oportunidade de conhecer a professora Norma Mogrovejo durante nossa participação no Festival de Artes Feministas da Cidade do México. A Norma apresentou para nós referências e conceitos do Lesbofeminismo. O Lesbofeminismo é uma proposta teórica e prática que aporta o entendimento da heterossexualidade como um regime político e não como uma expressão da sexualidade preferência ou prática sexual. A partir dessa análise se construiu o conceito de heteropatriarcado que faz referência ao fato de que o sistema patriarcal se sustenta mediante a heterossexualidade. O Lesbofeminismo retoma conceitos e aportes do feminismo lésbico branco ocidental, porém realiza uma revisão crítica a partir do contexto Abya Yala, pelo qual diversas autoras incorporam uma análise não colonial, antirracista e classista.
Fonte: WIKIPEDIA https://es.wikipedia.org/wiki/Lesbofeminismo
Norma se define como lésbica feminista, peruana-mexicana, autoexilada e estudiosa do movimento lésbico latino americano. Já publicou vários ensaios de análise historiográfica sobre as relações do movimento lésbico-feminista-homosexual. Licenciou-se em Direito, é mestra em sociologia e Doutora em Estudos Latino Americanos. Ao realizar sua tese de doutorado se transformou na primeira “lesbionóloga” da América Latina. “Eu inventei a lesbianologia quando fiz a escolha de dedicar-me a estudar o movimento lésbico e as lésbicas. Esse âmbito ainda não havia sido inserido no mundo acadêmico”. Atualmente é professora Pesquisadora da Universidade Autônoma da Cidade do México e coordena o curso de Teoria Lésbica no Programa Universitário de Estudos de Gênero PUEG na UNAM. ■
acesse Blog da Norma Mogrovejo: http://normamogrovejo.blogspot.com.br/ Indicações de textos de autoria dela que ela recomendou para nós: Os direitos não se condicionam: http://normamogrovejo.blogspot.com.br/2016/02/los-derechosno-se-condicionan.html As corpas lésbicas e a geopolítica: http://normamogrovejo.blogspot. com/2015/06/las-cuerpas-lesbianas-y-la-geopolitica.html?view=mosaic DESTAQUE: Olhares não fragmentados da opressão nas práticas políticas do lesbianismo feminista Abya Yala: http:// normamogrovejo.blogspot.com.br/2015/02/x-elfay.html
apoio
Fideles Franzoso a d v o g a d a s