Nariz Vermelho

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redação: BRUNA TAMIRES TALITA TRENTO WESLEY BISCHOFF fotografia: BRUNA TAMIRES TALITA TRENTO WESLEY BISCHOFF ARQUIVO TERAPIA DA ALEGRIA orientação: ROSANE VERDEGAY DE BARROS agradecimentos: HOSPITAL MUNICIPAL DE MARINGÁ LAR DOS VELHINHOS DE MARINGÁ TERAPIA DA ALEGRIA Esta é uma publicação acadêmica produzida pelos alunos do Terceiro Ano de Jornalismo da Unicesumar e não possui fins lucrativos. Proibida a reprodução deste material sem autorização prévia e escrita do editor.

Maringá-PR Dezembro de 2015


SUMÁRIO VELHOS AMIGOS

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LIÇÃO DE VIDA

NA ROTINA DIÁRIA UMA PAUSA PARA SORRIR

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O SORRISO TEM 12 ANOS PAREDES PÁLIDAS, ALMAS COLORIDAS

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PASSAPORTE PARA ALEGRIA DÁ ASAS AOS SONHOS

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VELHOS AMIGOS As marcas do tempo podem ser vistas nas mãos e nos rostos, que simpaticamente, acenam para a alegria

O sábado amanhece ensolarado. A dança das folhas nas velhas árvores da jovem Maringá anuncia uma brisa calma e suave. São sinais da primavera que está prestes a chegar. A fachada da rua Ponta Grossa, número 70, começa a ganhar as cores da nova estação. Elas ajudam a realçar o mosaico de Santa Paulina, que dá as boas-vindas a quem chega à residência de dezenas de idosos, mais conhecida como Lar dos Velhinhos. Passando o portão de grades cinzas, é possível vislumbrar um lindo e bem cuidado jardim, ao qual os raios de sol insistem em destacar o verde e amarelo dos pingos de ouro. Eis que a paisagem é convidada a ganhar mais cores e alegria. A pacata manhã, que esbanja bocejos e

um ritmo um tanto mais lento, é tomada por uma onda de bagunça, acompanhada de risadas, vozes anasaladas e os acordes de um violão e de uma sanfona engraçadinha. Palhaços fazendo sua especialidade: palhaçada. Por trás da maquiagem branca e de narizes vermelhos está gente de carne e osso. Jaleco, roupas, pele. Tecidos de algodão e orgânicos guardam um coração, que pulsa forte, alegremente, por estar se iniciando mais um dia de missão. A juventude se encontra com quem tem o dobro, o triplo e até mesmo mais que o quadruplo de experiência. Entre os que invadem os quartos dos vovôs que ali residem está Ébila Buscarato Soares, 16, que nesse momento é mais conhecida 1ª EDIÇÃO

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como Doutora Bila. Há quase três anos no Terapia da Alegria, Ébila, ou Doutora Bila, é a mais nova da equipe. Começou no clown cedo, com apenas 11 anos. Mesmo sendo jovem, a família sempre incentivou Ébila a participar de ações sociais como o Terapia. “Minha mãe sempre apoiou. Mesmo eu sendo nova, eles sempre me deram essa força, porque é algo que faz bem

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para mim”, conta, enquanto dava os últimos toques de vermelho na bochecha. Seguindo entre os corredores do asilo, os palhaços não perdoam ninguém. Não importa se os idosos estão vendo TV ou deitados na cama. Muito menos se for um casal que está de mãos dadas, sorrindo, aproveitando antigas canções que surgem nas ondas captadas por um


Parece que não é sábado quando não viemos aqui, porque o dia não rende rádio de pilha. Quem ajuda a meter o nariz onde é muito bem-vindo é a humorada professora de educação física Danielle das Neves, 27,

ou melhor, Doutora Tininha. Por ironia do destino (ou não), Danielle não gostava de palhaços. A função de educadora infantil e a vontade de realizar um trabalho social levaram a professora a se apaixonar pelo clown. O amor é tanto que o sábado só se torna sábado se a Tininha entrar em ação. “É meio que inexplicável, parece que não é sábado [quando a gente não vem aqui], porque o dia não rende”, explica, enquanto tentava corrigir o borrão vermelho que fez no rosto que deixara a maquiagem um tanto estranha. Segue a procissão. Olhares curiosos rondam a movimentação matutina. Surgem alguns talentos. O senhor que traz um violão 1ª EDIÇÃO

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desafinado, mas que o toca como ninguém. Outro que demonstra uma incrível habilidade com o mouse ao desenhar e fazer verdadeiras obras no Paint. No banho de sol, as palmas na canção do “Parabéns a você”, cantada em quatro línguas. A mais animada, de longe, era uma senhora, provavelmente com mais de 70 anos, que insistia que iria completar 24 nos próximos meses. Sem sombra de dúvidas, a disposição dela estava à altura desse pensamento. Após risos, palmas, músicas e muita zoeira, a diretora do Lar dos Velinhos, Irmã Terezinha Maria Pamplona, conta que a presença dos palhaços do Terapia da Alegria torna 8

o dia dos velhinhos mais diferente e animado. “Embora a gente procure tornar o dia deles o mais agradável possível, tem momentos em que eles não recebem visitas. Esse tipo de atividade é muito importante para eles.” A manhã vai chegando ao fim, mas não há motivos para se entristecer. Um a um, os palhaços vão se despedindo. Uma pausa para uma selfie, um copo d’água. Um grito de tchau que vinha de longe. Um dia de música, fotos. Sorrisos e histórias. Danças e pedidos de casamento. Mais um dever cumprido com a certeza de que, senhoras e senhores, voltaremos na semana que vem.


LIÇÃO DO DIA Mais do que visitas em hospitais, o grupo de palhaços promove cursos de “clown” para quem quer aprender a arte do riso

um curso de iniciação de palhaços em hospitais. Quando o curso teve início, no ano de 2001, eles tinham o intuito de ensinar a linguagem de palhaço dentro dos hospitais, para que as pessoas levassem na mala não só o nariz vermelho, mas também o cuidado com o outro. Quando o filme ‘O Arquivo/Terapia da Alegria

De cara pintada, nariz vermelho e um tempinho disponível. Fazer piadas, caras e bocas, qualquer palhaço faz, mas colocar o jaleco e partir para os hospitais não é tão simples quanto no filme Patch Adams. E foi pensando na dificuldade de ser clown e no desejo de ajudar que o grupo decidiu desenvolver

Zanoni ministrando o curso para futuros palhaços

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Arquivo/Terapia da Alegria

O palhaรงo nรฃo precisa ter graรงa, ele deve parecer engraรงado

Uma das turmas que participaram do curso de clown promovido pelo ator Zanoni

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amor é contagioso’ foi lançado, em 1998, “muitas pessoas acreditavam estar prontas para ir aos hospitais e se frustraram porque não sabiam o que acontecia lá dentro”, explica Hudson Figueira Zanoni, 35. As turmas de clown normalmente precisam ter entre 15 e 25 aprendizes de palhaços, que para garantir a nova identidade colorida, desembolsam cem reais e de brinde recebem um nariz vermelho e aprendem a arte de distribuir pirulitos e risadas. O tempo para se descobrir num mundo pitoresco é de aproximadamente 15 horas, divididas em dois dias, dependendo da decisão das turmas. No currículo do curso, há alguns ensinos fundamentais que não podem faltar. O palhaço recém-chegado deve, primeiro, aprender a linguagem do clown, de-

pois conhecer a origem dos narizes vermelhos e a função deles dentro do teatro e do circo. Só depois de dominar a arte da algazarra, os futuros “formandos” estarão aptos para a segunda disciplina: levar alegria para dentro dos hospitais. E para conquistar o sonhado diploma é preciso muita dedicação. O palhaço precisa encontrar suas fraquezas, virar-se do avesso e transformar os próprios defeitos em motivos para sorrir. “É como fazer graça de você mesmo. Já que o palhaço não precisa ter graça, ele deve parecer engraçado”, brinca Zanoni. O grupo Terapia da Alegria não costuma receber novos palhaços, no entanto, fique de olho, eles sempre acabam recrutando soldados dedicados, que honram a promessa de fazer rir. 1ª EDIÇÃO

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NA ROTINA DIÁRIA, UMA PAUSA PARA SORRIR Além de levar encanto e alegria aos pacientes, o Terapia da Alegria não se esquece das pessoas fundamentais para os sorrisos acontecerem

Sete dias na semana, vinte e quatro horas por dia. Além de levar o riso aos pacientes, o Terapia da Alegria também “contaminam” com sentimentos bons aqueles que passam grande parte do tempo em um ambiente que muitas vezes revela dor e sofrimento. O zelo em manter os pacientes acolhido e bem cuidados nos hospitais são funções primordiais aos que decidiram dedicar-se ao outro. Programar remédios, administrar a enfermaria e cuidar da limpeza são algumas das atividade rotineiras dos funcionários que trabalham por cada pedacinho do hospital, com amor e muita 12

generosidade. Depois de passar em cada quarto, os palhaços avistam um rostinho espiando de uma das salas de enfermaria. Em seguida, as notas musicais começam a invadir o ambiente ao lado, onde estão os funcionários que dão uma pausa para um cafezinho. Após repor as energias com café e bolachinhas, eles assistem e participam do espetáculo de mágicas que o grupo Terapia preparou. Riso de todos os lados. Esse é o momento em que os pensamentos negativos se vão e o colorido dos palhaços transmite força para continuar mais um dia de trabalho.


Palhaços animam equipe do hospital com muita descontração

Os dias de visita do Terapia são esperados ansiosamente tanto pelas crianças, quanto pelos funcionários que sentem falta da energia positiva que contagia todo o local. A técnica em enfermagem, Roseli Maringoli, 37, não sabe mais como seria a semana de trabalho sem a visita dos palhaços. Para ela, tantos os funcionários como

as crianças precisam desse apoio e acalento, que em alguns momentos se perdem em meio à dor de estar em uma cama de hospital. As bolhas de sabão, as mágicas, as pegadinhas e a melodia do violão que se espalham pelos corredores, mostram a todos que fazer palhaçadas e rir até doer a barriga, nunca será apenas brincadeira 1ª EDIÇÃO

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Eles constroem no coração de cada um, a vontade de continuar de criança. Lidar com dramas familiares e saber o momento em que é preciso cuidar da dor do outro, são questões que os funcionários precisam aprender a conviver Desde a fatia de pão levada ao quarto, até o cautela com pacientes terminais, é necessário força para enfrentar e não deixar o sofrimento ser levados para casa. E a minimização desses sentimentos acontece graças ao grupo Terapia da Alegria, que não permitem cara feia, nem mesmo se estiver com fome. Eles constroem no coração de cada um, a vontade de continuar, de não desistir. E caminhar nessa trajetória com um nariz saliente e roupas coloridas é muito mais fácil. Agora, o importante é perceber que as pessoas ao redor podem precisar muito mais de uma palavra amiga e um cuidado para que possam voltar a sorrir e a viver com alegria. 14


Juntos dos palhaços, profissionais ganham força para passar a noite no hospital

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O SORRISO TEM 12 ANOS

O grupo de palhaços Terapia da Alegria atua em hospitais e asilos de Maringá e leva brilho a quem precisa de ajuda

Há muita cor ali. As paredes brincam de ser arco-íris. O nariz parece sorrir por estar camuflado numa bolinha vermelha. Olhos que brilham na cor intensa da alegria; um sorriso que acende da maquiagem de palhaço. Motivado pelo desejo de fazer o bem, Hudson Figueira Zanoni, 35, decidiu que queria brincar de ajudar. Há 20 anos criou o grupo de teatro Expressão de Amor e, junto com os amigos, disseminou carinho e solidariedade por Maringá. Sem curso de artes cênicas, mas mascarados pelos palhaços que existem dentro deles, acreditaram no teatro que faziam e continuaram com os trabalhos sociais na cidade. Quase um filho do Ex16

pressão de Amor, os palhaços que brincam de doutores criaram o Terapia da Alegria. Roupas coloridas, maquiagem divertida, máscara no nariz e jaleco branco. Todas as cores sorrindo para as paredes brancas do hospital; as crianças sorrindo de volta. Entre o pedido para ficarem uma hora divertindo os meninos, ficaram seis. No lugar de apenas uma visita mensal, passaram a encontrar os pequenos duas vezes na semana. O Terapia da Alegria cresceu como uma criança. Tem vivido momentos que só eles conhecem; apresentam ao mundo um sorriso velho e menino, e fazem rir todos os que por eles passam. São 16 narizes vermelhos que brincam no Hospital Municipal,


Por meio da música, doutores-palhaços levam divertem para funcionários

Hospital Psiquiátrico e asilos da cidade. Completamente voluntário, o riso do Terapia da Alegria já ajudou mais de duas mil crianças e até chegarem a maior idade devem ajudar um outro tanto. Pirulitos, bexigas, rou-

pas, violões e brinquedos. O cenário construído pelos palhaços-doutores ultrapassa o universo infantil e oferece cor aos cabelos brancos; pintam um mundo sobre aquele que tem poucas cores. Para ajudar, o Terapia da Alegria

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O palhaço é o último que perde a esperança também é ajudado e recebe doações – ainda eventuais – do material que precisa para divertir. Diferentemente do que muitos pensam, os mascarados pelo nariz vermelho também brincam com os funcionários das instituições médicas e filantrópicas que visitam. Transformando a tensão do trabalho em riso, eles pintam um sorriso de arco-íris e tornam a tarefa dos funcionários mais leve. Todavia, muitas vezes o trabalho de fazer rir é tolhido pelos pais; nunca impedido pelas crianças. Mas com um jeitinho brincalhão, eles mostram para as pessoas que embaixo de toda a maquiagem não está um palhaço, está o Hudson, a Thais, a Lilian, o Alexandre, o Alex, o Aislan, a Patrícia, a Talita e muitos outros. O Terapia da Alegria arranca sorrisos porque são palhaços, no entanto, só conseguem fazer sorrir porque são humanos. Treinados pelo grupo de teatro Expressão de Amor, os clowns – na tradução: palhaços; no sentimento: 18


Terapia da Alegria em visita no Hospital Municipal

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orgulho por ser assim chamados – são preparados para lidar com as diferentes situações que encontram no ambiente hospitalar. Com a menor máscara do mundo, eles são ensinados a ter cuidados específicos dentro de

um hospital; a preocupação vai além da cautela para não prejudicar o estado clínico do paciente. O Terapia da Alegria foi preparado para conviver com as emoções turbulentas daquele ambiente. “Quando a gente tá

Adalberto (nome de clown) reúne-se com enfeirmeiras para contar um segredo

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de palhaço, a gente se torna mais forte, afinal, o palhaço é o último que pode perder a esperança”, conta Zanoni. Eles são doutores, palhaços e loucos. No Hospital Psiquiátrico, o Terapia da Alegria não brinca de

curar, eles não corrigem as atitudes que vão contra as normas da sociedade, somente deixam aflorar os sentimentos de loucura e pedem benção para Jesus Cristo, uma escultura para Michelangelo, uma oração para Maria e um quadro para Leonardo da Vinci. O Terapia da Alegria entra na brincadeira e explora a loucura de cada um; divertemse com o mundo particular de cada interno. Num futuro muito próximo, os clowns querem fazer do Terapia da Alegria uma Organização Não Governamental (ONG), para fazer ecoar ainda mais longe o riso que eles motivam. Ainda nesse futuro, eles desejam ter uma Kombi colorida, que vá espalhando alegria por onde passarem. Quiçá um dia, você esteja andando e veja um carro pintado de risos e sorria também. No mundo colorido dos palhaços, o Terapia da Alegria ajuda quem precisa e jamais nega um sorriso.

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PAREDES PÁLIDAS, ALMA COLORIDA Esperar ansiosamente pela chegada dos palhaços faz parte da rotina semanal de instituições maringaenses

Eles não estão lá porque querem. Não é uma colônia de férias, mas estão todos se divertindo. Alguns são sorrisos de leite, outros de janela; há, ainda, os que sorriem sem dentes e os que exibem uma fileira brilhante de sorriso comprado. Quando o Terapia da Alegria começa a tocar um violão de assinaturas, todos os olhinhos espreitam a porta. “Mãe”, cochicha a criança, “o palhaço tá chegando”, diz, um sorriso de leite. A música ressoa por mais algumas portas e eles entram. A risada colore o ar pálido do hospital; as bolinhas de sabão estão voando livremente na gargalhada dos pequenos. Entre um pirulito e uma risada, Jimmy Hasegawo, 4, é convidado para 22

assinar outra vez o violão do carregado pelo palhaço Leco Teco. Internado há pouco mais de uma semana com pneumonia, é a segunda vez que ele encontra os palhaços. Como anfitrião antigo, Jimmy recebeu os palhaços com alegria e em troca, ganhou um pirulito e se tornou motivo de risadas no grupo dos pequenos. Brincando de ser doutor, os narizes vermelhos o diagnosticaram e afirmaram que ele teria pneumonia, depois de ter comido um pneu; “mais cuidado com o que come Jimmy”, aconselha a palhaça Clarina. Despedindo-se dos olhinhos curiosos daquele corredor, os palhaços vão cantando para outra ala do hospital. Em uma cadeira desconfortável, esperando os re-


médios fazerem efeito, está Icaro Leoni Duarte da Silva, 7. Com um sorriso de janela, ele agradece a visita e pede para tirar uma foto com os palhaços. Sentindo-se como

um príncipe pela atenção que recebeu, ele promete: “minha mãe vai colocar essa foto no Face”. Está na hora de ir embora. Os narizes vermelhos

Palhaços e paciente posam para fotografia de rede social

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Olinda e Valdemar mostram orgulhosos o amor um pelo outro

despendem-se e prometem voltar depois. E eles cumprem a promessa, dezenas, centenas de outras vezes, mas sempre com o desejo de não encontrar nenhum dos pequenos amigos que fizeram naquele dia. Na manhã de sábado, o Terapia da Alegria faz rir outra vez. As paredes não são brancas como no hospital, os sorrisos não são de leite; quase sempre, é um riso tímido e cheio de passado. No asilo, os palhaços brincam de ouvir e transformam o dia de um casal apaixonado. De mãos dadas, Olinda Italiana Nascimento, 61, e Valdemar Rosa, 66, contam, orgulhosos, 24

que se conheceram no asilo e se apaixonaram no mesmo instante em que se olharam. Esbanjando energia, eles prometem se casar em breve e, provavelmente, os clowns participarão da cerimônia, cantando uma das milhares de músicas que ensaiaram por horas durante a manhã com a Olinda e o Valdemar. Giomar, sem sobrenome e sem idade – ela diz ter amnésia – conta que conhece o Terapia da Alegria há anos e sem eles nas manhãs de sábado, tudo fica um pouco chato. Uma verdadeira apaixonada pelo riso, Giomar se diverte com o rebolado do palhaço Leco Teco e confessa


‘Mãe’, cochicha a criança, ‘o palhaço tá chegando’ que ele tem um “molejo muito bom”. Os clowns continuam a visita e param para admirar o trabalho de Osias Corrêa, 78, no Paint, uma ferramenta de desenho do computador. Um exímio artista, Corrêa faz retratos de tudo o que encontra no asilo e mostra, aos amigos e palhaços, com orgulho, as obras – que em breve serão expostas em Maringá. Outra visita precisa

chegar ao fim. O Terapia da Alegria toca mais uma música antes de se despedir e, numa melodia afinada pelo carinho, canta em coro “meu amor, essa é a última oração, para salvar seu coração. Coração não é tão simples (...)”. Assim como as bailarinas, eles se despedem do público do dia e saem na ponta dos pés, para não acordar quem dormiu com a canção.

Música dos clowns deixa Giomar encantada

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PASSAPORTE PARA ALEGRIA DÁ ASAS AOS SONHOS Terapia deixa Maringá, abrindo os braços para o mundo e milhares de pessoas que precisam de abraços, amor e carinho

Atenção senhores passageiros com destino à solidariedade. O embarque é imediato. Passaporte em mãos, bagagem pronta. As malas, que estão cheias de roupas, jalecos, maquiagem e narizes vermelhos, voltam cheias de conhecimento, alegria, felicidade e novas experiências. Sair de Maringá, onde tudo começou há mais de uma década, é muito mais do que uma vitória ou um simples reconhecimento. É a vontade de poder ajudar o próximo extrapolando os limites, divisas e fronteiras. A cada ano, o Terapia da Alegria enche o passaporte de mais carimbos. Entre viagens nacionais e internacionais há muito que contar. 26

Missões que vão desde à América do Norte, passando pela África e a Europa. Todas as viagens feitas pelo Terapia não são arranjadas. O próprio grupo vai atrás O primeiro grande destino foi para o sertão do Nordeste brasileiro, no Rio Grande Norte. O desafio foi aceito por 15 pessoas. Um mês em pleno verão nordestino, com temperaturas ultrapassando a casa dos 40 graus. O Terapia visitou comunidades carentes, onde pode realizar troca de culturas em comunidades históricas, porém necessitadas. Desde então o grupo não parou mais. Hudson Zanoni lembra da viagem até o Haiti em 2013. Três anos após


Arquivo/Terapia da Alegria

o terremoto de 7,0 graus de magnitude, que deixou mais de 200 mil mortos, o grupo resolveu visitar o país caribenho. De acordo com Zanoni, o Terapia da Alegria visitou sete orfanatos no Haiti. Em média, cada instituição abrigava cerca de 350 crianças. Boa parte, órfãs do terremoto. “Nós sabíamos que nosso trabalho seria muito útil lá para levar um pouco de esperança para eles. Não ia só a risada, junto a isso ia a comida, o médico, a roupa. Ia todo um cuidado. E depois disso, apresentava o teatro”, conta. Hudson relata que a viagem ao Haiti foi a primeira que o grupo fez para um lugar carente, onde muitos não sofriam apenas com a dor física, mas também com a dor da perda de entes queridos, além de tudo aquilo que foi perdido no dia do terremoto. Após a viagem até à América Central, os palhaços do Terapia da Alegria embarcaram, em 2014, em uma viagem com destino a Burki-

Hudson Zanoni durante missão no Haiti)

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na Faso. O país, localizado na África Ocidental, é um dos mais pobres do mundo. O grupo, que contava com palhaços, médicos, dentistas e muita disposição, arranjou cinco caminhonetes e visitou algumas tribos do país, em pleno deserto, durante 15 dias. As viagens humanitárias feitas pelo Terapia da Alegria são um convite aberto a todos aqueles que podem ajudar. O médico, o estudante, o palhaço. A empregada doméstica, o dentista, a secretária. Basta ter vontade. O que importa mesmo é a intenção, o amor que está em cada pessoa. O prazer em abraçar alguém que não tem nada e que vê no carinho o valor de um tesouro. A alegria em dedicar tempo em prol da paz e de um mundo que troque o valor do dinheiro pela recompensa de milhões de sorrisos. 28

Arquivo/Terapia da Alegria

Não ia só a risada, junto a isso ia a comida, o médico, a roupa. Ia todo um cuidado


Missão em Burkina Faso, um dos países mais pobres do mundo

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