Heart of Glass (Fostering Love #3) - Nicole Jacquelyn

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Disponibilização: Eva Tradução e Revisão Inicial: Juzita Leitura Final: Thay Formatação: Ane e Eva

Agosto/2018

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Henry Harris vivia seu sonho como sargento-chefe nos Fuzileiros Navais. Quando ele é morto em ação, sua família devastada recebe mais uma notícia: ele teve uma filha que nunca souberam. Morgan Riley cuida de Etta sozinha, e isso está bem para

ela – até que Trevor, irmão de Henry aparece em sua porta, desejando fazer qualquer coisa para ajudar e compensar os erros de seu irmão. A atração deles parece errada, mas Morgan não consegue afastá-lo. Trevor está de repente muito envolvido. Ele sempre quis uma família, mas Etta e Morgan vem com complicações. No entanto, enquanto Etta os aproxima, Trevor começa a se

imaginar dando a Morgan e Etta a vida que seu irmão nunca pôde. Mas ele questiona se Morgan em algum momento aprenderá a confiar seu coração a outro homem, especialmente um cujo sobrenome é Harris.

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PRÓLOGO Henry

Nunca fui destinado a ser pai. O pensamento percorre continuamente minha cabeça enquanto saio para o sol da tarde. Inferno, isso esteve circulando por lá há meses, mas ultimamente as palavras são como um martelo batendo repetidamente em meu cérebro. Mal consigo pensar em outra coisa. “Por que não espera até segunda-feira para cuidar da sua misteriosa missão?” Meu colega de quarto pergunta, interrompendo meu tormento interior enquanto saímos do trabalho. “Nós vamos para a praia.” “Não posso”, respondo com um dar de ombros. Beach Fridays são uma coisa muito comum com os caras com quem saio. Geralmente saímos cedo do trabalho na sexta, o que nos dá algumas horas extras para aproveitar o fim de semana. O trânsito em San Diego é uma droga no final da tarde, mas, se pararmos cedo o suficiente, chegamos a Imperial Beach antes que a maioria das pessoas comece a ir para casa. Realmente não sentirei falta de nada que não acontecerá novamente na próxima semana. “Bem, se terminar sua missão misteriosa em breve, avise”, Rocklin anuncia por cima do ombro enquanto caminha em direção a sua caminhonete.

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Aceno enquanto tiro as chaves da minha caminhonete do bolso. Há uma razão pela qual não compartilhei meus planos com toda a porra do pelotão. Não precisava do meu comando sempre em cima nas minhas coisas sobre algo que não é um problema. Vou ao judiciário agora, antes que todo mundo saia do trabalho. Há uma boa chance de que saiam cedo também, mas espero que haja alguém lá que possa me ajudar. Bato meus dedos no joelho da minha calça rasgada enquanto espero nas cadeiras desconfortáveis na parte da frente do edifício jurídico. O lugar está praticamente vazio para o fim de semana, mas felizmente parece que alguém ainda está lá e posso conversar. Não tenho certeza de quando terei outra chance de encontrar alguém antes de sair para um exercício de treinamento na semana que vem, e o pensamento de sair sem ter tudo arrumado me deixa ansioso. Inclinando a cabeça contra a parede, fecho meus olhos. Atrás deles, imagino o pequeno bebê careca que vi apenas algumas semanas atrás. O bebê de Morgan. Bem, meu bebê também, se decidir pensar nela em termos biológicos. Meu estômago revira. Não quero pensar nela dessa maneira. Quando Morgan me avisou que estava grávida, entrei em pânico e respondi como se um aborto fosse o desfecho inevitável. Quase dois anos depois, ainda estava surpreso por ela não ter me dado um soco nas bolas. Em vez disso, ela calmamente me disse que ficaria com o bebê, mas não esperava nada de mim. Alívio vertiginoso.

me

atingiu

primeiro. Um

alivio

esmagador

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Então eu me questionei. Realmente sou esse tipo de cara? Posso simplesmente me afastar da minha carne e sangue? Fui criado numa família que cuidaram de crianças que nem eram deles. Eles valorizam a família acima de tudo, e muitas vezes ao longo da minha vida fiz parte de uma discussão sobre pais malandros e como são horríveis. Então, ao invés de correr na direção oposta, tentei estar presente. Não disse uma palavra para minha família, preferindo não ouvir suas opiniões e interferência sufocante, mas mantive contato com Morgan enquanto ela carregava o bebê. Qualquer relacionamento entre nós seria impossível naquele momento, mas ainda entrei em contato só para ter certeza de que ela estava bem. Não tive interesse em ir a consultas médicas e, quando ela revelou que era menina, não senti nada – mas continuei tentando. Não queria ser o tipo de homem que meus pais faziam comentários contundentes. Não queria que a filha de Morgan crescesse pensando que havia algo errado com ela ou algo assim e acabasse uma stripper com problemas paternos. Ok, sei que a última é uma generalização abrangente, mas não posso evitar. Foi aí que minha mente terminou. Então, eu tentei. Visitei, liguei e me disponibilizei para o que Morgan precisasse, mas eventualmente nós dois vimos os sinais. Apenas não estava lá. Aquele sentimento, aquele que eu sabia que deveria existir, o que todos os pais têm, até mesmo os pais de merda? Eu não senti. Não fiquei curioso sobre o bebê. Não quis saber se ela estava bem ou me preocupei. Não senti nada além da preocupação normal por um humano minúsculo. Eu pularia na

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frente de um ônibus por ela? Claro. Mas faria isso por qualquer criança. Isso é o que ela é para mim – apenas uma criança aleatória. Há algo errado comigo, tenho certeza disso, mas não é algo que possa consertar ou mudar. Eu tentei. Jesus. Tento há um ano sentir algo por ela, e não importa o que faça ou o terrível cenário que imagine na minha cabeça tentando forçar algum tipo de reação, simplesmente não existe nada. Tentei me convencer de que poderia fingir. Eu poderia apenas fingir sentir algo até que realmente acontecesse. Ninguém saberia. Mas depois de parar na casa delas para seu primeiro aniversário e observar aquela criança que se parecia comigo comer seu bolo, e ainda não sentir nada além de um pouco de diversão e tédio, soube que fingir não era uma opção. Há algo quebrado dentro de mim. Algo que nunca percebi precisar, até que esse sentimento vazio estava me encarando, zombando da minha incapacidade de me conectar. “Harris?” Uma voz chama entre dois cubículos. Levanto e deslizo a mão distraidamente pela frente do meu uniforme, alisando as rugas enquanto avanço. “Você quer mudar o beneficiário em caso de morte?” O cara pergunta, olhando os papéis que segura enquanto o sigo para o interior do departamento jurídico. “Sim, senhor”, respondo. Não posso ser pai dela. Não posso ser o pai que a ensina a andar de bicicleta ou a usar uma prancha de surfe. Não estarei lá para assustar seu par no baile de formatura, e nunca

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colocarei curativos nos joelhos dela depois de uma queda feia no parquinho. Mas posso ajudar de longe. Posso me assegurar que Morgan tenha o dinheiro que precisa para que o bebê não fique sem o que precisa. Posso ajudar dessa maneira. E se algo acontecer comigo, terei certeza de que elas estão bem cuidadas. É o mínimo que posso fazer. E se algum dia chegar o momento em que Morgan e a bebê Etta receberão os benefícios da minha morte, sei com absoluta certeza, que minha família as encontrará. Eles não serão capazes de ficar longe.

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CAPÍTULO 1 Trevor

Mesmo meses após sua morte, meu irmão ainda é a primeira pessoa que penso quando acordo de manhã e meu último pensamento antes de adormecer à noite. Ele está em todos os lugares que olho, em todas as conversas que tenho, mesmo quando o nome dele não é mencionado. É irônico, na verdade, que ele tenha tomado tanto espaço mental quando nos últimos anos antes de sua morte pude passar dias sem pensar nele. Henry sempre foi assim. Ele apareceu nos momentos menos oportunos, como a noite que finalmente chamei Kristen Preston para sair no meu primeiro ano do ensino médio e ele sentou ao nosso lado no cinema como se eu o tivesse convidado. Quando eu deveria estar pensando nele e falando com ele, nós dois estávamos ocupados demais para conversar, e agora que ele foi embora, eu faria qualquer coisa para apagar esse fato da minha mente, ele é tudo que consigo pensar. Sinto muito a falta dele. Também estou tão bravo que quero socar alguma coisa. Pergunto-me se outros irmãos, que nasceram na mesma família por acidente do destino, sentem o mesmo em relação um ao outro como eu me sinto com Henry. Eles ficaram tão bravos que quiseram colocar juízo em seus irmãozinhos, ou é mais fácil desistir de alguém com quem nunca tiveram que lutar para

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começar? Quando ele entrou em nossas vidas, a posição de Henry era temporária. Passaram meses antes de sabermos que ele poderia ficar para sempre. Como um menino que viu inúmeras crianças entrarem e saírem de nossa casa, saber que Henry iria ficar foi difícil. Precisei fazer uma escolha consciente de pensar nele como família. Uma vez que a mudança foi feita, sabia que nada jamais cortaria esse vínculo. Mesmo depois de todas as coisas que descobri sobre Henry após sua morte, ainda me sinto lutando pela memória que tenho dele, procurando as respostas que mostrarão que suas decisões na vida tiveram algum sentido. “Mãe?” Chamo ao abrir a porta sem bater. “Está em casa?” “Aqui nos fundos”, ela grita de volta em algum lugar no interior da casa em que cresci. Sigo o som de sua voz pelo corredor e a encontro sentada à longa mesa em sua sala de artesanato, colando pequenas folhas de papel numa página de recados. “Ei, Trev”, diz ela, levantando a cabeça para sorrir para mim. “Tudo certo?” Culpa me atinge com força e rapidez. Meses atrás, uma visita aleatória não teria atraído esse tipo de pergunta, mas minha mãe parece ter envelhecido anos em alguns meses. Perder Henry, um menino que ela criou como seu desde que ele tinha apenas dois anos, foi um golpe do qual ela não se recuperou, mas a revelação de que ele abandonou a própria filha pareceu quebra-la completamente. “Só queria te ver”, digo, sorrindo de volta. Entro na sala e olho o álbum de recortes que ela está fazendo. Está recheado de fotos dos filhos da minha prima Kate e do meu irmão adotivo, Shane. Faz alguns anos, mas ainda não conseguia acreditar que meu irmão adotivo e minha prima se apaixonaram. A página em

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que mamãe está trabalhando tem fotos dos quatro mais velhos correndo através de um aspersor. “Parece bom.” “Obrigada”, diz ela, pegando uma cola. “Eu juro, não posso acompanhar as fotos. São do ano passado.” Puxo uma cadeira do lado da pequena sala e a giro, esticando minhas longas pernas enquanto sento ao lado dela. Minha mãe é tão pequena que sempre me sinto um gigante perto dela. Desde os treze anos sou mais alto do que ela, e recebemos muitos olhares especuladores quando ela me levava para a cidade para comprar roupas escolares ou outras coisas, a pequena mulher branca dando ordens para uma criança negra mais alta do que ela. Ela nunca deixou que esses olhares a incomodassem, então eu também não – pelo menos não em voz alta. Apenas levantava o queixo e dava um passo mais perto, certificando-me de que quaisquer comentários dirigidos a ela teriam que passar por mim primeiro. Quando era criança, isso funcionou. As pessoas recuaram um pouco, sem vontade de causar problemas. No entanto, à medida que envelheci, parece ter se tornado mais difícil para a população aceitar que não é da conta deles. Nunca soube se foi a mudança na minha aparência ou as mudanças sociais que surgiram ao nosso redor, forçando as pessoas a dar uma segunda olhada e escolher de que lado querem estar. Como se houvesse um lado para optar. “Papai deve estar em casa daqui a pouco”, mamãe diz, afastando minha atenção de como suas mãos delicadas colocam pequenas letras em arco no topo da página. “Vamos grelhar hambúrgueres se quiser ficar.” “Talvez”, respondo. “Eu realmente queria falar com vocês.” “Sobre o quê?” Ela me olha com curiosidade.

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“Acho que é hora de eu ir para a Califórnia”, digo baixinho, observando seus olhos piscarem com dor mal disfarçada. “Já faz alguns meses e todos nos acalmamos...” “Você sabe que não acho ser uma boa ideia”, ela me interrompe, suas mãos imóveis sobre a mesa. “Alguém precisa ir até lá, mãe.” “Eu deveria ir”, ela responde teimosamente. “Não”, digo com uma rápida sacudida de cabeça. Não posso imaginar minha mãe indo muito longe de casa para começar, mas me recuso a imaginá-la indo à Califórnia ver a filha de Henry e ser dispensada pela mãe da criança, ou pior ainda, ser manipulada para ter um relacionamento com o bebê. Isso a devastaria completamente. “Trevor”, diz ela em aviso, as costas se endireitando. “Eu sei que se preocupa, filho, mas não sabe como lidar com situações como essa. Mães de nascimento são...” “Mães de nascimento?” “Sim”, ela diz pacientemente, estendendo a mão para dar um tapinha no meu joelho. “Elas são protetoras.” “E mães adotivas não são?” Argumento, contraindo a mandíbula. Mamãe ri. “Por favor”, ela brinca. “Eu lutaria com um leão da montanha por meus filhos.” “Então o que está...” Ela impede minha frase com a mão levantada. “Eu deveria ter dito 'mães', ok?” Ela diz com um sorriso tímido. “Quis dizer todas as mães. Elas são protetoras. E se for lá, sendo agressivo e mandando, ela não vai querer nada com a gente.”

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“Quando eu sou agressivo?” Argumento. “Quer dizer diferente de agora?” Ela pergunta secamente. “Não acho que é uma boa ideia você ir lá, mãe.” Digo suavemente, sem saber como descrever minhas objeções sem insultá-la. “Concordo”, meu pai diz na porta atrás de nós. “Você sabe como me sinto sobre isso, El.” “Não sou um pedaço de exasperada, olhando seu marido.

porcelana”,

diz

mamãe

“Você não conhece a mulher” “Sei o nome dela. Sei que ela conhecia meu filho – muito bem se eles tiveram uma filha juntos. Sei que ela está criando essa criança sem a ajuda do meu filho, e aparentemente tem feito isso desde antes dele morrer!” Sigo minha mãe quando ela se levanta, indignada. “Trevor pode ir e se apresentar”, meu pai diz, seus olhos estreitos nos cantos e a voz se aprofundando. “E pode ficar chateada com o que quiser. Eu quero conhecer a filha de Henry tanto quanto você, mas você é minha prioridade, querida.” A preocupação nos olhos do meu pai deve ter atingido um interruptor dentro da mamãe, porque num segundo ela está em pé rigidamente no meio da sala se preparando para a batalha, e no seguinte ela suaviza e anda lentamente em direção ao meu pai, envolvendo os braços ao seu redor enquanto ele está de pé com os braços apoiados em cada lado do batente da porta. “Quando pensa em ir?” Papai pergunta enquanto os braços envolvem os ombros da mamãe.

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“Próxima semana”, respondo, inclinando meu quadril contra a mesa de artesanato. “Vou dirigir até lá, então preciso pegar minha caminhonete.” “Merda”, diz papai com compaixão. “Você vai ficar com Shane e Katie? Talvez eles vão com você conhecer o bebê.” "Está brincando, certo?” Respondo, meus lábios se contorcendo. “Pensei que não queríamos assustar a mãe.” Meu pai dá uma gargalhada quando mamãe balança a cabeça. “Todo mundo ama Kate”, diz ela em advertência. “Quando muito, ela provavelmente se tornará melhor amiga da garota.” “Vamos apenas esperar e ter certeza de que ela vale a pena ser melhor amiga, né?” Digo quando saímos da sala de artesanato e seguimos o corredor em direção à cozinha. “Não sabemos nada sobre ela.” “Henry claramente gostou dela.” “Não necessariamente”, digo, constrangimento fazendo o calor subir por minha nuca. “Não sabemos se houve um relacionamento.” “Claramente não é importante se Hen nunca mencionou”, meu pai diz enquanto tira comida da geladeira.

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“O quê?” Minha mãe pergunta, olhando entre nós dois. “Você está dizendo que ela foi um... um encontro de uma noite?” Ela parece tão escandalizada que meu pai solta uma risada, enquanto quero afundar no chão. Ter qualquer conversa sobre sexo com minha mãe fica no mesmo nível de desconforto de ter minhas bolas depiladas... Na verdade, prefiro depilar minhas bolas.

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“Não tenho certeza se Henry realmente teve relacionamentos”, murmuro, quando ela continua a me olhar como se esperasse por uma resposta. “Bem, isso é ótimo”, diz ela enquanto anda em direção a pia da cozinha. “E você?” Meus olhos se arregalam de horror quando fico congelado, com muito medo de me mover caso um barulho vá fazê-la virar em minha direção. “Pare”, diz papai, batendo levemente no quadril da minha mãe. “Ele não quer falar sobre esse assunto com você, mulher louca.” “Pensei que os ensinei a respeitar as mulheres”, ela diz como se eu não estivesse no ambiente. “Pensei que eu lhes ensinei que o sexo é um presente e não deve ser menosprezado, mas aceito com gratidão.” “Agora está dizendo que nossos filhos devem ser gratos a mulheres que querem transar com eles?” Papai pergunta duvidosamente enquanto eu olho ao redor, tentando descobrir a melhor rota de fuga. “Bem, você não é grato que faço sexo com você?” Minha mãe retruca. “Justo o suficiente”, papai diz, concordando. Foda-se. Preciso dar o fora daqui. “Trevor Raymond Harris, nem pense nisso”, diz mamãe sem virar em minha direção. Dei apenas um passo para trás. “Preciso de uma cerveja”, digo, avançando lentamente em direção à porta dos fundos. Meu pai sempre mantem as cervejas num refrigerador lá fora, então mamãe tem espaço suficiente na geladeira para a comida.

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“Você vê o que acontece quando faz sexo à toa?” Mamãe pergunta, girando para parar meu movimento com um olhar. “Entendeu?” “Eu nunca engravidei ninguém”, digo bruscamente, meus ombros endireitando. “E não faria isso.” “Você não pode saber com certeza.” “Posso com certeza fazer o meu melhor”, respondo, permanecendo no lugar. “Eu tenho cuidado, sempre.” “Cuidado não significa...” “Ellie”, papai interrompe. “É o bastante.” A boca da mamãe se fecha. “Não é de Trev que está com raiva. Pare de gritar com ele.” O corpo da mamãe praticamente estremece com raiva reprimida, mas ela assente rapidamente. “Vá buscar sua cerveja”, ela ordena, a voz suavizando um pouco. Ela sai da cozinha sem outra palavra. “Jesus”, murmuro uma vez que ela está fora do alcance da voz. “Ela está lidando com muita coisa”, diz papai, voltando-se para a cebola que estava cortando. “Mas sabe que isso não é com você, certo?” “Sim, eu sei.” “Ela está tentando entender o que seu irmão pensou, deixando aquele bebê”, diz ele sem virar para me olhar. “Depois de tudo o que passamos, os anos de esperança e de perceber que isso não aconteceria para nós, e então encontrar uma maneira diferente de construir nossa família... diabos, eu também não entendo.”

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“Só porque pode ter sido um encontro de uma noite”, digo, balançando a cabeça, embora ele não possa me ver. “Isso não é um motivo. Não seria razão para mim.” “Eu sei disso, Trev”, diz ele, olhando por cima do ombro e balançando a cabeça. “Eu te conheço, filho.” “Eu também não entendo.” “Você e Henry nunca foram a mesma pessoa”, diz papai, voltando para a cebola. “Você, Shane e Henry sempre foram tão diferentes quanto giz, queijo e bife, e isso não tem nada a ver com a aparência ou quando vieram morar conosco. Suas personalidades simplesmente não podem ser mais diferentes.” “Eu nunca pensei que ele faria algo assim”, digo com desgosto, saindo para pegar algumas cervejas. Quando volto, papai está enxaguando as mãos. “Eu não poderia ter imaginado também”, diz papai, aceitando sua cerveja com um aceno de agradecimento. “Mas merda. Vocês são todos homens crescidos agora. Precisam tomar as próprias decisões e viver suas vidas. Apenas continuo dizendo a mim mesmo que não temos ideia de quais eram as circunstâncias para Henry deixar aquele bebê.” “É besteira”, respondo teimosamente. Papai estende a mão e aperta meu ombro. “Lembre-se de uma coisa, Trev, enquanto está chateado com seu irmão. Ele pode não ter assumido suas responsabilidades da maneira que nós teríamos, mas ele ainda organizou o seguro de vida para cuidar delas caso algo acontecesse.” “Você não está com raiva?” Pergunto enquanto ele enche o prato com hambúrgueres crus.

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Papai zomba. “Se ele estivesse aqui, eu estrangularia o idiota”, ele murmura enquanto leva a bandeja para fora. * * * Dirijo meu jipe para casa tarde naquela noite. Sempre gostei de ficar um pouco na casa dos meus pais quando tenho tempo. Mesmo depois que mamãe ficou irritada na cozinha, ainda fiquei muito tempo depois de jantar com os dois. Ela parecia ter se acalmado depois de um tempo e fiquei agradecido. Sempre fui muito sensível ao humor da minha mãe. No momento em que a conheci, eu me apaixonei. Eu tinha sete anos, de pé na varanda da frente, cercada por mais árvores do que já vi na vida, com a mão da minha assistente social no ombro e uma alça de mochila pesada na minha mão. E quando a porta abriu e a pequena mulher branca com seu sorriso suave e perfume incrível nos convidou para entrar, senti como se tivesse ganhado na loteria. Passei por muitos lares adotivos até aquele dia – mais do que posso lembrar ou contar – mas por algum motivo, senti instantaneamente como se tivesse encontrado onde pertenço. Não me importei muito quando seu marido de peito largo entrou na sala e esfregou a mão sobre as costas dela em cumprimento. Não, isso foi mentira. No começo, eu queria que Mike fosse embora. A linda senhora que cheirava a baunilha era minha, e tive dificuldade em vê-lo ficar perto dela e beijá-la. Tive poucas boas experiências com homens, e o grande homem parecia um problema. Conforme as semanas passaram e nunca testemunhei Mike levantar a voz, muito menos à mão, em direção a Ellie, ele se tornou diferente para mim. Finalmente comecei a passar tempo com ele, andando pela floresta e pescando no riacho que

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passava pela propriedade. Com o tempo, nosso vínculo se fortaleceu em algo duradouro e insubstituível. Mas se eu for honesto, mesmo depois de começar a chamar os dois como pai e mãe, e mesmo depois de Mike ter limpado os olhos dele durante minha audiência de adoção – a primeira vez que vi um homem adulto chorar – meu primeiro amor e maior amor sempre foi Ellie. Minha mãe. Então, quando Ellie chorou, senti no fundo do meu coração. Quando ela estava feliz, era como se todo meu corpo se aliviasse até poder correr quilômetros. Senti suas emoções quase como se fossem minhas, e passei um tempo me ajustando ao seu humor, mesmo que isso a deixasse louca. Ela nunca entenderia o que eu sentia por ela. Ela não pode. Ela aceitou um menino de sete anos que nunca teve uma maldita coisa em toda a vida, e ela o amou. Seu amor não é algo que tive que ganhar, e nunca foi condicional. Ela me ama porque eu existo. É assim tão simples. E porque é tão simples, passei minha vida retribuindo esse amor. Acho que, em algum lugar nos recessos da minha mente, meu amor por mamãe é a razão pela qual não posso perdoar Henry. Além do fato de que ele engravidou uma mulher e não contou para mim, seu irmão, e além do fato de que ele deixou aquela mulher desamparada e abandonou sua filha, não posso perdoá-lo. Ellie ficou triste quando lhe contei. E não posso esquecer que ele me fez o portador dessa notícia, organizando tudo para que sua vontade fosse dada a mim. O pequeno idiota. Minha casa está escura e silenciosa quando entro, e desejo pela milionésima vez ter um cachorro. Seria bom ter alguém vindo, alguém que estivesse esperando e feliz em me ver quando eu chegasse. Mas simplesmente não posso justificar trazer um

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filhote para casa quando geralmente trabalho até tarde e ele ficaria sozinho o dia todo. Tiro as botas e meu casaco quando entro na sala e caio no sofá. O verão está chegando, então não há nada na TV, mas encontro um filme de ação que não vi e jogo meus pés na mesa de centro. Preciso de um alívio dos pensamentos de Henry e da viagem. * * * A semana seguinte passa num borrão enquanto cuido das coisas que não esperariam no trabalho e preparo minha casa para ficar fechada por um tempo. Não tenho certeza de quanto tempo ficarei na Califórnia conhecendo a garotinha de Henry e sua mãe, mas com certeza não quero voltar para uma casa bagunçada e uma geladeira cheia de comida estragada. Minha casa foi construída na propriedade dos meus pais, então sei que será fácil eles correrem aqui e cuidarem das coisas enquanto estou fora, mas não quero incomodá-los com isso. Construí minha casa naquele pedaço de terra em parte porque eu não poderia imaginar deixar a floresta que me salvou quando era criança, e em parte porque sabia que meus pais nunca deixariam, e, eventualmente, precisariam de mim por perto. Tanto minha mãe quanto meu pai ainda são jovens e estão bem, mas meu pai foi um madeireiro por trinta anos antes de se aposentar parcialmente, e sei que chegará o dia em que ele terá problemas. Exploração da madeira não é fácil para o corpo. A pura fisicalidade do trabalho asseguraria que as articulações e os ossos do meu pai não envelheceriam graciosamente, mesmo que esse mesmo trabalho o tivesse mantido em forma em seus cinquenta anos.

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Meu telefone toca enquanto estou preparando o jantar com o que resta na geladeira, e atendo sem deixar o balcão. “Alô?” Respondo, mal prestando atenção. “Trev?” Anita diz. “Por que mal tenho notícias suas?” “Você está no viva-voz, o que está acontecendo?” Pergunto, franzindo o nariz quando percebo que o brócolis que estava pronto para jogar na frigideira está estragado. Merda. Ani é namorada do meu primo Bram, mas também é uma das crianças adotivas que meu tio e minha tia aceitaram quando éramos adolescentes, então a conheço por metade da vida. Ela é um pouco grosseira, faz piadas fora do comum que raramente são apropriadas, e nunca te deixa escapar. Ela também é uma das minhas melhores amigas. Ani é o tipo que brigaria com você até estar sem fôlego, então te defende dos outros assim que respirar novamente. “Eu e Arielle estamos entediadas”, diz ela. “Bram está trabalhando até tarde, então vamos aí.” “Vocês jantaram?” Pergunto, olhando para meu lamentável yakisoba. “Sim.” “Tudo bem”, digo, assentindo. “Vejo vocês daqui a pouco.” “Na verdade, estou do lado de fora da casa.” Sorrio e abaixo o fogo antes de ir para a porta da frente. “Por que simplesmente não bateu?” “Bem, não queria aparecer se estivesse com as mãos ocupadas ou algo assim”, ela responde, desligando quando abro a porta da frente.

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“Acha que eu atenderia o telefone se estivesse me masturbando?” Pergunto enquanto ela arrasta sua garota, Arielle, pelos degraus da frente. “Ei”, ela repreende, cobrindo a orelha de Arielle com a mão. “Cuidado com a língua!” “Tenho certeza que com a quantidade de 'porra’ que você usa numa conversa, não pode reclamar sobre a linguagem de outras pessoas”, respondo, enquanto Arielle tenta me alcançar. “Ei, docinho.” Viro e lidero o caminho para dentro da casa, sem me preocupar em esperar por Ani enquanto ela tira os sapatos na porta da frente. Ela pode muito bem encontrar o caminho para a cozinha, considerando a quantidade de tempo que passa na minha casa, e me olharia como se eu fosse um alienígena, se tentasse ser anfitrião. “Saindo amanhã, hein?” Ela pergunta, quando entra na cozinha. “Esse é o plano. Vou sair cedo para poder fazer a maior parte do caminho antes do meio dia.” “Boa ideia”, diz ela, olhando meu jantar e franzindo o nariz. “Você vai parar a noite?” “Sim.” Entrego Arielle para ela e volto a cozinhar. “Provavelmente poderia chegar de tarde, mas não há motivo para pressa.” “Enrolando um pouco agora que está aqui?” “Nem um pouco”, argumento. “Mas não há razão para me fazer infeliz chegando lá quando não preciso.” “Conversa”, diz ela, sentando à mesa. “Embora levantar apenas para dirigir outro dia inteiro seja uma droga.”

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“Dirigir até lá é difícil. Pelo menos não vou levar nenhuma das crianças.” “É verdade”, diz ela, assentindo. “Você teria que parar a cada duas horas para que alguém pudesse fazer xixi.” “Vou levar garrafas de plástico.” “Aí está uma visão que espero nunca ter.” Sorrio e preparo meu jantar enquanto ela pega um brinquedo para Arielle e fica mais confortável em sua cadeira. Assim que me sento em frente, ela está me encarando de perto. “Você está pronto?” Ela pergunta seriamente, balançando Arielle no colo. “Vou lidar com isso quando chegar a hora”, respondo com um dar de ombros. “Apenas espero que ela não seja um desastre completo.” “Eu duvido”, diz Ani, sacudindo a cabeça. “O que? Quando Hen já escolheu garotas normais para vir em casa? O cara é um ímã para esquisitas.” “Henry é um idiota”, ela responde. “Deixar sua filha como ele fez..., mas não acho que é um idiota que deixaria a filha com uma mãe de merda.” “Inferno, sinto como se não o conhecesse”, murmuro. “Não tenho ideia do que ele teria feito.” “Ele viu o que pais fazem quando as crianças estão crescendo-” “Não em primeira mão”, argumento.

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“Verdade”, ela admite. “Ele foi adotado quando era tão pequeno que não se lembra da vida anterior, graças a Deus. Mas ele ainda via todos os filhos adotivos entrando e saindo de sua casa. Nossa família sabe o que isso pode fazer com uma criança mais do que a maioria.” “Estou feliz por estar indo lá e não minha mãe”, digo. “Se a mãe não nos deixar ver o bebê...” “Sim”, diz Ani suavemente. “Onde estão?” Bram chama da porta da frente, entrando. “Cozinha!” Ani grita de volta, sorrindo. “Entre”, digo secamente quando Bram invade a cozinha. “Fique à vontade.” “Sempre”, responde Bram, inclinando-se para dar um beijo em Ani e tirar Arielle de seu colo. Ele olha para meu prato e faz uma careta, olhando de volta para Ani. “Por favor, me diga que não comeu o que quer que isso seja.” “Eu não comi.” Ela sorri. “Tudo bem”, digo, dando uma mordida. “Adicione temperos suficientes e tudo está bem.” “Você colocou milho nesse yakisoba?” Ele pergunta, puxando uma cadeira. Apenas encolho os ombros. Usei o último dos meus perecíveis, então considero uma vitória. “Saindo cedo?” Bram pergunta. Olho para Ani e ela revira os olhos. “Sim”, respondo. “Eu pensei que estava trabalhando até tarde hoje.”

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“Não”, ele diz, beijando as pequenas mãos tentando agarrar sua barba. “Você adiantou muita coisa esta semana, não tive muito que fazer.” “Oh, cale-se”, Ani murmura quando dou a ela um olhar. “Queríamos vê-lo antes de viajar.” “Você poderia ter simplesmente dito.” “Não, eu não podia. Você teria dito que estava cansado ou algo assim, para que não viéssemos.” “Estou me sentindo cansado.” “Mentiroso.” “Estão realmente preocupados com isso?” “Nós só não queremos que vá até lá e se depare com problemas”, diz Bram sério. “Você deveria levar um de nós.” “Tenho certeza que posso lidar com isso”, digo, enfiando a comida na boca. Quanto mais fria, pior o sabor. Preciso terminar antes que se torne completamente nojento. “Não gosto disso”, Ani diz, inclinando-se para frente com os cotovelos sobre a mesa. “E se ela for uma cadela?” “Então vou lidar com isso. Jesus, vocês dois agem como se eu fosse lutar contra um kraken.” “Pelo menos Kate está lá”, Ani murmura. “Não disse a ela que estou indo.” “Posso ter deixado escapar”, diz Bram tão baixo que quase não ouço. “Sério?” Pergunto com irritação, desistindo da comida na minha frente. “Vocês são realmente as pessoas mais intrometidas que já conheci.”

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“Olhe no espelho”, retruca Ani. “Eu não me intrometo. Você vem até mim”, argumento, levantando para jogar a comida no lixo. “Eu deixo você resolver suas coisas.” “Ele está certo”, diz Bram. “Oh, que pena, Trevor”, Ani responde. “Você tem família na cidade que está indo e provavelmente vão querer vê-lo em algum momento. Pobre bebê.” “Eu disse aos meus pais que ficaria lá, mas planejava ficar num maldito hotel. Você sabe que ela vai querer estar no meio disso tudo”, digo, referindo-me a Kate. “Ela é uma solucionadora de problemas e vai deixa-la irritada que pedi para ficar longe daquela garota, Morgan.” “O nome dela é Morgan?” Ani pergunta curiosamente. “Sim.” “Qual o nome do bebê?” “Não tenho ideia”, digo rapidamente. Viro para a pia e rapidamente lavo as louças enquanto a cozinha fica quieta, exceto pelo gorgolejo de Arielle. “Vamos lá, baby”, Bram finalmente diz quando termino a última panela. “Trev provavelmente tem um milhão de coisas para fazer hoje à noite.” Não viro quando eles se levantam da mesa, mas paro o que estou fazendo quando Ani vem atrás de mim e coloca os braços em minha cintura. “Eu te amo”, diz ela, apoiando a cabeça nas minhas costas. “Avise quando chegar ao hotel amanhã, ok?”

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“Claro”, respondo, acariciando as mãos dela com as minhas molhadas. “Mantenha-nos atualizados”, Bram ordena quando Ani me solta. “Todos queremos saber o que está acontecendo.” Suspiro e viro. “Sei que querem. Eu vou avisar sobre o que ela decidir.” “Só espero que ela esteja aberta para nos deixar conhecêlas”, diz Ani com um encolher de ombros. “Não precisamos ser melhores amigas, mas não posso imaginar ter a garotinha de Hen em algum lugar e não saber como ela está.” “Eu farei meu melhor”, digo, seguindo-os enquanto vão para a porta da frente. A responsabilidade que assumi quando insisti em falar com a mãe da filha de Henry é como um peso em meus ombros. Nunca tive dificuldade com as pessoas. Normalmente consigo deixá-las confortáveis rapidamente durante a conversa, e mesmo que não goste necessariamente de muitas pessoas, a maioria delas gosta de mim. Sou um cara geralmente simpático. Conhecer essa mulher será diferente, no entanto. Sou irmão de Henry. Henry, que aparentemente não quis ter nada a ver com a própria filha e fugiu antes que a mulher tivesse dado à luz. Não sei se Hen pagou pensão alimentícia ou não – realmente espero que ele pelo menos tenha feito isso. Existe uma boa chance de que Morgan Riley não queira ter nada a ver comigo ou com nossa família. Infelizmente, se esse for o caso, não posso culpá-la. Henry a fodeu em grande escala, e se estivesse no lugar dela, não sei se iria querer alguma coisa com a família que criou um homem assim.

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Tranco a porta da frente e apago as luzes enquanto entro no meu quarto. Ainda preciso arrumar minha mala e quero ter uma boa noite de sono. Meu quarto é tedioso como o inferno, muito parecido com o resto da casa. No meio do quarto tenho uma cama king size que esbanjei dinheiro ao comprar, mas o resto da mobília é simples e não combina com nada pois foi passada para mim de vários membros da família. Gastei muito dinheiro construindo a casa, fazendo exatamente como queria, mas nunca realmente me importei em decorar o lugar. Sempre imaginei que, quando me casasse, minha esposa poderia fazer do jeito que gostasse. Agora que estou com trinta e poucos anos, começo a me perguntar se a coisa toda de esposa acontecerá. Namorei e conheci muitas mulheres, mas nunca encontrei uma com quem quisesse passar mais do que alguns meses. A princípio as coisas são promissoras, mas inevitavelmente começo a questionar se ela é a pessoa que quero ver todos os dias pelo resto da minha vida e a resposta sempre é não. Costumo cortar laços quando percebo isso. Quatro meses parece ser o número mágico para mim. Puxando uma mochila do armário, olho brevemente a caixa de coisas de Henry que meus pais me deram. Algumas são lembranças de nossa infância, e o resto coisas que os fuzileiros navais enviaram para casa de seu quartel. Não fui capaz de olhar ainda, e com certeza não vou abri-la esta noite. Deus, sinto falta do meu irmão. Ele era um pé no saco – egoísta, egocêntrico e seguro de si de um jeito que poucas pessoas são – mas também era o garoto mais doce e engraçado que já conheci. Ainda lembro quando ele veio até nós. Ele foi o filho mais novo que meus pais adotaram. Minha mãe e pai sempre escolhiam pegar os casos mais difíceis e as crianças mais velhas que ninguém queria, mas por alguma razão concordaram

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em pegar Henry, mesmo que ele mudou completamente sua vida de uma forma que não estavam acostumados. Cuidar de uma criança de dois anos é muito diferente de cuidar de uma criança mais velha, mas se acostumaram rapidamente. Fiquei desconfiado com o pequeno garoto loiro no começo. Eu estava nervoso que iria tropeçar nele, ou acidentalmente deixar meu novo canivete em algum lugar onde ele pudesse encontrá-lo, ou ele engasgaria com algo e morreria enquanto eu deveria estar de olho. Não fui capaz de manter distância por muito tempo. Ele era tão fofo. Seu corte de cabelo era ridículo e um dos dentes da frente faltava porque alguém tinha arrancado, mas ele tinha o maior sorriso que já vi e falava rapidamente uma língua que ninguém entendia. Por muito tempo pensei que ele falava russo ou algo assim, mas quando fiquei mais velho minha mãe riu e me garantiu que o que ele disse nos primeiros meses que esteve conosco era total tagarelice. Demorou menos de dois anos até que Henry se tornasse parte permanente da nossa família. Quando ele foi para o jardim de infância, seu sobrenome era Harris, assim como o meu. E, assim como eu, ele tinha uma mochila do Homem de Ferro e um par de tênis legais que meus pais mal podiam comprar, e as mesmas linhas desenhadas nas laterais de seu cabelo loiro fino. Não importava o quão diferente parecíamos; meu irmãozinho queria ser uma mini versão minha nos seus primeiros anos da escola primária. Aperto a mandíbula e balanço a cabeça, tentando ignorar as lembranças que me impedem de fazer qualquer coisa, exceto talvez deitar na cama e olhar o teto. Já fiz o suficiente disso. Nas primeiras semanas após a morte de Henry, mal me senti capaz de funcionar. Meu irmão estava ausente há anos nos fuzileiros navais, mas pelo menos eu sabia que ele estava em algum lugar

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do mundo, rindo e usando cantadas baratas que sempre pareciam funcionar porque o idiota era muito bonito. Eu sabia que ele estava a apenas um telefonema ou uma viagem de avião. Uma vez que ele se foi, é como se um buraco gigante abrisse dentro de mim e sugasse o ar dos meus pulmões até que não consigo respirar sem dor. Perder Henry causou uma dor física em meu peito tão ruim que fui ao médico verificá-la. Não posso cair nessa merda de novo. As noites de beber até desmaiar e dias de ressaca no ápice do meu luto terminaram. Eles precisaram acabar. Sou um homem adulto com responsabilidades e pais que já perderam um filho. Não tenho o luxo de chafurdar, mesmo que alguns dias queira. Inferno, na maioria dos dias considero avisar que estou doente e começar o dia com uma garrafa de uísque, mas não faço. Perder meu irmão foi a pior coisa que já aconteceu comigo, e, ao contrário de Henry, lembro da minha mãe biológica e das numerosas casas adotivas de merda em que fui colocado antes dos meus pais me aceitarem. Também lembro vividamente de ser levado dos Harris por mais de um mês por causa de alguma besteira burocrática quando tinha oito anos. O minuto em que minha assistente social me levou pela porta da frente foi um dos piores e mais assustadores momentos da minha vida. Tudo empalideceu em comparação com a perda do meu irmãozinho. Eu passaria por qualquer coisa, sobreviveria a qualquer coisa, se pudesse ser poupado dessa perda.

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CAPÍTULO 2 Morgan

Não vou mentir – estou com dificuldades. Para ser justa, não conheço muitas mães solteiras que não passem dificuldade em algum nível. Mesmo aquelas que têm muito dinheiro para gastar e crianças bem-comportadas que nunca escrevem nas paredes como as que estou neste momento limpando antes do trabalho, passam dificuldade. É apenas um fato da vida. Criar um humano sozinha é uma tarefa assustadora. Quando adiciona a dificuldade de sustentar financeiramente outra pessoa que ainda não consegue limpar a própria bunda e precisa ser monitorada vinte e quatro horas por dia, a dificuldade se torna muito real. Não estou reclamando. Realmente não estou. A vida é o que faz dela –aprendi isso quando era jovem – mas às vezes só quero sentar e não me preocupar com a próxima conta que vai vencer, ou neste caso, como vou limpar o giz de cera das paredes da casa que alugo por uma fração do que sei que vale. Desde que nos mudamos, fiz o melhor que pude para não estragar nada, o que é quase impossível com uma criança ativa de dois anos. Sei que meu amigo Max, está nos fazendo um grande favor, deixando-nos morar com ele e cuidar da casa enquanto viaja a trabalho, e não quero que ele se arrependa. Honestamente, estaríamos na merda se ele mudasse de ideia. O trabalho que tenho agora paga mais e tem horas melhores do que a loja em que trabalhava em San Diego, mas

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ainda não estou exatamente ganhando muito dinheiro, e morar no sul da Califórnia é ridiculamente caro. Até agora consegui nos manter bem, mas não tenho certeza de quanto tempo serei capaz de fazer malabarismos com tudo sem pedir ajuda. Eu odeio pedir ajuda. Tenho uma rede de segurança. Eu sei. Não que eu e minha garota vamos passar fome ou ficar desabrigadas. Meu pai nunca deixaria isso acontecer, e nem minha irmã, Miranda. Eles se ofereceram para ajudar toda vez que falei com qualquer um ao telefone, mas nenhum deles mora perto e eu não estou exatamente no ponto em que aceitarei mudar para a casa deles e explora-los. Além disso, minha irmã está na faculdade do Oregon e não é como se pudéssemos nos mudar para o dormitório dela. Preciso apenas trabalhar duro. Encontrar uma maneira de ganhar mais dinheiro, então não viveremos de salário em salário e, eventualmente, encontrarei um lugar para morar que seja só nosso, então não ficarei constantemente preocupada que meu colega de quarto decida que somos demais. “Mamãe”, Etta diz, batendo palmas para chamar minha atenção. “Waynerot.” “Não tenho ideia do que está dizendo”, conversando. “Mas nós não escrevemos nas paredes.”

respondo

“Eu pinto.” “Nós só pintamos no papel”, digo pela décima quarta vez em poucos minutos. “Eu pinto.” “Certo. Apenas pinte no papel”, digo novamente. Tenho certeza de que ela está ouvindo apenas o que quer ouvir e que

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ela voltará a pintar novamente em algum momento. Se há uma coisa que minha filha herdou de seu pai além da aparência, é o fato de separar e escolher o que quer ouvir. Posso dizer a ela que não vamos tomar sorvete naquele dia, e a única palavra em que ela se concentrará é “sorvete”, e depois continuará perguntando sobre isso o dia todo. Não estive perto de muitos bebês na minha vida, então não tenho certeza se sua audição seletiva é normal, mas parece um traço de personalidade para mim. Tenho a sensação de que vai causar um tumulto quando ficar mais velha. Isso me deixa louca, mas uma parte não pode deixar de achar seu foco singular um pouco cativante – provavelmente porque ela é minha filha e não de outra pessoa. “Isso terá que servir por enquanto”, digo quando levanto, olhando as cores desbotadas na parede. “Preciso trabalhar e você vai para a casa da Carmen.” “Servir por enquanto”, Etta diz com um encolher de ombros, fazendo-me morder a bochecha num esforço para não rir. Não posso deixá-la ver o quão divertido acho quando ela estava sendo chata, ou continuará a agir dessa maneira. “Você está pronta para ir para a casa da Carmen?” Pergunto, pegando-a e jogando o pano molhado que usei na pia. “Carmen”, diz ela, balançando a cabeça com um pequeno resmungo. Fico tão feliz que ela goste da babá. Quando nos mudamos de San Diego para Anaheim, precisei colocá-la numa nova creche que nós duas odiamos. Felizmente, apenas uma semana depois conheci Carmen quando ela entrou na nova loja que trabalhava procurando por seu namorado. Ela é uma dona de casa com um recém-nascido que é muito difícil de encontrar uma babá e passa por dificuldades sem a renda que costumava ganhar como

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empregada num hotel local. Seu namorado, Ray, é tatuador e ganha um bom dinheiro, mas eles estão com dificuldades. Felizmente, ela estava tão feliz por ter um pouco de dinheiro extra quando discutimos sobre ela cuidar de Etta que nem pediu muito. Temos um acordo, Carmen e eu. Nós duas sabemos o quanto é difícil criar um bebê com uma renda que mal paga o aluguel, então pago o que posso e ela nunca pede mais, porque ela confia que nunca pagarei menos do que posso. Algumas semanas são boas e pago mais, algumas semanas são magras e pago menos, mas sempre fui justa e ela está feliz pelo dinheiro que a deixa ficar em casa com seu filho. Honestamente, não sei como faria sem ela. A melhor parte de toda a situação é que Etta ama Carmen e o bebê Sam. Eles vão ao parque, brincam no quintal e assistem desenhos animados. É praticamente uma versão infantil de férias todos os dias. A culpa de deixar minha filha para ir trabalhar seis dias por semana é aliviada porque sei que ela está se divertindo. Não foi embora completamente, oh não, especialmente não quando Etta fez algo novo que perdi, ou cai e não estou lá para beijar seus machucados, mas é administrável. Fazendo malabarismo com minha bolsa e a bolsa de fraldas de Etta, saio para a manhã quente. Amo o clima no sul da Califórnia. O sol permanente sempre coloca um gingado no meu andar. Parece que a natureza me diz para ter um bom dia, e nunca deixa de melhorar meu humor, pelo menos um pouco. Pego a correspondência de nossa caixa de correio quando saímos e a jogo no banco do passageiro do meu velho Focus enquanto seguimos pela cidade. Há uma tonelada de envelopes, principalmente para Max, e nem me incomodo em passar por eles. Nada, a não ser as contas, vem para mim e não estou ansiosa pelo reaviso de contas vencidas. Tento manter tudo, mas em alguns meses é simplesmente impossível. É um jogo de

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roleta decidir quais pagarei e quais terão que esperar até o próximo pagamento. Odeio isso. Escolher as contas para pagar me lembra de quando era criança e vasculhava a pilha de correspondência sobre o balcão da nossa cozinha, procurando as das empresas de serviços públicos. Sempre incomodei minha mãe para pagar essas primeiro, porque podemos viver com um aviso de despejo em nossa porta, mas não sem energia durante um inverno no Oregon. Minha mãe não era horrível, mas também não era boa. Ausente a maior parte do tempo, e quase sem demonstrar carinho maternal quando estava lá, eu raramente penso nela agora que cresci. Ela tem uma queda por homens de merda, empregos sem futuro e drogas pesadas. No final, as drogas a mataram e colocaram minha irmã e eu no sistema. Felizmente, isso eventualmente nos levou ao nosso pai. Eu há muito tempo cheguei a um acordo com as deficiências de minha mãe como mãe e o modo como ela morreu, mas sou autoconsciente o suficiente para saber que usarei o legado dela como guia de como não quero viver ou criar minha filha. Etta nunca terá que se preocupar em ter comida suficiente para o jantar ou que a mãe dela não volte para casa porque está em uma festa. * * * Depois que deixo Etta e vou para o trabalho, respiro um pouco mais aliviada. Deixá-la por algumas horas sempre me deixa ansiosa, mas uma vez que ela está em segurança onde deve estar, fica mais fácil. A loja em que trabalho não fica longe da casa de Carmen, e pela primeira vez em todo o tempo que trabalho lá, chego cedo. Fico no carro depois de olhar para o relógio no painel e

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desliga-lo. Tenho dez minutos inteiros para mim mesma – é como um milagre maldito. Pegando a correspondência do banco do passageiro, começo a vasculhar os envelopes. A maioria é para Max, como esperava. Há apenas duas contas – graças a Deus – para mim, e as coloco embaixo da pilha para não precisar olhá-las e enfio no porta-luvas. Algo veio para mim que não reconheço, mas parece oficial. Giro isso nas mãos por um momento. Novas notificações nunca são uma coisa boa por minha experiência, e quero ignorar isso como estou fazendo com as outras contas, mas sei que se não vir o que é, ficarei louca o dia todo, como uma bomba alarmada no meu carro. Meu estômago aperta quando abro. No começo realmente não entendo o que diz. A linguagem é quase legal demais e impossível de decifrar. Então, de repente, o que estou olhando se torna claro como cristal. Documentação de seguro de vida. Documentação de seguro de vida do pai da minha filha. E se estou recebendo documentação de seguro de vida, isso significa apenas uma coisa. “Droga, Henry”, sussurro, deixando cair a cabeça no volante enquanto lágrimas inundam meus olhos.

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CAPÍTULO 3 Trevor

O endereço que tenho de Morgan Riley é de um complexo de apartamentos em Mira Mesa, um dos bairros de San Diego. Só sei o nome do bairro porque perguntei a opinião do meu irmão adotivo Shane sobre a área num dos muitos telefonemas que recebi durante a minha viagem para o sul. Parece um bom lugar, o que acalma um pouco meus nervos. Não fico realmente confortável em grandes cidades. Parece que quanto mais lotado o lugar, mais difícil é. Mira Mesa não é ruim, no entanto. Há muitos shopping centers e bares, mas não tem a sensação de pessoas vivendo umas em cima das outras como conheço das outras partes de San Diego. Meu estômago revira quando entro no complexo do apartamento um pouco depois das cinco da tarde. O estacionamento está lotado de carros enquanto as pessoas chegam do trabalho, mas finalmente encontro um lugar que cabe minha caminhonete de quatro portas a meio quarteirão do apartamento que procuro. Ela se destaca como um polegar inflamado ao lado dos carros compactos que enchem os espaços de cada lado, e tento não deixar que isso me incomode enquanto balanço minhas mãos tensas. Esqueci que pesadelo o trânsito é aqui. Não tenho ideia de como Shane e Katie lidam com essa merda todos os dias. Eu

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perderia a cabeça se tivesse que dirigir por uma estrada quente por horas só para conseguir trabalhar. Morgan mora num apartamento no segundo andar, e verifico o endereço uma última vez antes de subir as escadas. Posso ouvir música tocando dentro do apartamento quando chego à porta, e por um segundo questiono por que diabos me ofereci para ser a pessoa a fazer contato, mas me forço a bater de qualquer jeito. O cara que atende a porta é claramente militar de algum tipo. Ele não está de uniforme, mas tem o mesmo corte de cabelo e linhas bronzeadas ao redor dos lados da cabeça e logo acima dos cotovelos que meus irmãos sempre tinham no verão graças aos seus uniformes. “Ei cara”, ele diz, calmamente. “Posso ajudar com algo?” “Estou procurando por Morgan automaticamente estendendo a mão para homem. “Sou Trevor Harris.”

Riley”, apertar

digo, a do

Sua cabeça inclina para o lado enquanto ele aceita minha mão, então a segura num rápido cumprimento. “Eu sou Linc. Desculpe, Morgan se mudou há um mês.” “Ela mudou?” Pergunto em silêncio, minha mente mal entendendo o fato de que dirigi até aqui para nada. “Sim, ela está em Anaheim agora.” “Merda.” Levanto e passo a mão sobre a cabeça com frustração. “Por que está a procurando?” Ele pergunta, encostado no batente da porta. “Ela conhecia meu irmão Henry”, respondo, limpando a garganta. “Ele faleceu não muito tempo atrás, então...”

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“Aw, cara. Isso é uma merda. Sinto muito.” “Sim.” “Bem, ei, acho que eu tenho o endereço dela aqui em algum lugar”, diz ele, virando para abrir uma gaveta perto da porta. “Ela deixou no caso de recebermos alguma correspondência dela.” Ele vasculha a gaveta por um minuto, depois levanta um pequeno pedaço de papel e o acena de um lado para o outro. “Achei. Você tem uma caneta?” Por uma fração de segundo, entro em pânico porque, na verdade, não tenho uma caneta. Então percebo que meu telefone está no maldito bolso. Cinco minutos depois, caminho de volta para a caminhonete, tanto aliviado quanto desapontado por não ter ficado cara a cara com a ex do meu irmão. Metade de mim está feliz por eu ter outro dia para me preparar para a próxima interação, mas a outra metade está frustrada por não ter conseguido o primeiro encontro ainda. Ligo para Katie quando volto para a estrada movimentada. “Como foi?” Ela pergunta sem preâmbulo. “Ela legal? Como é a filha de Henry? Ela vai nos deixar vê-la?”

é

“Respire fundo”, respondo secamente. “Eu não posso. Isso é enorme.” “Nada, ainda”, digo. “Ela não mora mais lá.” “Ah não!” “O cara que está no apartamento me deu o endereço dela. Ela está em Anaheim.”

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“Bem, isso é péssimo. Quero dizer, bom para nós, mas qual louco dá informações como essas para um cara que não conhece?” Ela faz uma pausa, provavelmente para inalar após seu pequeno discurso. “O que vai fazer?” “Vou lá amanhã, acho. Posso ficar na sua casa...” “Sim!” Ela responde antes mesmo de terminar a frase. “Tudo bem, estarei aí daqui a pouco.” * * * “Tio Trev!” Meus sobrinhos gritam quando saio da caminhonete uma hora depois. Jogo Gavin no ar, então abraço Keller contra meu lado enquanto sigo lentamente para a frente da casa. O caminho entre o antigo apartamento de Morgan e a casa de Shane e Kate não é longe, mas foi uma dor de cabeça do caralho. Entre a estrada e o grande número de pessoas chegando em casa, fiquei quase parado no trânsito. “Você conseguiu”, Kate diz alegremente enquanto me leva para a casa. “Sei que está aqui apenas por uma noite, mas estou tão feliz em te ver!” “Eu também”, murmuro, inclinando-me para beijar o topo de sua cabeça. Ainda tenho Keller agarrado ao meu lado e Gavin em meus braços. Ambos são fortes, e seus corpos quentes pressionando contra mim me fazem suar ainda mais do que já estou. “Você parece precisar de uma cerveja”, Shane fala, rindo do olhar no meu rosto. “Ou cinco.” “Apenas uma será ótimo”, digo, colocando Gavin no chão enquanto sigo em direção à cozinha. “Onde estão as outras crianças?”

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“Iris está dormindo, e Gunner e Sage estão lá fora”, diz Katie com um sorriso. “Não disse a eles que viria.” Ela vai buscar as crianças enquanto Shane me dá uma cerveja. “Ela se mudou?” Ele pergunta, encostado no balcão. “Sim, mas tenho o endereço dela em Anaheim. Vou lá de manhã cedo.” “Há um hotel lá que ficamos quando levamos as crianças para a Disney por um fim de semana. Vou te dar o endereço”, ele responde. “É bom, barato, e fazem um café da manhã completo. Vale o preço apenas por isso.” “Sim, comer fast food está ficando velho”, respondo. “Quando você chegou?” Sage pergunta enquanto vem correndo pela porta dos fundos com um maiô. Ela está encharcada, mas não a impeço quando vem correndo na minha direção. “Só agora”, respondo, inclinando-me para abraçá-la. Meio segundo depois, seus braços e pernas estão ao meu redor enquanto a levanto do chão. Ela provavelmente está ficando grande demais para seus pais, mas sou o tio divertido e contanto que possa levantá-la farei isso. “Como está indo à escola?” “Bem”, ela diz, inclinando-se para trás para poder ver meu rosto. “Algumas semanas atrás recebemos uma nova garota na escola, e eu mostrei tudo a ela, então agora somos melhores amigas.” “Engraçado como isso acontece, hein?” “Sim. Tia Kate diz que nunca sabe quais coisas legais vão acontecer quando você é legal com as pessoas.” “Isso é verdade”, respondo, assentindo.

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“Hora do banho e do pijama, Sage”, diz Kate quando entra com Gunner debaixo do braço. “Então pode voltar e ficar com tio Trev por um tempo.” Minutos depois, tudo fica quieto na cozinha enquanto as crianças se preparam para dormir no andar de cima. “Tem certeza que não quer que eu vá com você?” Shane pergunta enquanto ficamos confortáveis na mesa da cozinha. “Pode ser mais fácil comigo lá.” “Não.” Balanço a cabeça. “Será ruim o suficiente quando eu aparecer.” “Acha que ela vai reagir mal?” “Não tenho ideia”, respondo honestamente. “Acho que pode acontecer qualquer coisa.” “Espero que ela acredite que você é irmão de Hen”, diz ele com um sorriso. “Tenho certeza que verá a semelhança”, brinco com um encolher de ombros, grato pelo humor que faz meus ombros relaxarem pela primeira vez hoje. “Bem, se precisar de mim, avise.” “Eu aviso”, digo com um aceno de cabeça, grato por seu apoio. Todos se ofereceram para ajudar ou ir no meu lugar, mas a oferta de Shane é diferente. Ele não acha que vai lidar melhor com isso, e não está preocupado de eu estragar tudo, só quer que eu saiba que ele está me apoiando. “Tenho um menino sonolento para você”, Kate diz quando ela volta para a cozinha e entrega Gunner para Shane. “Se deixálo sentar no seu colo, tenho a sensação de que ele estará vocêsabe-como em cerca de cinco minutos.”

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Nos reunimos em torno da mesa enquanto as crianças mais velhas entram e passamos a próxima hora ouvindo as crianças contarem tudo o que perdi desde a última vez que as vi. Elas estão cheias de histórias sobre a escola, o ônibus e as coisas estranhas que encontram no parque. É exatamente o que precisava para relaxar, e depois de dirigir pelos últimos três dias e mal dormir, às onze da noite adormeço completamente vestido no sofá. * * * Meu adeus na manhã seguinte é fácil, pois as crianças estão na escola, mas é sempre difícil deixar Kate. Nós crescemos ao lado um do outro, jogamos, brigamos e nos metemos em confusão como se fôssemos irmão e irmã. É estranho morar tão longe, embora ela esteja morando em San Diego durante a maior parte de nossas vidas adultas. A casa para onde Morgan se mudou não é tão agradável quanto os apartamentos que estive no dia anterior. É de estuque, como a maioria das casas nesta parte da Califórnia, mas as paredes estão manchadas, e a grama no jardim da frente está completamente morta e queimada do sol. Pelo que posso ver, o lugar parece limpo como se alguém estivesse cuidando dele, mas ainda tem a aparência desgastada de uma casa cujos inquilinos não têm muito dinheiro para consertos. Nem sequer paro quando ando pela calçada rachada e bato na porta. Depois de ir ao lugar errado no dia anterior, acho que uma parte de mim realmente não espera uma resposta. Quando ela abre a porta com as sobrancelhas erguidas como se não entendesse por que alguém iria bater, quase engulo minha língua. Sei imediatamente que estou olhando para

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Morgan, mas não consigo reconhecimento instantâneo.

entender

por

que

tive o

“Posso ajudá-lo?” Ela pergunta, não amigável, mas não rude também. “Morgan?” Pergunto, analisando seus traços. Ela é loira. Magra. Sem maquiagem, mas realmente não precisa disso. Suas sobrancelhas são mais escuras do que o cabelo. Linda. Ela não responde. “Morgan Riley?” Pergunto de novo, encontrando seus olhos num esforço para me concentrar. “Quem é você?” Ela pergunta, fechando um pouco a porta e colocando um pé atrás dela como se estivesse se preparando para bater. “Sou Trevor Harris”, que conheceu meu irmão Henry.”

respondo

devagar. “Acho

Vejo o reconhecimento bater nela rápido e forte, mas ela não responde imediatamente. Em vez disso, ela me encara. Não está avaliando. É mais parecido com o olhar que dá a alguém quando não o vê há muito tempo e está tentando recuperar a memória para poder comparar o presente com o passado. Eventualmente, ela abre a porta um pouco mais e me faz sinal para entrar. “Pensei que te veria muito mais cedo”, ela diz calmamente enquanto entro em sua sala de estar. Aqui estamos, brinquedos espalhados na frente da televisão e algumas coisas ao redor da sala, mas na maior parte o lugar está arrumado. Nenhum dos móveis é caro, mas posso

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dizer que o proprietário cuida. Solto um leve suspiro de alívio. O lugar é aconchegante. “O que quer dizer?” Pergunto ao encontrar seus olhos novamente. “Depois de...” Ela limpa a garganta. “Achei que alguém viria eventualmente, uma vez que me contatassem sobre aquele maldito dinheiro do seguro.” “Maldito?” “Tenho uma criança de dois anos”, diz ela, sentada na única cadeira da sala e gesticulando para que eu sente no sofá. “E, olhe, se não a tivesse, daria o dinheiro de volta. Não esperava por isso e particularmente não quero, mas...” “Então você recebeu?” pergunto meus olhos vagando um pouco ao redor da pequena casa. “Sim”, diz ela defensivamente. “Está guardado para emergências ou para a faculdade de Etta. Não precisamos disso agora...” “Não estou aqui por causa do dinheiro”, digo, interrompendo-a com um aceno de mão. Eu perdi a trilha. O que ela fez com o dinheiro do seguro não é da minha conta. “Bem, por que está aqui então?” Ela pergunta, os ombros visivelmente tensos. Limpo minhas palmas suadas no short. Sempre fui o calmo na minha família. Sempre soube o que dizer e como dizer, e nem mesmo preciso medir as palavras a maior parte do tempo. Mas nesse momento, nessa minúscula sala de estar, não tenho certeza do que dizer ou como. Tantas palavras passam pela minha mente e as embaralho rapidamente, tentando encontrar as corretas. Não esperava que ela me deixasse entrar

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imediatamente, e sabia que ela seria bonita, mas não imaginei que seria linda. Estou um pouco desequilibrado. “Primeiro”, digo lentamente, inquietas, “eu quero me desculpar.”

parando

minhas

mãos

“Pelo quê?” Ela diz com zombaria. “Por meu irmão.” Deixo isso afundar quando sua boca se fecha. “Não sei o que tiveram, se foi uma coisa única ou um relacionamento.” Jesus, eu espero que não seja um relacionamento. “Mas o que quer que seja... ele não foi criado para fugir de suas responsabilidades.” “Deixe-me pará-lo bem aí”, diz ela com um sorriso suave. “Porque acho que pode estar confuso sobre algumas coisas.” Eu a observo quando ela se senta mais firmemente na cadeira, seu corpo relaxando um pouco. “Nunca tive raiva de Henry”, ela diz, encolhendo os ombros. “Nós não planejamos engravidar. Honestamente, tomamos todas as precauções que havia, mas porcaria acontece, sabe?” Minha boca se contrai para sua palavra alternativa para merda. “Mas Henry não queria filhos. Não era apenas uma coisa de 'por enquanto', e não era sobre mim. Ele nunca quis.” Isso é novidade para mim. “Eu poderia fazê-lo tomar uma atitude quanto a isso”, ela continua. “Eu poderia ter forçado. Mas foi minha decisão continuar a gravidez, não dele.”

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“Essa é uma maneira muito tolerante de olhar para isso”, digo, surpresa colorindo minha voz. Uma pequena voz dentro da minha cabeça questiona se o motivo pelo qual Henry não teve um relacionamento com a filha foi porque Morgan não permitiu, e é por isso que ela perdoa tanto, mas rapidamente silencio isso. Mesmo que Morgan tivesse transformado a vida de Henry num inferno, não há desculpa para o que ele fez. Ela encolhe os ombros novamente. “Seus bons dias como pai não teriam sido tão bons quanto os meus piores dias”, diz ela suavemente, sua voz cheia de compreensão que não dei ao meu irmão desde o minuto em que soube da existência de sua filha. “Ele simplesmente não estava equipado para isso, e ela merece mais.” Engulo o nó na garganta, um pouco admirado com a mulher calma na minha frente. Não consigo entender como ela está bem com a maneira como Henry a abandonou. O que ela está dizendo faz sentido intelectualmente, mas emocionalmente ainda estou lidando com suas palavras. Parte de mim, uma grande parte, pergunta se ela está com problemas. Algo não parece certo. “Isso é tudo que quer?” Ela pergunta depois que fico quieto por muito tempo. “Não”, digo, engolindo em seco novamente. “Nós – eu e minha família – gostaríamos de conhecê-la. Você e ao bebê, quero dizer.” Tropeço nas palavras. “Sem pressão, o que quer que esteja confortável. Nós estávamos apenas esperando que pudéssemos conhece-la, talvez, ou...” “Estou bem com isso”, diz ela, salvando-me de terminar a frase.

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“Você está?” Pergunto, observando-a. Agora é a hora em que ela fará suas exigências. “Claro.” Ela assente, surpreendendo-me. “Uma criança não pode ter família suficiente.” “Bem, ela ganhou uma bem grande”, respondo idiotamente enquanto tento descobrir por que isso está indo tão bem. “Eu sei.” Concordo, depois faço uma pausa. “Espere o que? Henry falou sobre nós?” Ela ri um pouco e inclina a cabeça para o lado. “Você não me reconhece, não é?” Ela pergunta, sorrindo. Olho para ela, mas o reconhecimento está fora de alcance. “Eu deveria?” “Quando me conheceu, eu era cerca de seis centímetros mais baixa e quinze quilos mais pesada”, diz ela. “E meu sobrenome era Harlan.” “Morgan Harlan”, digo em voz alta. “Fui adotada em sua casa por cerca de dois meses, quando tinha treze anos”, diz ela, e assim o reconhecimento ocorre. “Puta merda”, digo, olhando-a novamente. “Foi o que Henry disse quando o encontrei num bar”, ela diz, rindo. “Ele me reconheceu, no entanto.” “Sinto muito”, digo, minha voz ainda um pouco alta de surpresa. Pergunto-me se ela era tão bonita quando éramos crianças e simplesmente não notei. Garotas de treze anos não estavam no meu radar naquela época.

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“Não se preocupe.” Ela acena com a mão de um lado para o outro. “Eu pareço diferente do que há dez anos, e você era velho demais para prestar atenção em mim quando éramos crianças de qualquer maneira.” “Hen teve a maior paixão por você”, lembro em voz alta antes que possa me deter. “Eu sei”, diz ela, ainda rindo. “Mas ele era uma coisa magricela naquela época, eu nem me importei.” “Porra”, digo, balançando a cabeça um pouco quando memórias, uma após a outra, surgem na minha mente. Ela veio até nós, assim que a escola deu férias de verão, e passou aqueles dois meses com a gente correndo solta por toda a propriedade com o resto das crianças. Eu era velho demais para passar meus dias brincando no riacho – naquela época eu já tinha começado a trabalhar com meu pai na empresa madeireira – mas ainda me lembro de sentar para jantar com todos os garotos enlameados, bronzeados e desgrenhados a cada noite. “O que aconteceu depois que foi embora?” Pergunto. Sempre me perguntei o que aconteceu com as crianças que ficaram conosco depois que foram embora, mas além dos poucos que ficaram em contato com meus pais, nunca tive a chance de perguntar. “Essa é uma longa história”, ela diz, ainda sorrindo. “Mas, eventualmente, meu pai saiu da prisão e nos pegou de volta.” “Prisão, hein?” Tento manter o julgamento fora da minha voz. “Uma carga de maconha”, ela murmura, revirando os olhos. “Basicamente besteira.” “Você não tem uma irmã mais nova?” Pergunto, mudando de assunto desde que esse parece uma ferida.

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“Sim, Miranda”, diz ela, feliz. “Eles nos reuniram depois que saí da sua casa.” “Sempre me senti péssimo quando as crianças vinham até nós sem seus irmãos”, digo com um leve aceno de cabeça. “Eu não entendo porque fazem isso.” “Às vezes, só funciona assim”, pragmaticamente. “Seus pais são alguns dos entanto. Eles tornaram aquele verão suportável.”

diz bons,

ela no

“Nós tínhamos a casa cheia naquela época”, lembro em voz alta. “Fiquei surpreso quando foi colocada conosco.” Um som de algum lugar da casa me faz congelar, e segundos depois uma pequena voz grita. “Mantenha esse pensamento”, diz Morgan, ficando de pé. “Eu já volto.” Preciso de muito controle para não puxar meu telefone no minuto em que ela se afasta. Não posso acreditar o quão bem as coisas estão indo. O melhor cenário que imaginei não chegou nem perto do que está realmente acontecendo. “Você está com fome?” Morgan pergunta, vindo atrás de mim. Seu tom deixa claro que ela não está se dirigindo a mim, mas viro de qualquer maneira. Lá está. A garotinha de cabelos loiros e os olhos castanhos de Henry. Merda, ela é fofa. “Esta é Etta”, diz Morgan, apoiando a bebê em seu quadril. “E o cabelo dela fica uma bagunça quando acorda de uma soneca.” Eu sorrio quando Etta diz, “Bagunça”, e joga as mãos no ar.

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“Oi, Etta”, digo, ficando de pé. “Esse é Trevor”, Morgan diz a ela, apontando para mim. “Quer dizer oi?” “Oi!” Etta dá um leve aceno com a mão, e um caroço se instala na minha garganta. Ela parece meu irmão quando veio morar com a gente. As bochechas são as mesmas e a forma do nariz e dos olhos são praticamente idênticas às de Hen. Sua boca é toda Morgan, especialmente quando sorri. “Preciso dar almoço para ela”, diz Morgan. “Você é bemvindo para ficar, mas não é nada chique...” “Eu adoraria”, digo rapidamente, ignorando a voz na minha cabeça que me avisa para ter cuidado. “Ok.” “Só preciso fazer uma ligação.” Quando Morgan carrega Etta para a cozinha, saio pela porta da frente, tiro o celular do bolso e passo por meus contatos. Inalando profundamente pelo nariz num esforço para acalmar minha excitação, ligo para mamãe. “Mãe?” Digo assim que ela atende. “Ela se parece com Henry.”

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CAPÍTULO 4 Morgan

“Você teve um bom sono?” Pergunto calmamente, tentando afastar o nervosismo da minha voz enquanto sento Etta em seu assento na mesa. Estou distraída quando ela responde, falando sobre seu cochilo usando uma linguagem que só ela entende. Em geral, há algumas palavras que reconheço misturadas as longas frases – tanto em inglês quanto em espanhol, graças à tutela de Carmen – mas na maioria, apenas deixo que ela descreva Deus sabe o quê. Sorrio e balanço a cabeça enquanto ela continua tagarelando, mas meu coração está batendo forte enquanto me movo pela cozinha, esperando por Trevor voltar para dentro. Não estava mentindo quando disse que esperava que alguém da família de Henry aparecesse. A apólice de seguro de vida que ele nos deixou não é brincadeira – uma enorme quantia de dinheiro, e sabia que isso levantaria algumas questões. No entanto, realmente não esperava que quisessem algo conosco. A família Harris é meio que incrível, no entanto. Percebi isso durante o verão que morei com eles. Eles são gentis, engraçados e solidários, e foram a melhor família adotiva a que fui entregue. Mas junto com esses atributos, também são ferozmente protetores. Não é uma coisa ruim – longe disso. Quando muito, é outro ponto a favor deles. Mas descobrir

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que um de seus filhos teve uma criança que nunca conheceram provavelmente não me pinta de uma forma muito favorável. “Desculpe por isso”, Trevor diz enquanto caminha lentamente até a cozinha atrás de mim. Sua voz profunda é hesitante, como se ele estivesse com medo de que eu fosse expulsá-lo da minha casa a qualquer momento. “Não se preocupe”, respondo, engolindo em seco quando olho por cima do ombro. Ele não tem ideia do quanto precisava desses poucos momentos de privacidade para me recompor. “Sanduíches e bananas para o almoço, se estiver com fome.” “Claro”, ele diz, seu o olhar gentil focado em Etta enquanto ela afasta o cabelo despenteado do rosto. As mechas loiras são tão finas que tenho dificuldade em mantê-las arrumadas, e toda vez que ela afasta isso dos olhos, lentamente volta para onde estava. “Ela se parece muito com Henry”, diz Trevor, olhando-me rapidamente com uma careta. “Está tudo bem”, asseguro com um leve aceno de cabeça e um sorriso. “Ela sabe quem é seu pai – era. E sim, ela se parece muito com ele.” “Henwyetta”, Etta diz, apontando para si mesma. “Eu Henwyetta.” “Esse é um nome muito bonito”, diz Trevor sério, e tenho a sensação de que ele está evitando meu olhar de propósito quando senta numa das cadeiras da cozinha. “É estranho, certo?” Digo, voltando para o balcão para terminar os sanduíches. É estranho, e minha família tentou me convencer do contrário. Encolho os ombros, embora não tenho

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certeza se ele está olhando. “Ela tem meu sobrenome, então só imaginei que, não sei, ela deveria ter algo dele também.” “Não, não, não mesmo”, argumenta Trevor. “É legal da sua parte.” “Bem, é dela para desconfortavelmente. “Então...”

o

resto

da

vida”,

brinco

“Você nunca sabe”, ele responde, a voz baixa. “Talvez ela mude para outra coisa quando for mais velha. O Artista Anteriormente Conhecido Como ou algo assim.” “Você gosta de Prince?” Pergunto, aliviada por encontrar uma maneira de mudar a direção da conversa. Esta é, de longe, a situação mais desconfortável em que já estive, e isso incluí o dia em que precisei contar a Hen que estava grávida. “Todo mundo gosta de Prince”, responde Trevor. Então não a nada além de silêncio. Mesmo Etta está quieta enquanto espera por sua comida, o que é bem incomum para ela. Tenho a sensação de que ela está ocupada demais olhando o estranho sentado à nossa mesa da cozinha para se incomodar com o comentário normal. Finalmente, Trevor fala novamente. “Na verdade, sou mais parcial com a música country”, diz ele, preenchendo o silêncio. “Sério?” Franzo o nariz quando viro a cabeça para olhá-lo. “O que? Isso te surpreende?” Ele brinca, olhando para si mesmo. “Estou surpresa que alguém diga que prefere música country”, digo secamente, precisando de tempo para olhá-lo. “Sua garota fugiu com seu cachorro e deixou você com a hipoteca do trailer?”

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Trevor zomba quando coloco sanduíches e bananas nos pratos. “Não é tudo sobre mulheres e cães fugitivos”, responde ele. “Algumas delas são sobre traição também.” “Retiro o que disse.” Entrego os pratos e pego o suco de Etta da geladeira antes de sentar em frente a Trevor na mesa. “Pequenas mordidas”, aviso Etta quando ela pega um quarto de seu sanduíche. “Passei na sua antiga casa”, diz Trevor enquanto pega a banana. “Você pode querer dizer àquele cara para não entregar suas informações para as pessoas. Não que eu ache que tem alguém te procurando, ou o que for, quero dizer...” Sorrio enquanto ele tenta recuar, seu rosto tenso de mortificação. “Não, eu entendo”, interrompo, levantando a mão para detê-lo. “Aquele é Craig. Ele é o namorado da minha antiga colega de quarto. Ele na verdade não é o idiota que parece, e ele não daria meu endereço para ninguém.” “Ele foi bem livre com a informação”, Trevor diz cautelosamente. “Acho que ele disse que seu nome era Linc.” “Craig Lincoln”, respondo, dando uma mordida na minha comida. “E você disse a palavra mágica – Henry.” “Realmente esperava um de nós aparecer, hein?” Ele diz suavemente. “Estava razoavelmente certa de que alguém viria, sim”, respondo, deixando de fora o fato de que temi isso por mais de um mês. “Nós tínhamos mudado quando recebi a notícia.” Eu respiro fundo, lembrando-me da maneira como a carta de seguro de vida me cegou completamente. “Acho que demorou um pouco

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para as coisas serem encaminhadas. De qualquer forma, liguei para eles e avisei que alguém poderia aparecer.” “Obrigado.” “Gado!” Etta diz, como se as palavras de Trevor a tivessem lembrado que ela deveria ter usado boas maneiras quando lhe dei o almoço. “De nada”, digo, sorrindo para a manteiga de amendoim e a geleia espalhada em suas bochechas. “Isso está bom?” “Mmm”, ela cantarola, balançando a cabeça. “Bueno.” Terminamos o almoço e Trevor observa enquanto limpo Etta da testa ao pescoço, e das mãos das pontas dos dedos aos cotovelos enquanto ela choraminga. Isso nunca falha – ela não consegue manter a bagunça no mínimo, mas depois disso ela não aguenta a limpeza e se certifica de que eu saiba. “Aí”, digo, levantando as mãos no ar acima da cabeça como um laçador de bezerro em um rodeio. “Tudo limpo.” “Desce!” Etta exige, não querendo me perdoar ainda. “Eu desce!” “Bom Deus”, murmuro, revirando os olhos enquanto digo com uma voz cantada. “Você é tão bebê.” “Eu não bebê!” “Ei”, digo, olhando Trevor com vergonha. “Mamãe estava brincando. Pare com isso.” “Eu não bebê”, diz ela novamente, seus lábios franzidos num beicinho. “Você é uma dama?” “Não!”

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“Você é uma mulher?” “Não!” “Bem, o que você é, então?” Pergunto enquanto solto-a de seu assento. “Sou uma garota grande”, diz ela, colocando o dedo na boca enquanto lhe dou um abraço. “Você é a garota grande da mamãe”, digo, balançando-a de um lado para o outro. Sei que não devo provoca-la, mas às vezes não consigo evitar. Talvez me faça uma mãe de merda, mas Deus, às vezes é engraçado irritá-la. Ultimamente, porém, ela está um pouco mais sensível à coisa toda de bebê/garota grande. Tenho certeza que é porque estão nascendo mais dentes e tudo a deixa mais emocional quando não está se sentindo bem. Eu a coloco no chão e a deixo caminhar quando pego o pano e começo a limpar seu lugar na mesa. Não tenho certeza do que dizer ao meu hóspede inesperado, agora que ele não está ocupado com minha frouxa tentativa de refeição. “Uh, eu provavelmente deveria ir”, diz Trevor, levantandose. “Não queria ficar tanto tempo.” “Oh.” Olho-o com surpresa e balanço a cabeça. Ele esteve um pouco quieto, e ficamos sem falar, mas o anúncio ainda parece um pouco abrupto. Eu o sigo até a frente da casa e vejo quando ele se agacha na frente de Etta, que o ignora enquanto brinca no chão. Ele parece tão grande em nossa pequena sala de estar quando se despede de minha filha, mas tudo sobre ele grita gentil. Isso é o que mais me lembro dele quando éramos jovens: sua gentileza. Ele nunca parecia ser ingênuo, mas de todo o grupo de filhos de Harris e Evans, ele era o mais equilibrado e calmo.

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“Estou hospedado num hotel com uma bela P-I-S-C-I-N-A”, diz ele. Estou grata que ele soletrou a última palavra. Foi suavemente e me pergunto se ele tem filhos, mas não me sinto à vontade em perguntar. “Se vocês, senhoras, quiserem, mais tarde ou amanhã, ou qualquer hora.” “Ok, talvez.” Balanço a cabeça brevemente. “Quanto tempo vai ficar na cidade?” “Meus planos estão meio que no ar no momento.” Ele levanta as mãos em um gesto eu não sei. Ficamos ali olhando um para o outro e sorrio um pouco quando ele não diz mais nada. “Uh, nós provavelmente deveríamos trocar números ou algo assim?” “Oh, certo!” Ele faz um barulho na garganta enquanto procura por seu telefone, finalmente tirando-o de um dos seus bolsos e sacudindo-o de um lado para o outro. No minuto que dou a ele o meu número, ele está fora da porta, deixando-me ali sem saber o que fazer. Alguém finalmente apareceu, assim como sabia que aconteceria, mas não foi tão doloroso quanto imaginei. Estranho, sim. Desconfortável, sim. Mas não doloroso. Ele foi legal. Até mesmo educado. Realmente esperava que não fosse um ato ganhar minha confiança. Com a mente girando, olho para Etta, depois corro até meu quarto, puxo meu telefone do carregador e acrescento Trevor aos contatos. Então ligo para a minha irmã. “Ranna”, digo no minuto em que ela atende. “O irmão de Henry acabou de sair da minha casa.” “Oh, merda”, ela desabafa em resposta. “Espere um segundo.”

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Espero que ela termine o que está fazendo enquanto volto para a sala e sento no sofá. “Ok, estou de volta.” O barulho ao redor dela se aquieta. “Então o que aconteceu?” “Ele simplesmente apareceu na minha porta”, digo, mantendo a voz baixa, embora Trevor esteja muito longe. “Acho que ele queria dar uma boa olhada em Etta.” “Eles estão chateados com o dinheiro?” “Estranhamente, não.” “Oh, vamos lá.” Ela fala em descrença. “Não, de verdade”, respondo, minha própria descrença vindo à tona novamente. “Ele nem quis falar sobre isso. Ele na verdade se desculpou.” “Pelo quê?” “Por Henry.” Minha irmã fica quieta por um momento. “Isso é muito estranho.” “Eu meio que pensei assim. Mas ele parecia muito chateado que Henry não estava por perto.” “Bem, o cara está morto.” “Miranda”, repreendo-a. “Oh, você sabe o que quero dizer.” “Sim.” Minha irmã realmente não teve nenhuma conexão com Henry, além de saber que ele era o pai de Etta e que nos abandonou. Sua morte não a afetou de maneira alguma, e às vezes ela é realmente insensível quando ele é mencionado numa

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conversa. Realmente não posso culpá-la. Eu teria me sentido da mesma maneira se o sapato estivesse no outro pé. “E daí? Ele só parou para dizer olá?” Ela pergunta. “Acho que ele queria dar uma boa olhada em mim e Etta.” “Morgan”, diz ela em aviso. “Não foi assim.” “Você não sabe com certeza.” Discutimos várias vezes como a família de Henry lidaria ao saber que ele teve uma filha desde que descobri sobre sua morte. Embora eu soubesse logicamente que eles não têm motivo para tentar levá-la, o pensamento ainda me deixa nervosa. A Miranda também. Vimos como o sistema funciona e nem sempre é do interesse da criança ou dos pais, não importando o quanto os defensores da criança sejam bem-intencionados. Há tantas crianças sob seus cuidados que é impossível fazer a coisa certa para cada uma, não importa o quanto tentem. Nós vivemos em primeira mão, e enquanto tudo funcionou no final, levou um longo tempo até que nos sentíssemos seguras novamente. “Ele disse que gostaria de nos conhecer”, digo, observando Etta alinhar suas bonecas no chão. “Acho que estão apenas curiosos.” “Você não conhece essas pessoas”, argumenta ela, sua voz endurecendo. “Você pode se lembrar deles como bons, mas já faz dez anos.” “Eu vou ter cuidado”, prometo, sorrindo para Etta quando ela me entrega sua boneca menos favorita para brincar. “Bom. Então, como é o irmão?” Ela pergunta. “Agradável. Meio quieto. Nervoso. Mais velho que nós.”

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“Isso me diz exatamente nada.” Ela ri. “Ele parece com Henry? Hum.” Eu suspiro e faço a boneca de Etta dançar quando ela olha por cima do ombro para mim. “Não, eles são adotados, lembra?” “Oh, sim.” “Ele ainda é sexy”, admito. “Sim!” “Você é um desastre”, brinco. “Sim, sim. Então, como ele é?” “Negro”, digo, imaginando Trevor em minha mente. “Lindo. Grandes olhos castanhos, cílios grossos e longos, sorriso enorme, ombros largos...” “Como é a bunda dele?” “Eu não olhei-” “Não minta para mim, irmã!” “Ele tem uma maldita bunda firme, ok?” Miranda ri. “Eu sabia que checou.” “É claro que chequei, não sou cega. Mas está fora de questão. Não seja estranha sobre isso.” “Ei, esta é uma conversa puramente acadêmica”, argumenta ela. “Eu não estou dizendo que precisa transar com o cara.” “Oh, Deus”, murmuro, minhas bochechas ficando quentes apenas com o pensamento. Faz muito tempo desde que estive com alguém, e ninguém, incluindo o pai da minha filha, foi tão

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atraente para mim quanto Trevor Harris. Ele é realmente bonito, isso é inegável, mas há algo mais que parece me excitar. Não tenho certeza do que – o jeito que ele se controla, ou a maneira cortês que tenta me fazer sentir confortável, ou algo que não consigo nem identificar – mas inferno, ele me atrai muito. “Oh, merda”, diz Miranda, gargalhando. “Você com certeza quer o irmão!” “Eu não quero!” Retruco. “Sim, você quer! Eu sei!” “Você nunca vai conhecê-lo”, murmuro, imaginando como seria essa conversa. “Eu poderia”, diz ela, sua risada morrendo. “Nunca se sabe.” “Ele disse que a família gostaria de nos conhecer”, respondo, mordendo meu lábio em ansiedade. “Ei”, diz Miranda suavemente, ouvindo a maneira como meu tom mudou. “Enquanto estão sendo honestos, isso é bom, certo? Nós conversamos sobre isso.” “Você não pode ter família suficiente”, respondo, não surpresa que no minuto que pareço nervosa ela tenta me acalmar. “Exatamente. Se algo acontecesse comigo e você...” “Não diga isso.” “Se ela precisar deles por algum motivo, é bom que queiram estar por perto.” “Você está certa”, digo, deslizando no sofá até que estou deitada de costas. “Sei que você está certa.”

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“É difícil deixar as pessoas entrarem no círculo de confiança, no entanto”, ela diz compreensivamente. “Sim.” “Podemos, por favor, voltar para o irmão sexy agora?” Ela sussurra, como se fosse um segredo. Eu sorrio e rolo de lado para observar Etta brincar. “Bem... eu te disse que ele tem uma maldita barba?” “Oh, Deus”, responde minha irmã, arrastando a última palavra como um gemido. “Ele nos convidou para nadar em seu hotel enquanto está aqui”, sussurro para que Etta não me ouça. “Você vai fazer isso?” “Eu não sei. Estou pensando, no entanto. Parece que seria menos estranho do que vê-lo voltar aqui em casa.” “E poderia vê-lo usando bermuda de banho.” “Certo, porque isso é o mais importante.” “Bem, não é sem importância, também”, ela responde. Posso imaginá-la encolhendo os ombros como se flertar com o tio da minha filha fosse uma coisa totalmente razoável de se fazer. Assim que estou prestes a responder, noto o rosto de Etta franzido em concentração e rapidamente me levanto do sofá. “Eu preciso ir”, digo a Miranda quando pego Etta pela mão. “Preciso levar Etta para o banheiro.” “Não banhero!” Etta argumenta, tentando puxar sua mão da minha. “Amo você.”

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“Também te amo”, diz ela rindo. Desligo e levo Etta para o banheiro bem a tempo dela me olhar triunfante. Oh sim. A boa aparência de Trevor é muito importante, penso enquanto levo Etta para nosso quarto para trocar a fralda. Quase tão importante quanto de alguma forma convencer minha filha de que fazer cocô no vaso sanitário é divertido.

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CAPÍTULO 5 Trevor

Assim que entro no meu quarto de hotel e percebo que não tenho absolutamente nada a fazer senão sentar lá e perguntar como, em nome de Deus, meu irmão deixou essas duas garotas sem olhar para trás, quero não precisar deixar a casa de Morgan. Mesmo os silêncios constrangedores e a sensação de ser um espectador estranho em suas vidas são melhores do que os pensamentos correndo por minha cabeça agora. Minha garganta aperta de emoção quando me lembro da empolgação da minha mãe e do som de sua risada chorosa quando liguei. Ela quis saber tudo de uma vez, e suas perguntas foram tão rápidas que não tive a chance de responder a todas. Saber que um pedacinho de Henry ainda está lá fora no mundo é um pequeno conforto uma vez que passamos pelas circunstâncias de sua existência. No entanto, não saber se sua filha está feliz e segura foi como uma nuvem negra de preocupação pairando sobre todos nós. É um grande alívio saber que ela não está apenas bem, mas que sua mãe é alguém que meus pais conhecem. O fato de Morgan estar em nossa família por pouco tempo, e mais de uma década atrás, não diminui esse alívio. Esperava que Morgan fosse uma boa mãe. Orei por isso, na verdade, e não sou um homem que ora com muita frequência. Mas o que vi enquanto estava em sua pequena casa é

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muito melhor do que o que estava disposto a aceitar. Ela é ótima. Conheci muitas mães. Passei minha vida perto de todos os tipos: as ruins, as boas, as distraídas e todos os outros ao longo do espectro. Eu sabia como identificar as maçãs podres. Ela não é uma. Quando muito, ela me lembrou da minha prima Kate na maneira como é maternal, e isso é um grande elogio. Sento na beira da cama com um suspiro. Ignorei isso o máximo que pude, mas agora que estou sozinho, permito-me pensar em como Morgan é linda. Estava tão preocupado em ver como ela tratava Etta que fiquei surpreso com a atração que me atingiu do nada. Porra, Morgan é gostosa. Ela também não pareceu perceber. Quero dizer, ela se movia como uma mulher que sabia o que fazia, mas não aproveitou o que tinha com roupas ou maquiagem pesada. Parecia que apenas aceitava sua boa aparência como certo, o que é ainda mais atraente. Pena que ela estava completamente fora dos limites. Preciso focar no que é importante – Henrietta. Ao pensar que poderia encontrar minha sobrinha uma vez e depois voltar para casa, já estava me enganando. Não tive tempo suficiente com ela. Honestamente, não tenho certeza se algum tempo será suficiente. Deus, ela é realmente alguma coisa. Ficou muito quieta, talvez um pouco tímida, mas não parecia se importar muito que eu estivesse lá. Ela simplesmente não se sentiu perturbada e, nem desinteressada nem interessada em mim, apenas aceitando que ficaria com elas por um tempo. Crianças de dois anos são difíceis de entender – pegue-as num momento ruim e parecem lunáticas completas ou pegue-as num bom momento e parecem anjos. Logo após a soneca,

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parecia ser o ponto ideal para Etta, porque ela definitivamente se encaixaria na categoria dos anjos. Ela parecia confiante em seu entorno. Ela também fica facilmente irritada, o que provavelmente é uma característica que herdou de Morgan. Henry era totalmente tranquilo quando veio morar conosco, apesar de ser muito incomum para uma criança que precisou mudar de casas repetidamente durante sua curta vida. Henrietta. Balanço a cabeça em descrença. Morgan realmente a nomeou em homenagem a Henry, o homem que as abandonou. Embora não possa entender, ainda amo que ela tenha feito isso. Minha mãe vai amar também. Ela é realmente vívida com nomes e o significado por trás deles, provavelmente porque seus filhos dela sempre os tinham quando chegavam a ela. Perguntei a ela uma vez por que não mudou o nome de Hen quando ele era pequeno. Ela poderia ter escolhido qualquer nome que quisesse e ele não saberia a diferença. Mamãe apenas balançou a cabeça e sorriu. Ela disse que não queria mudar nossas histórias, e nossos nomes faziam parte disso. Porra, fiquei com raiva do meu irmão. Mesmo sabendo quão egoísta Henry poderia ser, mais interessado em mostrar e encantar pessoas do que em fazer conexões reais, ainda não conseguia acreditar no que ele fez. Não entendia como pode ter deixado aquele bebê doce sem olhar para trás. No começo, depois de ler tudo o que as forças armadas estavam dispostas a me enviar sobre o acidente de treinamento em que ele morreu e passado por toda a papelada de Henry, fiquei tão zangado que me assustou. Eu não sou esse homem. Eu não me enfureço. Mas sabendo o que sabia e entendendo o quão egoísta meu irmãozinho era? Senti-me alguém que não reconheci. Depois de uma conversa particularmente tóxica com Ani que a deixou em lágrimas, percebi que precisava isolar isso, então o fiz. Afastei toda a raiva e fúria até que mal podia ver além da

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dor. Infelizmente, agora, depois de ver sua filha, posso sentir aquela raiva borbulhando para a superfície novamente. Respirando fundo, aperto minhas mãos em torno de um travesseiro macio do hotel até as juntas dos meus dedos doerem. Fechando os olhos, imagino o rosto de Etta até que a raiva desaparece como fumaça de cigarro. Permanecendo, mas visível. Meu telefone toca quando tiro os chinelos e me deito na cama. “Alô?” Atendo. “Bem?” Minha prima Kate pergunta, sua voz alta e excitada. “Como foi?” “Pelo menos surpreendendo-me.

diga

olá,

Kate”,

Ani

murmura,

“Vocês realmente estão em uma ligação em grupo comigo?” Pergunto incrédulo. “Bem, sim”, responde Kate. “Queremos saber o que aconteceu. Dois coelhos com uma cajadada só, cara.” “Foi idéia dela”, Ani esclarece. “Eu apenas concordei com esta chamada a três, estilo ensino médio.” “Ha, ha. Você não argumentou exatamente”, retruca Kate. Então o tom dela muda. “Como foi, Trev?” Respiro respondo.

fundo

e

sorrio. “Melhor

cenário

possível”,

“Sim!” Kate praticamente grita. “Oh, graças a Cristo”, diz Ani.

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“Morgan é legal. Parece ter a cabeça no lugar e pelo que pude ver na hora em que estive lá, ela é uma boa mãe”, digo a elas, alívio fazendo minha voz brilhar. “Além disso, ela está totalmente aberta para deixar todo mundo conhecer Etta.” “Etta é o nome do bebê?” Ani pergunta quando ouço Kate fungar. “Sim, Henrietta.” “De jeito nenhum”, Ani murmura em descrença feliz. “Sim.” “Isso é tão legal”, diz Kate, com a voz vacilante. “Foi uma viagem”, digo, tentando encontrar as palavras certas para explicar a experiência que acabei de ter. “Ela foi super legal sobre tudo, convidou-me para almoçar com elas, falou sobre Hen como se não tivesse nenhum ressentimento, disse que estaria aberta para Etta conhecer esse lado da família.” “Soa suspeito”, diz Ani. “Como ela é?” Kate pergunta ao mesmo tempo. Faço uma careta um pouco confuso com a pergunta, mas respondo de qualquer maneira. “Loira. Olhos castanhos. Ela é mais alta que Ani, mas provavelmente mais baixa que você...” Paro minha descrição quando Ani começa a gargalhar. “Não a mãe”, ela ri. “Ela está perguntando sobre a bebê.” “Oh.” “Estou supondo que a mãe é bonita”, brinca Kate. Ela ri também. “Vocês duas são idiotas”, murmuro. “Etta parece com Henry. Pegue um dos antigos álbuns de fotos da mamãe de

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quando Henry se mudou e é quase exatamente como Etta se parece.” “Incrível”, diz Kate feliz. Ani ainda está rindo. “Espero que sem o corte de cabelo”, ela diz. “Não, o cabelo dela ainda é muito fino, mas não é comprido. Ela o afasta do rosto constantemente, embora”, digo, sorrindo. “Como se estivesse totalmente irritada com toda a bagunça.” “Como ela é?” Kate pergunta. “Ela é tímida, ou gostou de você imediatamente?” “Não é tímida”, digo, imaginando Etta quando ela disse oi para mim. “Mas não ficou super impressionada em mim.” Sorrio. “Tudo bem, nós também não estamos”, brinca Ani. “Ela fala muito?” Kate pergunta, não acabando com seu questionamento. “Não”, respondo. “É pouco. Ela não está falando frases completas do jeito que Sage falava nessa idade, mas faz seus desejos conhecidos. Principalmente um monte de tagarelice com algumas palavras reconhecíveis no meio.” “Isso é normal”, Kate anomalia. Aquele é um gênio.”

me

assegura. “Sage

é

uma

“Ela parece bem. Saudável e feliz.” “Deus, isso é um alívio”, diz Ani. “Tenho pesadelos sobre todos os horrores em potencial que ela poderia estar vivendo desde que descobríssemos sobre ela.” “Conte-me sobre isso”, respondo com compaixão.

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“Ela disse quando poderíamos conhecer Etta?” Kate pergunta. “Não estamos ocupados esta semana. Quero dizer, Shane precisa trabalhar, mas, além disso, estamos livres.” “Devagar, turbo”, respondo. “Nós nenhum plano ou coisa assim.”

não

fizemos

“Vocês não fizeram?” Pergunta Ani. “Eu não queria sobrecarregá-la”, respondo defensivamente. “Só fiquei feliz que ela estava bem em fazer contato.” “Isso é justo”, Kate fala rapidamente. “Vocês querem saber a coisa mais estranha que descobri hoje?” Faço uma pausa para o efeito. “Morgan foi, na verdade, um dos nossos filhos adotivos antigamente.” “Não brinca?” Ani diz em surpresa. “Sim, cerca de dez anos atrás, apenas por alguns meses durante o verão.” “Não me lembro de nenhuma Morgan Riley”, diz Kate, duvidosa. “Ela é um ano mais nova que Henry, acho”, respondo. “Cabelo loiro? Ela só ficou por cerca de dois meses e seu sobrenome era Harlan.” “Huh”, diz Kate. “Acho que lembro dela, mas eu já tinha um emprego de verão, então não fiquei muito perto. Sabe mais alguma coisa?” “Na verdade, não”, digo, tentando pensar em algo descritivo que possa usar para lembrar Kate sem mostrar como Morgan é linda. Não preciso acender o fogo depois da provocação que tive. “Hen teve uma enorme paixão por ela, no

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entanto. Lembro cachorrinho.”

muito

disso. Ele

a

seguia

como

um

“Espere”, diz Kate, falando devagar. “Ela não tinha um corte de cabelo realmente ruim?” “Como diabos eu deveria saber?” Pergunto perplexo. “Você é um cara”, ela ri. “Acho que me lembro dela! Ela era legal. Meio quieta, mas se dava bem com todo mundo.” “Só estou chateado que Hen foi tão inconstante”, brinca Ani. “Eu pensei que ele guardou seu amor não correspondido por você.” “Não se preocupe, mana, ele te amava mais”, Kate diz suavemente, sua voz embargada de rir. Fodidamente amo que podemos finalmente brincar sobre ele novamente sem sentir a necessidade de esclarecer ou esconder nossa diversão. Houve um tempo, logo depois da morte de Hen, quando todos nos sentimos um pouco desconfortáveis fazendo piadas. Parecia estranho por um tempo, rindo quando nossos corações pareciam ter sido arrancados. Lentamente, minha família está se curando. Graças a Deus. Meu telefone começa a apitar, então o afasto da orelha para checar a chamada em espera. “Merda.” Eu me atrapalho, tentando colocá-lo de volta contra minha orelha. “Preciso ir.” “O que? Por quê?” Kate pergunta em confusão. “Ela está me ligando.” “Morgan está te ligando?” Ani pergunta. “Foi o que disse”, respondo. “Preciso ir.”

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Então desligo a chamada com elas sem pensar duas vezes. Ligarei de volta mais tarde, de preferência separadamente, então não preciso ouvi-las falando uma sobre a outra novamente. “Alô?” Digo, cruzando os dedos para que Morgan não tenha desligado. “Ei”, ela diz, parecendo um pouco nervosa. “Então, preciso trabalhar nos próximos dias.” “Oh, uh, tudo bem”, respondo. “Estava pensando que se estava falando sério sobre nadar, poderíamos fazer isso hoje? Ou não. Tanto faz. Nós simplesmente não teremos tempo amanhã. Realmente não é problema se estiver ocupado...” “Morgan”, digo, interrompendo-a. “Não estou ocupado. Vim aqui para ver Etta.” “Oh. Certo.” “Então, sim. Venha quando quiser. Estarei aqui o dia todo.” “Legal”, ela diz, sua voz mais calma agora. “Então vou apenas arruma-la e podemos ir. Onde está ficando?” * * * Não vou mentir, comecei a ficar nervoso no segundo em que desliguei o telefone. É embaraçoso, mesmo que ninguém esteja lá para ver. Minhas mãos estão meio úmidas e fiquei no meio do quarto, olhando em volta como um lunático. Nem sei o que estou procurando.

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Estava menos nervoso quando bati em sua porta mais cedo. Pelo menos naquele momento senti que tinha um propósito. Estava lá por uma razão específica, e fui para a situação com um plano. Não tenho um plano agora. Não, agora vou passar um tempo com uma sobrinha que acabei de conhecer e uma mulher que não conheço. Normalmente sou legal com pessoas que acabei de conhecer, mas essa situação está fora da minha zona de conforto. Estou seriamente atraído por essa mulher, e isso me faz sentir todo tipo de culpa e medo, e essa não é a pior parte. É realmente importante que Morgan goste e confie em mim. Tenho que ter certeza que ela goste e confie. As apostas são tão altas. Andando até minha bolsa, tento lembrar se coloquei um calção de banho. Não exatamente planejei agir como se estivesse de férias na Califórnia. Tiro tudo da mochila e xingo enquanto procuro. Não trouxe nenhum. Por que as convidei para nadar ao invés de outra coisa? Nós estamos em Anaheim, pelo amor de Deus. Poderia ter levado-as para a Disneylândia, completamente vestido. O único short que tenho, que até parece com algo que usaria para nadar, é um preto. Terá que servir. Não tenho tempo de ir às compras para algo melhor, e as comodidades do hotel não incluem mais do que um lanche. Olho para mim mesmo depois que vesti o short e xingo novamente. “Foda-se!” Ajusto-o sobre minha bunda nua, e está praticamente indecente. Não há como eu sair da água nessa coisa, a menos que queira que todos na piscina saibam que sou circuncidado. Fazendo careta, retiro o short e visto uma cueca por baixo.

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Pergunto-me o que Henry diria se pudesse me ver estressado sobre meu encontro com o que deveria ter sido sua família. Ele ficaria chateado com o quão atraído estou por Morgan? Orgulhoso de Etta? Ciumento que estou passando um tempo com elas? Arrependido? Ele teria sequer se importado? Vinte minutos depois, enquanto ando em frente ao hotel como uma idiota, vejo Morgan vindo em minha direção, lutando com uma sacola enorme enquanto tenta conduzir Etta pelo estacionamento. A bebê está interessada em tudo, e não posso deixar de rir quando elas chegam a um pequeno jardim e ela tenta sentar para poder ver algumas pedras. “Você pode ajudar, sabe”, chama Morgan, rindo enquanto tenta direcionar Etta. Ela diz algo que não posso ouvir, e então elas estão se movendo de novo. Repreendido, encontro-as no meio do caminho e tiro a sacola pesada do ombro de Morgan. “Bom Deus, mulher”, murmuro, fingindo tropeçar. “O que há nessa coisa?” “Roupas”, diz ela, levantando Etta em seus braços. “Petiscos, fraldas, lenços umedecidos, cobertor, um bicho de pelúcia, toalhas, boias e alguns tijolos.” Seu rosto não muda de expressão, fazendo-me rir. “Não tenho certeza se as boias vão funcionar se planeja adicionar tijolos.” “Os tijolos são para mim”, ela brinca enquanto seguro a porta do saguão para elas. “Preciso de exercício.” “Não, você não precisa”, digo sem pensar quando ela passa por mim. Jesus, o que há de errado comigo? A parte de trás do meu pescoço aquece quando ela bufa em resposta.

#3


“A piscina é por aqui.” Aponto e tento fingir que não acabei de flertar com ela sem pensar conscientemente. Felizmente, Morgan é do tipo que deixa as coisas correrem e me segue com nada além de um aceno de cabeça. “Você quer nadar?” Ela pergunta a Etta enquanto caminhamos para a piscina. O lugar está bem deserto, já que é meio do dia no meio da semana. Vi famílias saindo do ônibus que parou em frente ao hotel naquela manhã, e imagino que a maioria provavelmente está nos parques temáticos da cidade fazendo suas coisas. Tiro minha camisa e sandálias enquanto Morgan prepara Etta para nadar. Ambas usam maiôs, mas essa é praticamente a única semelhança entre as duas peças de roupa. O maiô de Morgan tem recortes em lugares muito estratégicos e preciso cerrar a mandíbula para evitar que ela caia. A mulher tem algumas tatuagens lindas, ou talvez seja apenas uma tatuagem, mas é enorme. Ela se espalha do alto da coxa até a cintura e termina em seu ombro, deixando o braço nu. Posso ver apenas partes, mas parecem flores brilhantes e vibrantes conectadas por ramos emaranhados. Eu teria desistido de um ano da minha vida para ver as partes escondidas pelo maiô. A pele de Etta é o oposto – tão perfeita e pálida que sou grato pela piscina coberta. Não tenho certeza de como até mesmo o protetor solar poderia evitar que sua pele delicada queime. Seu pequeno maiô é preto com minúsculas flores vermelhas e parece uma réplica de um maiô dos anos 40. Isso é adorável, e me lembra de algo que Ani colocaria na minha sobrinha, Arielle. “Eu nadar”, Etta me diz, andando até onde estou de pé. “Vou nadar de maiô.” Ela aponta para o peito. “Eu vou nadar de calcinha.” Ela aponta para seu quadril.

#3


“Não conte às pessoas sobre sua calcinha de natação”, Morgan repreende brincando, rindo enquanto se abaixa e levanta Etta no ar. “Seleias”, Etta me informa com um aceno de cabeça, apontando para seu quadril novamente. Morgan encontra meu olhar e revira os olhos, rindo. “Sereias”, ela esclarece. “Ainda estamos trabalhando em tópicos aceitáveis de conversação.” “A minha é uma cueca preta e chata”, digo a Etta, fazendo uma careta quando percebi o quão assustador a palavra soa saindo da minha boca. Rapidamente aponto para o cós da minha cueca que está aparecendo no topo da bermuda, num esforço para avançar na conversa. “Chaaaato.” “Chato", Etta diz, franzindo os lábios com compaixão. Morgan ri enquanto leva Etta para os degraus da piscina e a coloca no chão para que possam entrar juntas. “Merda”, ela murmura. “Espere, docinho. Esqueci suas boias.” “Eu posso pega-las”, asseguro, levantando a mão quando Etta começa a se preocupar em ser puxada para fora da piscina. “Elas estão bem no topo da bolsa”, responde Morgan, dando-me permissão para tocar em suas coisas. “Boias legais”, falo para Etta quando as encontro debaixo das toalhas de praia. É realmente mais um colete salva-vidas do que os boias que usamos quando criança. Entrego-as a Morgan e observo enquanto ela enrosca os braços de Etta nas pequenas cavas, de modo que a parte fofa do salva vidas está no peito, depois afivela toda a engenhoca nas costas.

#3


“Eles funcionam muito bem”, Morgan me diz quando deslizo para a piscina. “Vá em frente, baby”, diz ela para Etta. “Mergulhe.” Meu coração praticamente para quando Etta pula da escada em que estava e desaparece debaixo d'água, só para subir com um grito. A água não é profunda, talvez cerca de um metro, mas não é para tocar no fundo. “Eu fico de olho”, Morgan me diz com segurança enquanto senta na escada da piscina. “Mas ela gosta de nadar por conta própria.” “Ela não tem medo”, digo, engolindo em seco quando Etta arqueia as costas até estar flutuando, com o rosto voltado para o teto. Sua cabeça continua mergulhando mais na água enquanto tenta levantar os pés mais alto. Minhas mãos estão inquietas com a necessidade de ir cuida-la. “Não, por que ela deveria?” Morgan pergunta, fria como gelo. “Ela sabe que estou aqui.” “Boa mamãe”, murmuro, ainda observando Etta quando ela rola de lado e começa a fazer canguru na piscina. Isso é melhor. Ela parece um pouco mais firme quando está se movendo. “Eh”, Morgan diz facilmente. “Eu tento.” Leva alguns segundos para saber do que ela estava falando, de tão focado em Etta. “Conheço muitas crianças mais velhas que ela que surtam na água”, digo, finalmente virando a cabeça para olhá-la enquanto me inclino contra a borda da piscina. “Acho que provavelmente pelo nervosismo dos pais”, Morgan responde com um aceno de cabeça. “As crianças aprendem essas coisas. Minha mãe morria de medo de

#3


montanhas-russas, e ainda não consigo me aproximar de uma, mesmo que logicamente eu saiba que são seguras.” “Você mora no sul da Califórnia e não vai em montanhasrussas?” Pergunto quando Etta se dirige para mim. “Há mais do que parques de diversões aqui”, Morgan repreende com uma risadinha. “Mas, para ficar claro, faço passeios, só não entro nas montanhas-russas ao ar livre.” “Então, você está bem com passeios de bebê.” “Tanto faz.” Ela ri e joga água na minha direção. “Não espirra água!” Etta repreende quando chega até mim. “Desculpe”, espirrar água.”

responde

Morgan. “Você

está

certa,

sem

“Você não gosta de água na sua cara?” Pergunto, agachando assim eu estou cara a cara com a minúscula nadadora. “Eu também não.” Ela diz algo que eu não posso entender, mas pela expressão no rosto e tom, parece uma crítica violenta sobre os males de espirrar água. “Ela não gosta quando a água entra em seus olhos”, traduz Morgan quando Etta vira e começa a nadar novamente. “Lavar o cabelo dela é um maldito pesadelo. Ela nada como um peixe, e percebo perfeitamente a ironia da situação.” “Tenho um sobrinho que é da mesma forma”, respondo. “Não a parte de natação, mas a aversão a lavar o cabelo.” “Você tem muitas sobrinhas e sobrinhos?” “Seis”, respondo. “Bem, com Etta, sete.”

#3


“Isso é incrível”, Morgan responde, sorrindo enquanto observamos Etta nadar. “Minha irmã ainda não tem filhos, então Etta é a única neta.” “Sim, Shane – meu irmão adotivo, você não o conheceu, eu acho – e minha prima Kate tem cinco. Então meu primo Bram tem um.” “Eu me lembro de Bram. Ele é gêmeo, certo?” “Certo.” “Ele é o chato?” “Certo novamente.” Sorrio. “O nome de seu gêmeo é Alex.” “Alex é o fofo”, diz ela, seus lábios se contorcendo enquanto murmura. “Se você diz.” Discutir o quão fofo Alex é pode estar entre as dez principais coisas que nunca quero discutir com a mulher sentada ao meu lado. “Todo mundo disse isso”, ela responde com uma risada. “De qualquer forma”, murmuro, mudando assunto. “Etta tem um monte de primos para brincar.”

de

“Isso é incrível”, diz Morgan. “Você...” Limpo minha garganta e começo novamente. “Você acha que seria legal conhecê-los? Há muitos de nós, mas talvez eles possam vir em grupos ou algo assim.” A risada de Morgan soa quase como um latido, e sua mão levanta para cobrir sua boca. “Vir em grupos?” Pergunta ela, com os olhos enrugados nos cantos enquanto tenta conter o riso. “Não quero que se sinta oprimida-”

#3


“Trevor, vaguei por lares adotivos durante dois anos quando era adolescente. Sua família não vai me sobrecarregar.” “Bem, isso é bom”, digo, parando quando Etta pula das escadas para a piscina novamente. “Porque todos querem conhecer vocês.” “Parece bem para mim”, ela olhar. “Nós vamos fazer acontecer.”

responde,

desviando

o

“Sim, meio difícil com meus pais no Oregon”, digo, pegando o tom hesitante de suas palavras. “Mas Shane, Kate e as crianças moram aqui, nos arredores de San Diego.” “Não brinca?” Morgan diz. “Sim. Ela esteve me incomodando para vir conhecê-las desde que descobrimos sobre vocês.” “Ela pode vir nos ver.” Morgan encolhe os ombros. “Quero dizer, tenho que trabalhar e coisas assim, isso vai depender da nossa agenda.” “Eu vou avisá-la”, respondo, decidindo nesse momento que darei alguns dias antes de dizer a Kate tal coisa. Morgan está sendo muito legal em deixar Etta ver nosso lado da família. Ela foi gentil e acolhedora comigo desde o minuto em que me viu em sua porta, e até concordou em trazer Etta para sair comigo, mas posso dizer pela forma como seu corpo ficou tenso que ela está se sentindo um pouco encurralada. Não quero que se sinta assim. Se ela vai ter um relacionamento conosco, precisa saber que não vamos tentar pressiona-la ou assumir sua vida. Pelo menos é o que falo repetidamente em minha mente. Se for honesto comigo mesmo, uma pequena parte quer forçar a questão, mesmo sabendo que é um movimento idiota.

#3


“Então, o que faz redirecionando nossa conversa.

para

viver?”

Pergunto,

“O que você faz para viver?” Ela devolve. “Gerencio a empresa madeireira da família”, respondo com facilidade. “Eu e Bram praticamente administramos tudo agora que nossos pais estão semi-aposentados.” “Interessante”, diz ela. Suas mãos deslizam pela superfície da água, indo e vindo num padrão hipnotizante. Elas são delicadas, assim como o resto dela, e ela usa um fino anel de ouro no mindinho de sua mão direita. “Encanadora?” Digo, brincando. “Mestre de obras? Sinalizadora? Especialista em demolição subaquática?” “O que, acha que não poderia fazer essas coisas?” Ela pergunta acusadoramente. “Inferno, aposto que poderia fazer qualquer uma delas”, respondo, rapidamente percebendo meu erro. “Mas não tem o bronzeado para construção ou sinalização, e nunca conheci um especialista em demolição subaquática, mas tenho certeza que estão montando em dinheiro e sua casa é meio pequena...” “Ei!” “...e simplesmente não consigo te imaginar destruindo as coisas de outras pessoas todos os dias.” “Talvez eu apenas cuide muito bem da minha pele”, ela argumenta, sorrindo. “Não tem jeito”, sorrio. “Quer dizer, tenho certeza que sim. Mas é impossível estar ao sol durante todo o dia, mesmo com protetor solar, e não ter um bronzeado.” “Tenho um pouco de aparência vampírica.”

#3


“Surpreendente, considerando onde mora.” “Eu realmente cuido bem da minha pele”, ela sussurra fingindo conspirar, antes de elevar a voz a um nível normal novamente. “Mas está certo. Não trabalho ao ar livre. Eu na verdade trabalho num estúdio de tatuagem.” “Oh sim?” Olho a tatuagem em seu ombro, não deixando meus olhos vagarem mais para o sul, embora eu realmente queira. “Sim, faço piercings, no entanto.” “Legal.” Balanço a cabeça. Não tenho piercings, nunca furei as orelhas, mas conheço muitas pessoas que tem. Ani tem alguns diferentes, sempre os adicionando quando sente vontade, e atualmente tem um anel de septo. “Você já teve que perfurar algum lugar interessante?” “Já perfurei tudo”, ela responde, com um revirar de olhos. “Etta”, ela chama, “volte para cá, baby.” Ela espera até que Etta esteja um pouco mais perto de nós, depois volta a encostar-se aos degraus. “Vou dizer que mulheres geralmente choramingam muito menos que os homens. Maior tolerância à dor.” “Sério?” “Oh sim. Você não acreditaria na quantidade de caras que entram, planejando perfurar seus paus como aposta, e ficam completamente doidos quando veem a agulha. Foi pior em San Diego, no entanto. Metade dos idiotas entrava com um pouco de coragem líquida e precisávamos dispensa-los. Nada de piercings ou tatuagens se estiver bêbado.” “Sim, perfurar meu membro nunca foi uma aspiração”, murmuro, encolhendo-me com o pensamento. Secretamente

#3


deslizo minhas mãos para longe do pau quando percebo que o segurei na minha frente num movimento de proteção instintivo. “Coisas diferentes”, ela diz com um encolher de ombros. “As mulheres geralmente vêm porque querem o piercing e só terminar antes de perder a coragem.” “Eu imagino que dói para...” Eu paro de falar e olho Etta antes que o caralho saia da minha boca. “Eu não sei. As tatuagens demoram muito mais tempo, e muito mais pessoas as têm. Sentar numa cadeira por horas enquanto alguém o pica repetidas vezes, ou gastar cinco minutos e terminar, sabe?” “Vou aceitar seu conselho nisso”, digo, quando Etta decide me agraciar com sua presença novamente. “Seu nome?” Ela pergunta. “Meu nome é Trevor, lembra?” “Twevo.” “Sim.” “Twevo”, ela diz meu nome e depois continua a falar, mas não tenho ideia do que ela está tentando me dizer. Presto atenção numa palavra que possa me dar uma pista, mas não ouço nenhuma que pareça vagamente familiar. “Quer que a gente nade com você?” Morgan pergunta. “Twevo”, Etta esclarece. “Ei, e eu?” Morgan age ofendida. “Sou sua melhor amiga!” Etta suspira como se estivesse realmente chateada, depois dá uma risadinha quando Morgan mergulha embaixo da água e nada para onde estamos.

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Morgan aparece a poucos centímetros de Etta e o gritinho que a garotinha solta praticamente balança as paredes enquanto ela se move para longe. Sorrindo para mim, Morgan mergulha de volta na água enquanto Etta grita de alegria, se debatendo na parte rasa da piscina. Mais uma vez, assim que Etta tenta encontrar sua mãe debaixo d'água, Morgan aparece e a assusta, fazendo-a gritar de tanto rir. Estava aguentando firme até este ponto, mas observá-las brincar quase me deixa de joelhos. Nunca vi nada mais bonito na vida. Etta começa a molhar sua mãe quando mergulho para nadar em direção a elas, meu coração na garganta. “Ei, pensei que combinamos nada de espirrar água”, digo, rudemente enquanto lentamente sigo na direção delas. “Oh, isso é só para nós”, Morgan responde brincando, fazendo sons confusos quando balança os dedos para Etta como se ela fosse pegá-la. “A regra não se aplica à senhorita Henrietta.” “Oh, não, Etta!” Morgan avisa quando mergulho na água. “Trevor vai te pegar!” Mergulho bem a tempo de ver as perninhas de Etta a um milhão de quilômetros por hora enquanto ela tenta nadar ao meu redor. Seus movimentos são desordenados e parecem que não a levarão a lugar nenhum, mas ela se move rapidamente pela piscina enquanto a sigo, finalmente aparecendo quando fico sem ar. Assim que sugo um pouco de oxigênio, meu rosto está completamente submerso de novo no lençol de água que Etta de alguma forma me mandou. “Não, Twevo!” Etta grita, mas está rindo tanto que mal consegue recuperar o fôlego.

#3


Deixo-a se afastar e vejo quando ela percebe que não pode mais ver sua mãe onde ela a havia deixado antes. Seus olhos se arregalam quando ela procura na piscina, então se fecham quando ela grita no momento que Morgan aparece ao lado. Nós nos revezamos seguindo Etta ao redor da piscina por mais de uma hora, deixando-a se cansar enquanto tenta nadar para longe de nós uma e outra vez. Morgan e eu não estamos nem respirando pesadamente, mas quando decidimos sair da piscina, Etta está completamente esgotada. Ela nem se incomoda quando Morgan lhe diz que é hora de ir. “Twevo”, Etta chama quando se aproxima dos degraus e desajeitadamente se estica para mim. “Levanta.” Olho para Morgan, que parece despreocupada, então levanto Etta em meus braços. Ela é tão leve que é inacreditável. Como disse a Morgan, tenho muitas sobrinhas e sobrinhos, mas Etta é bem menor do que qualquer um deles, e é realmente notável quando a seguro. Sorrio quando os olhos de Etta encontram os meus. É incrível como alguém tão leve também pode parecer incrivelmente pesada. Jesus, sinto falta do meu irmão. Etta baixa a cabeça para meu ombro enquanto a levo para as cadeiras onde deixamos nossas coisas, e instintivamente levanto a mão para esfregar suavemente suas costas. A garota é uma figura, não há dúvidas sobre isso. Ela é ousada, exigente e um pouco mimada, mas, Deus, ela é doce. Solto a boia e a tiro quando Morgan nos segue da piscina. A coisa flutuante está encharcada e pesada, e não tenho certeza de onde colocá-la. “Pode colocar no chão”, diz Morgan, pegando uma toalha e enrolando-a em torno de si. “Trouxe um saco de plástico para colocá-la até chegarmos em casa.”

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Balanço a cabeça, então deixo Morgan enrolar uma toalha em Etta e colocá-la entre nós. “Eu a deixaria no maiô até chegarmos em casa, mas tenho certeza que ela vai desmaiar no carro”, diz Morgan, olhando ao redor do ambiente. “Você sabe onde estão os banheiros?” “Pode troca-la no meu quarto, se quiser.” Encontro seus olhos quando suas sobrancelhas se levantam de surpresa. Merda. Convidá-la para meu quarto é estranho, não? Ela mal me conhece. Evito uma careta enquanto espero por sua resposta.

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CAPÍTULO 6 Morgan

Estar com Trevor é fácil. Não esperava isso. Embora já tivesse percebido que ele é um cara legal, ainda não havia notado que seria alguém com quem me sentiria confortável logo de cara. É verdade, no entanto. Quanto mais ficamos juntos, mais confortável me sinto, e não é nem por causa de alguma coisa específica que ele fez. Ele está apenas lá. Rápido com uma resposta, engraçado, descontraído. Sigo-o até seu quarto de hotel enquanto Etta murmura sonolenta contra o ombro dele, e sei que não estou tomando a decisão mais inteligente da minha vida. Quer dizer, claro, não recebo nenhuma vibração estranha dele, mas ainda é alguém que acabo de conhecer. Conhecer um ao outro quando crianças não é realmente um respaldo. Já conheci um cara durante minha infância; nós brincávamos juntos porque nossos pais eram amigos, e o considerei alguém que ‘conhecia’ relativamente bem – até que soube que ele foi preso por drogar e estuprar uma garota. As pessoas são estranhas assim. Você nunca as conhece até que estejam confortáveis o bastante para mostrar suas verdadeiras cores. Às vezes, se tiver sorte, alguém se abre logo de cara; outras vezes nunca vê a pessoa real além da fachada.

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Minha irmã vai perder a cabeça, penso enquanto sigo Trevor para seu quarto. Faço uma pausa para discretamente pressionar a trava deslizante entre a porta e a moldura para que ela não feche por completo e haja um centímetro de corredor visível através da abertura. Trevor olha por cima do ombro para mim e claramente nota o que fiz, mas dá um pequeno sorriso, como se não o incomodasse nem um pouco. “Desce”, Etta exige, levantando a cabeça. Assim que seus pés encontram o chão, ela vai explorar o quarto. Pego uma fralda e algumas roupas enquanto ela abre as gavetas e a geladeira debaixo do balcão, fascinada. “Vou me trocar no banheiro”, diz Trevor, levantando uma mochila do balcão. “Dar a vocês alguma privacidade. Apenas bata quando for seguro sair.” “Obrigada”, digo quando ele entra no banheiro e fecha a porta atrás de si. Vagamente, pergunto-me quanto tempo ele ficará lá se eu não bater. A cama em que deixei minha bolsa parece muito mais macia do que a que tenho em casa, e parece bem convidativa depois do nosso longo dia. Preciso dar o fora antes de ficar mais confortável. Se estou realmente pensando sobre quão convidativa a cama de hotel de um homem estranho parece, preciso levar minha bunda para casa. Não tenho tempo para esse tipo de porcaria em minha vida, especialmente não o tipo que vem com a bagagem que Trevor carrega. “Henrietta”, canto suavemente, ignorando o desejo de correr. “Henrietta, venha para a mamãe, é hora de se vestir.” Canto uma melodia que fiz quando ela era apenas um bebê. Ela sempre amou quando canto suavemente, mas naquela época não conhecia uma única música infantil. No meio

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daquelas primeiras noites, quando nada parecia acalmá-la e eu estava três níveis acima da exaustão, nunca conseguia lembrar de nenhuma música. “Henwyetta”, ela canta de volta, enquanto se aproxima de mim. Tiro o maiô e a fralda enquanto continuo a cantar, ocasionalmente olhando a porta do banheiro para ter certeza de que Trevor ainda está fechado lá dentro. “Henrietta, você está toda molhada, o que tem feito no mundo? Henrietta, vamos vestir você, para que possa ficar agradável e acolhedora.” Ela cantarola enquanto prendo sua fralda e puxo um vestido de verão sobre sua cabeça. Deixo-a caminhar pelo quarto de novo enquanto rapidamente coloco um vestido e prendo meu cabelo num coque no topo da cabeça. Lidarei com a bagunça emaranhada mais tarde quando tiver condicionador e puder realmente demorar nisso. “Quer bater na porta?” Pergunto, em pé desajeitadamente ao lado da cama. Começo a ficar desconfortável, e meio que desejo que possamos sair sem dizer adeus. “Vá ver se Trevor está pronto?” Sorrio enquanto ela corre pelo quarto e começa a bater – e então não para. Ela ainda não percebeu que algumas batidas serviriam então apenas bate até a porta abrir ligeiramente. “Esse é meu sinal?” Trevor pergunta, nem mesmo olhar através da porta. “Sim.” A porta abre mais e ele fica parado de bermuda e camiseta branca, sorrindo. “Não tinha certeza se era um alarme falso ou não”, diz ele, olhando para Etta.

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“Eu a deixei bater”, respondo. Tenho certeza que estou encarando, mas droga. Aquela camisa faz todo tipo de coisas para seus ombros e peito. Estou olhando para ele sem camisa por horas, mas a camiseta branca está de alguma forma apertando todos os meus botões de uma só vez. “Eu notei”, diz ele, agachando-se na frente de Etta. “Bom trabalho, amendoim.” “Trabalho, mendoim”, Etta imita, saltando um pouco para cima e para baixo. “Você estava cantando?” Ele pergunta, olhando-me. Um sorriso envergonhado cruza meus lábios, mas tento realmente ficar calma. “Você ouviu, hein?” “Apenas a melodia”, responde ele. “Calcinha vermelha”, Etta interrompe, inclinando-se para o lado até que ele não pode ver nada além dela. “Calcinha vermelha.” Então ela levanta o vestido para mostrar a Trevor sua fralda, me fazendo soltar uma risada. “Oh Deus”, digo, cobrindo meu rosto com a mão. “Tenho muito problema com ela.” “Calcinha vermelha legal”, Trevor responde a Etta, seu sorriso crescendo. “Você gosta de vermelho?” “Sim.” Ela concorda com a cabeça resolutamente, então fica entediada com a conversa e vira para brincar com a mini geladeira novamente. “Isso é uma fralda de pano?” Trevor pergunta, levantandose. “Sim. Nós usamos desde que ela era pequena.” Sorrio um pouco, mas não consigo interpretar o olhar em seu rosto. Quero

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sair daqui, mas não tenho ideia de como ir sem parecer uma idiota. As mulheres nos filmes sempre têm uma maneira fácil de dizer que precisam sair, mas isso não acontece na vida real. Nunca encontrei uma maneira não estranha de dizer a alguém que preciso ir. Normalmente, só soa rude. “Se está usando fraldas de pano, porque precisa de dinheiro e não quer aproveitar o pagamento do seguro”, diz ele lentamente, interrompendo meus pensamentos. Seus olhos não são nada além de gentis. “Eu posso-” “Deus”, digo, interrompendo-o. “Você é legal demais. Sério, como no céu você é tão legal?” Agora sinto-me ainda pior por querer fugir. Esse cara é de verdade? “Céu”, ele murmura, balançando a cabeça para a palavra que usei como xingamento. “Sério, Morgan.” “Oh, sei que está falando sério”, digo, meus lábios curvando. “Mas estamos totalmente bem.” “Você tem certeza?” “Positivo”, respondo. “Nós estamos muito bem.” “Eu sinto muito. Só pensei...” Ele não termina a frase enquanto aponta vagamente para Etta em sua fralda de pano. “Fraldas de pano são na verdade muito caras”, informo a ele. “Pelo menos no começo. Ela tem as mesmas a mais de um ano, então o custo é baixo agora, mas quando estava construindo o estoque, ficou bastante caro.” “Mesmo?” “Sim. Em qualquer lugar entre dez a trinta e cinco dólares por fralda, geralmente.” Essas fraldas vieram lentamente para nós. Precisei economizar aqui e ali, guardando notas de

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cinco dólares quando as tinha até ter o suficiente para cada uma. “Jesus.” “A coisa legal sobre elas, no entanto, é que são de um tamanho, então ela as usa por muito tempo. Não vou precisar mais comprar, ela só vai usá-las até que aprenda a ir ao banheiro.” “Por que, uh, por que decidiu pergunta. “Se não for uma pergunta rude.”

fazer

isso?”

Ele

Sorrio. “Nem um pouco.” Etta vem em minha direção e sento, puxando-a para meu colo. Pego seu coberto e o bicho da nossa bolsa. Assim que ela os segura, ela coloca o polegar na boca e seu corpo relaxa contra o meu. “Então, quando ela era pequena, estávamos em necessidade financeira”, sorrio tristemente, lembrando-me do quanto ficamos necessitadas. “E eu de alguma forma me vi numa sala de bate-papo com todas aquelas mães que estavam usando fraldas de pano e adoravam. No começo, comprei o que pude, capas impermeáveis de segunda mão, fraldas largas e antiquadas feitas de toalhas, coisas assim. Loucamente, funcionou melhor do que eu esperava. Eventualmente, comprei algumas fraldas mais caras e fáceis de usar sempre que tinha um pouco de dinheiro extra, e agora ela está toda abastecida.” “Huh”, Trevor diz contemplativamente. “Além disso, ela não está enchendo os aterros com seu cocô”, aponto o dedo no ar. “Tudo verde, baby.” “Sempre um adicional”, diz Trevor, rindo. “Não gostaria de limpar cocô de fraldas, mas sem julgamento.” Reviro meus olhos em diversão. “Quando é seu filho, é diferente. Além disso, sabe quantas vezes ela fez cocô nas

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fraldas descartáveis? Isso foi desagradável. Precisei limpá-la do pescoço para baixo e ainda lavar o cocô das roupas, então...” “Já entendi”, diz Trevor, levantando as mãos em sinal de rendição. Ele está inclinado casualmente contra o balcão na outra extremidade do quarto, com os pés descalços cruzados nos tornozelos. “E as fraldas que ela usa agora não têm nenhum produto químico esfregando contra sua pele o dia todo...” “Você venceu”, Trevor interrompe, seu sorriso enorme. “Você é um gênio e ainda sou apenas um defensor de fraldas descartáveis.” “Ainda?” “Fraldas de pano até o provocativamente. “Fui convertido.”

fim,

agora”,

diz

ele

“Sempre soube que faria diferença no mundo”, brinco melancolicamente, fazendo-o rir. “Parece que ela está apagando”, ele responde, apontando para Etta. Balanço a cabeça sem olhá-la. Senti seu corpo ficar mole no momento em que ela adormeceu. “Eu provavelmente deveria levá-la para casa”, digo, certificando-me que não deixei nada na cama antes de ficar de pé. Finalmente tenho um motivo legítimo para sair. “Vou levar isso para você”, Trevor insiste quando puxa nossa bolsa da minha mão. “Posso te acompanhar até lá.” Ficamos calados enquanto seguimos para meu carro. Não é um silêncio constrangedor, como foi antes, mas parece que nenhum de nós sabe o que dizer, porque não temos ideia de quando vamos nos ver novamente. Ele mora no Oregon e não

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tenho certeza de quanto tempo ficará por aqui, mas preciso trabalhar nos próximos seis dias e não há como conseguir arrumar tempo para ele ver Etta. Quando chego em casa do trabalho todos os dias, Etta e eu estamos exaustas. “Obrigado por me deixar vê-la”, diz Trevor depois que afivelei Etta ainda dormindo em seu assento do carro. “De verdade. Obrigado.” “Claro”, respondo com um sorriso. Por mais que queira manter Etta só para mim e esteja com medo do que a família Harris aparecendo em sua vida pudesse significar, não sou um monstro. “Então, entrarei em contato com você sobre visitas e outras coisas?” “Parece bom.” Balanço a cabeça. No fundo da minha mente, sei que sempre posso cancelar com eles se precisar, especialmente com eles vivendo em outro estado. “Foi muito bom te conhecer... de novo.” “Você também”, respondo, e quis dizer isso. Um abraço desajeitado depois e estou no meu carro, indo para casa. Foi um dia estranho, minhas emoções estão fora de controle. Não posso esperar para chegar em casa e poder me sentar com uma xícara de café e tentar entender o impacto que a família Harris terá em nossas vidas. * * * Tarde da noite, estou enrolada num cobertor no sofá assistindo TV quando meu telefone toca com uma nova mensagem. Meus olhos se arregalam quando o nome de Trevor aparece na tela.

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Queria agradecer novamente por hoje. Não posso nem explicar como foi ver um pouco de Henry em Etta. Sorrio e engulo o nó na garganta. Entendo como Trevor se sente. Tenho que olhar a pequena cópia do rosto de Henry todos os dias. Tenho certeza que em algum momento não pensarei nele com a mesma frequência, mas agora, é difícil ignorar a semelhança. Henry e eu não éramos próximos. Ele era meio impossível de se aproximar, e nunca tentei muito. Nosso relacionamento, por falta de uma palavra melhor, foi nada mais do que uma maneira de aliviar a pressão. Nós saímos por alguns meses, geralmente com um grupo de amigos dele, e na maioria acabamos nus no fim da noite. Henry era muito divertido, mas mesmo que estivesse procurando pelo meu para sempre, sabia desde cedo que ele não era alguém que queria a longo prazo. Ele era um cara legal, e o considerava um amigo, mesmo depois de deixar claro que ele não poderia ser o pai de Etta. O cara tinha um monte de problemas que escondia do mundo, e não posso culpá-lo por isso. Disse a mim mesma que todos temos coisas que tentamos lidar da melhor forma possível. Ninguém é perfeito, especialmente eu. Clico na mensagem e sento com meus polegares posicionados na tela do telefone, sem saber como quero responder. De nada, finalmente digito. Fico feliz que Etta tenha uma família que quer conhecê-la. Fiquei nervosa com tudo isso. Sua resposta é quase instantânea. Nervosa? Como explico todos os medos que vem me atormentando desde o nascimento de Etta? Parte de mim se sentiu aliviada quando Henry decidiu se distanciar completamente. Eu me preocupo sobre como Etta se sentirá sobre sua decisão quando

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for mais velha, mas também tenho uma sensação de conforto, sabendo que ela é toda minha. Tenho certeza que isso me fez uma pessoa horrível, mas não posso evitar. Nunca teria tomado essa decisão por Henry, nunca poderia ter tirado seus direitos se ele quisesse. No entanto, saber que ele não queria um relacionamento com Etta me fez sentir mais segura. Quando era criança, minha mãe nos tirou do meu pai sem motivo e nos levou da Central California para o Oregon. Nunca a perdoei por isso, e nunca faria isso com Etta. O outro lado disso tinha sido o constante medo de que Henry mudasse de ideia e tentasse tirar a minha filha de mim. Ter um filho era assustador, ponto final. Ter um filho com alguém com quem você não compartilha sua vida tornou-o infinitamente mais assustador de várias maneiras. A solidão foi horrível no começo, e quando misturado com o medo de compartilhar meu bebê com alguém que não parecia querer nenhum papel sólido em sua vida? Bem, isso foi muito devastador para se pensar. Eu só não sabia o que sua família faria, respondo. Você sempre ouve histórias de terror sobre coisas assim. A família de Henry me assustou mais porque eles tinham um histórico de aceitar crianças que não eram deles. Era admirável o modo como eles aceitaram filhos adotivos. Eu não tinha certeza de como eles conseguiram fazer isso. Eu tinha certeza que não teria forças para criar meus filhos, sabendo que provavelmente teria que devolvê-los. Mas isso também significava que eles tinham conhecimento e contatos para poderem tomar Etta. Não foi lógico. Eu sabia. Etta está segura, feliz e cuidada, e os tribunais geralmente favorecem as mães em situações como essa. Meus medos não eram racionais; eles eram o resultado de

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uma vida vivida em uma série de hotéis com minha mãe e vários lares adotivos enquanto meu pai lutava para trazer minha irmã de volta. Eu aprendi da maneira mais difícil que os tribunais nem sempre funcionam do jeito que deveriam. Meu coração dispara um pouco enquanto espero por Trevor me mandar uma mensagem. Espero não tê-lo ofendido, mas estou tentando ser honesta. Bem, tão honesta quanto estou disposta a ser, considerando o fato de que ainda estou muito assustada por ele ter aparecido. Sorte para nós dois, minha família é ótima. Como eles estão? Pergunto, curiosa sobre eles. Lembro de seus pais com carinho, mesmo que eles me assustassem. Não deve ter sido fácil perder um dos meninos. Não posso imaginar perder um filho. Eles estão bem. Em geral. Ainda lidando. Minha mãe está com mais dificuldade em aceitar, mas está aguentando. Henry era o bebê, certo? Sim. Ele é o mais novo. Você é o mais velho? Como pode dizer? Minha boa aparência distinta? Processo de eliminação. Não há apenas dois de vocês? ;) Beeeeep. Errado. Existem três. Shane está no meio. Apenas um pouco mais novo que eu. Não me lembro dele. Ele é adotivo, pode ter vindo depois que esteve lá? Não tenho certeza. Ele era bem velho quando se mudou, mas foi uma das crianças que ficou. Ele acabou casando com minha prima Kate.

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Incestuoso, hein? Sorrio abertamente. Ha! Talvez se ele tivesse crescido conosco. Honestamente, todos sabíamos que isso aconteceria eventualmente, mas eles demoraram uma eternidade para resolver a vida. Espere, eles são aqueles com todas as crianças? Certo. Sage, Keller, Gavin, Gunner e Iris. Os quatro primeiros são do primeiro casamento de Shane. Longa história, não pergunte. Isso é um MONTE de crianças. Nem me diga. Eles fazem funcionar embora. E quanto a você? Crianças? Suave, Morgan. Boa transição. Jesus, por que ainda estava falando com o cara? Nada de bom virá de uma amizade com Trevor Harris. Não. Ainda não há crianças minhas. Não encontrei alguém com quem quisesse estar por mais do que alguns meses, então... Eu também não. Brinco. Merda, não quis dizer dessa maneira. Não se preocupe. Etta foi a melhor surpresa que já tive. Como o natal e aniversário, tudo num só. Eu aposto. Ela é demais. Quando não respondo imediatamente, ele manda outra mensagem. Deixe-me falar algo tolo. Sempre tive muita certeza do fato de que não quero ser pai de meio período. Quero estar lá para tudo. Então, não planejei nenhuma criança, e também não houve

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nenhum imprevisto. Isso não quer dizer que não seria feliz com uma criança, não importa se estivesse com a mãe dela ou não. Suas tentativas de recuar são admiráveis e não posso deixar de rir. Ele não me ofendeu. Eu sei que a maneira como Etta foi concebida não é a situação ideal para a maioria das pessoas. Fiquei feliz, então tento não pensar nisso. Entendi. LOL. Eu quero filhos, no entanto. Eventualmente. O relógio está correndo. Você acabou de me dizer para ser paciente! Não muito. Agora você parece minha mãe. Ai. Não, eu amo minha mãe, então isso é uma coisa boa. O filho da mamãe, né? E não tenho vergonha de admitir. Sorrio com a resposta. Nossas mensagens estão voando de um lado para o outro tão rápido que não percebi que meu programa na TV acabou e o café esfriou. Sim, sou uma daquelas pessoas que tomam café à noite. É mais uma coisa de conforto para mim do que uma dose de cafeína. Meu pai sempre bebia café preto e isso me lembra de casa do jeito que outras pessoas diziam que chocolate quente lhes dá conforto semelhante. Não tenho nenhuma lembrança de chocolate quente. Sei que vai trabalhar a semana toda, então acho que vou para casa amanhã.

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O sorriso desaparece do meu rosto, embora saiba que definitivamente é uma coisa boa que Trevor esteja indo embora então Etta e eu podemos voltar às nossas vidas. Voltarei para visitá-las assim que puder – talvez possa trazer minha mãe e podemos planejar algo para que consiga alguns dias de folga. Claro, parece bom. Eu te mando mensagem. Não me incomodo com uma resposta. Já posso me sentir desligando e afastando dele. Não foi nada que ele fez ou deixou de fazer. Sempre tive o hábito de encaixar pessoas em pequenas caixas. Desenvolvi o hábito ao perambular por vários lares adotivos. Ser capaz de deixar as pessoas para trás, as boas e as ruins, e não pensar nelas de novo, foi a única maneira de eu sobreviver as mudanças. Se Trevor vai embora no dia seguinte, é hora de colocar sua caixa na estante até precisar lidar com isso novamente. É mais fácil desse jeito. Além disso, soube que no minuto em que ele apareceu na minha porta – sua expressão uma mistura de nervosismo e esperança – que não deixaria Trevor Harris bagunçar nossas vidas.

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CAPÍTULO 7 Trevor

“Mãe”, resmungo com exasperação. “Eu te escuto. Eu lhe disse que ela ainda não havia mandado uma mensagem e não mandou. Eu lhe direi quando souber de algo.” Estou em casa há pouco mais de duas semanas e minha mãe já está ansiosa para fazer uma viagem à Califórnia e ver a pequena Etta. Entendo sua impaciência, mas não há realmente nada que eu possa fazer para acelerar as coisas. Morgan e eu trocamos mensagens depois do dia em que nos conhecemos, mas esse contato diminuiu bastante. Não tenho certeza se ela apenas me deixou confortável por um tempo, ou se ela está muito ocupada agora, mas não retorna minhas mensagens com eficiência. Ela não está ignorando-as completamente, às vezes responde um dia depois, às vezes não até dois dias depois, mas sei que ela não quer falar comigo. Estou surpreso. Tive a impressão de que nos demos muito bem. Pensei que ela gostasse de mim. No entanto, não estou prestes a dizer a minha mãe, que espera ansiosamente, que Morgan decidiu que não quer nada comigo, mas parece muito educada para me ignorar completamente. Morgan concordou em deixar meus pais conhecerem Etta, e não disse que mudou de ideia. Isso é o mais importante, não importa como ela parece estar agindo em relação a mim agora.

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“Estou apenas ansiosa”, minha mãe diz com um encolher de ombros enquanto prepara o jantar. “E animada também. Você deveria ter tirado mais fotos.” “Não queria parecer tão assustador”, digo a ela pela centésima vez. Consegui tirar duas fotos de Etta, uma quando ela brincava no chão da casa dela e outra quando ela entrava na piscina em seu traje de banho, mas não tirei mais. Morgan parecia bastante descontraída, mas honestamente, aquelas duas fotos me fizeram sentir como um esquisito porque não pedi para tira-las. Não tenho certeza de como a mamãe urso se sentiria se soubesse. “Ela parece com Hen”, diz mãe, repetindo-se. “Não posso acreditar o quanto. Sua mãe não deve ter genes muito fortes.” “Ela é loira também”, lembro quando pego alguns pratos e começo a arrumar a mesa. “Ela não se parece com Hen, mas não é o oposto dele também.” “Eu não teria me importado de qualquer maneira”, diz mamãe em voz baixa. “Mas é legal, não acha?” “Sim, é muito legal.” Penso em como Morgan é linda. Etta definitivamente não teria perdido nada se ela se parecesse mais com a mãe. Henry e Morgan devem ter parecido estrelas de cinema quando saíram juntos. O pensamento faz meu estômago doer. “O que é muito legal?” Minha tia pergunta quando ela e meu tio entram pela porta dos fundos. “Quanto a bebê de Henry se parece com ele”, minha mãe responde, sorrindo. “É incrível.” “Não brinca”, minha tia responde, colocando um prato cheio de algo que cheira como o céu no balcão. Ela viu as fotos dezenas de vezes também. Ela e minha mãe as estudaram e

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examinaram repetidas vezes, falando sobre o quão feliz e saudável a bebê parecia, sobre o que sua linguagem corporal poderia significar e sobre que bonecas parecia preferir com base nos brinquedos da foto. É como se tivessem se transformado em detetives particulares, especialistas em linguagem corporal e psicólogas infantis da noite para o dia. E se for honesto, está ficando um pouco chato. Elas falam muito sobre Etta, mas não mencionam sua mãe. Sei que não é intencional porque elas não têm referência, mas eu a vi. Vi porque Etta está tão feliz. Por que parece destemida na piscina e perfeitamente feliz brincando sozinha no chão. Isso é tudo o que Morgan está fazendo. Ela está criando aquela garota destemida e feliz. Sempre que minha mãe menciona como Henry era destemido nessa idade – ele não era – ou como ele brincava sozinho – ele não brincava – preciso fechar bem minha boca contra a necessidade de discutir. Minha mãe ainda está de luto. Ela se lembra de Henry do jeito que quer, como o garoto feliz e confiante que ele se tornaria mais tarde, depois de anos vivendo num lar estável com pais amorosos. Por que tiraria isso dela? Eu não farei. Nem em um milhão de anos. “Não tenha medo, Arielle está aqui!” Ani diz enquanto leva Arie para a cozinha, estilo Lion King, o bebê gritando de alegria enquanto Ani a segura. “E estamos morrendo de fome.” “Eu trouxe cerveja”, diz Bram, esgotamento claro em sua voz. “Vou colocar no freezer.” Ele passa por mim sem nada além de um aceno de cabeça. Pelo que soube quando o vi no trabalho, Arielle não dorme à noite. Ani e a bebê conseguem recuperar um pouco do descanso durante o dia enquanto ele está no trabalho, mas ele

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praticamente dormiu em sua mesa a semana toda. Não parece que descansou muito no fim de semana também. “Estou cruzando os dedos que ela durma esta semana”, Ani anuncia, colocando Arielle numa das cadeiras altas ao lado da mesa da sala de jantar. “Em algum momento, ela vai se cansar o suficiente para dormir, certo?” “Ela ainda está te dando problemas, hein?” Tia Liz pergunta, alisando o cabelo de Arielle enquanto se move em torno da mesa. “Sim. O pediatra disse que esta fase é normal, mas merda. Estou prestes a dormir.” “Você?” Bram pergunta com um bufo. “Você cochila durante o dia.” “Mal”, diz Ani. “Se acha que estou dormindo o dia todo, sua cabeça está tão acima da...” “Crianças”, meu pai diz em aviso, calando os dois. “Sei que os dois estão cansados, sei que estão mal-humorados, mas diabos se vou ouvir isso. Discutam na casa de vocês.” Eu sorrio, então resmungo quando Ani me dá uma cotovelada enquanto ela passa. Meu pai e meu tio deixaram claro que não queriam lidar com nenhum dos problemas de relacionamento das crianças durante os jantares de família. Não é uma coisa nova. Qualquer outro dia da semana e os homens mais velhos estão prontos e dispostos a ouvir e oferecer conselhos. Toda a geração mais velha é assim. No entanto, no jantar de sexta-feira, espera-se que deixe todo esse absurdo em casa. Mesmo quando éramos crianças, não tínhamos permissão para discutir na mesa.

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Estamos ao redor da mesa discutindo qualquer coisa e tudo o que aconteceu ultimamente quando meu telefone toca no bolso. Se tivesse pensado sobre isso, teria silenciado a coisa estúpida. Quando o telefone apita, a cabeça da minha mãe dispara como um cão de caça. “Sem telefones na mesa”, Ani reclama, colocando comida em sua boca. Porra, a mulher precisa dormir um pouco. Ela entrou tentando esconder, mas quanto mais fica ali sentada, mais convencido estou de que a qualquer momento ela irá desmaiar de cara nas batatas. “É ela?” Minha mãe pergunta quando corto a carne no meu prato. “Trevor, é ela?” “Eu não sei”, digo calmamente. “Estou comendo.” Levanto meu garfo e faca como se fossem provas. “Bem, verifique”, ela diz, irritada. Sei que ela está ansiosa e esperando por notícias, mas ainda me irrita estar tirando o telefone do bolso no meio do jantar para poder dizer à minha mãe quem está me contatando. Meio que esperava que fosse alguém do trabalho, mas sei que não é. Os caras poderiam me mandar mensagens no meio da noite para me convidar para sair, mas não mandariam mensagens para o chefe – eu – logo depois do trabalho na sextafeira. Ei, Trevor. Desculpe, não respondi sua mensagem, estive muito ocupada. Sim, vocês podem visitar, mas na verdade estamos nos mudando, então terá que esperar um pouco. Mudando? Para onde diabos elas vão e por quê? O pensamento faz meu estômago revirar. Sei onde estão agora. sei como encontrá-las. Se Morgan mudar e trocar o número, elas

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podem desaparecer. É isso que ela está fazendo? Filha da puta. Olho minha mãe e levanto da mesa. “Ela disse que vocês podem visitar”, digo, dando um sorriso para minha mãe enquanto ela bate palmas de felicidade. “Eu já volto.” Caminho para fora e ligo para Morgan antes que a porta feche atrás de mim. “Alô”, ela responde. Estou um pouco surpreso. “Você vai se mudar?” Pergunto. “Boa saudação”, ela diz secamente. “Sim, vamos nos mudar.” “Por quê?” Ela suspira e fecho a boca, engolindo a necessidade de interrogá-la. Estou sendo meio idiota. Um idiota intrometido. “Não que seja da sua conta”, ela diz, não indelicada, “mas perdi meu maldito trabalho, então vamos ficar com meu pai em Sacramento por um tempo.” “Você perdeu o emprego?” “É como se eu estivesse falando com um papagaio.” “Sinto muito”, murmuro, balançando a cabeça. “Isso é uma droga, o que aconteceu?” “Aceitei o emprego sob as condições em que contribuiria se alguém não aparecesse”, diz ela, parecendo frustrada. “O que estava bem, porque ninguém nunca falta. Quase todo mundo na loja precisa do dinheiro, então sempre aparecemos para nossos turnos. Mas então o dono contratou seu maldito primo ou algo assim, que nunca aparece, e foram obrigados a me pedir para ir.”

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Ela fica em silêncio. “E não pode simplesmente largar tudo e ir”, digo em compreensão. Os filhos da puta. “Eu faço questão de não deixar minha filha”, ela brinca miseravelmente. “Aceitei alguns dos turnos, mas Carmen também tem uma vida, e não pode cuidar de Etta toda vez que ligam.” “Eles te demitiram por isso?” Pergunto, assumindo que Carmen é a babá. “Bem, eles foram evasivos, mas sim. É loucura. Agora estão com um piercer a menos e aquele primo ainda trabalha lá e nunca aparece para seus turnos. Alguém precisa ir a uma maldita escola de negócios. Idiotas.” “Idiotas!” Etta grita no fundo. “Etta, não diga ‘idiotas’”, responde Morgan. “Idiotas!” “É assim que a minha vida parece agora”, diz Morgan ao telefone enquanto Etta repete a palavra. “Não é brincadeira, esta é minha vida.” “Merda, isso é uma merda.” Inclino-me contra o corrimão da varanda enquanto Morgan suspira ao telefone. As pessoas para as quais ela trabalhava devem ter cabeças de merda. “É o que é. Não é o fim do mundo, sabe? Mas droga, é frustrante. Toda minha clientela está aqui, e vou precisar começar do zero em Sacramento.” “Vai ficar com seu pai, hein?” Tento parecer indiferente, mas é difícil não a interrogar completamente.

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“Sim. Ele está totalmente convencido de que vamos morar com ele. Eu? Nem tanto.” Ela ri um pouco, mas o som é forçado. “Você tem uma poupança para necessidades”, lembro em voz baixa. “Se realmente não quiser morar...” “Não”, ela interrompe. “Isso é para emergências e espero que nunca vá precisar usá-la e Etta possa gastar na faculdade.” “Morgan, isso é para a vida”, argumento. “Isso é para quando precisar.” “Mas eu não preciso”, diz ela. “Não agora. Tenho dinheiro suficiente para nos mudar e instalar. Isto não é uma emergência. É apenas um contratempo.” “Eu posso ajudar.” “Não”, ela diz, aborrecimento. “Absolutamente não.”

suspirando

de

“Por que não?” “Porque cuido das minhas porcarias”, diz ela. Demoro um minuto para lembrar que “porcaria” é a palavra dela para merda. “Isso realmente não é uma crise, Trevor. É apenas frustrante.” “Bem, e sobre a mudança?” Pergunto, imaginando-a dirigindo um caminhão com Etta no banco da frente. “Precisa de ajuda com a condução ou algo assim?” “Claro que não”, diz ela, e de alguma forma sei que ela está sorrindo. “Tenho a babá de Etta, Carmen, e o marido dela vem ajudar a empacotar, e posso dirigir um caminhão de mudanças como uma profissional.” “Você parece muito orgulhosa disso.”

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“Droga, sim, eu estou”, diz ela com uma risada. “É uma boa habilidade para ter. Também posso trocar um pneu, verificar e trocar o óleo do meu carro e disparar uma pistola e um rifle.” “Bem, olhe para você”, respondo, sorrindo. Meu corpo relaxa quando percebo que o que quer que esteja acontecendo com Morgan realmente não tem nada a ver comigo. Ela está de volta à mesma mulher engraçada e descontraída que conheci, e não fala comigo como se não pudesse esperar para desligar o telefone. Ela está... conversando. Como se fôssemos amigos. É uma mudança completa de 180 graus em relação às mensagens que recebi. Não tenho tempo para questionar por que ela tem altos e baixos. Eu provavelmente deveria. “Então, sim. Meu senhorio está sendo super legal sobre tudo isso, então se sair antes do final do mês não preciso pagar o aluguel do próximo”, diz ela. “Eu e Etta estamos empacotando como loucas.” “Porra, você só tem alguns dias”, respondo. “Tem certeza de que não precisa de ajuda?” Se eu a ajudar a mudar, saberei exatamente para onde ela está indo. Não é como se pudesse pedir o endereço de seu pai sem soar como um perseguidor. “Não, estamos preparadas. A maioria das coisas nesta casa não é nossa, então estou arrumando o quarto e o banheiro, na verdade. Fácil.” Não tenho certeza do que ela está fazendo, mas parece um pouco ofegante. “Eu provavelmente deveria deixar você voltar a isso”, digo com relutância, olhando para a porta da frente da casa dos meus pais. “Avise como vai a mudança.” “Eu vou”, ela responde.

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Nós desligamos e fico do lado de fora por mais alguns minutos. Porra, eu gosto dela. Parte de mim sabe que é uma coisa boa, mas outra parte, a mais realista, sabe que estou deslizando rapidamente para o território proibido. Eu realmente gosto dela. Mais do que deveria. Além do fato de que ela é fodidamente linda, porque estive com mulheres lindas antes, ela apenas – parece comigo, o que não é algo que deveria estar pensando. É tão fácil falar com ela, mesmo quando estou nervoso. Gosto de ouvir sobre o que ela está fazendo e de ouvi-la falar com Etta. Inferno, até gosto do jeito que ela se move, eficiente e rápida. E estou emocionado como o inferno que ela está se aproximando de mim, mesmo que ainda esteja a um dia inteiro de carro. Preciso colocar a cabeça em ordem. Rápido. Até mesmo pensar em Morgan faz meu estômago virar com uma mistura de luxúria e culpa. Muita culpa. “Tudo bem?” Meu pai pergunta, saindo pela porta da frente. Sei que minha mãe o enviou para investigar, mas não posso nem ficar bravo. “Sim.” Balanço a cabeça e esfrego a barba. Preciso de uma bebida. “Morgan e Etta vão se mudar, então liguei para saber dos detalhes.” “Mudar?” Ele pergunta, vindo para a varanda. “Ela falou sobre isso antes?” Entendo a suspeita em sua voz. Espelha a minha. “Ela perdeu o emprego...” “Bem, isso não é bom.” Procuro com atenção o julgamento em seu tom, mas não há nenhum. Porra, estou no limite. Claro que ele não está a

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julgando. Meu pai é uma das pessoas mais calmas e receptivas que já conheci. “Não mesmo. Ela e a bebê vão morar com o pai dela por um tempo, eu acho.” “Sabe onde é?” “Sacramento”, respondo, virando enquanto ele se senta em uma das cadeiras de balanço que ocupam a varanda. “Ela está de acordo com uma visita, mas pediu que esperássemos até que elas estivessem instaladas.” “Mamãe não vai ficar feliz com isso”, diz ele com um suspiro. “Ela está muito perto de contar os dias para um encontro ainda não definido.” “Eu sei.” Não estou ansioso para dizer que ela terá que esperar ainda mais. Ela está procurando por voos desde o dia em que cheguei em casa e mostrei a ela as fotos de Etta. Sei que ela tenta manter sua excitação sobre controle, mas está claro para qualquer um que a conheça como está ansiosa. Mata-me que ela esteja tão fixada na minha sobrinha. Eu entendo, até certo ponto, mas me preocupo sobre como tudo vai ser assim que ela conhecer Etta. A doce menina não é seu pai, e tratá-la como substituta não é certo. Não que pense que minha mãe esteja fazendo isso de propósito – eu nem acho que ela percebe o que faz – mas ainda me preocupa. “Vou avisa-la depois que todo mundo sair”, meu pai diz, dando-me um aceno de cabeça. “Se não quer o interrogatório, pode deixar o resto do jantar.” Eu sorrio, mas aceno de volta. Se voltar para dentro, nunca serei capaz de sair sem dizer a todos na mesa exatamente

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o que meu telefonema envolveu. Infelizmente, só comi a metade do jantar, mas o resto não vale a dor de cabeça. Dou um abraço no meu pai, segurando-o por alguns segundos a mais, quando lembro da primeira vez que o toquei por vontade própria – quase dois anos depois de me mudar – e saio. O homem cuida de mim de maneiras pequenas e grandes desde antes mesmo de eu reconhecer sua presença, e enquanto volto para casa pela floresta, pergunto-me se algum dia vou conseguir fazer esse papel para outra pessoa. * * * Algumas horas depois, pouco depois de comer metade de um pacote de Oreos e ignorar as ligações de praticamente todos da minha família, recebo uma mensagem com uma foto de Morgan. Está meio escura, mas ainda posso ver Etta aninhada de lado, com o polegar na boca, no meio de uma caixa que está inclinada de lado. A legenda diz: “Finalmente descobri uma maneira de mantê-la ocupada… então ela adormeceu dez minutos depois. Falha ou ganho? Você decide.” Gargalho alto e guardo a foto no celular, tornando-a minha proteção de tela antes de enviar mensagens de texto. Ela ficou ocupada por dez minutos E se pôs a dormir durante a noite. Sem dúvida VITÓRIA. Juro por Deus, ela desempacotou metade das coisas que embalei hoje. LOL1. Preciso começar a grampear as caixas imediatamente em vez de esperar até ter a fita à mão. Sorrio e desligo o som da TV para que não esteja distraído. Ainda não precisa de ajuda? 1

Gíria que representa “rolando de rir”.

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Não! Vou arrumar mais enquanto ela está dormindo. Terminarei com tudo quando ela acordar de manhã. Droga. Vai passar a noite né? Ficará cansada. Eu ficarei bem. Deve demorar apenas mais algumas horas. Olho para o relógio e faço uma careta. Já são quase onze. Quando vai pegar o caminhão? E o que vai fazer com seu carro? Amanhã, e puxar atrás de mim. LOL. Não posso deixá-lo para trás, tem sido um fiel transportador. Além disso, vou precisar de rodas quando chegarmos a Sac. Meu pai dirige uma Harley – não há espaço para uma cadeirinha numa dessas. Mantenha-me informado? Sei que a pergunta soa como um adeus e não escrevo mais nada. Não quero parar de falar com ela, mas inferno que vou interrompê-la quando já precisa ficar acordada a noite toda. Certo. Nós deveremos estar lá até amanhã à noite... e então vou tomar uma bebida. Bem grande. LOL. Não envio respondo, mas também não aumento o volume da TV. Odeio a ideia dela dirigir um caminhão de mudança até Sacramento com apenas algumas horas de sono. Acredito quando disse que é totalmente capaz – não tem nada a ver com isso – só vai contra todos os instintos que tenho vê-la fazendo isso sozinha. As mulheres da minha família são tão fortes e capazes quanto os homens em todos os aspectos que importam. Soube disso desde o começo e lembro desse fato toda a vida. Mas os homens da minha família nunca ficam de braços cruzados enquanto as mulheres se mudam/transportam/desembalavam sozinhas. Inferno, Ani é uma das pessoas mais independentes que já conheci – homem ou mulher – e ainda fomos até a casa dela para ajudá-la a

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arrumar tudo. Eu pintei e poli mais coisas na casa dela do que na minha. Por cerca de uma hora fico sentado aqui, perguntando-me se a alguma maneira que de fazer com que Morgan mude de ideia e espere mais um dia para que eu possa voar até lá e ajudar. Uma hora inteira. Quando finalmente percebo que idiota estou sendo, levanto e me estico como se isso fizesse as racionalizações na minha cabeça desaparecerem. Estou sendo um idiota. Um intrometido, insistente e idiota – mesmo que seja apenas na minha cabeça. Agir assim funciona para alguns homens, meus primos e irmão em particular, mas não comigo. Entro em cena quando precisa, mas não tento tomar decisões por outras pessoas ou convencê-las de que estou certo. Além disso, mal falei com Morgan desde que saí da Califórnia. Ela não é minha responsabilidade por qualquer extensão da imaginação. Procuro o número da minha prima e faço a ligação. “Por que diabos está ligando tão tarde?” Kate pergunta, sua voz rouca. “Eu te acordei?” “Não”, ela geme. “Estou deitada no sofá assistindo TV. Shane viajou essa semana fazendo treinamento. Está tudo bem?” “Ela está se mudando”, solto. Sim, então acho que não posso simplesmente deixar passar. “Para Sacramento. E está fazendo isso sozinha.” “Espere, quem?” Kate pergunta em confusão. “Morgan.” “Morgan, a mão do bebê de Henry?”

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“Sim. Não a chame assim, é humilhante ou algo assim.” “Não é humilhante”, ela zomba. “Mas tudo bem. Vou me referir a ela como a mãe de Etta a partir de agora.” “Bom.” Ouvir de Morgan como algo de Henry me faz querer dar um soco em alguma coisa. “Trev, eu te amo, mas ainda não tenho ideia do porque está me ligando à meia-noite.” “Ela está mudando todas suas coisas e a bebê de Anaheim para Sacramento sozinha”, explico. “E?” Ela ainda parece confusa, mas depois de alguns segundos ela faz um barulho de compreensão. “Com dificuldade em se intrometer?” Ela brinca divertida. “Ela vai dirigir um caminhão de mudanças amanhã. Com uma criança de dois anos.” “Ela é uma péssima motorista?” “Não que eu saiba.” “Ela está nervosa?” “De modo resmungo quando abrindo as janelas pode até trocar um

nenhum. Confiante demais, no mínimo”, caminho pela casa, desligando as luzes e para deixar entrar o ar fresco da noite. “Ela pneu.”

“É bom saber”, resmunga Kate. “Eu também posso.” “Não é como se já precisou”, respondo. “Mas eu poderia se precisasse”, argumenta ela. “Trev, parece que está se preocupando por nada. Qual é o problema?”

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“Nenhum”, respondo defensivamente, “Só não gosto que ela esteja fazendo isso sozinha. Nenhuma de vocês teria que fazer isso sozinha. Os meninos interviriam para ajudar.” “Uma de nós...” sua voz desaparece. “Trev, ela quer a nossa ajuda? Porque se quiser, podemos ir até lá amanhã depois que Shane chegar em casa e ajudar.” “Não. Ela vai sair de manhã de qualquer maneira.” Suspiro. “Ela diz que não precisa de ajuda.” “Então não vejo problema.” Há vários sons abafados, como se ela estivesse se movendo, então sua voz soa mais clara. “Estamos nos preocupando com Morgan porque ela é de Henry – a mãe de Etta”, diz ela, mudando a forma como se refere à Morgan. “Ou estamos nos preocupando porque você tem algo sem resolver acontecendo com ela que não nos contou?” “Não há nada não resolvido”, retruco. “Mesmo? Porque está agindo de forma estranha desde que chegou em casa e é muito protetor com uma mulher que tivemos contato mínimo.” “E nessa nota, eu terminei.” “Não fique na defensiva, seu idiota”, Kate retruca. “Não estou te acusando de nada. Só estou tentando descobrir o que diabos está acontecendo.” “Nada, tudo bem?” Respondo, ansioso para desligar o telefone. “Ela é uma mulher legal e mãe de nossa sobrinha. Ela é da família.” “Ok”, Kate diz duvidosa. “Não sei porque te liguei”, murmuro quando me preparo para dormir.

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“Porque queria falar bobagens”, Kate responde. “Você se sente melhor?” “Não.” Ela ri. “Bem, ligue de manhã e podemos conversar um pouco mais. Eu preciso dormir um pouco.” “Bem. Amo você.” “Também te amo, Trev.” Ela desliga e jogo meu telefone na cama com frustração. Jesus, sou uma pessoa muito nervosa. Preciso me recompor e cortar qualquer coisa que esteja sentindo por Morgan pela raiz. Ela não é um problema. É com Etta que preciso me preocupar, não com sua mãe. Não consigo nem listar todas as maneiras pelas quais minha atração por Morgan é fodida. É algo que preciso entender rapidamente. Digo a mim mesmo tudo isso enquanto me preparo e vou para a cama, mas quando fecho os olhos, ainda tenho uma sensação desagradável sobre Morgan dirigir um caminhão de mudanças na interestadual durante todo o dia.

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CAPÍTULO 8 Morgan

“Vou te ligar quando chegarmos lá”, digo a Carmen, abraçando-a uma última vez. O caminhão foi carregado e Etta está em seu assento. Tudo o que preciso fazer é ir embora. Está sendo mais difícil do que pensei que seria. Não fizemos uma tonelada de amigos em Anaheim – só ficamos aqui por alguns meses – mas já parece um lar. Agora precisamos mudar novamente. É uma merda. Quando saímos de San Diego, pensei erroneamente que tomei a decisão certa. Mal sabia eu que a mudança acabaria por significar que voltaria para Sacramento para morar com meu pai. Gosto dele. Eu o amo, claro, mas também gosto dele. Ele é um cara legal. Engraçado, maduro, aceitou tudo quando surgiu e não se preocupou muito com o futuro. Ele é um bom amigo para ter, claro e simples, mas é um pé no saco como um colega de quarto. O cara nunca limpa a sujeira, raramente faz compras, e deixa peças de moto sujas por toda a casa. Levar uma criança de dois anos para morar com ele parece uma tortura. Exceto que sei que ele tentará seu melhor. Ele nos ama e adora Etta, e se a alguma maneira de facilitar nossa vida, ele fará. Ele mimou minha irmã e eu quando finalmente nos pegou de volta. Nós raramente tínhamos dinheiro para coisas extras, mas ele nos deu tudo o que podia, sempre que podia.

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Subo no caminhão e sorrio para Etta, que está chutando seus pés com entusiasmo, o polegar na boca e pequenas mechas loiras de cabelo voando em todas as direções. “Você está pronta, Freddy?” Pergunto, estendendo a mão para subir a janela do lado dela. Deus, espero que o ar condicionado nessa coisa funcione. Realmente não quere lidar com o vento que entra pelas janelas enquanto dirigimos a setenta por hora na estrada. “Ponta”, ela responde. Puxo meu telefone do bolso e tiro uma foto rápida dela e envio para Trevor. Ele apreciaria o olhar cansado, mas entusiasmado em seu rosto. Lamentando imediatamente a mensagem, guardo o telefone sem esperar por uma resposta. Trevor não é meu amigo. Preciso parar de tratá-lo como um e colocá-lo em sua caixinha com outras pessoas sem importância. “Nós estamos saindo como uma manada de tartarugas”, murmuro, o mesmo velho ditado que meu pai usaria a qualquer hora que eu e Miranda levássemos muito tempo para sair de casa. Ainda não comecei a dirigir e já estou exausta só de pensar. Aceno para Carmen e cuidadosamente avanço na rua, sentindo o caminhão que dirijo. Posso ter exagerado minha confiança quando falei com Trevor no dia anterior. Dirigi um caminhão de mudanças antes. Uma vez. Mas esta é a primeira vez que estou puxando um carro atrás de mim. É estressante como o inferno. A engenhoca inteira é muito comprida. Estou com medo de fazer uma curva muito acentuada ou algo similar e bater em alguém. Minhas mãos estão doloridas e palpitantes de agarrar o volante quando entro na estrada. Assim que estou na pista mais lenta, sinto que posso relaxar um pouco. Pelo menos na rodovia,

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não preciso fazer curvas nem cruzado. Nem preciso mudar de pista se caminhão possa ir rápido de qualquer parece estar gemendo cada vez que mudo

lidar com tráfego não quiser. Não que o maneira. A coisa toda de marcha.

Estou com medo do momento em que Etta falar que está com fome ou precisa trocar sua fralda e precise pegar uma saída nesta coisa. Espero que, no momento em que isso acontecer, eu me sinta muito mais confortável dirigindo a fera. * * * Etta aguenta três horas antes de começar a se mexer para sair do assento, e nesse tempo estou tão impressionada que ela aguentou tanto que não estou nem mesmo frustrada ou preocupada sobre como sair da rodovia. Pego a primeira saída que posso ver com alguns restaurantes fast-food, depois estaciono cuidadosamente num local cheio de caminhões grandes. Por enquanto, tudo bem. Estou orgulhosa de mim mesma. Solto o assento de Etta para que ela possa sair, depois verifico meu telefone. Normalmente não sou tão exigente quanto a mensagens de texto e dirigir, mas tenho certeza que não vou tentar verificar as mensagens quando dirijo este gigante – pelo menos foi o que disse a mim mesma. Também estou me forçando a não checar se recebi uma resposta de Trevor. Recebi uma mensagem do meu pai dizendo-me para lhe dar atualizações enquanto dirigia – ele está preso no trabalho e não foi capaz de ajudar com a mudança – e quatro mensagens de Trevor. A primeira é uma resposta da foto que enviei, mas as outras são variações do mesmo tema, avisa-lo onde estou e como a viagem está indo. Não tenho certeza se ele continuou enviando mensagens porque não respondi, ou se está apenas tão

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preocupado, então apenas desisto e ligo, ignorando a emoção que percorre minha coluna quando ouço sua voz profunda. “Trevor”, digo, no minuto em que ele atende. “É ilegal enviar mensagens enquanto estou dirigindo.” Ele ri um pouco, mas não parece genuíno. “Como está?” Ele pergunta. “Fácil como pensou?” “Não muito ruim”, respondo, pegando a bolsa de fraldas e minha bolsa enquanto Etta sobe no assento ao meu lado. “Foi meio difícil no começo, mas acho que peguei o jeito. Acabamos de parar para comer e trocar fralda.” “Como está Etta?” “Surpreendentemente bem. Acho que ela está gostando de estar no banco da frente e sentada tão alto. Ela está acenando para Deus sabe o que o dia todo.” “Outros motoristas?” “Uh, não.” Solto uma risada. “Nós estamos na pista lenta, então não há ninguém no seu lado do caminhão.” Trevor ri. “Provavelmente é uma boa ideia. É preciso muita prática para mudar de pista com um caminhão muito longo.” “Isso é o que ela disse”, brinco, fazendo-o rir novamente. “Ei, é melhor eu ir. Preciso limpá-la para que possamos voltar à estrada.” “Tudo bem. Pode novamente?”

avisar

quando

pegar

a

estrada

“Jesus, você é uma pessoa preocupada, não?” Provoco, não surpresa, na verdade, mas um pouco – lisonjeada? Não tenho certeza do que estou sentindo, mas o que quer que seja, meu estomago revira.

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“Normalmente não”, Trevor murmura. “Mande mensagem.” Concordo, então digo adeus quando abro a porta e desço. O lugar fast-food que planejei pegar nosso almoço mais cedo está do outro lado da rua, mas é uma caminhada rápida e leva só alguns minutos antes de estar trocando Etta em seu banheiro desagradável. Provavelmente teria sido mais higiênico trocá-la no caminhão, mas me recusei a fazer isso. Se há uma coisa que meu pai me ensinou, é que devo estar sempre ciente do que me cerca. Não quero deixar minhas costas para o lado de fora enquanto tento trocar minha garota agachada no banco do caminhão. Isso seria pedir pedindo para ser assaltada ou pior. Descobri que os caminhoneiros não são tão ruins quanto as pessoas acreditavam; meu pai tem muitos amigos que pegam a estrada para alimentar suas famílias, mas há maçãs podres em cada grupo. Uma mulher sozinha e distraída por uma criança é alvo fácil, e não planejo me tornar um. “Fwies?” Etta pergunta restaurante. “Eu quero batatas.”

quando

entramos

no

“Você pode com certeza comer batatas fritas”, respondo, olhando ao redor da sala lotada. “Que tal maçãs também?” “Yoguwt”, ela argumenta, saltando ao meu lado. “Iogurte pode ser.” Sorrio e dou a ela um pequeno aperto. “Você é minha parceira favorita de viagem, sabe disso?” “Sabe”, ela concorda, acenando com a cabeça. Meia hora depois, estamos voltando a rodovia. Não mandei uma mensagem para Trevor que estamos a caminho, fingindo que esqueci. É bom saber que ele se importa, mas não quero

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adquirir o hábito de verifica-lo constantemente. Pelo menos é o que digo a mim mesma. * * * Deus querido, estou cansada. Depois de um dia inteiro na estrada, minha bunda está dormente, minhas pernas doem, e tenho uma dor de cabeça que está rapidamente se transformando numa enxaqueca. A única vez que fiquei mais feliz em ver a casa do meu pai foi no dia em que ele nos tirou de um orfanato. “Meus bebês”, meu pai chama, saindo cumprimentar enquanto paro. “Finalmente.”

para

nos

“Não vou nem tentar estacionar essa coisa”, respondo, deixando o caminhão no estacionamento e ajustando o freio. Abro a porta e pulo, acenando para o banco do motorista. “Ele é todo seu.” Meu pai ri, sua voz profunda instantaneamente me acalmando. “Eu vou estacionar direito. A bebê está dormindo?” “Sim, graças a Deus. Ela começou a lamentar cerca de uma hora atrás, e não podia distraí-la mais.” “Longa viagem”, ele murmura em compreensão. Piso em seu gramado da frente e levanto meus braços num enorme alongamento enquanto ele entra no caminhão e habilmente estaciona paralelamente ao longo da rua. Quando desce da cabine com Etta em seus braços, sinto-me ligeiramente melhor. “Precisa de alguma coisa daqui hoje à noite?” “Só a bolsa de fraldas”, respondo, andando cansada para o lado do passageiro para pega-la.

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“Essa é minha garota”, diz papai, esperando por mim na calçada. “Carregando pouca bagagem.” Olho o caminhão lotado e zombo. “Eu coloquei uma escova de dentes e uma muda de roupa para Etta na bolsa de fraldas, mas estou muito cansada para procurar qualquer outra coisa.” “Vou chamar os meninos para descarregar de manhã”, diz ele, jogando um braço sobre meu ombro enquanto me leva para a porta da frente. “Você pode dormir se quiser.” “Além do fato de que Etta estará de pé às sete e bastante agitada, de jeito nenhum vou deixar qualquer um dos seus amigos descarregar minhas coisas sem supervisão”, respondo, batendo nele com o meu quadril. “Oferta doce, embora.” “Uma coisa tão imprudente.” Ele sorri e beija minha testa. “É bom ter você de volta, querida.” Meu pai trocou seus lençóis em preparação para nossa chegada, graças a Deus, e seu quarto está pronto para eu e Etta dormirmos. Nossas coisas serão desembaladas no quarto de hóspedes no dia seguinte, e podermos dormir em nossas próprias camas, uma vez que as montarmos, mas felizmente ele pensou bem e sabia que nós duas não caberíamos no sofá na primeira noite. A casa cheira tão familiar que sorrio enquanto respiro fundo. O cheiro é uma mistura de madeira, graxa e loção pósbarba Brut que sempre associei ao meu pai. Nem sei por que ele cheirava a Brut – ele não barbeou o rosto desde que me entendo por gente – mas deve usar como colônia ou algo assim. Aquele cheiro familiar é a primeira coisa que me lembro de ter notado no dia em que ele pegou Miranda e eu.

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“Você sabe onde está tudo”, diz papai baixinho enquanto coloca Etta na cama. “Quer uma xícara de café, ou está pronta para dormir?” “Café”, respondo com um aceno de cabeça. “Só vou arrumá-la e depois sair.” “Vou fazer o café.” “Quer dizer que não deixou pronto?” Brinco. “Não tinha certeza do quanto estaria cansada”, ele resmunga, dando um tapinha em mim quando sai do quarto. Troco Etta e a coloco sob a coberta, rindo baixinho para mim mesma enquanto ela dorme através disso, em seguida, puxo meu telefone do bolso. Não tenho nenhuma nova mensagem de Trevor, mas vim trocando mensagens com ele durante todo o dia sempre que parávamos. Depois da primeira parada, quando fingi esquecer de mandar mensagem para ele, senti-me como uma idiota e cedi respondendo ao resto das mensagens que ele enviou. Mesmo que tenha tentado ficar irritada com sua preocupação a longa distância, ele me fez rir com sua preocupação e pedido de mandar uma mensagem sempre que eu parasse ou pegasse a estrada. Fiquei surpresa por ele não ter pedido que eu lhe enviasse minha localização exata toda vez que parávamos. Cheguei ao meu pai. Etta desmaiou e vou conversar antes de me arrastar com ela. Sua resposta é imediata. Que bom que chegaram em segurança. Durma bem. Envio uma carinha sorridente e deixo meu telefone na cama quando saio do quarto. Papai está sentado à mesa da

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cozinha com duas xícaras de café. Ele desliza uma para mim quando sento em frente a ele. “Deixei filtrar direto nas xícaras”, ele diz com um sorriso, levantando a caneca em uma saudação. “Deus, seu café sempre tem um gosto melhor do que o meu”, eu resmungo depois que tomo o primeiro gole. “Isso é porque você faz muito fraco”, ele responde. “A coisa tem gosto de água.” “Não tem.” “Tem sim. Fique longe da minha cafeteira.” “Tudo bem para mim.” Inclino-me para trás e tiro meus sapatos, apoiando meus pés numa cadeira vazia. “Não vou reclamar de alguém fazendo meu café.” Papai ri. “Eu aposto que não. Como está, princesa?” Suspiro. “Bem. Chateada que perdi o emprego por causa de algo tão estúpido, mas bem.” “Ranna disse que a outra família de Etta apareceu.” Ele ergue as sobrancelhas enquanto toma um gole de café. “Como foi isso?” “Ok.” Droga, meu corpo todo está dolorido. Coloco meu café e estico meus braços em direção ao teto. “O único que esteve por perto até agora é o tio dela, e ele tem sido legal.” “É?” “Superprotetor, talvez? Mas legal. Ele perguntou se o avô e avó de Etta podem vir visitar, mas disse que não até estarmos instaladas aqui.” “Está preocupada com isso?”

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“Na verdade, não.” Encolho os ombros. “Talvez um pouco. Eles eram legais quando eu era criança, mas realmente não os conheço mais.” Meu pai sabe que fui cuidada pelos pais de Henry. É difícil manter esse tipo de coisa em segredo quando tento explicar a ele por que não deveria matar o pai ausente da minha filha. Papai não entende o que possui um pai para abandonar seus filhos – Miranda e eu somos as coisas mais importantes de sua vida – mas ele entende os demônios, e como podem arruinar a vida de uma pessoa e forçá-los a tomar decisões que não fazem sentido para qualquer outra pessoa. “Boa coisa a garota ter família”, diz papai, tirando os óculos para esfregar os olhos. “Assustador para você, no entanto, aposto.” “Um pouco”, respondo, envolvendo as mãos em volta da minha xícara de café. “Lidar com Henry era uma coisa; lidar com toda sua família é um pouco demais.” “Você é uma boa mãe”, papai responde, entendendo as palavras que eu não digo. “Não precisa se preocupar.” “Veremos.” “Às vezes eu poderia estrangular sua mãe”, ele diz, cansado. “Por tornar sua vida e de sua irmã tão difícil.” “Bem, ela está morta”, digo suavemente, acariciando sua mão. “Então, não tenho certeza de que bem isso faria.” “Daria um pouco de satisfação”, diz ele em voz baixa, fazendo meus lábios se contorcerem. Nós tivemos a mesma conversa cem vezes, e tenho certeza que teremos mais cem. Quando minha mãe foi embora com a gente, meu pai nos procurou, mas eventualmente parou,

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assumindo que Miranda ou eu entraríamos em contato com ele se precisássemos. Ele não tinha nenhuma ideia sobre a vida que tínhamos no Oregon, e não soube quando minha mãe teve uma overdose e fomos colocadas num orfanato. Ele estava na prisão, quando finalmente descobriu que Miranda e eu não estávamos com nossa mãe ou uma com a outra, e assim que ficou livre, foi uma batalha difícil para nos pegar de volta. Ele está chateado sobre isso e não o culpo nem um pouco. Depois de um tempo bebendo nosso café num silêncio compensador, levanto da mesa e me alongo novamente. “Vou dormir um pouco”, digo a ele enquanto coloco minha xícara na pia. “Estou exausta.” “Ok, princesa. Avise se ficar com muito calor e quiser que eu abra a janela no quarto. É quente como o inferno.” “Eu vou. Amo você, papai”, digo, beijando o topo de sua cabeça quando passo por ele. “Eu também te amo”, diz ele enquanto me afasto. “Fico feliz em te ter em casa.” * * * “Frances, deixe cair essa caixa e vou raspar metade da sua barba enquanto dorme”, aviso quando um dos meus amigos de infância carrega duas caixas em direção à casa. “Não estou brincando.” “Me chame de Frances de novo, e vou deixar cair e chutálo pelo quintal”, ele responde, tropeçando só para me irritar. “Desculpe, Frank”, caminhão quente.

canto,

subindo

a rampa

para

o

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Estamos na metade da mudança de minhas coisas para a casa, e já está tão quente que tenho manchas de suor na camiseta. É uma coisa boa que não tenho absolutamente nenhuma intenção de tentar impressionar os caras que apareceram esta manhã para ajudar. Depois que abracei os dois, apontei na direção do caminhão e começamos a descarregar. Papai ficou de olho em Etta e montou nossas camas enquanto movíamos as caixas, mas nenhum de nós o deixou carregar nada pesado. Alguns anos atrás, ele quebrou as costas quando uma cadela num Honda atravessou um sinal fechado e bateu em sua moto, e ele tem problemas desde então. Não quero que se machuque mais carregando uma caixa de meus livros para dentro da casa. Às vezes, quando estou fora de casa por um longo tempo, começo a sentir que a vida que deixei para trás não importa. Parece tão distante que me permito esquecer as conexões que tenho na Califórnia Central. Mas no minuto em que cheguei em casa, comecei a lembrar por que me sinto tão segura e confortável naquela pequena cidade nos arredores de Sacramento. Os amigos do meu pai são mais parecidos com uma família. Quando ele trouxe Miranda e eu do Oregon, eles eram grandes e assustadores, mas depois de apenas algumas horas, minha irmã e eu soubemos que encontramos nossa tribo. Os homens e suas esposas eram meio grosseiros. Eles fumavam, bebiam e festejavam a noite toda. Eles também amavam seus filhos, iam a todos os eventos escolares e cuidavam uns dos outros como ninguém que já conheci antes ou depois. Os filhos deles são ainda melhores. É como se, desde o momento em que nos conheceram – duas garotas de cabelos loiros que suspeitavam de tudo e de todos – eles nos adotaram como seus.

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Frank é o filho mais velho do melhor amigo do meu pai, e um dos poucos de nós que ficaram por perto ao crescer. Ele tem dois irmãos mais novos chamados Reggie e Olly, mas apenas Olly ficou na área. Ele está ajudando a descarregar também. “Garota, você parece quente como o inferno”, uma voz rouca chama atrás de mim. “E não quero dizer devido sol.” “Obrigada, meu velho”, respondo, rindo enquanto viro para encarar meu tio honorário. “Você parece velho, mas isso não é surpreendente.” “Estou no auge da vida”, ele argumenta, o peito grande tremendo quando ri. “Venha dar um abraço no tio Danny.” “Senti sua falta”, digo quando passo os braços ao redor de sua cintura. “Eu também. Ficará em casa para sempre?” “Em casa por enquanto”, respondo, inclinando-me para encontrar seus olhos. “Sempre em movimento”, diz ele, balançando a cabeça. “Você e essa sua irmã.” “O que posso dizer?” Encolho os ombros quando dou um passo para trás. “Tenho lugares para ir e pessoas para ver.” “Sim, sim”, ele responde, estendendo a mão para dar um puxão no meu rabo de cavalo. “Onde estão meus filhos pé no saco? Eles estão ajudando?” “Seus filhos pé no saco estão aqui há duas horas”, diz Frank, caminhando em nossa direção. “Onde esteve, meu velho?” “Na cama com minha esposa”, balançando as sobrancelhas e sorrindo.

responde

Danny,

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“Essa da minha mãe que está falando”, Frank reclama, balançando a cabeça enquanto entra no caminhão, sem se incomodar com a rampa. “Tão sensível”, Danny diz baixinho para mim, balançando a cabeça enquanto pisca. “Mexa-se”, Frank ordena enquanto carrega as caixas pela rampa. “Não quero ficar nessa merda o dia todo.” “Ninguém fez você vir”, respondo, saindo caminho. “Você está com um humor tão irritado.”

do

seu

“Você sabe que te amo”, ele diz por cima do ombro. “Mas está quente pra caralho aqui fora.” Reviro os olhos e pego uma caixa, levando um minuto para equilibrar com o peso extra antes de segui-lo em direção à casa. Não vou ficar conversando enquanto o pessoal descarrega minhas coisas. “Vai ficar aqui por um tempo?” Pergunto enquanto Danny carrega algumas caixas atrás de mim. “Sim, não tenho mais nada planejado. Vamos recuperar o atraso mais tarde”, ele bufa, sem fôlego. É difícil ver meu pai e tios envelhecendo. Toda vez que voltei, fiquei surpresa ao ver como mudaram. Nenhum deles é realmente velho, mas viver a vida vivem e ter os empregos que possuem causa grandes impacto no corpo de cada um deles. Eles estão desacelerando, sem dúvida, e é difícil de assistir. Menos de uma hora depois, fico olhando o pequeno quarto que costumava compartilhar com minha irmãzinha, imaginando como diabos encontrarei lugar para todas as nossas coisas. Minha cama e o berço de Etta estão montados e prontos para a roupa de cama, mas não tenho certeza de onde colocá-

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las. Há caixas e caixas de plástico cobrindo as paredes quase até o teto. “Eu tenho limite quanto a desembalar”, diz Frank, colocando a mão no meu ombro quando vem atrás de mim. “Nem tenho certeza de onde vou colocar tudo”, confesso, fazendo uma careta. Não pensei que Etta e eu tínhamos muita coisa até que descarregamos no pequeno quarto. Fomos bem tratadas com espaço no nosso antigo lugar. “Basta deixar tudo em caixas e passar vinte minutos procurando nelas sempre que precisar de alguma coisa”, diz Olly, sorrindo enquanto vem pelo corredor. “Isso é o que Frank tem feito há dois anos.” “Eca”, respondo. “Sério?” “Apartamento temporário”, Frank murmura. “Só até eu conseguir vender a velha casa.” “Precisa fazer sua ex-mulher sair de lá antes que possa vendê-la”, diz Olly, prestativo. “E não vejo isso acontecendo.” “Ainda?” Pergunto, balançando a cabeça. Nunca realmente gostei da esposa de Frank, mas fiz um esforço sempre que a vi. Não importa. Seus comentários mal-humorados quando visitamos deixaram claro que ela não gostava de mim ou de Miranda. Não podia exatamente culpá-la, no entanto. Miranda e Frank tem um relacionamento sem fim que não é bom para nenhum deles. Eles ficaram juntos e se separaram tantas vezes que a maioria de nós parou de prestar atenção nos seus altos e baixos até Frank chegar de Vegas com uma esposa, efetivamente terminando as coisas com Miranda para sempre. Sempre me perguntei se Frank é a razão de Miranda ter escolhido a faculdade no Oregon, mas nunca perguntei. Minha irmã nunca admitiria que ele teve algo a ver com suas decisões.

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“Minha ex não é da sua conta”, Frank resmunga. Ele beija o lado da minha cabeça. “Estou saindo. Ligue se precisar de algo.” “Você não deveria ter dito nada”, repreendo enquanto Olly e eu o observamos sair. “Alguém tem que dizer alguma coisa”, ele responde. “Ou ele nunca vai se mexer e consertar isso.” “Não é você quem decide”, lembro quando avisto a sacola de plástico que tem nossas roupas de cama meio escondida atrás de uma caixa. Rasgo-a e jogo os lençóis na cama. “Isso só o irrita.” “Ele vai superar”, diz Olly quando ele contorna a cama e começa a me ajudar. * * * Mais tarde naquela noite, meu pai, Danny e sua esposa, Lorraine, Olly e eu estamos sentados em volta da mesa, jogando dados e nos atualizando. Etta adormeceu no colo do meu pai e está aconchegada contra seu peito, nem sequer vacilando quando os dados rolam ruidosamente sobre a mesa de madeira. Parece como nos velhos tempos, quando eu era criança e nos reuníamos para um churrasco ou algo assim, e as crianças dormiam onde podiam e os adultos ficavam acordados conversando a noite toda. Eu amava. Meu telefone toca no meio de um jogo e as sobrancelhas do meu pai levantam. “Saiba que não é sua irmã, já que ela geralmente está na cama às nove.” Gargalho e olho meu celular, sorrindo um pouco quando vejo o nome de Trevor na tela. Não conversamos o dia todo, mas

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mandei uma foto para ele de Etta babando com a cabeça apoiada na mesa cerca de uma hora antes. “Eu já volto”, digo a todos. “Pule a minha vez.” Ignorando o resmungo bem-humorado, saio da sala e atendo antes que Trevor desligue. “Ei!” “Ei”, responde Trevor, parecendo surpreso com minha saudação animada. “Como foi a arrumação?” “Boa.” Entro no meu quarto e fecho a porta. “Quero dizer, as únicas coisas que saíram das caixas foram nossas roupas e lençóis, mas chamo isso de vitória.” “Definitivamente”, ele concorda. “Foi uma longa viagem ontem. Você tem tempo para colocar tudo onde quiser.” “Você nunca vai deixar essa longa viagem ir, vai?” Brinco, sentando na beira da cama. “Ei, pensei estar sendo muito legal sobre isso.” Suspiro alto. “Gostaria que tivesse me deixado ajudar, mas você chegou aí e está tudo bem”, ele esclarece, rindo um pouco. “Realmente gostei da oferta”, digo, ficando mais confortável na cama. “Mas eu tinha tudo sobre controle.” “Claramente”, ele responde. “Agora que está aí, vai nos deixar visitar?” Abro a boca e depois paro. Eu vou? Para meu desgosto, fui negligente em manter distância de Trevor. Ele é tão... simpático. Tento dizer a mim mesma que é bom que esteja formando um relacionamento com o tio de Etta, mas eu sei, no

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fundo, que Etta não é a única razão pela qual suas mensagens são o destaque do meu dia. “Sei que acabou de chegar aí”, continua ele. “Mas estou numa séria abstinência aqui.” Sinto minhas bochechas esquentam com o tom dele, depois balanço a cabeça para afastar isso. Ele quis dizer Etta. Ele sente falta de Etta. Jesus, eu preciso colocar minhas ideias em ordem. “Podemos planejar algo em breve”, finalmente respondo, limpando a garganta. “Sei que está ansioso para ver Etta novamente.” “Eu estou-” Ele para de repente, depois solta a bomba que mudaria tudo. “Para ver vocês duas.” Às vezes, um milhão de coisas podem passar por sua cabeça no espaço de apenas alguns segundos, razões para algo, razões contra algo, recriminações e memórias, prós e contras, negação e aceitação. Acontece comigo então, a enxurrada de pensamentos passando quase rápido demais para compreendêlos completamente. Antes que possa abrir a boca, fico surpresa por uma batida alta na porta do meu quarto. “Olhe para você”, brinca Olly. “Tenho certeza que te encontrei conversando com seu namorado quando tinha dezessete anos exatamente no mesmo local, olhos sonhadores e corada.” “Eu preciso ir”, murmuro ao telefone, meus olhos se arregalam de horror quando Olly se aproxima. “Vou te mandar uma mensagem amanhã.”

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Não espero por uma resposta antes de terminar a ligação e colocar meu telefone na camisa, onde sei que Olly não irá alcançá-lo. Quando ele e seus irmãos decidiram que Miranda e eu éramos da família, eles realmente decidiram, e isso veio com todos os traços irritantes do irmão mais velho que se possa imaginar, incluindo nos envergonhar o máximo possível. “Oh, vamos lá”, queixa-se Olly. “Você sabe, quando bate, deve esperar a pessoa responder antes de abrir a porta”, respondo, saindo da cama. “Quem era? Pensei que seu pai disse que estava solteira?” “Era o tio de Etta”, respondo, empurrando-o ao passar. “Whoa”, ele responde, franzindo a testa enquanto segura meu braço. “O pai de Etta correu como se sua bunda estivesse pegando fogo e agora você está indo atrás do irmão?” “Não estou indo atrás de ninguém.” “Garota, acabei de ver você”, definitivamente fazendo alguma coisa.”

ele

argumenta. “Está

“Não, eu não estou.” Balanço a cabeça. “Isso seria estranho, certo?” Tento rir, mas o som fica preso na minha garganta. Oh droga. Olly inclina a cabeça enquanto me olha como se estivesse lendo minha mente. “Não, acho que não”, ele finalmente diz, apertando meu braço. “Pelo que ouvi, você nunca teve nada sério com o pai de Etta. E não é como se fosse causar problemas com os irmãos, já que um deles está morto.” “Ainda”, murmuro, estremecendo pela maneira abrupta como ele fala. Olho rapidamente o corredor para ter certeza de que ninguém está escutando. “Se algo acontecesse, então estaria ferrada quando acabasse. Não quero estragar nada para Etta.”

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Por que estou pensando essa merda? Se algo acontecer? Preciso da minha maldita cabeça examinada. Nada irá acontecer. Nada pode acontecer. Mesmo que fosse tecnicamente aceitável, ainda é errado de várias maneiras. Fui machucada no passado e me afastei e continuei me movendo, mas é da família de Etta que estamos falando. Não haverá como escapar dessa consequência. “Ah, vamos lá”, diz ele tentando me consolar, jogando um braço em volta do meu ombro para que possa me levar de volta para a cozinha. “Se o cara parar de ver Etta só porque você terminou, ele não vale a pena de qualquer maneira. Além disso, você precisa transar. Seus ombros estão tensos.” Dou-lhe uma cotovelada forte quando chegamos a nossos pais, e ignoro o surpreso oomph enquanto sento na cadeira. Ele é um idiota, e faz um pouco de sentido, mas não vou lá. Além disso, mal posso me concentrar em suas palavras quando uma voz mais profunda está dizendo vocês duas várias vezes em minha mente.

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CAPÍTULO 9 Trevor

Sou tão idiota. No minuto em que Morgan desligou, joguei meu telefone do outro lado da sala como se fosse uma cobra venenosa e observei-o saltar pelo carpete e deslizar sob minha poltrona reclinável. Bom. Ele pode ficar lá até que eu descubra o que diabos farei agora. Sabia que não deveria ter dito nada. Sabia que fazer qualquer tipo de menção sobre o quanto quero vê-la novamente seria um tiro pela culatra. Eu sabia, e ainda assim abri minha boca grande e deixei escapar. Dois segundos depois, ouvi a voz de um cara no fundo e Morgan terminou nossa ligação com pressa. Deus, se arruinei a chance da minha família de um relacionamento com Etta, começarei a usar uma camisa de cilicio embaixo da minha roupa. Nunca entendi esse método de penitência – parece bem estranho – mas estou começando a entender agora. O lembrete constante da minha estupidez me ajudaria a ser mais inteligente no futuro. Inferno, talvez deva pedir uma on-line apenas no caso. Flertar é meio aceitável. Alguns homens flertam com qualquer coisa que ande sobre duas pernas – não significa nada. Mas dizer algo assim? Dizer a ela que tenho abstinência dela? Isso cruza a linha, grande momento.

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Incapaz de ficar na casa onde as paredes parecem estar se fechando, coloco meu casaco e vou para fora. Um passeio limpará minha cabeça e acabei de trocar o óleo do meu jipe, então ele está pronto para uma viagem. Ligo o motor e olho para a casa, imaginando por uma fração de segundo se devo voltar para pegar meu telefone, mas decido contra. Preciso desligar por uma hora ou seis. Talvez se não tiver a coisa comigo, serei capaz de colocar alguma distância figurativa entre mim e Morgan. Dirijo pela floresta e campos com vegetação até a cintura, subindo enormes colinas e descendo em cânions. A terra dos meus pais faz divisa com a terra do meu tio e tia, os limites são confusos que sempre consideramos uma grande propriedade, e conheço cada pedaço dela como a palma da minha mão. Às vezes vou devagar e às vezes praticamente voo, mas não paro. Dirijo abaixo da luz da lua e um único farol até que estou sem gasolina, encho o tanque com a gasolina extra que posso carregar, e finalmente vou para casa. Quando chego, estou coberto de lama, encharcado, tenho arranhões mãos dos arbustos de bagas pretas e um arranhão bem feio na panturrilha, onde um pau perfurou meu jeans. No lado positivo, minha cabeça está limpa e parei de me castigar pelo um comentário que Morgan pode nem ter ouvido ou se importado. Às vezes me pego obcecado com coisas que deveria ou não ter feito. Isso não acontece com frequência mais. Foi pior quando eu era criança e me preocupava constantemente de estar fazendo a coisa certa, o que me faria mais amigos ou convenceria pessoas a gostarem de mim. A sensação de pânico de dizer a coisa errada quase desapareceu depois do primeiro ano com meus pais adotivos, mas às vezes me fixo numa frase ou expressão específica que desejava não ter dito. Odeio me sentir

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assim, então sempre faço questão de pensar em minhas palavras antes de falar. O problema é que pensei nas palavras antes de falar para Morgan. Eu passei-as por minha cabeça duas vezes antes mesmo de abrir a boca. Não mudou o fato de que realmente não deveria ter dito, e a resposta que recebi fez eu me arrepender imediatamente. É meio da noite no momento em que bato minhas botas contra o lado da varanda para tirar a lama e encolho os ombros como se estivesse afastando o resto do pânico. As palavras foram ditas e o dano foi feito. Elas não foram tão ruins assim, e se for sincero, sei que poderia consertá-las se quisesse. Se Morgan começar a agir de forma estranha ou desconfortável, colocareinos em terra firme novamente. Não há outra opção. Verificar meu telefone assim que entro parece estar jogando com meu pânico, então ignoro. Depois de um banho e tomar uma garrafa inteira de água, finalmente me permito agarrá-lo debaixo da poltrona reclinável. Há duas mensagens esperando, e ambas são de Morgan. A primeira é uma foto de Etta em seu berço. Ela está dormindo com uma mão pendurada entre os trilhos e a outra pendurada acima da cabeça, usando apenas uma camiseta com um logotipo de motoqueiro e fralda rosa. A próxima é uma mensagem de texto. Desculpe por isso. Meu pai tem visitas. Vou te mandar mensagens de manhã. Depois que leio, a foto parece uma oferta de paz. Não sei por que ela sente que precisa de uma, mas não vou reclamar. Verificando o horário, suspiro irritado quando percebo que ela deve ter enviado menos de meia hora depois que saí de casa. Ela provavelmente já está dormindo agora, então não me

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incomodo em responder. Provavelmente devo cuidar da minha boca – ou neste caso, cuidar dos meus dedos – de qualquer maneira. Deito na cama e olho para o teto. Nunca na vida me preocupei tanto com o que uma mulher, além de minha mãe, tia ou prima, pensa. Nunca realmente me importei o suficiente. Claro, sou cuidadoso com os sentimentos das mulheres e as trato bem, mas nunca me preocupei que algo que diga as faça fugir. Se for honesto comigo mesmo, minhas preocupações sobre Morgan cortar contato vão muito além de permitir que Etta nos conheça. Isso é uma preocupação, sempre, mas pelo tempo em que as conheço, Morgan se tornou tão importante quanto Etta. Anseio por ela como se nunca desejei algo em minha vida, mesmo sabendo o quanto é errado. Quero as duas, e isso me assusta para caramba. * * * “Segunda-feira de manhã”, meu primo Alex grita ao telefone que atendo no dia seguinte. “Adoro uma manhã de segunda-feira!” “Você está bêbado?” Pergunto cansado, pensando em desligar enquanto caminho em direção ao meu escritório. “Alguns de nós estão trabalhando.” “Estou no trabalho há horas”, ele responde. “Estou apenas feliz por ser segunda-feira.” “O que quer?” “Apenas ligando para dizer olá. Tagarelar. Bate-papo. Ver como estão Etta e a mãe gostosa.”

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“Quem disse que ela é gostosa?” Pergunto, parando abruptamente. “Ninguém.” Ele começa a rir. “Mas Kate disse que tem uma coisa com ela, e por seu tom, nossa querida Katherine está certa.” “Oh, foda-se”, murmuro, indo até minha mesa para poder sentar e colocar os pés para cima. Depois de andar metade da noite, e a outra metade virar de uma lado para o outro enquanto esperava por um horário aceitável para mandar uma mensagem para Morgan, meu corpo inteiro está doendo e estou tão cansado que meus olhos queimam. “Eu preciso dizer”, ele continua como se eu não tivesse falado. “Esse desenvolvimento me surpreende. Você e Hen nunca tiveram o mesmo tipo.” “Ela é do tipo de todos”, retruco, sem minha delicadeza habitual. “Porra, não quis dizer isso. Esqueça que falei.” “Bonita, hein?” “Existe um objetivo para esta conversa?” “Na verdade, não”, diz Alex, solene. “Apenas checando você. Não falamos há mais de um mês.” “Desculpe, cara”, murmuro, sentindo-me incrivelmente culpado. Não sou muito bom em retornar chamadas, mesmo que parte de mim esteja ansioso para conversar com todos diariamente apenas no caso de algo acontecer. Raramente converso com meu irmão enquanto ele está fora e, de repente, não tenho mais chances. Não quero que isso aconteça jamais. “Não se preocupe”, diz Alex. “Só percebi que era hora.” “Sim, você está certo”, digo, agradecido que a conversa afastou-se de Morgan. “Como está?”

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“Bem. Apenas trabalhando muito.” Algo em seu tom está errado. “E?” Pergunto. “Conheci alguém”, ele diz, sua voz um pouco mais séria. “Oh, sim?” Não sei o que dizer. Alex sempre foi mais playboy do que qualquer outra coisa. Não me lembro dele ter mencionado uma mulher nas conversas. “Ela é ótima, Trev. Sério. Não tenho certeza se ela gosta de mim tanto assim.” Ele ri um pouco desconfortável. “De jeito nenhum.” Solto uma risada. Até Morgan me lembrou de quão atraente o sexo oposto acha meu primo. Nunca nenhuma vez o ouvi reclamar sobre levar um fora ou algo assim. “Ela é… séria. Sobre tudo, cara. Mal posso fazê-la rir.” Ele suspira. “Quando ela sorri, porém, é como o Natal.” “Oh, Jesus”, murmuro, fazendo-o rir. “Eu sei, eu sei. Pareço um idiota.” “Ligeiramente.” Ele soa como um idiota, mas o que realmente me incomoda é a maneira fácil como ele fala sobre a mulher. Estou com tanto ciúme dele que mal consigo enxergar. “Ela é ótima, cara. Mesmo. Acho que vai gostar dela.” “Eu vou conhecê-la?” “Eventualmente, se tudo correr bem, sim.” Minha boca quase cai aberta em surpresa. Ele está realmente falando sério. “Uau.” “Sim. Uau.”

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Nós dois ficamos em silêncio por um longo momento. “Então, eu vou conhecer Morgan?” finalmente. “Esse é o nome dela, certo?”

Ele

pergunta

“Você já a conheceu”, respondo. “Surpresa, ninguém compartilhou esse pequeno detalhe com você.” “O que?” Passo os vinte minutos seguintes explicando a ele como Morgan morou conosco quando criança, e tentando descrever como ela era sem compará-la ao Natal do jeito que ele fez com sua nova garota. Mesmo sem descrições floridas, tenho certeza que ele vê através de mim. Felizmente, ele não me incomoda muito sobre isso e, eventualmente, nós desligamos o telefone, concordando que faríamos questão de conversar com mais frequência. Na verdade, sinto-me melhor depois da nossa conversa. Minha paixão por Morgan parece cada vez menos obscena quanto mais ela é mencionada nas conversas, embora realmente não queira falar sobre ela com ninguém. Saber que nem Alex nem Kate parecem irritados com minha pequena obsessão torna a situação mais aceitável, eu acho. Eles me fizeram sentir menos idiota por babar atrás da ex do meu irmãozinho. A culpa, no entanto, ainda está aqui, deslizando por baixo da minha pele. Coloco meu telefone na mesa, em seguida, xingo e pego de volta, decidindo mandar uma resposta para Morgan para a foto que ela enviou em vez de responder ao seu pedido de desculpas. Ela se moveu em seu sono? Parece completamente exausta. Alguns minutos depois, ela manda uma mensagem de volta.

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É o que acontece quando você é mimado todo o dia. Ela não está acostumada com todas essas pessoas dando atenção a ela. ☺ Bem, é melhor se acostumar. Ela tem mais vinte pessoas esperando nos bastidores para fazer exatamente isso, respondo. Sim, sobre isso. Espero, observando os pequenos pontos na tela pelo que parece um longo tempo. Vocês podem visitar a qualquer hora. Acho que estamos tão acomodadas quanto estaremos e tenho certeza de que sua mãe está ficando louca esperando. Suspiro em surpresa. Por mais que queira aceitar a palavra de Morgan, ela foi tão evasiva que realmente não esperava que nos convidasse para ir lá – especialmente depois do meu deslize na noite anterior. Solto um suspiro de alívio e decido ligar para ela em vez de enviar mensagens de texto. “Ei”, ela responde. “Ei.” Minha voz sai toda estranha e trêmula, e silenciosamente bato a palma da minha mão contra a testa em irritação. Sim, aparentemente minha ansiedade não desapareceu completamente. “Trevor, você me ligou”, diz ela, rindo um pouco do meu silêncio constrangedor. “Certo.” Esfrego a mão sobre meu rosto, tentando agir de acordo. “Apenas pensei que seria mais fácil falar em vez de escrever. Você está falando sério sobre a gente visitar qualquer hora? Porque no minuto que eu contar para minha mãe, ela vai querer ir para o sul imediatamente.” Posso estar exagerando,

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mas não por muito. Não ficaria surpreso se minha mãe já estivesse com as malas meio prontas em antecipação. Morgan ri nervosamente. “Sim, tenho certeza. Venha qualquer hora. Preciso começar a procurar um emprego amanhã, mas fora isso, estamos livres.” “Estamos-” “Então-” Nós dois falamos no mesmo tempo, depois paramos. “Então, não posso esperar para ver você também”, diz ela finalmente, sua voz um pouco hesitante. “Jesus, mulher”, murmuro, olhando a porta aberta do meu escritório e desejando que a tivesse fechado. “Você me fez esperar por isso.” O que diabos estou fazendo? Nem estou caindo no buraco do coelho, estou pulando. Eu simplesmente não consigo me impedir. “Eu sei”, ela responde. “Desculpa.” “Eu-” Alguém para na minha porta, e paro de falar. Inferno, sabia que não deveria tentar falar com ela no escritório. “Trouxe rosquinhas”, diz Bram rabugento. Parece que ele ainda não dormiu muito. “Pegue uma se quiser.” Então ele sai apressado sem esperar por uma resposta. “Merda, você está no trabalho?” Morgan pergunta. “Foi eu quem sorriso. “Lembra?”

te

ligou”,

respondo

com

um

“Oh, claro. Droga, você está enrolando.” “Sou proprietário também, então eu faço o que quero”, vanglorio-me.

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“Não, você não faz!” Bram grita da outra sala, me fazendo lamentar novamente que não fechei a porta do meu escritório. “Cala a boca, Bram”, grito, tentando cobrir o microfone do meu telefone. “Falo com você depois”, diz Morgan, rindo. “Avise sobre o que sua mãe disse.” “Tudo bem”, respondo, quase chamando-a de ‘linda’, mas parando no último segundo. Preciso parar este trem antes que ele saia completamente da estação. “Eu te ligo hoje à noite.” Coloco o telefone na mesa assim que nos despedimos e pulo de pé mal me segurando de socar o ar em comemoração como um herói de comédia dos anos noventa. Sou uma mistura de emoções confusas: culpa e preocupação, um pouco de medo e muita felicidade. Eu vou vê-la, e não só isso, vou apresentar meus pais a Etta. Tenho o que minha mãe gosta de chamar de ‘formigas nas calças’ e não há como eu ficar na minha mesa. Em vez disso, vou até o escritório de Bram para lhe incomodar. “Ainda não está dormindo?” Pergunto sorrindo quando ele me mostra o dedo do meio.

alegremente,

“Não acho que ela precisa”, ele responde seriamente, levantando as mãos em súplica. “Honesto Deus, não acho que minha filha precisa dormir.” “Claro que ela precisa.” “Não, estou completamente certo disso. Ela está acordada vinte horas por dia. É insano.” “Como está Ani?” Pergunto, encostado no batente da porta. “Ela está de mau humor e praticamente odeia tudo, exceto Arielle.”

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“Então, o que está dizendo é que ela está sendo malvada com você”, digo com descarada simpatia. “Cara, só quero dormir com minha mulher”, ele resmunga. “E quando digo dormir, quero dizer dormir. Duvido que possa fazer mais do que isso neste momento.” Bram não é muito falante, e é ainda menos quando algo está incomodando-o, então instantaneamente fico sério com suas palavras. É meio engraçado que Arielle os esteja mantendo acordados, mas posso ver o preço que isso está cobrando dele, e não é pouco. “Por que não a deixam comigo esta noite?” Pergunto, ainda vibrando após minha conversa com Morgan e com uma energia que faz ficar acordado a noite toda com uma criança parecer uma boa ideia. “Está falando sério?” Ele pergunta, o rosto cedendo de alívio. “Por favor, fale sério agora.” “Sim.” Balanço a cabeça. “Ligue para Ani e me avise.” “Oh, vou dizer sim agora”, diz ele com firmeza. “Ani pode discutir o quanto quiser.” “Legal.” Afasto-me do batente da porta e me alongo. “Avise mais tarde quando quer deixá-la. Vou ficar fora pelo resto do dia.” “O que?” Ele pergunta, inclinando a cabeça para trás em surpresa. “Aonde vai?” “Eu sou o chefe”, brinco. “Vou para onde eu quiser.” Vou embora com o som de suas maldições soando em meus ouvidos. Eu sinto por ele – a segunda-feira sempre foi super movimentada para nós e será uma droga tentar fazer tudo enquanto estou fora, mas não ha como eu trabalhar. Minha

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mente está muito confusa com Morgan e Etta e a viagem que preciso planejar para poder vê-las. Deixo o escritório e vou direto para a casa dos meus pais. Estou evitando minha mãe desde que Morgan adiou qualquer visita, e fico ansioso para dizer que ela possa finalmente fazer planos. Só espero poder conter minha excitação o suficiente para que ela não veja através de mim. “Ei, mãe?” Chamo quando abro a porta da frente. “Onde você está?” “Ela está lá fora”, meu pai responde, vindo corredor. “O que está fazendo aqui às oito da manhã?”

pelo

“Tirei o dia de folga”, digo, rindo um pouco com o olhar surpreso em seu rosto. Não sou alguém que tira folgas em dias aleatórios. Planejo e aviso todos com antecedência se não estarei no escritório, e nem sequer faço isso com muita frequência. Se há uma coisa que meu pai me ensinou, é o valor de uma boa ética de trabalho. Minha carreira nos negócios da família não diminui isso; quando muito, isso me faz trabalhar mais. Como um dos filhos do dono, dei o exemplo e não queria que fosse um péssimo. Nós estávamos construindo algo que duraria, esperançosamente por gerações. Eu não iria me opor a isso meio que fazendo o meu trabalho. “Bem”, ele diz com um encolher de ombros. “Se quer passar um raro dia de folga com sua mãe, é meu convidado”, ele brinca. “Não consigo pensar em companhia melhor”, respondo. Caminhamos para os fundos onde minha mãe planta flores em pequenos vasos, e sento nos degraus da varanda para assistir seu trabalho.

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“Trevor”, ela diz alegremente. “O que está fazendo aqui?” Imagino que surpreendi os dois. “Recebi uma ligação de Morgan hoje”, digo calmamente, recostando-me na varanda. “Ela disse que em qualquer dia que quisermos visitar, seremos bem-vindos.” “Sério?” Mamãe pergunta, parando com as mãos ainda na terra. “Deus, isso é um alívio.” “Eu disse que ela só queria se estabelecer primeiro”, lembro-a. “Bem, sim”, ela responde, suas mãos se movendo no solo mais uma vez. “Mas pensei que isso poderia ser para nos afastar, sabe? Muita coisa pode mudar em dez anos – na verdade, não conhecemos essa mulher. Ela pode ter qualquer número de coisas passando pela cabeça. Estou feliz que nos deixe ver a pequena Henrietta.” “Você vai gostar dela, mamãe”, digo, observando-a bem enquanto meu pai senta numa cadeira perto de nós. “E ela já gosta de você.” “Nunca disse que não gostava dela”, ela argumenta. “O que lembro de qualquer maneira. Ela era uma menina doce. Boas maneiras, embora não tenha ideia de onde as aprendeu, considerando seus pais.” “Ela ainda tem boas maneiras”, respondo, um pouco incomodado com o comentário da minha mãe. Pelo que Morgan disse, o pai dela é um cara decente. Claro, ele teve problemas no passado, mas pelo que posso dizer, ele foi um bom pai. Além disso, se ela realmente julgasse de onde uma pessoa vem, sua visão de mim e meus irmãos não poderia ser muito alta. “Quando ela disse que poderíamos visitar?” Meu pai pergunta.

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“Ela disse qualquer dia”, respondo, tentando não abrir a boca e perguntar a minha mãe exatamente o que ela quis dizer sobre os pais de Morgan. “Então, assim que decidirmos ir, nós iremos.” “Bom, vou colocar meus sapatos”, minha mãe brinca. Forço um sorriso. “Disse a ela que era uma possibilidade”, confesso. “Oh sim? O que mais disse a ela?” Pergunta mamãe. “Que você é ótima”, respondo, meu sorriso vindo mais facilmente em seu tom de provocação. É difícil ficar com raiva da minha mãe por qualquer período de tempo. “Que não pode esperar para conhecê-las. Que todos nós as consideremos parte da família.” “Oh, bom”, minha mãe diz. “Eu claramente criei um homem inteligente.” “Isso já foi questionado?” “Bem”, meu pai diz, arrastando a palavra e fazendo minha mãe rir. “Nós podemos ir quando estiver pronta, mãe”, digo, minha voz um pouco mais baixa enquanto a observo passar da excitação ao nervosismo. Essa é a mãe que conheço, a preocupada. Não a mulher que fala sobre a vida sexual de seus filhos e insinua que alguém com pais ruins é de alguma forma menor. “Eu estou pronta há meses”, ela diz, me dando um sorriso triste. “Estive pronta no minuto que soube dela.” “Eu não sei sobre isso”, meu pai diz. “Tenho certeza que não estava pronta para nada além de desmaiar no sofá naquele momento.”

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“Eu nunca desmaiei”, minha mãe argumenta, revirando os olhos. “Primeira vez para tudo”, meu pai murmura. “Que tal sexta-feira?” Minha mãe pergunta, olhando para mim. “É cedo demais?” “Não, sexta-feira está bom. Vou avisar Morgan.” “Você parece ser muito amigo dela agora”, diz mamãe, com a voz curiosa de uma maneira quase insinuante. A calma que estava se acomodando em mim desaparece num instante. “Nós nos damos muito bem”, respondo com cautela, sem saber para onde a conversa está indo. “Ela é uma garota legal.” “Mulher”, meu pai corrige. “Mulher”, esclareço. Meu telefone começa a tocar e atendo rapidamente antes que minha mãe possa continuar seu questionamento. “Abençoado seja”, Ani diz antes que eu possa dizer olá. “Abençoado seja, abençoado seja, abençoado seja.” “Eu não espirrei”, brinco. “Eu te devo muito”, ela responde. “Muito obrigada.” “Animada para finalmente dormir um pouco?” Pergunto, em seguida, sussurro o nome de Ani para minha mãe, que está me encarando interrogativamente. “Cara, você não tem ideia. Nenhuma. Estou realmente me perguntando se pode pegar Arie hoje à noite porque estou muito nervosa sobre dirigir cansada.”

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“Claro”, digo imediatamente. Não quero que ela dirija cansada e é fácil o suficiente colocar a cadeirinha de carro de Arie na minha caminhonete. “Que horas?” “Sete. Não, cinco. Não, seis. As seis funciona?” “Sim, seis está bem”, respondo. “Vou levar o jantar.” Sorrio e desligo quando ela começa a cantar “Wind Beneath My Wings.” “Vou cuidar da Arielle esta noite”, digo aos meus pais quando guardo meu celular de volta no bolso. “Eles precisam dormir um pouco.” “Isso é gentileza sua”, minha mãe diz. “Você vai se arrepender”, meu pai diz ao mesmo tempo, rindo. “Provavelmente”, digo com tristeza. “Mas é uma noite e tenho certeza que Bram não aguentaria mais um dia sem dormir.” “Ani, também não”, minha mãe diz. “Eu passei por lá ontem para que ela pudesse fazer uma pequena pausa, e a pobre garota tinha tantas bebidas energéticas em seu sistema que estava tremendo como uma viciada e não conseguia nem cochilar.” “Agora, por que ela pode chamar Ani de uma garota, e você não diz nada?” Pergunto ao meu pai, só para irritá-lo. “Sua mãe pode chamá-la de garota”, ele responde, recostando-se em sua cadeira. “Porque ela é duas vezes mais velha que Anita e a viu crescer.” Ele levanta uma sobrancelha. “Quando você tiver a nossa idade, pode fazer o mesmo. Mas quando está falando sobre uma mulher que tem a

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mesma idade que você, mostre a ela o respeito que merece, chamando-a do título correto.” “Você é um feminista”, respondo, ainda o incitando. “Se chama de respeitar uma mulher de feminismo, então suponho que seja”, diz ele, recusando-se a aceitar a provocação. Geralmente ele faz uma longa crítica sobre como ele não gosta de rótulos e sempre o fizera, finalmente chegando a admitir que se considerava um feminista ‘o que quer que isso significasse.’ “Por que o cutuca?” Minha mãe pergunta divertida, balançando a cabeça. “Você sabe que ele vê através disso.” “Sim, mas geralmente ele fica irritado de qualquer maneira”, respondo. “Ainda estou sentado bem aqui”, meu pai diz, inclinandose para pegar uma pinha do chão e jogar na minha cabeça com uma precisão não surpreendente. Mal me abaixo a tempo de evitá-la. “Vou dar o fora daqui”, digo, levantando. “Vou dizer a Morgan para planejar nos ver no sábado?” “Sim”, minha mãe diz, olhando meu pai para confirmação. “Vamos dirigindo ou voando?” Pergunto, imaginando como está minha conta bancária. Normalmente não me preocupo com isso, sabendo que tenho muito. Embora provavelmente deva verificar depois da minha viagem para a Califórnia no início do mês. “Dirigindo”, meu pai diz. Ele odeia voar. “Vamos com nosso carro.” Hesito por um minuto, perguntando-me se precisarei da minha caminhonete enquanto estivermos lá. Espero que sim.

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“Parece bom”, respondo, incapaz de pensar numa razão para levar dois veículos. “Eu posso ajudar a dirigir.” “Bom”, minha mãe diz. “Dessa forma posso ler durante a viagem inteira.” “Mais de quarenta anos de casamento e ainda não tenho idéia de como pode fazer isso”, meu pai diz quando beijo minha mãe dizendo adeus. “É fácil”, mamãe responde a ele enquanto me dá um aperto rápido em volta da minha cintura. “Você olha para as letras. Elas formam palavras.” “Espertinha”, meu pai diz quando me dá um tchau de despedida. * * * “Arielle”, murmuro tarde naquela noite enquanto esfrego suas costas em pequenos círculos. “Tio Trev está cansado. Você não está?” Estamos sentados no sofá assistindo a um documentário sobre a Segunda Guerra Mundial, e ela não está mostrando sinais de dormir. Felizmente, não está mais rastejando pela casa ou tentando abrir todos os armários da cozinha, mas ainda estava acordada quando se sentou no meu colo. Fiz tudo que pude para cansá-la, pensando, como um idiota, que eu seria o único a fazê-la dormir. Quão errado estou. Eu a levei ao parque, a um fast-food que tem uma enorme área de recreação e, finalmente, para uma caminhada na natureza até o riacho e o lago. Não pareceu incomodá-la. É como se a garota fosse um robô. Se olhar embaixo de sua pele, encontrará uma caixa de metal com baterias ainda totalmente carregadas.

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Meu telefone toca e percebo instantaneamente que esqueci completamente de telefonar para Morgan como havia combinado. “Sinto muito”, atendo, não me incomodando com um olá. “Estou cuidando da minha sobrinha hoje à noite e esqueci completamente de ligar.” “Não tem problema”, ela responde. “Qual sobrinha?” “Arielle”, digo, sorrindo para a menina bonita quando ela me olha depois de ouvir seu nome. “Ela é de Bram e Ani. Todos os outros moram em San Diego.” “Oh, certo. Você me disse isso antes, eu acho.” “Sim, Provavelmente. É difícil acompanhar, no entanto. Há muitos de nós.” “Você faz muito isso, cuidar de crianças?” Ela pergunta curiosa. “Na verdade, não”, confesso. “Não que eu não faria, eles simplesmente não me pedem. Entre minha mãe e minha tia, elas geralmente cuidam disso.” “Sorte”, diz ela com uma risada. “Oh sim. Elas fazem todo o trabalho de cuidar das crianças. Eu me ofereci para ficar com Arie hoje à noite, para que seus pais pudessem dormir um pouco.” “As vovós não estão dispostas a passar a noite, hein?” Morgan brinca. “Na verdade, elas estão”, respondo, não querendo dar-lhe a impressão errada. Fico mais confortável no sofá e coloco Arielle contra o meu peito antes de continuar. “Acho que Ani e Bram recusaram a ajuda delas porque não queriam que os velhos tivessem que ficar acordados a noite toda.”

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“A noite toda?” “É o que escuto”, falo, olhando Arielle, que ainda assiste ao documentário, embora não entenda nada do que diz. “Ela está sem dormir a cerca de duas horas, mais ou menos alguns minutos.” “Oh, isso é uma droga”, diz Morgan. “Qual a idade dela?” “Oito meses.” Não tenho certeza disso, mas falo como se estivesse certo. Sei que meu palpite está bem perto. “Eu lidei com essa merda com Etta por cerca de uma semana quando os dentes nasciam, e sinceramente pensei que fosse morrer de privação de sono.” “Merda, hein?” Pergunto, surpreso com sua linguagem. “Ugh”, ela suspira. “Meu pai é uma influência ruim.” “Como vai isso?” Pergunto curiosamente. Ela parecia realmente relutante em voltar a morar com o pai, mas também feliz por estar lá. Eu me pergunto como ele é. Ela parece colocar o cara num pedestal. “É realmente muito bom”, ela diz com tristeza. “Sempre tem uma cafeteira esperando por mim de manhã, e é muito bom passar um tempo com o velho.” “Droga”, digo, respirando fundo. “A coisa do café parece legal.” “Eu sei, certo?” Ela diz, suspirando feliz. “O café dele é muito melhor do que o meu também.” “Eu sei o que quer dizer. O café sempre tem um gosto melhor na casa dos meus pais. Às vezes passo lá nos fins de semana, só por isso.”

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“Você passa muito tempo na casa dos seus pais?” Ela pergunta. Eu sorrio com a pergunta. O que é ‘muito’ em sua mente? Passei muito tempo com meus pais do que meus irmãos, mas sempre vivi perto. Não tenho certeza do que seria considerado uma quantia normal. “Eu moro muito perto deles”, finalmente digo. “Construí uma casa em nossa propriedade familiar.” “Oh.” “Mas não é ao lado nem nada”, apresso-me para esclarecer. Eu realmente não quero que ela pense que estou morando com meus pais. Eu não sou esse cara. “Temos muita terra, então, quando chegou a hora de construir ou comprar uma casa, decidi fazer isso aqui. Eventualmente eles chegarão ao ponto em que precisarão da minha ajuda para se locomover e eu não quero estar muito longe.” “Isso é doce da sua parte.” “Além disso, reduziu minha hipoteca”, confesso. “Sim, posso entender essa lógica”, diz ela brincando. “Meu pai não me deixa pagar nada até que eu consiga um emprego, então estou deixando dinheiro pela casa, na esperança de que ele encontre e assuma que é dele.” Solto uma risada alta e assusto Arielle, deixando seu corpo inteiro tenso. “Desculpe, docinho”, murmuro, beijando o topo de sua cabeça. “Está funcionando?” Pergunto a Morgan. “Eu não tenho certeza”, responde ela. “Mas encontrei uma nota de vinte no meu jeans ontem, e sei que não a coloquei lá.” “Ele está dando de volta?”

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“Provavelmente”, ela resmunga. “Seu pai parece um bom sujeito.” “Ele é”, diz ela. “O melhor.” “Estou ansioso para conhecê-lo.” “Quando isso vai acontecer?” Ela pergunta. “Eu disse a ele hoje que vocês viriam.” “Minha mãe quer ir na sexta-feira.” Há uma longa pausa antes de responder. “Ela não está perdendo tempo.” “Eu te disse”, lembro-a, tentando não ficar na defensiva em seu tom. “Nós vamos nos estabelecer e então esperava poder ver vocês no sábado?” “Claro, não temos nada planejado neste fim de semana. Sabe quanto tempo vai ficar?” A pergunta soa um pouco tensa. “Eu não perguntei, mas estou supondo que apenas alguns dias. Eu preciso voltar ao trabalho, então não podemos ficar muito tempo.” “Trabalho? O que é isso?” Ela brinca. Embora tenha ouvido a ansiedade em sua voz quando discutimos a visita, Morgan e eu ainda conversamos por quase duas horas enquanto Arie ficou bem acordada no meu colo. Ficou mais tarde, e sabia que deveria deixá-la dormir um pouco, mas não consegui desligar o telefone. Estava aprendendo coisas sobre ela que não saberia se estivéssemos nos conhecendo de outra maneira. Conversar com ela a distância mudou a maneira como interagimos. Não havia barreiras para as coisas que compartilhamos, sem constrangimento. É como se a distância

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entre nós nos desse um passe livre para sermos realmente nós mesmos em vez das versões polidas que mostramos ao mundo. A única coisa que não discutimos – que nunca discutimos – é Henry. Fiquei perto dela em pessoa apenas por um dia, mas quando desliguei o telefone naquela noite, percebi que sentia falta dela. Ah, e minha voz finalmente acalmou Arielle para dormir.

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CAPÍTULO 10 Morgan

“Por que está tão nervosa?” Meu pai pergunta no sábado de manhã, imitando-me batendo os braços enquanto ele gira em círculo. “Eles são os que deveriam estar nervosos. Você tem todo o poder aqui, garota.” Eu sei disso. Mas com certeza não parece que tenho algum poder. Na noite anterior, quando Trevor mandou uma mensagem dizendo que chegaram em segurança, quase liguei e pedi para ele vir. Em vez disso, acovardei-me e liguei para minha irmã mais nova para poder ouvi-la por mais de uma hora. Quando fui para a cama com suas afirmações positivas na cabeça, senti-me calma. Assim que acordei de manhã, toda aquela calma se foi. Estou muito nervosa. Graças a Deus meu pai não tem ideia de que a maior parte dos meus nervos vem do fato de que estou prestes a ver Trevor novamente. Trevor, que é grande como um tanque e tem o maior sorriso que já vi. Trevor, que confessou para mim que sua mãe é sua pessoa favorita no planeta, embora tivesse certeza de que isso o tornaria um filhinho da mamãe. Trevor, que sei estar fora dos limites, mas não consigo parar de pensar.

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“Twevo”, Etta diz manhã. “Twevo chegando.”

pela

centésima

vez

naquela

“Sim”, respondo, olhando ao redor da casa para me certificar de que nada está fora do lugar. A casa do meu pai é pequena, antiga e visível. Mas o homem sempre se orgulhou do lugar, e isso também é visível. Ele a comprou assim que pagou a entrada, cerca de seis meses depois que voltamos a morar com ele, e trabalhou muito para pagar. Há flores bem cuidadas no quintal da frente, e grama morta em alguns pontos, mas bem aparada na parte de trás, e mesmo que ele seja solteiro e não mantem tão limpo como eu teria, o interior é funcional e claramente cuidado. “Twevo, mamãe!” Etta grita, olhando pela janela da frente de onde ela estava no sofá. “Twevo, aqui!” “Hora do Show”, meu pai brinca, rindo quando o encaro. Caminho devagar até a porta da frente e espero dois segundos após a batida para abrir, embora Etta está fazendo um tumulto impaciente ao meu lado. Não há necessidade de mostrar meu nervosismo, afinal de contas. Eu tenho o poder. Seguro esse sentimento quando encontro os olhos de Ellie Harris. “Oi”, digo, mal olhando para seu marido e Trevor quando me abaixo e penduro Etta no meu quadril. “Entre.” Eu tenho o poder. Eu tenho o poder. Eu tenho o poder. “Oi”, ela responde, dando um passo à frente enquanto recuo para dentro da casa para deixá-los entrar. Ela parece divertida por um momento quando seus olhos pousam

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em Etta, depois balança a cabeça com uma risadinha e olha de volta para mim. “Muito obrigada por nos receber.” “É claro.” “É bom vê-la novamente depois de todo esse tempo”, diz ela, movendo a bolsa no ombro. “Lembrei-me exatamente de quem era assim que Trevor mencionou que morou com a gente.” “É bom ver você também”, digo. mencionou que ele não se lembrou de mim?”

“Trevor

também

Sorrio quando ela dá uma olhada por cima do ombro para seu filho. “Oh, vamos lá”, ele geme, sorrindo. “Eu era velho demais para prestar atenção às crianças naquele verão.” “Sua casa foi a melhor em que fui colocada”, digo a Ellie seriamente. “Obrigada.” “Eu concordo”, meu pai diz, juntando-se a briga. “Obrigado por cuidar da minha menina quando eu não pude.” “De nada”, diz Ellie, obviamente, medindo meu pai, mesmo que tente disfarçar. “Nós amamos ter uma casa cheia de crianças, certo, Mike?” O pai de Trevor dá um passo à frente e fico surpresa por um momento. Mal me lembrava dele quando morei com eles. Mesmo que ele sempre chegasse em casa para o jantar, ele normalmente ficava fora trabalhando o dia todo e não tive muita razão para interagir com ele. Se tivesse me lembrado, a semelhança entre ele e seus filhos adotivos não teria sido tão assustadora.

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Não era a aparência. Claramente. Henry era loiro e magro, e Trevor é moreno e forte, enquanto Mike é apenas um cara branco de cabelo escuro comum, ganhando gordura abdominal. É maneira que se posicionam que é tão estranha. Suas costas retas, a maneira como as cabeças deles se inclinam, como se movem e se levantam, o movimento firme de suas bocas e os sorrisos que dão que fazem seus olhos enrugarem. Não notei as semelhanças entre Henry e Trevor, mas agora que vejo seu pai, é impossível perder. O pensamento me deixa meio enjoada. Mike estende a mão para apertar a mão do meu pai. “Lembro-me de sua filha também”, diz ele, sorrindo para mim. “Ela era uma querida.” “Ainda é”, meu pai diz, quase orgulhoso. “Entre, não há razão para ficar aqui na entrada.” Etta se contorce para descer, então a coloco de pé. Ela instantaneamente corre para meu pai e agarra a mão dele para que possa estar no meio da comoção enquanto os velhos, como Trevor os chama, seguem para a sala de estar. Dou um passo para segui-los quando uma mão leve no meu quadril me faz congelar. “Ei, estranha”, Trevor diz baixinho no meu ouvido. “Ei.” Olho por cima do ombro para ele e sinto minhas bochechas esquentarem do jeito que ele está me olhando. Nós flertamos em nossas mensagens e conversas telefônicas, mesmo que eu assumisse que ambos sabíamos que nada poderia acontecer. Mas tê-lo aqui, na casa do meu pai, amplia o que quer que seja entre nós para um nível quase impossível de ignorar. Eu estou com problemas.

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“É bom ver você”, ele murmura simplesmente, apertando meu quadril. Então seguimos os pais para dentro da sala e encontramos assentos. Tudo aconteceu em menos de cinco segundos, mas posso ter pensado que a mãe dele está nos olhando estranhamente a partir do momento em que sentamos. “Posso pegar bebidas para alguém?” Pergunto, tentando desempenhar a anfitriã, mesmo que ainda possa sentir a pressão da mão de Trevor no meu quadril. “Eu, Henwyetta”, Etta interrompe, saindo do colo do meu pai. Ele tentou contê-la, mas claramente não conseguiu. Tento não rir. “Eu dois.” “Você tem dois?” Ellie pergunta, inclinando-se para frente em seu assento para que esteja mais perto da altura de Etta. “Uau.” “Eu usando calcinha azul.” Etta começa a puxar seu vestido para mostrar-lhes a calcinha azul que ela está falando. “Etta”, repreendo, tentando e não conseguindo esconder o meu constrangimento. “Lembra-se do que falamos?” Ela olha para mim sem expressão. “Nós não mostramos às pessoas nossas calcinhas”, sussurro. “O que, mamãe?” “Nós não mostramos às pessoas nossas calcinhas”, sussurro novamente, desejando que o chão se abra e engula nós duas. “O que, mamãe?” Etta pergunta novamente, fazendo Trevor começar a rir.

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“Nós não mostramos às pessoas nossas calcinhas”, finalmente digo numa altura normal. “Oh”, responde Etta, completamente imperturbável. A sala fica em silêncio por um momento. “Bom conselho”, Mike finalmente diz, assentindo. Meu pai começa a gargalhar e coloco a mão sobre o rosto em mortificação. “A minha é branca”, diz Ellie, olhando para mim com um sorriso compreensivo antes de voltar a olhar para Etta. “Chato.” É quase a mesma coisa que Trevor disse no dia em que o conhecemos. “Eu não iria tão longe.” Mike murmura sobre a roupa íntima de Ellie, fazendo meu pai rir ainda mais. “Oh, vamos lá”, resmunga Trevor. Então todos rimos e o gelo está quebrado. * * * “Trevor disse que está procurando um emprego?” Ellie pergunta mais tarde naquele dia, enquanto me ajuda a fazer o almoço. Eles já estão na nossa casa há algumas horas e não mostram sinais de sair. Estou estranhamente bem com isso. Ellie adora Etta, o que não me surpreende. É Mike quem observei curiosamente durante toda a manhã. Ele parecia fascinado com a minha pequena rainha do drama, embora fosse menos óbvio do que sua esposa. “Sim”, respondo. “Não tive sorte até agora.” “E você faz tatuagens?”

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Olho-a rapidamente, mas ela não está me olhando. “Na verdade”, digo, olhando de volta para a fruta que corto, “Eu coloco piercings.” “Sério”, diz ela, arrastando a palavra como se estivesse intrigada. “Você fura alguma coisa?” Sua insinuação é clara e sorrio. “Seu filho me perguntou a mesma coisa.” “Qual filho?” “Bem...” Eu paro. “Ambos, na verdade.” “Não estou surpresa”, ela diz secamente, fazendo-me sorrir. “Ambos gostam de pensar que têm a mente aberta, mas posso os imaginar se encolhendo.” Antes que possa confirmar sua impressão, ela fala novamente. “Se eu estiver errada”, ela diz, erguendo a mão como um sinal de parada, “não me diga.” “Não.” Sorrio. “Você está certa. Ambos se encolheram.” “Minhas sobrinhas têm piercings”, diz ela, balançando a cabeça de um lado para o outro. “Eu sei que algumas pessoas não gostam deles, mas sempre os achei bonitos. Embora pudesse ficar sem o anel de touro pendurado no nariz de Ani. Um pequeno piercing no nariz, acho que esse é o caminho a percorrer.” “É chamado de anel de septo”, digo, ainda sorrindo. “E se quiser um no nariz, posso fazer isso.” “Oh, eu não sei sobre isso”, ela medita, terminando os sanduíches que está fazendo. “Mike provavelmente teria um problema.” “Ele não gosta?”

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“Ele nunca realmente disse isso, mas tenho a sensação de que ele teria uma opinião se eu fosse colocar um buraco extra em qualquer lugar.” “Eu também não tenho piercings”, respondo. Aprendi de forma bastante diferente sobre as reações do parceiro dependendo da localização do piercing, mas não estou prestes a ter aquela conversa com um assunto tão íntimo. “Bem, além das orelhas. Eu fiz isso quando era bebê.” “Vê muitos deles?” Ela pergunta. “Acho que são lindos, mas nunca realmente senti o desejo.” Dou de ombros. “Eu tenho uma tatuagem, no entanto.” Antes que ela possa me perguntar onde está, os caras vêm do quintal com uma Etta encharcada. “Ela queria que eu a molhasse com a mangueira”, meu pai explica quando Trevor carrega a minha garota na frente dele na tentativa de ficar seco. “Oh, cara”, digo, enxaguando as mãos. “Venha aqui, princesa.” “Eu molhada”, ela me diz quando a pego de Trevor. “Eu espirrei água.” “Posso ver isso.” Encontro os olhos de Trevor quando ele ri. “Ela gosta de espirrar água”, digo despercebida. “Sim, eu me lembro. Só não quando alguém está fazendo isso, certo?” Sua voz é indiferente, mas seus olhos dizem muito mais. Eles dizem que ele se lembra de tudo sobre aquele dia, e está lembrando muito claramente como eu estava no meu traje de banho. “O almoço está pronto”, diz Ellie, interrompendo a conversa silenciosa entre mim e seu filho.

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“Eu já volto”, digo, desconfortável. “Já volto”, repete Etta. “Você está encharcada”, murmuro enquanto levo Etta para nosso quarto. “Está se divertindo?” “Sim.” Ela assente enquanto tiro seu vestido e fralda. “É bom tê-los nos visitando, hein?” Pego um vestido e uma fralda limpa e jogo-a suavemente sobre a cama, fazendo-a rir. “Você gosta deles?” “Eu gosto Twevo” ela responde. “E quanto a Ellie e Mike?” “Engraçado”, diz ela, seu rostinho sério. “Eles são muito engraçados.” Eu a visto enquanto ela se contorce para fugir. “Eles gostam de você. Eu posso dizer.” “Eu engraçada.” “Sim, você é engraçada também.” Ela responde com uma longa sequência de palavras que não entendo, mas aceno com a cabeça, sabendo que ela acha que está fazendo perfeito sentido. Quando voltamos a cozinha, todos já estão sentados na pequena mesa da cozinha e meu pai puxa a cadeira do computador da sala para que eu tenha um lugar para sentar. “Meio cheio”, meu pai diz desnecessariamente. “Do jeito que gostamos”, respondo, sorrindo. Não estou brincando. Se dependesse do meu pai, nós sempre teríamos pessoas visitando. Eu sou um pouco menos social, mas me sinto da mesma maneira quando se trata de pessoas com quem somos próximos. Não me lembro de quantas vezes recebemos Danny e

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sua família para jantar e jogar cartas, ou todo o enorme grupo de amigos do meu pai para um churrasco lá atrás. Adoro ter as pessoas com quem me importo ao meu redor, brincando, rindo e me divertindo. Isso me fez sentir parte de algo maior, e me lembra que percorri um longo caminho desde a garota que não tinha ninguém além de sua irmãzinha quando o estado veio nos levar embora. “O que você faz, Stan?” Mike pergunta. “Funilaria”, meu pai responde, levantando uma mão para cobrir a maneira como fala com comida em sua boca. “Carros principalmente, algumas motos. No entanto, está devagar ultimamente.” “Ele é bom”, digo, assentindo. “Vi alguns dos trabalhos que fez.” “São principalmente reparos”, meu pai esclarece, sorrindo para mim. “Mas de vez em quando tenho algo legal para trabalhar. Aposentados chegando para pegar seus triciclos enfeitados." “Oh sim?” Mike diz, claramente interessado. Recosto na cadeira enquanto eles mantem a conversa e, como uma mariposa para uma chama, meus olhos se movem para Trevor. Ele já está me olhando. Seus movimentos não param enquanto ele come seu sanduíche e a melancia que fatiei, mas seus olhos nunca deixam os meus. Eles permanecem constantes, cheios de promessas e calor. Nunca conheci ninguém antes que pudesse dizer tanto com apenas um olhar. Meu estômago revira enquanto olho para longe, mas não posso deixar de encará-lo, repetidamente, enquanto ficamos na mesa. Algo vai acontecer. Em breve. Não há como ele sair da

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Califórnia sem testar todas as coisas que está imaginando. Fico emocionada e apavorada em igual medida. “Mamãe”, Etta diz, quebrando a tensão que tenho certeza que ninguém mais na mesa sente além de mim. “Eu terminei.” “Você tem certeza?” Pergunto, inclinando-me para tirar seu cabelo do rosto. “Você não comeu muito.” Começo a me levantar, mas Ellie me impede. “Eu posso limpá-la”, ela oferece. Assim que concordo, ela deixa sua cadeira e ajuda Etta, deixando-me sem nada para fazer, exceto olhar Trevor novamente. Os pais estão completamente absortos com a conversa deles sobre carros velhos, sem prestar nenhuma atenção em nós quando os lábios de Trevor curvam nos cantos. “Você está linda”, ele murmura. “Pare”, murmuro de volta, arregalando os olhos. Não tenho certeza do que está acontecendo entre nós, mas o que quer que seja absolutamente não pode acontecer na frente de nossos pais. Especialmente não de seus pais. “Não posso”, ele murmura de volta. Reviro os olhos, mas não consigo parar de sorrir. “Trevor”, diz Ellie, surpreendendo-me o suficiente para me fazer saltar. “Você se lembra de quando Henry tinha essa idade? Eu juro, se cortar o cabelo de Etta igual, eles podem se passar por gêmeos.” O nome de Henry é como um balde de água gelada despejado sobre minha cabeça. No começo, fico assustada e tenho dificuldade em respirar.

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A partir do momento em que os Harris atravessaram nossa porta, ninguém disse uma palavra sobre o pai de Etta. Ele é a razão pela qual eles estão visitando. Sem ele, eu não teria Etta. Todos sabemos disso – é como o elefante na sala. Mas assumi erroneamente que eles não estão falando sobre ele por um motivo, então também não mencionei, e meu pai seguiu minha liderança. Ellie mencionando-o de forma tão casual depois de horas de visita parece quase como se ela estivesse provando algo. Infelizmente, não tenho ideia de que prova ela está tentando dar. “Definitivamente há uma semelhança”, responde Trevor, não perdendo o ritmo. “Ela tem o sorriso de Morgan, no entanto.” “Sim, ela tem”, meu pai diz, com orgulho. “O sorriso da minha filha mais nova, Miranda, é o mesmo.” “Oh”, Mike diz surpreso. “Eu não sabia que tinha outra filha.” “Ela é dois anos mais nova que eu”, respondo, sentindome desconfortável, mas sem saber por quê. “Ela vive em Bend.” “Está na faculdade lá”, meu pai fala feliz. “Ela vai ser psicóloga.” “Ela quer ser assistente social”, esclareço. “Ela está se formando em psicologia.” “Bem”, diz Mike, assentindo. “Nós precisamos de mais desses.”

definitivamente

“Das boas”, murmuro. “Nunca conheci uma ruim”, responde Ellie. Não consigo identificar de onde está vindo, e não sei quando começou, mas de repente estou muito desconfortável.

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Não sei o que é. Não há nada no tom de Ellie que indique que ela está chateada, e sua expressão é completamente relaxada, mas posso sentir uma mudança em relação a ela. Há algo na maneira como sua cabeça está inclinada, uma nitidez em seus olhos que não estava lá antes. Ela está me julgando. Julgando e me achando desprovida de alguma forma. Minhas mãos ficam suadas. “O almoço foi ótimo”, diz Mike, suspirando feliz enquanto se levanta. “Obrigado.” “De nada”, digo, ficando em pé também. Estou agindo de forma estranha e sei disso, mas não posso ser casual. Toda a energia na sala mudou, e não sei por que ou como consertar. Etta começa a reclamar de algo, e meu pai, que Deus o abençoe, levanta-se. “Está na hora da soneca, acho”, ele diz gentilmente, pegando Etta. “Você está ficando com sono, princesa?” “Não”, Etta diz, abraçando-o de qualquer maneira. “Nós provavelmente deveríamos voltar para o hotel por um tempo”, Mike murmura. “Acho que preciso de um cochilo também.” Trevor é o último a se mover de seu lugar na mesa. Ele está observando tudo com uma expressão que não reconheço, mas felizmente não diz nada. Ele mal me olha tempo suficiente para dizer adeus. Demora apenas alguns minutos para a família Harris ir embora, mas foram alguns dos mais longos minutos de que me lembro. No momento em que a porta se fecha atrás deles, meu pai se vira para mim com uma careta.

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“Não sei o que diabos aconteceu”, ele murmura quando entrega Etta para mim, então passa os braços sobre o peito e simula um tremor. “Eu vou deitá-la”, respondo, ignorando o comentário. Preciso de um momento para processar o que acabou de acontecer. A visita foi bem. Na verdade, foi ótima. Pelo menos por enquanto. Simplesmente não consigo descobrir como tudo mudou tão rapidamente, e sou deixada com uma enorme bola de ansiedade no peito ao pensar em ver os avós de Etta novamente. * * * Uma hora depois, estou sentada na varanda de trás com uma cerveja, ainda tentando identificar exatamente o que fez meus sentidos ficarem tão descontrolados, quando recebo uma mensagem de Trevor. Você está ocupada? Olho para meu short, biquíni e a cerveja na minha mão antes de responder. Etta ainda está dormindo e meu pai foi para a casa de um amigo. Digo a verdade? Não tenho certeza se estou pronta para uma conversa. Na verdade, não, respondo depois de alguns minutos de debate interno. Sua resposta é instantânea. Bom. Estou aqui na frente. “Merda”, murmuro, atrapalhando-me para ficar de pé. Correndo pela casa, abro a porta da frente antes que ele possa tocar a campainha e acordar Etta. Provavelmente deveria ter colocado uma camisa.

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“Oh, Jesus”, diz ele, dando um pequeno passo para trás assim que dá uma boa olhada em mim. “Você está tentando me matar.” “Eu não sabia que viria”, respondo. “Acabei de te falar.” “Sim, você já estava aqui.” “Dá na mesma.” “Sinto muito”, respondo, agindo como se fosse deixá-lo ali na varanda da frente. “Não precisamos lavar nossos tapetes.” Trevor ri. “Esses vendedores ainda vão de porta em porta?” Ele se aproxima. “Eu não sei. Não atendo a porta quando homens estranhos batem.” “Claro que sim.” Ele sorri. “Vai me deixar entrar.” “Lapso momentâneo”, provoco. Dou um passo para trás e ele dá outro passo à frente. Oh Deus. Estamos realmente fazendo isso? “Vai cometer suavemente.

esse

erro

novamente?”

Ele

pergunta

Inclino a cabeça de lado, como se estivesse tentando decidir minha resposta, e é aí que ele faz seu movimento. O movimento. Um dedo comprido desliza entre meus seios e enrosca o cordão que segura meu biquíni ao redor da minha caixa torácica, bem quando a cabeça dele se aproxima da minha até que nossos lábios estão separados por milímetros.

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“Vai me deixar entrar?” Ele pergunta, sua respiração mentolada e fria contra meus lábios. “Eu não sei”, sussurro, ainda jogando o jogo. “Não deveria deixar as pessoas entrarem quando meu pai não está em casa.” Trevor geme quando seus lábios encontram os meus. O beijo é explosivo. Não sei outra palavra para descrevêlo. Fui beijada centenas de vezes antes, mas nunca senti isso percorrer todo o caminho até os dedos dos pés do jeito que sinto agora. Os lábios que vi sorrirem largamente, e sorrir secretamente, pressionam contra os meus até que não resta espaço entre nós. Quando sua língua desliza contra a minha, questionando e ainda completamente confiante, meus joelhos ameaçam ceder. Ele tem gosto do seu cheiro, como hortelã e algo único para Trevor. Sem uma palavra, ele passa os braços em volta da minha cintura e me levanta do chão para poder me levar completamente para dentro da casa. Assim que a porta fecha atrás dele, toda a pretensão de civilidade se foi. Não poderia descrever os pensamentos que passam por minha cabeça, nem se tivesse tentado. Nós somos gananciosos e quase desesperados enquanto arrancamos as roupas um dos outros. Sua camisa cai no chão primeiro. Meu short segue. Então seus sapatos e seus shorts. De alguma forma, nós nos movemos para a mesa da cozinha, e grito quando minha bunda atinge a borda, mas nenhum de nós para. Minhas mãos deslizam na parte de trás de sua cueca enquanto seus dedos desamarram as alças do biquíni no meu pescoço. Sua boca se afasta da minha, mas antes que possa protestar, seus lábios estão em volta do meu mamilo e ele está deslizando a parte de baixo do biquíni por minhas pernas.

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“Porra”, ele murmura enquanto move a boca para meu esterno. “Você quer que eu pare?” Sobressalto-me com surpresa, e inclino a cabeça para encarar, imaginando se ele está me provocando. O que encontro em sua expressão é completamente o oposto do que esperava. Ele fala sério. Sua respiração está ofegante e seu corpo está praticamente irradiando com a tensão, mas ele está absolutamente imóvel. É o momento da verdade, a fração de segundo da sanidade onde posso parar tudo. “Não”, digo baixinho, pegando suas mãos e colocando-as de volta em meus quadris quando ele me entendeu mal. “Não quero que pare.” “Não estou tentando te apressar”, ele diz em alívio, pressionando o rosto entre os meus seios, antes de virar a cabeça e chupar forte o suficiente para deixar uma marca. “Nós não falamos sobre isso ou...” Suas palavras são interrompidas quando esfrego minha mão na lateral do seu rosto, saboreando o atrito da sua barba contra a palma da minha mão. Gemendo, sua boca se move mais abaixo, beliscando e sugando a pele da minha barriga. Quando ele me pede para virar com a pressão de seus dedos, giro insegura para encarar a mesa, minhas mãos batendo alto enquanto sinto sua boca se mover para a curva da minha bunda. “Eu sou...”, ele murmura contra minha pele. “Você é...”, ele não termina seus pensamentos, em vez disso, geme contra minha pele enquanto suas mãos sobem pelo interior das minhas coxas. Minhas pernas começam a tremer enquanto seus dedos se movem ao longo da pele, e quando chegam ao meu centro,

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estou apoiando meus antebraços contra a mesa, numa tentativa de ficar em pé. “Trevor”, murmuro, quando uma de suas mãos aperta minha bunda e a outra desliza para frente e para trás levemente contra meu clitóris. “Oh, merda.” “Isso é bom?” Ele pergunta baixinho. Balanço a cabeça, engolindo em seco enquanto tento me impedir de fazer muito barulho. Meus quadris instintivamente balançam para trás em direção a ele e minha cabeça cai para frente enquanto suas mãos deslizam para longe e sua ereção pressiona contra mim através da cueca. “Sim?” Ele pergunta, gentilmente me cutucando por trás. “Sim”, murmuro, alcançando para puxar sua cueca. Seu corpo se afasta e suspiro em derrota, pensando que ele mudou de ideia. Então, apenas segundos depois, antes que possa me levantar da mesa, ele está de volta. “Preservativo”, diz ele, passando a mão suavemente pela minha coluna. Ele desliza dentro de mim sem hesitação. Qualquer relutância ou segundas intenções desaparecem. Tudo o que podemos fazer é sentir, seus dedos entrelaçados com os meus na mesa e seu corpo musculoso pressionando e recuando repetidamente enquanto sigo seus movimentos com os meus. Não importa como estamos posicionados, ou que estamos no meio da casa do meu pai, ou que minha filha dorme pacificamente em seu berço. Nada além do jeito que sua pele desliza contra a minha, e seus dedos morenos agarram minhas palmas, e sua respiração vibra contra minha garganta, importa. É o melhor sexo, sem dúvida, que já fiz.

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Mas assim que os orgasmos diminuam e nossa pele esfria, fico de pé novamente, recriminações e dúvidas começando a circular em minha mente com a força de um tornado. O que em nome de Deus eu fiz? “Você é a mulher mais linda que já vi”, diz Trevor suavemente, esfregando as mãos contra meu rosto enquanto estou aqui, nua e arrependida. “Eu preciso me vestir”, respondo entorpecida, quase estremecendo com a mudança em sua expressão. Deslizo para fora de seus braços e me abaixo desajeitadamente para recuperar a calcinha do biquíni. Infelizmente, isso coloca meus olhos nivelados com seu pau, que ainda está semiduro e coberto com um preservativo. Um preservativo muito cheio. Querido Deus. Levando apressada e quase bato a cabeça em seu queixo. Ele não se moveu um centímetro quando me viu toda atrapalhada e encarando-o. “Morgan?” Ele pergunta quando me afasto, cobrindo meus seios com o braço. “Etta vai acordar em breve”, digo, evitando contato visual e recuperando meu biquíni da mesa. “Você está falando sério agora?” Ele questiona. Ele não aproxima, mas todo seu corpo muda quando ele tenta me fazer olhá-lo. “Sinto muito”, murmuro, caminhando em direção à entrada, onde meu short está. “Eu ainda tenho um preservativo pendurado no meu pau”, ele diz, incrédulo.

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“Há toalhas de papel no deliberadamente ignorando seu tom.

balcão”,

respondo,

Eu não observo, mas posso ouvi-lo enquanto ele se move pela cozinha. Lutando, mal consigo colocar meu biquíni antes que ele esteja novamente em minha visão periférica. “Estou perdendo algo aqui?” Ele pergunta enquanto veste a cueca. “Porque eu tinha certeza que estava comigo nisso tudo.” Eu não respondo. Não tenho absolutamente nenhuma ideia do que dizer. “Morgan”, ele repete bruscamente, fazendo minha cabeça levantar em surpresa. “Por favor, diga que não recebi sinais cruzados aqui.” O olhar em seu rosto e o jeito que ele posiciona seu corpo faz meu estômago revirar com remorso. “Você não recebeu”, digo rispidamente, balançando a cabeça. “Eu disse sim.” Limpo a garganta. “Mais de uma vez.” “Então, que porra é essa, baby?” suavemente, dando um passo para frente.

Ele

perguntou

“Nós não deveríamos ter feito isso”, digo, recuando alguns passos. “Esta foi uma ideia muito ruim.” Sua cabeça inclina para trás como se eu tivesse batido nele. “Discordo.” “Sinto muito”, respondo, envolvendo os braços em minha cintura. Eu realmente desejo estar usando mais roupas. Faria qualquer coisa por um maldito robe. “Sim.” Ele resmunga e olha para o chão, esfregando a mão pelo rosto. “Eu também.”

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Ficamos em silêncio quando ele coloca suas roupas. Tento manter meus olhos longe para dar-lhe um pouco de privacidade, mas não posso deixar de olhar algumas vezes, maravilhando-me com a maneira como seus músculos flexionam enquanto ele se move. Sei que é uma má ideia, e estou enjoada pela culpa, mas ainda o quero tanto que meu coração está disparado. “Tchau”, ele diz desajeitadamente, dando-me um aceno superficial antes de caminhar calmamente pela porta da frente e fechá-la silenciosamente atrás dele. “Oh merda”, digo, assim que ele se foi. “Oh Deus. Oh, merda. Foda-se. Porra. Foda-se.” Fico ali na entrada, repetindo cada momento desde que ele chegou à porta, com as palmas das minhas mãos pressionadas contra os meus olhos ardentes, até que ouço Etta me chamar.

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CAPÍTULO 11 Trevor

Fiz muitas coisas estúpidas na minha vida. Deixei minha prima Kate cortar meu cabelo num moicano. Participei de corridas de carro quando tinha dezesseis anos para ganhar dinheiro extra. Vendi a única coisa que tinha dos meus pais biológicos, um relógio que me disseram ser do meu avô, porque estava com raiva. Mas nunca, em toda a minha vida, fiz algo tão estupido como curvar Morgan sobre a mesa da cozinha e transar com ela como se não tivesse uma mulher há anos. Estou tremendo enquanto dirijo de volta para o hotel. Eu realmente estraguei tudo dessa vez. Assim que estaciono o SUV dos meus pais, rapidamente puxo meu telefone do bolso do short. Em poucos segundos, estou falando, “Eu preciso falar com você.” Minha prima Ani não perde tempo, “Manda”, ela responde. “Preciso que ouça e preciso que mantenha sua boca fechada e então eu preciso que me diga o que diabos fazer.” “Oh, merda, Trev”, diz ela, compreendendo claramente a gravidade das minhas palavras. “Dê-me um segundo.”

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Ela me coloca em espera enquanto fico inquieto e bato a cabeça contra o encosto do banco, então ela volta para a linha. “Diga o que aconteceu.” “Eu gosto dela. Estou fodidamente louco por ela”, digo rapidamente. “Tenho pensado nela desde o minuto em que nos conhecemos. Não está melhorando. Quando muito, piora. Quanto mais eu a vejo, mais quero vê-la.” “Estamos falando de Morgan?” Pergunta ela. “Eu lhe disse para não falar.” “Desculpa. Continue”, ela diz, claramente divertida. “Então, estamos conversando. Flertando, mais ou menos. Ela está interessada em mim, eu sei disso. A química é enorme. Juro por Deus, é o suficiente para queimar uma casa.” Esfrego o local bem acima dos meus olhos onde uma dor de cabeça começou e está aumentando. “Eu nunca estou errado sobre essa merda, Ani. Nunca.” Faço uma pausa, mas ela leva minhas instruções a sério e não responde. “Eu fiz sexo com ela”, solto, incapaz de conter o fluxo de palavras. “Foi incrível. Eu pareço um idiota, sei disso, ok? Mas foi o melhor sexo da minha vida. O que diabos está errado comigo?” “Oh, merda”, Ani murmura, sua surpresa óbvia. “O que há com as pessoas nesta família transando com parceiros inapropriados?” Em qualquer outro momento, eu riria da verdade em suas palavras. Minha prima Kate engravidou do melhor amigo de seu marido morto, meu irmão adotivo Shane, e Anita começou um relacionamento secreto com seu irmão adotivo,

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Abraham. Nenhuma dessas situações começaram muito bem, mas todas acabaram felizes. Não vejo isso acontecendo para Morgan e eu. “Tudo foi ótimo”, digo, balançando a cabeça, depois me encolhendo com a maneira como o movimento a faz latejar. “Mas então, no segundo em que terminamos, ela ficou estranha.” “Estranha, como?” “Ela ficou nervosa, começou a se vestir o mais rápido que pode e me disse que foi um erro.” “Oh”, Ani murmura. “O que isso significa, 'oh'?” Eu pergunto, em pânico. “O que?” “Eu não a conheço, Trev”, diz Ani suavemente, tentando me acalmar. “Não tenho certeza-” “Apenas me diga.” “Parece desculpando.

que

ela

está

arrependida”,

ela

admite

se

“Você acha?” Pergunto sarcasticamente. “Diga-me o que fazer.” “Dê um passo para trás”, diz ela instantaneamente. “Trev, dê dois passos para trás.” “Eu nem sei se isso é possível.” “Precisa ser”, argumenta ela. “Você precisa olhar isso de todos os ângulos, cara. Ela é a mãe de Etta.” “Eu sei disso!”

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“Então sabe que o que estou dizendo não é besteira”, ela retruca. “Essa garota vai estar por perto. Ela precisa estar se vamos ver a filha de Henry. Não a assuste.” Inalo bruscamente com a ideia de que Morgan usaria o que aconteceu como uma maneira de distanciar Etta da minha família. “Ela não faria isso”, digo, recusando-me a pensar. Não posso imaginar esse cenário sem enlouquecer. É difícil o suficiente ter qualquer respeito por mim mesmo depois de transar com a ex do meu irmão, mas se arruinar nossa chance de ter um relacionamento com Etta não serei capaz de viver comigo mesmo. “Você não sabe”, Ani diz, não indelicadamente. “Você não a conhece muito bem, Trev. Vocês estão conversando, eu sei, mas só esteve com ela algumas vezes.” “Eu a conheço”, argumento. “Se a conhecesse, teria visto que ela não estava pronta para fazer sexo com você.” Sinto como se tivesse levado um soco no peito. “É isso que pensa de mim?” Pergunto perplexo. “Sério?” “Trev, não”, ela argumenta. “Isso não foi o que quis dizer. Você entendeu errado minhas palavras.” “Elas foram muito claras.” “Não tenho dúvidas de que ela estava disposta”, diz Ani rapidamente. “Não seja um idiota.” “Claro que ela estava”, praticamente grito.

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“Só estou dizendo que talvez ela não estivesse pronta ainda, babaca”, Ani dispara de volta, sua voz aumentando também. “Vocês mal se conhecem e você é irmão do Henry.” Inalando através do nariz, faço um esforço para me acalmar. Estou reagindo instintivamente sem pensar no que falo, e isso está começando a me deixar ainda mais ansioso. Sempre penso bem nas coisas. Sempre. Então, por que agi de forma precipitada e fiz algo tão idiota? “Apenas dê-lhe algum espaço, Trev”, diz Ani suavemente, enquanto continuo a respirar lentamente, através do meu nariz e da boca. “Esse é o melhor conselho que posso dar.” “Desculpe por gritar”, respondo. Não sou alguém que discute ou fala com as pessoas com raiva. Penso nas coisas e respondo com calma e racionalidade – sempre. “Não se preocupe”, responde Anita. “Foi meio alucinante te ouvir perder a calma. Você é humano.” “Engraçado”, murmuro. “Vai dar certo, cara.” “Obrigado pela conversa”, digo. “A qualquer momento. Você sabe disso.” Nós desligamos, mas não me mexo. Eu não posso. Anita acabou de me dizer para dar espaço a Morgan, e sei que foi um conselho sólido, mas não suporto deixar as coisas do jeito que estão. Eu escrevo e reescrevo a mensagem quatro vezes antes de finalmente pressionar ENVIAR. Eu não acho que foi um erro. Simples e direto.

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Fico onde estou por meia hora, olhando pela janela enquanto o carro está parado. Ela não me responde. * * * “Só acho que talvez possamos conhecê-las melhor se elas vierem a nossa casa para uma visita”, minha mãe diz na manhã seguinte no café da manhã. Estamos comendo no hotel antes de ir a Morgan novamente, e minha mãe tenta convencer meu pai de que é uma boa ideia convidar Morgan e Etta para irem ao Oregon. “O pai dela monopoliza a conversa e Morgan não consegue falar nada.” “Não percebi isso”, meu pai responde, claramente não concordando. Também não concordo com a opinião da minha mãe. No máximo, o pai de Morgan parece hesitante em falar, a menos que sinta que sua filha precisa que ele intervenha. O homem é um profissional em redirecionar a conversa, e faz isso sempre que Morgan começa a parecer desconfortável ou insegura. Eu o respeito muito por isso. Ele claramente deixa a filha assumir a liderança, mesmo que qualquer um possa ver o quão protetor ele é. “Não machuca perguntar”, diz papai, estendendo a mão para dar um tapinha na mão da mamãe. “Mas elas ainda estão se acomodando aqui, então duvido que ela diga sim.” Ele não tem ideia de como está certo sobre o que Morgan pensará em relação a visitar o Oregon. Ela nunca me mandou uma mensagem de volta no dia anterior, e tive um longo tempo para pensar sobre o que isso significa e como planejo responder. Há apenas uma coisa que posso fazer para salvar a situação. Eu me sinto mal, e me mata fazer isso, mas preciso

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recuar, como Ani aconselhou. Se há alguma chance de trazer Morgan de volta ao ponto em que ela esteja confortável comigo, tenho que encontrar um modo de voltar a ser seu amigo, nada mais. Quando cheguei a essa decisão de manhã, pensei que me sentiria melhor. Eu estou errado. Sinto-me pior quando estou aqui ouvindo meus pais, sabendo que precisarei manter distância da mulher que estão discutindo. “Eu aposto que ela vai”, minha mãe argumenta, levandome de volta para o assunto em questão. “Sua irmã mora em Bend. Aposto que poderíamos usar isso como incentivo.” “Você parece um vendedor de carros usados”, respondo, balançando a cabeça. “Por que simplesmente não pergunta e deixa Morgan decidir sem usar qualquer outra coisa para atraíla?” “Não estou tentando atraí-la”, diz mamãe, inclinando o queixo para cima. “Só estou tentando...” “Atrai-la”, meu pai interrompe, rindo. Ele se inclina e beija o lado da cabeça da mamãe. “Vamos ver o que ela diz.” Meia hora depois, estamos no SUV a caminho da casa do pai de Morgan. Mesmo que tenha garantido a Ani que ela nunca afastaria Etta de nós, ainda estou um pouco surpreso por ela não ter ligado para cancelar. Se estou me sentindo nervoso em vê-la hoje, não consigo nem imaginar como ela se sente. Não me arrependo do sexo com Morgan, independentemente de como o interlúdio terminou. Fiquei decepcionado sobre como ela agiu depois e me senti péssimo a noite toda tentando descobrir exatamente como tudo deu errado, mas não consigo me arrepender. Sonharei com sua pele lisa, músculos trêmulos e sons suaves de prazer pelo resto da vida. É uma cruz que suportarei de bom grado.

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“Você conversou com Kate ultimamente?” Minha mãe pergunta, afastando minha atenção da paisagem de fora. “Ela mencionou nos encontrar enquanto estávamos aqui, mas não ouvi nada sobre isso desde então.” “Não”, respondo, balançando a cabeça. “Ela não disse nada para mim.” “Eu deveria ter ligado para ela esta manhã”, minha mãe resmunga, mexendo em sua bolsa. “Vamos embora amanhã”, meu pai a lembra. “Se Kate não apareceu ontem à noite, ela não vem.” Silenciosamente pego meu telefone e mando uma mensagem para minha prima enquanto eles discutem seus planos. Você vem para Sacramento? Gavin está vomitando, então não. Desculpe, eu não te avisei ontem. Super decepcionada... “Gavin está doente”, digo, interrompendo meus pais. “É por isso que ela não te ligou ontem.” Internamente, suspiro de alívio. Lamento que o pequeno Gavin esteja vomitando, mas estou enormemente grato que Kate não esteja nem perto da situação em que me encontro. Ao contrário dos meus pais, que não suspeitam de nada, Kate teria dado uma boa olhada em mim e saberia que algo está acontecendo. Então ela provavelmente teria se intrometido e tornado tudo pior. Amo minha prima, mas é impossível ela manter o nariz fora dos negócios de outras pessoas. “Stan está aqui de novo”, minha mãe diz baixinho quando chegamos a casa.

#3


“Eu gosto dele”, meu pai responde com um encolher de ombros. “Não é surpreendente”, diz ela, alisando o cabelo. “Você está vivendo indiretamente através de suas histórias de carros.” “O homem tem boas histórias”, diz papai, saindo do banco do motorista. Eu os escuto falar, a conversa se movendo para outras coisas enquanto seguimos pela calçada, mas mal noto uma palavra que dizem. Estou muito ocupada preparando-me para agir de forma casual quando ficar cara a cara com a mulher que me rejeitou de forma tão espetacular no dia anterior. A porta da frente se abre, e a primeira coisa que vejo é Etta, correndo para fora como se não pudesse esperar mais um segundo para nos ver. “Twevo!” Ela grita, fazendo meu pai rir quando ela os ignora como se eles não existissem. “Ei, querida”, cumprimento enquanto a levanto no ar. Quando a abaixo para sentar no meu braço, meus olhos encontram os de Morgan por cima da cabeça dela e minha respiração fica presa. Etta tagarela em sua fala sem sentido, mas tudo que consigo ver é a mãe dela. Morgan está usando um vestido de verão roxo claro e seu cabelo está preso em um nó bagunçado em cima da cabeça. Ela está descalça... E nervosa. Odeio que ela esteja nervosa. “Ei pessoal”, diz ela, tentando esconder o desconforto com um sorriso calmo. “Entre.” “Obrigado por nos receber novamente”, minha mãe diz quando começa a entrar na casa.

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“É claro”, Morgan responde, acenando para meu pai entrar. “Vocês devem ter o máximo de tempo possível antes de seguir para o norte.” Ela está sendo acolhedora sem um sinal de hesitação, e inalo um enorme suspiro de alívio. Raramente estava errado sobre as pessoas, e claramente Morgan não é exceção. Ela não iria punir meus pais por algo que eles não têm controle, e eu não deveria ter duvidado dela. “Ei”, digo, dando-lhe um sorriso tímido enquanto carrego Etta para dentro. Ela está obviamente surpresa com minha saudação casual, mas depois de sua reação inicial, ela esconde a surpresa por trás de um sorriso. A porta fecha atrás de mim quando coloco Etta em pé, e no segundo em que me levanto, sei que não será fácil fingir que meus sentimentos por Morgan desapareceram. Estou no lugar exato onde ela arrancou minha camisa no dia anterior, e a lembrança faz meu coração bater forte. “Alguém quer café?” Morgan pergunta, caminhando pela sala. Sua voz vacila apenas um pouco, mas é o suficiente para perceber que ela está pensando sobre a mesma coisa que eu. “Eu adoraria uma xícara”, meu pai diz, sentando no sofá. “Sorte sua que meu pai colocou para fazer antes de pular no chuveiro”, Morgan responde com uma risadinha. “Meu café é muito ruim.” “Você provavelmente não coloca pó o suficiente”, meu pai diz, assentindo. Ele leva café a sério. “Esse geralmente é o problema.” “Você pode estar certo”, admite Morgan.

#3


Entro na sala de estar e sento numa cadeira, bem quando minha mãe entra na conversa. “Eu coloco pó de café suficiente, Mike”, diz ela exasperada quando se senta no chão com Etta e aceita uma boneca com um sorriso. “Você é muito exigente.” Morgan sorri e sinto isso no meu estômago. Não me viro para olhá-la, no entanto. Se tem alguma chance de fazer meu plano funcionar, preciso olhar para ela o mínimo possível. Tudo nela me chama, e preciso manter distância. * * * Minha mãe e Etta brincam no chão por mais de uma hora, enquanto o resto de nós conversa sobre nada significativo. Na superfície, o grupo parece calmo e relaxado um com o outro, mas posso sentir a tensão na sala. Quanto mais tempo passamos na pequena casa, mais parece que minha mãe está desesperada para passar tanto tempo com Etta quanto possível. Não tenho certeza se Morgan e Stan notam o jeito que ela deixou nossa conversa, mas um olhar para meu pai me disse que ele viu a mudança acontecer também. É quase como se ela estivesse deliberadamente ignorando o fato de que estamos na sala tentando se concentrar apenas em sua neta. Eu entendo, até certo ponto, mas também me deixa nervoso por razões que realmente não consigo explicar. Minha mãe ficou tão mal quando Henry foi morto. Ela o criou desde que era pequeno, tão feroz em suas tentativas de protegê-lo depois do abuso que sofreu quando bebê que às vezes me pergunto se a morte dele provocou algum sentimento de fracasso nela. Ela não foi capaz de protegê-lo no final; ela nem sequer teve a oportunidade.

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“Eu fome”, Etta diz, ficando de pé para se aproximar de Morgan. “Mama, Etta fome.” “Ok”, diz Morgan, levantando o bebê em seu colo. Minha mãe sobressalta como se alguém a tivesse cutucado no lado, e meu olhar segue para meu pai, que olha atentamente minha mãe. “Alguém mais quer algo para comer?” Pergunta Morgan, sem saber das estranhas correntes. “Estou bem”, digo, virando rapidamente para encará-la. Isso foi um erro. Ela está muito perto. Posso sentir o cheiro da loção que ela usa e minha boca começa a salivar. Cuidadosamente deixo minha expressão em branco enquanto todos os outros dizem a ela que também não querem nada. “Levante-se do chão”, meu estendendo a mão para minha mãe.

pai

diz

casualmente,

Está claro que Stan não notou nada diferente, mas preciso segurar um estremecimento quando minha mãe assente lentamente e levanta-se de joelhos. Ela está cercada por bonecas em diferentes fases de despir, o que deixa sua decepção ainda mais deprimente de se ver. Isso me assusta. Levou muito tempo para minha mãe se arrastar para fora da depressão depois da morte de Henry, e ela ainda não está em terra firme. Não sei se pode voltar completamente de algo assim, mas pelo menos ela está fazendo progressos no funcionamento novamente. Depois de observá-la esta manhã, estou realmente com medo de que ela desabe assim que sairmos de Sacramento.

#3


Nós vamos para casa em menos de vinte e quatro horas, e não tenho ideia de quando poderemos ver Etta novamente. Ela é uma das nossas, sim, mas a vida dela é aqui, com sua mãe. Esta garota não pertence a Kate ou Anita, que se esforçariam para ter certeza de que ela tenha um relacionamento com minha mãe. Etta pertence a Morgan, uma mulher que meus pais mal conhecem. Ela não tem nenhum senso de lealdade ou dedicação a nós; ela tem sua própria família. “Eu gosto bananas”, Etta diz enquanto saltita de volta para a sala, seu cabelo loiro flutuando para frente e para trás enquanto anda. Ela tem uma banana na mão e um sorriso lindo no rosto. “Henrietta”, Morgan chama severamente, fazendo sua filha parar. “Volte aqui.” Etta olha para trás e posso ver com absoluta clareza o momento em que decide ignorar completamente a ordem da mãe. Minha mãe se mexe no sofá, mas antes que possa se levantar, estou fora do meu lugar e levanto Etta em meus braços. Não tenho certeza do plano da minha mãe, mas só posso imaginá-la interpretando a avó amorosa, ignorando os desejos de Morgan. “Você deveria estar na mesa”, diz Stan Etta, inclinando a cabeça como se estivesse desapontado.

para

“Sem mesa”, Etta responde, seu corpo endurecendo. “Vamos”, digo suavemente, ignorando sua tentativa de descer enquanto eu a levo para a cozinha. “Sua mãe quer que coma isso aqui.” “Sem mesa”, Etta grita, chutando-me no lado. “Henrietta”, diz Morgan em aviso, sua voz severa. “Pare com isso.”

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A voz da mãe não parece perturbar minha sobrinha nem um pouco. Ela continua a lutar quando a entrego para Morgan. Assim que faço a entrega, Etta joga sua banana meio comida no chão e passa dos limites da birra sendo tão alta que tenho certeza que meus ouvidos estalam. “Eu sinto muito”, diz Morgan, sua voz quase inaudível além dos gritos de Etta. “Jesus.” “O que aconteceu?” Minha mãe pergunta, contornando o corredor sem fôlego como se estivesse correndo. “Ela está bem”, diz Morgan, constrangimento fazendo suas bochechas ficarem vermelhas. Ela passa por nós e corre pelo corredor enquanto Etta empurra seus ombros. “O que aconteceu?” Minha mãe pergunta de novo, claramente preocupada. “Nada”, digo, balançando a cabeça. “Ela está tendo um ataque.” “Isso não foi um ataque. As crianças não gritam assim a menos que estejam feridas. Algo está claramente errado.” Mesmo achando que ela está exagerando, tento manter minha voz nivelada quando respondo. “Ela não queria sentar e comer”, digo, pegando a banana de Etta do chão. “Isso não foi um ataque normal”, argumenta. “As crianças não apenas...”

minha

mãe

“Sim”, interrompo. “Eles fazem. Eu vi Keller fazer a mesma coisa.” “Keller também perdeu a mãe”, minha mãe retruca, não querendo desistir da conversa.

#3


“Eu o vi fazer isso antes de Rachel morrer”, respondo, jogando a banana no lixo. “Você está procurando por algo que não existe.” “Oh, porque sabe tão bem o que se passa nesta casa?” Mamãe responde irritada, fazendo-me congelar de surpresa. “O que exatamente você está insinuando?” pergunto minha voz quase inaudível. Minha mãe zomba e sai da sala sem outra palavra enquanto pego uma toalha de papel para limpar o resíduo de banana do chão. Ainda estou agachado quando percebo que Morgan voltou para a sala e está me observando em silêncio. “Obrigada”, ela diz baixinho. “Não tem problema.” Estou irritado, mas tentando não deixar transparecer na minha voz ou linguagem corporal. “O que ela está procurando?” Ela pergunta, sua voz ainda muito calma. “O que?” “Sua mãe. O que ela está procurando?” Olho para cima para descobrir que Morgan colocou seus braços ao redor da cintura e está mudando seu peso quase imperceptivelmente de um pé para o outro. “Ela é apenas superprotetora”, respondo vagamente, ficando de pé novamente. “Muitos anos cuidando de crianças problemáticas.” “Ela acha que Etta está com problemas?” Ela pergunta, sua postura endurecendo. “Não.” Balanço a cabeça enquanto jogo a toalha de papel no lixo. “Eu só quero dizer que ela é supersensível.”

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“O que, ela acha que eu a machuquei?” Morgan pergunta, sua voz ficando mais alta. “Que algo está errado com ela?” “Não”, digo, balançando a cabeça novamente em negação. Não tenho ideia do que está acontecendo na mente da minha mãe, mas sei com absoluta certeza que se ela assustar Morgan agora, provavelmente nunca seremos bem-vindos para ver Etta novamente. “Não. Morgan.” “Você acha isso? Você mal me olhou hoje.” “Sabe que não tem nada a ver com o que está acontecendo hoje”, respondo, baixando a voz. “Eu não sei de nada”, diz ela, com os olhos arregalados. “Esse foi todo o seu plano? Veio aqui para me verificar? Tentar me pegar fazendo algo errado?” “O que está-” “Como fazer sexo enquanto minha filha dorme no quarto ao lado”, diz ela secamente, balançando a cabeça lentamente de um lado para o outro. Quero dizer a ela que está sendo ridícula, porque ela está, mas quando dou uma boa olhada em seu rosto, sinto ansiedade. Ela está genuinamente aterrorizada. Não sei o que desencadeou o medo, mas é claro como o dia. “Eu te acho uma mãe incrível”, digo baixinho, dando um pequeno passo à frente. “Sua mãe não acha”, ela responde, olhando para a sala de estar. “Crianças tem ataques, ok? Especialmente crianças que são dramáticas em um bom dia.” Ela está trêmula. “Eu sei disso.”

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“Isso não significa que sou uma mãe de merda.” “Morgan”, digo, tentando encontrar as palavras para acalmá-la. “Ninguém acha que é uma mãe ruim.” “Acho que eles estão saindo”, Stan diz, entrando na cozinha. Eu não tenho certeza do quanto ele ouviu, mas foi o suficiente para fazê-lo ficar mais perto de sua filha do que o normal. “Parece que Etta acabou”, diz Morgan, engolindo em seco. “Eu vou pega-la então ela pode dizer adeus.” Ela gira e sai da sala, e a observo desaparecer pelo corredor até que a voz de Stan chama minha atenção. “Não tenho certeza do que estão fazendo aqui”, diz ele, balançando a cabeça. Ele levanta a mão para me impedir quando abro a boca para responder. “Mas ela não dá segundas chances, então recomendo que tome cuidado com o que diz.” “Meus pais só querem conhecer sua neta”, digo quando ele termina. “Bem, eles fizeram isso”, diz ele com um murmúrio. Ele se afasta e vou até onde meus pais estão na entrada, esperando por mim. Eles não parecem estar com pressa para sair, mas a decisão de ir já foi claramente tomada. “Está tudo bem”, diz Morgan com animação forçada enquanto carrega Etta em nossa direção. “Às vezes temos dificuldades quando precisamos fazer coisas que não queremos fazer, certo, Etta?” “Nem todos”, meu pai diz brincando. “Obrigado novamente por nos receber.”

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“Foi um prazer”, diz Morgan, tentando e não conseguindo esconder o quão desconfortável está. Minha mãe se aproxima e beija Etta no topo de sua cabeça, então sorri fracamente para Morgan. “Mike e eu pensamos se você e Etta gostariam de vir nos visitar em breve”, diz ela. “Pense nisso, e podemos conversar mais tarde.” Mamãe sorri de novo e, em seguida, segue meu pai para fora de casa, deixando Morgan e eu ali, confusos. Como minha mãe achar que é apropriado pedir a Morgan para visitar depois dos últimos minutos está completamente além de mim, e eu posso dizer que Morgan também está confusa. “Eu vou falar com ela”, digo baixinho, encontrando os olhos de Morgan. “Obrigada por vir visitar a pequena”, ela diz gentilmente, dispensando-me. “Ela teve um ótimo tempo.” Balanço a cabeça e faço cócegas em Etta gentilmente, em seguida, saio da casa. Isso é tudo. * * * Saímos de Sacramento na manhã seguinte. Passei a viagem inteira para casa tentando ignorar minha mãe e meu pai enquanto falavam sobre Morgan e Etta, a viagem e a visita proposta. Não tenho ideia do por que pensaram que Morgan concordaria em vir para o Oregon depois que eles deixaram as coisas tão desconfortáveis para ela no dia anterior, mas não disse uma palavra. Não estou prestes a começar uma discussão enquanto ficaremos presos no carro por horas. Eles mal calam a boca, mas felizmente estamos em casa na hora do jantar.

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Tomei a decisão de dar um passo para trás em meu relacionamento com Morgan, mas a cada mês que passa, fica mais difícil manter distância. Eu passei os primeiros anos da minha vida tentando tudo que podia para fazer as pessoas gostarem de mim e me receber em suas vidas, e me recusei a fazer isso como adulto. Francamente, tenho muito respeito por mim mesmo para ir por esse caminho novamente. A vida lentamente volta a ser como antes de minha primeira viagem a Anaheim. Vou ao trabalho, saio com meus primos e debato adotar um cachorro. É como se nada tivesse mudado, embora, para mim, tudo mudou. Eu não esperava ouvir de Morgan novamente.

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CAPÍTULO 12 Morgan

“Charity vai finalizar com vocês”, digo, sorrindo para as garotas de dezoitos anos que vieram colocar argolas nasais iguais e estão atualmente radiantes de felicidade com a aquisição. “Jesse?” Chamo na pequena sala de espera. “Você está de pé, cara!” Meus medos de deixar todos meus clientes regulares e suas referências para trás foram em vão. A nova loja que encontrei, com uma pequena ajuda de Olly, é ocupada por conta própria. Sua reputação é tão sólida que os clientes que chegam nem se importam com qual piercer acabam. Eles sabem que estão em boas mãos, e estou ganhando uma renda estável em comissão. Não tivemos nenhum dia lento desde que comecei. Graças a Deus, a vida está finalmente voltando a uma rotina um tanto normal. Etta está ficando com minha tia Lorraine enquanto trabalho e ela nem me deixa pagar, então estou economizando um pouco. Tudo funciona muito melhor do que eu imaginava. Há apenas um obstáculo no meu final feliz, e tem a forma de um madeireiro musculoso com uma barba que ainda sinto nas palmas das mãos se sonhar o suficiente. Ignoro a voz na minha cabeça me implorando para ligar e me desculpar pelo jeito de merda que o tratei.

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Lidei mal com aquela situação e sou muito covarde para fazer qualquer coisa sobre isso. Apenas continuo lembrando o olhar em seu rosto quando disse que foi um erro. Jesus. Poderia muito bem tê-lo chutado nas bolas. Não ajudou que sua mãe estivesse tão estranha no dia seguinte. Quando muito, seu comportamento só confirmou minha opinião na época. Foi só mais tarde, depois que me acalmei e parei de enlouquecer e recebi a primeira de muitas mensagens amigáveis de Ellie, que percebi o quanto estraguei tudo. Sabia que estava muito preocupada com o que as pessoas pensariam. Nem sempre fui assim. Por um longo tempo, fiz o que diabos quis e amaldiçoei as opiniões de outras pessoas. No entanto, assim que tive Etta, tudo mudou. Antigos medos subiram à superfície com o nascimento da minha filha. Sei como vidas podem ser viradas de cabeça para baixo devido a preconceitos. Eu o vi durante o longo ano em que meu pai lutou para nos pegar de volta. Não há qualquer parte minha que pense que Trevor ficará de braços cruzados se sua mãe decidir causar problemas para mim. No entanto, eu não tenho certeza. Ele é um garoto da mamãe autoadmitido. Então, ao invés de telefonar ou até enviar mensagens de texto, interrompi completamente o contato. Para minha surpresa, realmente sinto falta dele. Sinto faltas das mensagens ao longo do dia e os telefonemas aleatórios à noite. Sinto falta de poder enviar fotos de Etta fazendo algo engraçado para alguém que não seja minha irmã. Também sinto falta do sexo. Mesmo que aconteceu apenas uma vez, e estava a muito tempo sem, é como se meu corpo estivesse constantemente preparado para isso agora.

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Depois de terminar de perfurar a ponte nasal de Jesse com uma barra que ficou bem entre seus olhos, encaminho-o para o caixa e limpo minha estação. Ele é meu último cliente e estou ansiosa para buscar Etta e pegar o jantar. Amo o que faço, mas minhas costas doem como loucas por se inclinarem sobre as pessoas o dia todo. Digo adeus e saio da loja com um pequeno balanço no caminhar. Claro, ainda estou debatendo o que fazer com Trevor, e respondi mensagens e ligações de sua mãe a semana toda, mas a vida ainda está melhorando. Não tenho certeza do que vou fazer sobre a visita de Etta aos seus avós, mas até agora Ellie parece estar me dando um pouco de espaço para descobrir. A maior parte do contato que tivemos girou em torno de como Etta e eu estamos nos saindo. Ela não me pressionou para escolher um momento em que pudéssemos vê-los novamente, mas a questão está sempre lá, logo abaixo da conversa superficial. Não importa o quão gentil Ellie é para mim agora, não consigo superar o jeito que ela me olhou e os comentários que fez para Trevor quando vieram me visitar. Não tenho certeza quando estarei pronta para passar algum tempo com ela novamente. Felizmente, não preciso tomar nenhuma decisão sobre isso hoje à noite. Enquanto decido entre o sushi perto de nossa casa e pedir uma pizza, meu telefone toca na bolsa. Quase o ignoro. Se Etta estivesse comigo, eu teria. Graças a Deus que não ignorei. Quando atendo, a voz da minha irmã soa através da linha e meu estômago revira. “Morgan”, ela murmura, soluçando como se não pudesse recuperar o fôlego. “Acho que fiz algo estúpido.”

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“Você está bem?” Pergunto alarmada. “Ranna? Você está bem?” “Eu não sei”, ela responde, sua voz vacilante. Cerro os dentes quando rapidamente abro a porta e entro. “Você está machucada? Onde você está?” Colocando meu carro no sentido inverso, seguro meu telefone com o ombro e recuo do meu espaço no estacionamento. “Não estou ferida”, diz ela, fungando. “Eu não acho que estou ferida.” “O que quer dizer com não acha que está ferida?” Respondo freneticamente enquanto dirijo rapidamente em direção à casa da minha tia e tio. “Você pode vir para Bend?” Ela pergunta, não esclarecendo. “Eu sinto muito. Sei que acabou de começar esse novo trabalho e...” “Claro”, digo, sem pensar. “Estou a caminho.” Ela começa a chorar e meus olhos se enchem de lágrimas. Nunca fui capaz de ficar calma quando minha irmã está chateada. Desde que éramos criancinhas, sinto sua dor quase tão aguda quanto a minha. Não tenho ideia do que está acontecendo e não tenho ideia de por que ela precisa de mim, mas isso não importa. Ela nunca me pediu para ir até ela antes. Claro, houve momentos em que sua saudade de casa tornou quase impossível para ela ficar no Oregon, e dois anos antes, ela terminou com o namorado e ligava todas as noites porque estava muito solitária, mas nunca me pediu para ir ao Oregon. Nenhuma vez.

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“Estou a caminho de casa do trabalho”, digo suavemente enquanto ela chora. “Só preciso pegar Etta, fazer as malas e depois vamos viajar.” “Não diga ao papai”, diz ela freneticamente, suas palavras incompreensíveis e anasaladas. “Ranna, eu preciso dizer a ele que vamos viajar”, argumento quando entro na rua da minha tia. “Nós moramos com ele.” “Não diga a ele porquê. Por favor, Mor.” O mau pressentimento de antes se transforma em outra coisa quando paro e olho pelo para-brisa. O que quer que tenha acontecido com Ranna deve ter sido feio se ela não quer que nosso pai saiba. Nós contamos a ele quase tudo. Quando Miranda telefonou para me dizer que estava de ressaca de alguma erva que conseguiu de um amigo, liguei para meu pai buscá-la. Quando descobri que estava grávida de um cara que sabia que não tinha futuro, liguei para meu pai assim que contei a Miranda. Mantivemos as coisas pessoais para nós mesmas, mas não guardamos segredos em nossa família. Não sem razão. E a única razão pela qual posso pensar para Miranda se recusar a dizer ao nosso pai que ela está chateada é se achar que ele fará algo que o levará de volta à prisão. “Ok”, digo finalmente. “Não vou dizer a ele o porquê.” “Você promete?” “Eu prometo.” Olho para a casa e vejo Etta acenando animadamente na janela da frente.

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“Estou na casa de Danny e Lorraine”, digo a Miranda. “Vou entrar e pegar Etta. Eu vou avisar assim que estiver na estrada.” “Ok.” Quando saio do carro, percebo que ela não respondeu nenhuma das minhas perguntas. “Onde está?” Eu pergunto, parando. “No meu dormitório.” “Você está segura?” “Sim.” Cerro meus dentes para suas respostas curtas. “Tranque a porta e fique aí”, peço. “Eu estou bem, Mor”, diz ela, sua respiração falhando quando o choro para. “Não, você não está”, argumento, meu nariz ardendo. “Mas eu estarei aí em breve, ok?” Assim que desligamos o telefone, corro para pegar Etta. É um pesadelo tentar deixar minha tia com pressa. Normalmente fico para tomar café e conversar por alguns minutos, mas mal consigo falar com as perguntas e medos que passam pela minha cabeça. As duas horas que demoram entre o telefonema de Miranda e o minuto em que partimos para o norte no meu carro são as mais longas da minha vida. Consigo convencer meu pai de que consegui alguns dias de folga para uma visita surpresa para ver minha irmã, e mal o convenci de ir dirigindo, mas depois disso ainda precisei fazer as malas, alimentar Etta

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e pegar algumas bebidas energéticas na loja da esquina antes que pudéssemos pegar a estrada. No momento em que seguimos para o norte pela Interestadual 5, o sol está começando a se pôr e Etta fica sonolenta no banco de trás. Estou grata por ela ser uma criança tão fácil de viajar, porque vamos dirigir a noite toda para chegar a minha irmã o mais rápido possível. Odeio trazer Etta comigo, mas a alternativa não é opção. Nós nunca ficamos separadas por mais de nove horas enquanto trabalho, e isso não mudará tão cedo. Ela ainda é muito pequena para ficar sem mim durante a noite. Imagino que se ela tivesse o pai, seria diferente, mas é apenas eu e ela. Onde eu vou, ela vai. Liguei para minha irmã uma vez na estrada para ter certeza de que ela está bem, mas deixei-a em paz depois. Ela parece muito cansada e espero que possa descansar um pouco, mesmo que ela realmente não durma. Além disso, manter meus olhos cansados na estrada e meu pé empurrando o acelerador quase até o assoalho, suga toda minha energia de qualquer maneira. Às três da manhã, depois que Etta adormeceu e paramos para pegar gasolina duas vezes, finalmente chego ao campus universitário de Miranda. Está mais silencioso do que esperava. Mais bonito também. Há árvores ornamentais em todos os lugares, e muita grama, e mesmo nos estacionamentos cheios de carros baratos está limpo de lixo e escombros. O campus é obviamente bem cuidado. Não sei por que isso importa para mim, mas importa. É meio reconfortante saber que minha irmã mora e frequenta a faculdade num lugar agradável. Houve anos em que vivi em lixões completos enquanto

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tentava descobrir minha vida, então fico feliz que ela esteja descobrindo a dela num lugar que pareça com isso. Encontrar o prédio dela é bem fácil, já que o campus está tranquilo e posso dirigir tão devagar quanto preciso para ler os sinais bem colocados em cada esquina. Encontrar uma vaga de estacionamento que não tenha uma placa reservada é um pouco mais difícil, mas consigo. Nesse momento estou tão ansiosa para sair do carro e encontrar minha irmã que teria estacionado na grama bem cuidada se eu não tivesse encontrado algo rapidamente. Carrego Etta dormindo e nossa mochila para o prédio de Ranna usando o código que ela mandou para abrir a porta da frente, e em seguida sigo para seu quarto no segundo andar com sinais ainda mais bem colocados. E então paro, congelada. Preciso chegar até ela, tocá-la e ter certeza de que está bem, mas uma parte minha está temendo o momento em que ela abrirá a porta e eu precisar encarar o que a fez precisar de mim aqui. Finalmente, levanto a mão e bato usando o ritmo que usamos quando crianças que a avisa que é seguro abrir a porta. Não precisei usá-lo em mais anos do que posso lembrar. Leva quase um minuto para ela vir até a porta e quando abre, surpresa e alívio me fazem oscilar um pouco. Ela usa uma calça de pijama do meu pai e um casaco de grandes dimensões, e seu cabelo está apontando para todos os ângulos, mas ela parece bem. Desgastada e triste, mas fisicamente não consigo ver nada de errado. As mãos dela estão enfiadas nas mangas do casaco e os dedos compridos do pés com as unhas pintadas de azul espreitam da bainha do pijama, enroscados no feio tapete marrom de um jeito que sempre me lembra um macaquinho. Tudo parece quase normal. Apenas

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quando ela abre a boca cada pensamento horrível que passou por minha cabeça em quase sete horas de condução é confirmado. “Mana”, ela sussurra, seu corpo inteiro parecendo ceder de alívio quando seus olhos tristes encontram os meus. “O que aconteceu?” Pergunto, entrando no quarto. Deito Etta na cama para poder envolver os braços em minha irmã. “Eu não sei”, ela responde, sua testa descansando contra o lado do meu pescoço. Meus braços apertam e a balanço um pouco de um lado para outro, da mesma forma que faço com Etta quando ela está chateada. “Eu não sei o que aconteceu. Eu acordei e não me lembro de nada.” Minha cabeça começa a doer. “Eu saí. Sempre tomo cuidado quando saio.” Seu corpo estremece. “Eu sou uma veterana do caralho. Eu não sou idiota. Sou sempre cuidadosa.” “Ok”, digo, sem saber como responder. “Ok. Com quem estava quando saiu?” Ela não vai me soltar, então não a solto também. Ficarei nesse lugar a noite toda se preciso, meus músculos tão tensos que estou praticamente vibrando. “Eu fui sozinha.” Eu me encolho, mas não respondo. Miranda sempre foi independente. Ela nunca precisou de muitos amigos ou um grupo para se sentir confortável. Ela está muito bem em ir para

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um restaurante ou assistir um filme sozinha; quando muito, acho que prefere assim. “E onde foi?” Pergunto quando ela não diz mais nada. Seu peito arfa contra o meu, e se não tivesse ficado em silêncio no quarto e ouvindo atentamente, não a teria ouvido sussurrar, “Eu não me lembro.” Eu a abraço ainda mais quando as implicações de suas palavras se estabelecem. Ela saiu sozinha e acordou sozinha em seu quarto, mas não tem ideia de onde esteve ou o que aconteceu. Horas e horas de sua vida apenas desapareceram. Engulo em seco e passo a mão na parte de trás do seu cabelo curto. “Você estava enjoada quando acordou?” Eu pergunto, minha voz tremendo. “Sente dor em algum lugar?” Miranda fica em silêncio por um longo momento. “Não”, ela responde. Alívio me atinge primeiro. Alivio esmagador e pelo corpo inteiro. Mas batendo em cima disso, com o poder de uma marreta, está o conhecimento de que minha irmãzinha está mentindo. Não tenho certeza se ela está mentindo para nós duas ou apenas para mim, mas sei no fundo do meu coração que ela não diz a verdade. “Obrigada por ter vindo”, diz ela, levantando a cabeça do meu ombro. “Cale a boca”, respondo, tentando aliviar o clima, só um pouco. “Eu precisava de um descanso de qualquer maneira.” Nós duas sabemos que isso é uma mentira também. Mal comecei no meu novo trabalho depois de semanas sem

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trabalhar. Não tenho certeza se terei um emprego voltar. Não importa, no entanto. Família acima de tudo.

para

“Estou tão cansada”, diz ela, sentando na única cadeira no quarto. “Deite na cama com Etta”, ordeno, aproximando-me para puxar Etta contra a parede. “Ela não ocupa muito espaço.” “Não”, Miranda argumenta em voz baixa. “Você dirigiu a noite toda. Você dorme aí. Eu vou-” “Ranna”, murmuro em alerta, minha voz em tom de irmã mais velha. “Deite na cama.” E como quando éramos pequenas e ela sabia que eu estava no comando, minha irmã assente e deita ao lado da minha filha, aconchegando-se com ela com um suspiro. Puxo o cobertor de Etta da nossa bolsa e coloco-o em volta delas, engolindo a bile que sobe na minha garganta enquanto me pergunto quem fez a mesma coisa na noite anterior. A cama está contaminada, eu sei disso. Sento na cadeira em frente a elas e luto contra a necessidade de puxar as duas dali e queimar a coisa toda. Quem diabos trouxe minha irmã para casa na noite anterior? Quem a deixou sem lembrança do que aconteceu e assustou-a? Minha mente trabalha enquanto me sento ali, ouvindo a respiração de Miranda se estabilizar. Estou tão zangada que mal consigo enxergar direito e, à medida que a noite avança, passo por cima de possíveis cenários. Alguém deve tê-la visto. Ela mora num dormitório, pelo amor de Deus. As pessoas estão pelos corredores o tempo todo. Seria quase impossível alguém levar o corpo desmaiado de Miranda para o quarto sem que alguém visse.

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Certo? Quero chorar. Quero gritar quando Miranda acordar e depois tentar esconder o fato de que ela teve um pesadelo. Quero puxar cada estudante dormindo neste prédio para fora de suas camas e fazê-los me dizer onde estavam e o que fizeram na noite anterior. Quero bater nas paredes e destruir o pequeno quarto. Quero voltar e ensinar a Miranda que a segurança em grupos. Quero dizer a ela que a faculdade que escolheu parece horrível e ela deveria escolher outra. Quero ter vindo visitar uma semana antes para que ela não estivesse sozinha. Às sete da manhã, posso ouvir as pessoas se movendo do lado de fora da porta de Miranda enquanto se preparam para o dia, e isso me deixa ainda mais zangada. Alguém deve ter ouvido alguma coisa. Alguém deve ter notado alguma coisa. Deixo uma nota para Miranda em sua mesa e saio do quarto, meus olhos vagando por todas as pessoas que vejo. Garotos e garotas estão se movendo de um lugar para outro, sem fazer contato visual ou interagir enquanto olham para seus telefones e iniciam seu dia. Uma sensação de futilidade se instala em meus ombros como um cobertor pesado. Aquelas pessoas não vão notar se eu saísse do quarto de Miranda coberta de sangue e cheirando como um esgoto. Minhas mãos tremem quando pego meu telefone e rolo através dos contatos, finalmente escolhendo um. A única pessoa com quem posso suportar falar. O homem que tratei como lixo e estou ignorando há semanas.

#3


CAPÍTULO 13 Trevor

Fiquei acordado a metade da noite com o filhote de labrador preto que finalmente cedi e adotei, então quando meu telefone toca nem me preocupo em olhar para ver quem é antes de atender. “Trevor Harris”, resmungo, assumindo que é uma chamada de trabalho enquanto caminho em direção a minha caminhonete. “Ei, Trevor Harris”, uma voz familiar responde, fazendome parar de repente e verificar o identificador de chamadas. “Morgan Riley”, digo, incapaz de esconder a surpresa na minha voz. Sabia que a veria em algum momento, desde que ela esteve em contato com minha mãe e concordou em visitar novamente em algum momento, mas não esperava que ela me ligasse novamente. Não, praticamente imaginei que teria que ignorar a maneira que ela me evitaria em qualquer função familiar que trouxesse Etta, apenas para manter as coisas civilizadas. “Como esteve?” Ela pergunta. Quase gargalho com a pergunta tão idiota. Passei de sentir sua falta como louco para pensar que poderia ter tomado a

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decisão errada quando recuei, e finalmente consegui ficar chateado com a forma como ela lidou com as coisas e ainda mais chateado comigo mesmo por ter entrado nessa situação em primeiro lugar. Por que diabos ela está me ligando? “Estou bem”, respondo sem rodeios. Entro na caminhonete e ligo o motor sem outra palavra. Eu com certeza não vou assumir a conversa. Foi ela quem me ligou. “Isso é bom”, diz ela, a última palavra meio que desaparecendo até chegar no final. É então que percebo que a voz dela é suspeita. Algo está diferente. Algo está errado. “Etta está bem?” Pergunto. “Sim, ela está bem”, instantaneamente. “Ela está ótima.”

responde

Morgan

Então silêncio novamente. Nenhuma palavra que desse algum tipo de indicação do motivo pelo qual ela me ligou ou do que ela precisa. Ela apenas permanece no telefone, como se fosse completamente normal. Nós dois quebramos o silêncio ao mesmo tempo. “O que você-” “Eu acho que alguém drogou minha irmã.” “O que?” Respondo, minha mão apertando o volante. “Acho que alguém a drogou”, ela diz novamente, parecendo completamente perplexa. “Você tem que me dar algum contexto aqui”, respondo, tentando manter o foco na estrada. “Quem a drogou?”

#3


“Eu não sei”, Morgan diz. “Eu não tenho ideia. Ela me disse que nem lembra onde foi e acordou em seu dormitório.” “Ela ainda está no Oregon?” Pergunto, entrando no estacionamento no trabalho. “Você precisa que eu vá até lá?” Não posso imaginar algo assim acontecendo com Kate ou Ani enquanto estou num estado completamente diferente. O pensamento de ser incapaz de chegar a elas me deixa lívido. “Não”, responde Morgan. “Não, estou aqui.” “Você está onde?” “Estou em Bend. Estou com minha irmã.” “Você está com ela?” Eu pergunto perplexo, minha respiração falhando. “Ela me ligou depois”, ela esclarece. “Dirigi ontem à noite.” “Onde está Etta?” “Ela está comigo”, ela responde, como se fosse a coisa mais normal do mundo. “Jesus Cristo”, murmuro, estacionando minha caminhonete logo que alcanço minha vaga. “Sua irmã está bem? Ela está ferida? Você está bem? O que precisa?” As palavras saem antes que eu possa pensar. “Eu estou bem”, diz Morgan, sua voz vacilante. “Eu não preciso de nada.” “Tem certeza?” Depois de todo o tempo que passou e sua rejeição absoluta, precisa haver uma razão para sua ligação. Nesse momento, nem me importo com o que é. Só quero dar a ela o que precisa.

#3


Talvez isso me torne um otário. Não me importo. Se a alguma coisa em meu poder para dar a Morgan, tenho certeza que farei o melhor para lhe entregar. “Eu acho que só precisava ouvir sua voz”, ela diz calmamente. Sinto essas palavras no meu peito. “Você pode ouvir minha voz sempre que quiser”, lembro. Nunca foi minha decisão parar de conversar – isso foi tudo ela. “Eu sei”, ela responde. “Eu estraguei tudo.” Sua voz fica alta, e eu sei, mesmo que nunca tenha ouvido esse tom antes, que ela está chorando. “Ei”, digo suavemente. “Ei, tudo bem.” “Ela está realmente apavorada”, diz Morgan, fungando. “Ela perdeu horas, Trevor. Poof. Ela não tem ideia do que aconteceu.” “Ela relatou isso?” Pergunto, balançando a cabeça quando Bram vem andando em direção a minha caminhonete. Ele gira nos calcanhares e entra no prédio. “Ela falou com alguém?” “Acho que não. Ela ligou e me pediu para vir, então dirigi até aqui ontem à noite. Ela disse que não achava estar ferida, mas...” Faço uma careta e conscientemente solto o volante que seguro com força. Há poucas coisas na vida que podem me fazer ficar descontrolado, e a violência dirigida às mulheres é uma delas. Eu não entendo, não quero entender, e só o pensamento me deixa extremamente nervoso.

#3


“Ela precisa denunciar”, digo, abrindo a porta da caminhonete quando começa a parecer que não há mais ar na cabine. “Ela precisa ir hoje.” “Não sei se ela vai”, Morgan murmura depois de limpar a garganta. “O que? Por quê?” “Devido ao fato”, Morgan responde, pesadamente. “Apenas por causa do fato.”

depois

suspira

Balanço a cabeça em confusão, mas não discuto. Mesmo achando que ela está fazendo a coisa errada, as decisões de sua irmã não são da minha conta. Não conheço Miranda. Ouvi muito sobre ela, mas nunca a conheci. “É melhor eu voltar para dentro”, diz Morgan. “Não quero que elas acordem quando não estou lá.” “Ok.” Esfrego a mão sobre meu rosto, não sei o que fazer. “Ligue se precisar de alguma coisa.” “Ok.” “Sério, Morgan”, eu digo. “Se precisar coisa. Estou a apenas algumas horas de distância.”

de qualquer

Assim que ela desliga, saio da caminhonete e fico por um minuto no ar fresco da manhã, tentando me acalmar. É uma merda que estou feliz por Morgan ter ligado, mesmo que odeie a razão disso? O fato dela e Etta estarem a apenas algumas horas de distância me deixa quase nervoso. “O que está acontecendo?” Bram chama, saindo do prédio assim que viu que desliguei o telefone. Penso em dispensa-lo, mas apenas por um segundo.

#3


“Estava conversando com Morgan.” “Sério?” Ele pergunta duvidosamente. “O que ela tem a dizer?” Todos os primos sabem que algo aconteceu entre nós, mas tenho certeza de que Ani não lhes deu detalhes. Bram é sua outra metade, no entanto. Sei que ele ouviu toda a história. “Ela está em Bend”, respondo, balançando a cabeça quando suas sobrancelhas se erguem. “Algo aconteceu com a irmã dela.” “Ela quebrou a perna ou está em coma?” Bram pergunta, perguntando em sua maneira errada o quão a situação é ruim. “Ela acordou sem se lembrar da noite anterior”, digo baixinho através dos dentes. “Oh, foda-se”, ele responde, instantaneamente ficando sério. “Precisamos ir até lá?” “Ela não tem balançando a cabeça.

ideia

do

que

aconteceu”,

respondo,

“Ela relatou?” A pergunta dele não me surpreende, mas acho um tanto irônico que relatar foi o primeiro pensamento em nossas mentes, enquanto Morgan e sua irmã sentem exatamente o contrário. “Ela não vai.” “Por quê?” Bram pergunta, completamente confuso. “Eu não tenho ideia.” Começo andar em direção à porta da frente, mas paro antes de chegar à calçada em frente ao prédio. “Cara, por que você não reportaria algo assim?” Bram pergunta, chegando ao meu lado. “Isso não faz sentido.”

#3


“Concordo.” Flexiono minhas mãos, desejando poder bater em algo. Não posso entrar. Não posso trabalhar o dia todo imaginando o que está acontecendo naquele campus universitário. Não posso ficar onde estou, a horas de distância de Morgan, sabendo que ela está com a irmã que acabou de ser atacada. Ela não só está assumindo essa responsabilidade sozinha, mas também tem uma filha de dois anos, e só Deus sabe quem drogou sua irmãzinha. “Você vai até lá?” Bram pergunta, lendo minha mente. “Ela provavelmente vai ficar chateada.” “Quem se importa”, Bram responde com um encolher de ombros. “Pelo menos você estará lá se ela precisar.” Paro e encontro seus olhos. “Ei, cara”, ele diz, levantando as mãos na frente dele. “Nenhum julgamento. Continuei voltando depois que Anita chutou minha bunda. Eu sei que nem sempre é tão simples quanto parece. Ela ligou para você.” “Ani me disse para recuar.” “Se eu tivesse recuado, eu e minha mulher não estaríamos onde estamos agora”, diz Bram calmamente. Concordo. “Eu te ligo mais tarde.” “Eu vou fazer seu trabalho”, ele grita enquanto caminho de volta para a caminhonete. “Apenas como sempre.” Mostro o dedo do meio por cima do ombro e saio sem outra palavra.

#3


Três horas depois, estou me registrando num hotel em Bend. * * * “O que quer dizer com está aqui?” Morgan pergunta cansada quando liguei para descobrir exatamente onde elas estão. “Estou em Bend.” “Oh.” Quando ela não diz mais nada, fico preocupada. “Morgan?” “Você não precisava vir aqui”, ela diz lentamente. “Tenho certeza que minha irmã vai ficar chateada se souber que veio.” “Estou aqui por você”, digo simplesmente. “Onde está?” “Mas eu estou aqui por minha irmã”, diz exatamente uma discussão, mas perto o suficiente.

ela,

não

“Morgan, onde você está?” Surpreendentemente, ela não hesita quando revela o nome do prédio da irmã e o número do quarto, e assim que desligo o telefone, vou para lá. Bend é uma cidade em crescimento, mas não é muito grande. No entanto, é bem espalhada. Demoro vinte minutos para chegar ao campus da universidade, mas apenas cinco para encontrar o prédio de Miranda e usar meu charme para entrar. A segurança deles é uma merda. Tudo o que preciso fazer é pedir a alguém para segurar a porta para mim enquanto finjo procurar algo em meus bolsos, e sou deixado entrar facilmente. Sei que a maioria das faculdades é assim. Visitei Kate na

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faculdade anos atrás e foi o mesmo em seu dormitório, e isso me incomodou tanto quanto me incomoda agora. Encontro o quarto de Miranda facilmente, e antes mesmo de bater, ouço Etta tagarelando lá dentro. “Quem é você?” Uma garota que parece quase exatamente como Morgan pergunta assim que atende a porta. Seu cabelo é curto nas laterais e ela tem um piercing na sobrancelha. Ela também tem meio círculos escuros e inchados sob os olhos. “Twevo!” Etta grita, passando por Miranda. “Você aqui!” “Ei, garotinha”, respondo, levantando-a quando ela chega até mim. “Senti sua falta.” “Eu senti sua falta!” Ela aperta os braços em volta do meu pescoço e pressiona sua bochecha na minha enquanto encontro os olhos de Miranda. “Eu deveria saber que ela ligaria para você”, ela diz em resignação. “Entre.” O quarto é pequeno, mas arrumado. Há uma escrivaninha e cadeira, uma cama e uma cômoda alta, mas nada que demonstre que alguém com uma personalidade realmente vive aqui. Tudo está em branco. Como uma ardósia limpa. “Não sou muito de decorar”, diz Miranda com um dar de ombros quando nota minha análise. “Eu também não”, confesso. “Mas tenho certeza que sou melhor do que você.” Miranda sorri, mas não recebo a risada que esperava. Em vez disso, ela olha a mulher deitada de costas para nós, seu corpo envolto num suéter em cima de um colchão sem lençol.

#3


“Morgan finalmente desmaiou”, ela diz baixinho. “Ela ficou acordada a noite toda.” “Você dormiu um pouco?” ficando no mesmo lugar na porta. Sou um homem grande, e dezesseis anos. E nesse pequeno que acaba de ser aterrorizada e provavelmente pareço ainda maior.

Pergunto

gentilmente,

sou assim desde que tinha dormitório, com uma garota não consegue nem lembrar, Não vou me aproximar mais.

“Eu dormi um pouco”, ela responde, sorrindo vagamente. “Provavelmente ainda lidando com alguns efeitos posteriores.” Ela diz isso com tanta calma que tenho dificuldade em controlar minha expressão. “Você deveria dizer a alguém”, digo, inclinando-me para colocar Etta no chão quando ela começa a mexer. “Quem?” Miranda pergunta, encolhendo os ombros. “A polícia? Eu não sei de nada. Não consigo nem lembrar o que aconteceu depois que saí pela porta.” Ela aponta para a porta nas minhas costas. “Tenho certeza que esperei muito tempo para qualquer exame de sangue descobrir o que tomei, e tenho certeza que não deixarei nenhum médico me apalpar na possibilidade de encontrar um cabelo que não é meu.” “Você tem uma visão bastante cínica do sistema”, respondo calmamente. “Oh, vamos lá, cara”, ela responde com uma zombaria. “Você sabe que é verdade. Além disso, sabe o que todo mundo vai pensar. Aquela garota não deveria ter saído sozinha. Ela deveria ter sido mais cuidadosa. Por que ela acha que podemos ajudá-la, quando não tem nenhuma pista do que

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aconteceu? Talvez ela esteja inventando. Pode ser que ela tenha bebido demais e agora está tentando fingir que não lembra.” “Besteira”, digo, finalmente cortando sua crítica. “Eu não pensei em nenhuma dessas coisas.” “Você não é um policial.” “Por que diabos isso importa?” “Porque, importa”, ela fala. “Policiais olham para mulheres como eu e veem lixo.” “Ninguém poderia olhar para você e ver lixo”, respondo, balançando a cabeça. “Nem uma única pessoa.” “Oh, sim?” Ela diz. “Você sabe quantas vezes minha assistente social olhou para o outro lado quando eu estava no sistema? Você sabe quantas vezes chamei a polícia naquele ano e eles olharam para o outro lado?” “Policiais são como qualquer outro grupo de pessoas”, argumento. Sei disso tanto quanto qualquer um. É uma droga, mas é a verdade. “Você tem maus e bons. Merdas e heróis.” “Isso não importa”, diz ela, com a voz tensa. “Aconteceu e agora acabou. Alguém me drogou e perdi algumas horas que não posso voltar. Fim.” “É tudo o que fizeram?” Pergunto gentilmente, distraidamente balançando meus dedos para cima e para baixo quando Etta senta no meu pé, saltando-a para cima e para baixo no chão. “Sim”, responde Miranda sem rodeios. “Não é da minha conta”, digo. “Não, não é.”

#3


“Mas se alguma coisa aconteceu...” “Isso não aconteceu.” “Você precisa ir a uma clínica”, continuo, ignorando sua negação. “Você precisa ser examinada e precisa de uma pílula do dia seguinte, e qualquer outra coisa que possam lhe dar.” “Nada aconteceu”, ela diz novamente. “Ok”, respondo, inclinando a cabeça para baixo em concessão. “Mas se não tem certeza, precisa fazer isso.” “Tenho certeza.” “Ok”, digo novamente. “Eu preciso fazer xixi”, diz ela, terminando a conversa. “E você pode sair pela porta.” Ela caminha até o banheiro em anexo e se fecha lá dentro, mas não me mexo. aconteceu algo que ela não quer admitir, mas não é meu trabalho fazê-la encarar isso. O que aconteceu foi algo com o qual nunca lidei ou serei capaz de entender. “Obrigada”, Morgan sussurra quando vira de lado, lágrimas escorrendo pelo seu rosto enquanto me encara. “Eu nem sequer pensei nisso.” Ela estremece com um soluço silencioso. “Ela precisa ver um médico.” “Não sei se ela vai concordar com isso”, murmuro de volta, mantendo minha voz baixa. “Ela vai”, diz Morgan, enxugando o rosto enquanto se senta. “Ela está me ouvindo desde que nasceu – isso não vai parar hoje.” Meus lábios se contraem, mas não respondo. Miranda parece muito com a irmã mais velha, e não consigo imaginar ninguém falando com elas para fazer algo que elas não

#3


queiram. Imagino que se alguém pode forçar Miranda a fazer alguma coisa é Morgan, e vice-versa. Observo a mulher que estive pensando e sentindo falta levantar da cama e endireitar seus ombros antes de sorrir amplamente para Etta. Então, quando ela se aproxima de mim e coloca os braços em volta da minha cintura, descansando a testa contra o meu peito, sei com absoluta certeza que a amo. Simples assim, eu sei. Eu a amo como nunca amei ninguém. Eu a amo de uma forma que sei que não irá embora. Amo sua força, sua compaixão e sua compreensão. Eu amo o jeito que ela se torna uma leoa quando se trata de sua família. Eu amo o jeito que ela conseguia demonstrar um sorriso para seu bebê, mesmo nas circunstâncias mais tensas. Amo que ela se desculpou quando soube que fez algo errado. Eu amo que ela é teimosa e um pouco cautelosa. Eu amo o jeito que o cabelo fino dela fica preso na minha barba, e a sensação quando ela se afasta e os fios fazem cócegas no meu queixo. Amo o jeito que ela se encaixa em mim. E mais do que tudo, eu amo quando ela precisa de mim, e confia que estaria lá mesmo depois do jeito que as coisas terminaram na última vez que nos vimos. Mas Jesus, que momento terrível para perceber que estou apaixonado por ela. A porta se abre e, assim que Morgan sai dos meus braços, Miranda aparece, as mãos levantadas em sinal de rendição. “Você está certo”, diz ela, movendo-se lentamente em direção a sua cômoda. “Preciso ir a um médico.” “Eu vou com você”, diz Morgan, pegando sua bolsa do chão. “Só me deixe trocar de roupa e vou marcar uma consulta.” “Eu preciso de uma?” Pergunta Miranda, parando com as mãos dentro de uma das gavetas da cômoda.

#3


“Não importa”, responde Morgan tranquilizando. “Vou levá-la para ver alguém hoje.” O alívio de Miranda com as palavras da irmã é quase uma presença física na sala. Fica claro que ela confia em Morgan implicitamente. Se sua irmã mais velha disser que fará algo, ela fará. Fim da história. Henry agia assim comigo. Ele confiava em Shane também, mas o relacionamento deles era muito diferente. Eu era o protetor de Henry. Fui o único a dar um duplo nó nos seus sapatos antes da escola e dar a ele uma carona quando caiu e se machucou. Fui o único a manter os monstros afastados quando ele não queria acordar nossos pais depois de um pesadelo. Eu não tinha ideia do por que ele não se sentiu à vontade em me contar sobre Etta, mas porra, isso partiu meu coração. Brinco silenciosamente com Etta enquanto Miranda se veste e Morgan liga para a clínica feminina local. Tenho certeza de que o campus tem sua própria clínica, mas, de acordo com o murmúrio de Morgan, eles são inúteis. Não me incomodo em perguntar por quê. A mulher está numa missão e dentro de quinze minutos conseguiu um horário para sua irmã mais nova. “Eu não sei como...” Morgan diz para mim, suas palavras parando quando faz uma careta. “Que tal eu apenas acompanhar vocês?” Digo, desejando poder estender a mão e deslizar sobre o cabelo dela, mas sabendo, enquanto ela se move e caminha, que não é o momento certo para isso. “Vou cuidar de Etta enquanto as senhoras entram.” “Senhoras é um exagero”, diz Miranda secamente quando sai do banheiro. Ela ainda está usando a camisa de antes, mas vestiu um moletom diferente e um jeans.

#3


“Tudo bem para você?” Morgan pergunta enquanto pega a bolsa de fraldas de Etta. “Se Trevor vir junto?” “Tudo bem para mim”, Miranda responde com um encolher de ombros. Entro no corredor primeiro. Morgan está com Etta em seus braços e perto de mim. Mas leva apenas alguns segundos para perceber que Miranda não nos segue. Nós dois olhamos para trás para ver o que é o atraso, e meu corpo inteiro fica tenso quando testemunho os olhos de Miranda se enchendo de terror. Ela congela. Seu corpo inteiro, dos cílios até a ponta dos dedos, fica completamente imóvel quando ela chega ao limiar de seu quarto. “Ranna?” Morgan chama suavemente. O peito de Miranda começa a movimentar visivelmente sob o moletom folgado e dou um pequeno passo à frente, porque não tenho certeza absoluta de que ela ficará em pé. “Preciso de um segundo”, Miranda responde, tentando controlar sua respiração. “Leve o tempo instantaneamente.

que

quiser”,

responde

Morgan

Ficamos ali observando Miranda se acalmar até que não consigo suportar outro segundo de seus dentes cerrados e mãos fechadas. “Miranda”, murmuro, dando mais um passo para frente. “O quê?” Ela diz rapidamente, seu embaraço claro. “Eu sou um cara grande, sim?” “Então?”

#3


“Você quer sair daí”, digo, acenando para o quarto dela. “Você pode. Ninguém vai nem olhar para você enquanto eu estiver aqui.” Ela olha o corredor em ambas as direções, mas ainda não atravessa a porta. Etta tagarela para Morgan e se contorce um pouco para descer, mas Miranda ainda não se mexe. Meu telefone toca com uma mensagem que ignoro, mas ainda assim Miranda nem se mexe. Então, sem aviso, ela dá um passo adiante e fecha a porta atrás de si. Movendo-se rapidamente, ela fica ao meu lado, depois se encolhe quando me movo para colocar o braço ao redor de seus ombros. “Não”, ela desabafa. “Não me toque, ok?” “Sem problemas”, digo calmamente, mas por dentro estou tentando não me descontrolar. Miranda e eu seguimos Morgan para o andar de baixo, lado a lado, mas com cuidado para não tocar. Está chovendo e corremos para o carro de Morgan quando Miranda puxa o capuz sobre a cabeça. “Vou no banco de trás”, diz Miranda, entrando antes que eu possa protestar. Não tenho certeza de como me encaixarei no banco de trás daquele carro, mas pelo menos teria me oferecido. Vejo quando Morgan afivela Etta em seu assento, passando por ela para tocar no joelho de Miranda antes de se inclinar para fora do carro. “Você pode dirigir?” Morgan pergunta, falando pela primeira vez desde que esperamos Miranda sair de seu quarto. “Eu vou orientando.”

#3


“Claro.” Caminho ao redor do carro e a encontro na parte de trás, mas no momento em que a alcanço, ela balança a cabeça. “Se me tocar, eu vou desabar”, diz ela trêmula, jogando-me as chaves. “Estou pendurada por um fio aqui.” “Você está indo bem”, respondo, segurando o olhar dela. “Estou tentando. Foda-se.” “Às vezes uma maldição real vai muito longe, hein?” Respondo, um pouco aliviado quando meu comentário faz seus lábios tremerem, apenas uma fração. “Às vezes”, ela concorda. Levamos apenas quinze minutos para chegar à clínica, mas a consulta de Miranda dura duas horas. No momento em que Morgan traz sua irmã pálida para fora para nos encontrar, Etta está agitada e estou andando de um lado para o outro no pequeno pedaço de grama que requisitamos como nosso. Não tenho ideia do que levaria tanto tempo, mas sei que não é nada bom. “Vamos”, diz Morgan, guiando a irmã diretamente para o carro. “Vamos lá, docinho”, digo a Etta, pegando nossas coisas enquanto corro atrás de sua mãe. Sem qualquer direção, levo-nos de volta ao prédio do dormitório de Miranda. As duas mulheres no carro estão completamente em silêncio até que coloco o carro no estacionamento. Então, quando estou prestes a sair do banco do motorista, Miranda finalmente fala. “Não vou voltar lá”, diz ela com firmeza, olhando pela janela no banco de trás.

#3


Deixo minha mão cair das chaves na ignição e espero Morgan responder. “Ok”, ela diz, lentamente. “Ok.” Ficamos sentados em silêncio por mais alguns minutos. Mantenho a boca fechada enquanto elas pensam em nosso próximo movimento, e mal me movo quando a mão de Morgan pousa na minha. “Eu vou pegar suas coisas”, diz ela, virando-se para o banco de trás. “Você tem sacos de lixo?” “No fundo da lata”, Miranda responde timidamente. “Ok, eu já volto.” Minha mão aperta a de Morgan enquanto ela tenta se afastar. “Eu vou com você.” Quando nenhuma das irmãs discute, concordo e saio do carro. Esperamos até que Miranda tranque as portas e depois seguimos para dentro do prédio. Não sei como Morgan se sente, mas depois da consulta médica de Miranda, seu dormitório parece quase sinistro. Eu sabia que algo ruim aconteceu aqui, mas agora que meus pensamentos foram confirmados, o lugar faz minha pele arrepiar. Mal consigo me impedir de parar todos os caras que vejo, apenas para olhar atentamente o rosto dele. É aquele cara? O de moletom azul? E a jaqueta cinza? Ele é o babaca? Estou olhando para cada rosto, procurando por culpa. “Minha irmã não tem muita coisa”, diz Morgan enquanto caminha resolutamente para o pequeno quarto.

#3


Ela vai direto para a lata de lixo no canto e tira o saco. Por baixo há mais quatro sacos sem uso que ela joga na cama. “Eu vou arrumar suas roupas primeiro, depois a mesa.” “Posso arrumar as coisas da mesa”, respondo, pegando um saco de lixo. “Devo deixar algo?” “Não.” Ela limpa a garganta. “Não, ela não vai voltar.” Paro e observo Morgan abrir a gaveta de cima, quase puxando-a completamente para fora da cômoda. “Ela nunca mais vai voltar para este lugar”, ela diz, pegando punhados de roupas e colocando-as no saco de lixo na outra mão. “Querida”, digo suavemente, tentando acalmá-la. “Eu não posso”, diz ela, balançando a cabeça e recusandose a virar para mim. “Eu preciso tirar as coisas dela daqui. Eu preciso sair daqui.” “Ok”, respondo, cerrando meu queixo. Quero envolver os braços nela e forçá-la a parar um segundo, mas não faço. Em vez disso, viro para a escrivaninha e rapidamente pego os cadernos, canetas e coisas escolares aleatórias. Acaba sendo muito pesado e preciso dobrar o saco, mas felizmente Miranda realmente não tem muito. Todos seus itens pessoais enchem apenas três sacos de lixo. “Só um segundo”, diz Morgan, entrando no banheiro. Ela sai apenas alguns segundos depois com uma pequena bolsa de maquiagem na mão. “Eu vou substituir o resto”, ela murmura, balançando a cabeça.

#3


Então levanto os sacos do chão e saímos do quarto. Algumas pessoas observam enquanto passamos pelas áreas comuns, mas ninguém diz uma palavra enquanto carregamos as coisas de Miranda para fora do dormitório. Nenhuma pessoa pergunta quem somos ou porque estamos roubando sacos de coisas de um de seus colegas de faculdade. É a coisa mais estranha do caralho. “Porta malas”, diz Morgan, abrindo-o para que possa colocar as coisas de Miranda lá atrás. Assim que os solto, a cabeça dela cai para frente. “Jesus.” Não tenho certeza se exclamação. Talvez seja as duas.

é

uma

oração

ou

uma

“Vamos dar o fora daqui”, digo, estendendo a mão para a lateral do rosto dela. “Nem sei para onde ir”, diz ela com uma risada sem graça. “Preciso de um quarto de hotel ou algo assim.” “Eu tenho um”, respondo, deslizando a mão para baixo para apertar a parte de trás do seu pescoço suavemente. Ela parece tão frágil, parada ali, que tenho medo de tocá-la em qualquer outro lugar. “Ok. Onde está estacionado? Nós concordamos que ela me seguiria de volta para o meu hotel, e saio assim que ela senta no banco do motorista. Quando passo pelo carro dela, olho no banco de trás e vejo Miranda encostada no assento de Etta. O bebê dorme tranquilamente, e Miranda segura a mão dela. É como se ela precisasse dessa conexão, mesmo que Etta estivesse completamente desmaiada ao lado dela. Quando novamente.

entro

na

caminhonete,

meu

telefone

toca

#3


A mensagem que ignorei antes é de Katie, e ignoro novamente. A mensagem mais recente é de Morgan. Hotel não vai funcionar. Miranda se recusa a ficar em qualquer lugar perto daqui. Obrigado mesmo assim. Suspiro e passo a mão por meu rosto, alisando a barba. Faz sentido. Minha casa? Envio a mensagem, não esperando um acordo, então quando a resposta chega, fico chocado. Verifico meu espelho retrovisor pelo menos cinquenta vezes enquanto dirijo para casa. Toda vez, as mulheres Riley ainda estão atrás de mim.

#3


CAPÍTULO 14 Morgan

Ir para a casa de Trevor não é minha ideia mais inteligente. Eu sei. No entanto, quando fiz a sugestão para Miranda e ela concordou, não tive coragem de recusar. Nesse ponto, teria feito qualquer coisa para fazê-la se sentir segura. Trevor parece fazer isso por ela. Eu a vi olhando pelas janelas escuras do consultório médico mais de uma vez e observar enquanto Trevor brincava com Etta na grama. Por alguma razão, ele parece ajudá-la. Talvez seja seu discurso “sou grande e forte” quando estávamos no corredor ou a bondade inerente que parece emanar dele. Acho que uma parte dela pode ter sido lembrada um pouco do dia em que nosso pai veio nos buscar no escritório de nossa assistente social. Fosse o que fosse, não estou disposta a tirar isso. Ela passou o suficiente. Recuso-me a pensar sobre as coisas que aconteceram no consultório do médico. Miranda me deixou ficar só depois que prometi não enlouquecer. Ela sabia, mesmo antes de nos chamarem de volta, que não seria bonito. Havia muita coisa escondida sob as roupas largas que ela usava. Coisas que eu não suportaria pensar. Ainda não. “É isso”, Trevor anuncia quando saio do meu carro. “Vou abrir tudo, e podem se sentir em casa.”

#3


Balanço a cabeça enquanto ele nervosamente segue em direção a porta da frente. Não tenho certeza do que ele está nervoso - nós estamos invadindo seu espaço. Assim que ele desaparece na casa, viro para onde minha irmã está saindo do carro. A longa viagem deve tê-la deixado dolorida porque ela estremece quando se alonga. “Ele vive no meio do nada”, diz ela, com a voz rouca após as horas de silêncio. “Como um serial killer”, respondo. “Ou um eremita”, ela responde com um dar de ombros. “Isto é melhor?” Antes que ela possa responder, a porta da garagem de Trevor abre e ele sai, carregando um cachorrinho preto se contorcendo. “Jesus”, Miranda murmura. “É calendário de lenhadores.”

como

um

maldito

“Desculpe”, Trevor diz timidamente quando coloca o cachorro no chão. “Eu o deixei sair esta manhã, mas minha prima não esteve aqui ainda para deixá-lo sair novamente.” “Você tem um cachorrinho”, digo baixinho. Ele me disse durante nossas longas conversas que queria um, mas eu não sabia que realmente adotou um. “Oh, ei”, diz Miranda suavemente quando o filhote vai direto para ela. “Você é adorável. Qual é seu nome?” Ela se agacha e inalo bruscamente para a careta que ela tenta esconder. “Ele não tem um ainda”, responde Trevor, caminhando em nossa direção.

#3


“Você não deu nome a ele?” Pergunto enquanto o filhote pula em torno de Miranda como se ela fosse a melhor coisa que ele já viu. “Alguma ideia?” Trevor pergunta. “Ele parece um urso”, diz Miranda, ficando lentamente de pé quando o filhote vai procurar o local perfeito para fazer xixi. “Koda”, digo baixinho, observando enquanto a pequena bola de pelos cheira cada árvore e arbusto. “Irmão Urso”, Miranda diz, seus lábios se curvando um pouco. “Boa escolha”, responde Trevor. “Não vi esse filme em anos.” “Etta gosta”, murmuro, encolhendo os ombros. “Henry gostava também”, diz Trevor indiferente. “Ele costumava assistir mesmo quando já era adolescente.” “Isso é porque Henry era um garoto perdido”, diz Miranda. Tensiono. Eu a ouvi usar essa frase antes. “Garoto perdido?” Trevor pergunta. “Sim.” Miranda não está olhando para nós, e cerro os dentes porque não a como impedi-la de dizer qualquer coisa insultuosa prestes a sair de sua boca. “Ele nunca cresceu.” Trevor faz um barulho de asfixia. “Jesus, Ranna”, digo, balançando a cabeça em vergonha. “Não”, diz Trevor lentamente. “Essa é uma boa descrição.” Meu olhar segue para o dele, e fico surpresa ao encontrar compreensão lá.

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“Nunca vou fingir que ele era perfeito”, diz Trevor, alto o suficiente para Miranda ouvir. “Mas ele era meu irmãozinho e eu o amo.” “É assim que me sinto sobre minha irmãzinha”, respondo através dos dentes, olhando Miranda. “Mesmo quando ela é cruel.” “Desculpe”, diz Miranda, inclinando-se contra a lateral do carro. “Foi um longo dia.” “Não se preocupe”, responde Trevor antes que eu possa castigá-la novamente. “Querem entrar antes de começar a chover?” Minha irmã começa a andar em direção à casa sem outra palavra. Nós a observamos andar devagar para dentro e respiro fundo. Parece que definitivamente vamos ficar. Por que estou tão ansiosa em entrar naquela casa? “Quer que eu pegue Etta?” Trevor pergunta, descansando a mão nas minhas costas quando passa por mim. Oh sim. Agora lembro porque estou tão nervosa. Apenas aquele pequeno toque, e minha pele parece estar em chamas. * * * Depois de uma visita pela casa e banheiro, estou na cozinha com Etta, sem saber o que fazer. Miranda se fechou num quarto no minuto em que o viu, e estou tentando dar a ela um pouco de tempo sozinha antes de me intrometer. Minha irmã normalmente tagarela é nada menos, e estou com a sensação de que ela precisa de silêncio. Não vou deixá-la sozinha por muito tempo, especialmente depois das coisas que vi durante o exame do médico mais

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cedo. Esta não foi a primeira vez que vejo Miranda recuar em sua concha, mas é a primeira vez desde que chegamos a idade adulta. Se foi uma questão de sorte, ou o fato de que ela era mais jovem do que eu, ela lidou com muito mais abusos quando estávamos no sistema do que eu. Fui colocada com famílias que eram em grande parte como os Harris, mas Miranda não teve tanta sorte. Quando nos reunimos mal reconheci a irmã da qual me separei. Levou anos para nosso relacionamento voltar ao que era. Sempre me senti culpada por isso. “Vocês estão com fome?” Trevor pergunta, vindo do que ele fazia lá fora. “Twevo!” “Ei, docinho”, diz Trevor, sorrindo para Etta. “Você teve um bom cochilo?” “Eu não cochilo”, Etta argumenta, franzindo o nariz. “Oh, desculpe”, Trevor admite, levantando as mãos em rendição simulada. “Eu fome.” “Estou bem”, interrompo com um pequeno aceno de cabeça. Não tenho certeza de como vou engolir qualquer coisa, meu estômago ainda está estranho. “Vou pegar algo para Etta, então”, diz ele, olhando meu aceno antes de se mover em direção à geladeira. “Eu tenho algumas fatias de maçã aqui.” “Maçãs!” Etta diz, chutando as pernas para descer. Eu a coloco no chão e vou até o balcão, praticamente caindo no banco do bar. Cara, estou exausta. Realmente não dormi desde a noite anterior e agora que a adrenalina está diminuindo, estou começando a sentir os efeitos.

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“Você tem maçãs já fatiadas?” Pergunto, apoiando meus cotovelos no balcão enquanto Trevor se agacha para entregar a Etta o pequeno pacote. “Sim. É um desperdício”, ele diz timidamente. “Mas não gosto de comer maçãs inteiras.” “Elas são diferentes quando fatiadas?” Pergunto, meio que brincando, mas principalmente confusa. “Não.” Trevor sorri para mim. “Simplesmente não gosto de as morder. A pele fica presa nos meus dentes da frente.” “Eu me sinto assim sobre milho em espiga.” “O que?” Ele balança a cabeça em decepção. “Você não gosta de milho na espiga? Isso é simplesmente errado.” “Nunca disse que não gosto”, murmuro, descansando a cabeça em meus braços. “Sempre cortei a espiga em vez de comê-la como um selvagem.” “Selvagem”, Etta diz dramaticamente, mastigando uma fatia de maçã. “Você é tão suavemente no lado.

feroz”,

responde

Trevor,

cutucando-a

“Não, eu sou selvagem”, Etta resmunga, mostrando os dentes e metade da maçã em sua boca. “Ela é alguma coisa”, murmuro com uma risada. “Ei”, Trevor diz baixinho, levantando- se. “Por que não se deita por um tempo?” “Eu estou bem”, argumento, endireitando minha postura. Estou cansada, mas não é como se estivesse prestes a cair. Ainda tenho coisas para fazer. Preciso verificar Miranda. Etta está espiando dentro de todos os armários da

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cozinha que pode alcançar, e preciso ter certeza que ela não entre em nada que ela não deve. Em algum momento, preciso ligar para meu pai e dizer a ele onde estamos, sem contar por que estamos aqui. não posso simplesmente dormir, preciso ficar de olho em tudo e em todos. Esse é o meu trabalho. “Bem, posso ficar de olho na senhorita”, diz Trevor, respondendo às palavras que não percebi ter murmurado. Talvez eu esteja mais cansada do que pensei. “Por que não entra e verifica sua irmã? Seu pai pode esperar.” Olho para ele, depois para Etta e depois para ele novamente. Confio nele. Não estaria em sua casa se não confiasse. No entanto, deixar minha filha aos cuidados de outra pessoa nunca foi fácil para mim, e seus ombros musculosos e belo sorriso não mudam isso. “Nós vamos ficar em casa”, ele promete, levantando Etta em seus braços. “Assistimos a um filme. Talvez vamos pegar o FI-L-H-O-T-E do canil para brincar.” Balanço a cabeça. “Estou bem-” “Deixe-me fazer isso por você”, Trevor diz com firmeza, interrompendo-me. “Deixe-me ajudar.” “Você já ajudou”, respondo, acenando com a mão no ar para sua casa limpa, mas estranhamente impessoal. “Então deixe-me ajudar um pouco mais.” Nós nos encaramos por um longo tempo antes de eu finalmente aceitar com um pequeno aceno de cabeça. Levantome cansada do meu assento e passo a mão no meu rabo de cavalo, olhando em volta para me certificar de que não há mais nada que eu precise fazer antes de ir para Miranda.

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“Estamos bem”, diz Trevor, caminhando ao redor do balcão. “Vá.” “Mamãe vai tirar uma soneca”, digo a Etta. “Quer ficar com Trevor por um tempo?” “Twevo”, ela murmura com a boca cheia de maçã, balançando a cabeça feliz. “Tenha cuidado”, aviso-o. “Certifique-se que ela mastigue muito bem.” “Eu vou”, diz ele, descansando a mão nas minhas costas por apenas um segundo antes de me dar um empurrão gentil. “Esta não é minha primeira vez.” “Sim, sim. Ela tem um copo com canudinho e fraldas na bolsa. Há também uma troca de roupa. Não tenho certeza por que ela precisará, mas...” “Morgan”, Trevor murmura com diversão. “Vá.” “Tudo bem.” Caminho pelo corredor e bato silenciosamente na porta da minha irmã, mas não espero que ela responda antes de abrir. Ela está deitada na cama em cima da coberta, mas puxou as laterais do edredom até que ela está enrolada como um burrito, e dorme profundamente. Solto um suspiro de alívio e deito ao lado dela, com cuidado para não a tocar. Nós sempre fomos capazes de nos aconchegar quando compartilhamos uma cama – não será nada novo, mas não quero arriscar. Ela parecia bem quando eu a toquei no início do dia, mas depois que se afastou de Trevor, não tenho certeza se devo fazer contato, especialmente quando está dormindo.

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O travesseiro é mais fino do que gosto, então cuidadosamente dobro-o ao meio e enfio sob minha cabeça, tomando cuidado para não balançar a cama. Então apenas deito aqui, olhando o rosto da minha irmãzinha. As linhas entre as sobrancelhas dela estão franzidas, e as meias-luas escuras sob seus olhos ainda estão ali, mas pela primeira vez desde que entrei em seu dormitório ela parece quase em paz. Isso alivia a tensão no meu peito, só um pouco, mas sei que não vai durar. Eventualmente, caio em um sono profundo. * * * “É melhor você acordar”, diz Miranda, sacudindo meu ombro mais tarde naquela noite. Quando abro os olhos, o pouco sol que tínhamos se fora e quase está completamente escuro do lado de fora. Não tenho certeza de quanto tempo dormi, mas não foi o suficiente. Ainda me sinto uma porcaria. “O que está errado?” rosto. “Você está bem?”

Pergunto,

olhando

para

seu

“Estou bem”, ela responde. “Você ronca.” “Não, eu não ronco.” “Você realmente ronca.” “É por isso que me acordou?” Pergunto com irritação, esfregando a mão no meu rosto. “Não, eu te acordei porque alguém está aqui. Uma mulher.” “O quê?” Sento na cama e viro a cabeça em direção à porta.

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“Ela chegou há alguns minutos”, Miranda diz, se desenrolando do cobertor. “Trevor parecia irritado que ela estava aqui, mas não consegui ouvir o que diziam.” “Merda.” Considerando o fato de que Trevor mora na propriedade de seus pais, não deveria ter ficado surpresa com a ideia de que alguém tivesse passado por aqui. Só não pensei nisso porque estava muito preocupada com outras coisas. Jogo minhas pernas para fora da cama e paro para deixar a tontura passar. Ugh, odeio quando me levanto rápido demais e sinto que vou cair. “Fique aqui”, peço assim que tenho controle das minhas pernas novamente. “Besteira”, Miranda responde, porta. “Você não vai me deixar aqui.”

seguindo-me

para

a

Assim que abro a porta, posso ouvir a voz de Trevor. Ele claramente não está mais irritado quando ri de algo que a mulher diz. Meu estômago revira. Sabia que não deveria ter tirado uma soneca. Assim que chegamos ao final do corredor, Etta aparece. Ela está sentada no meio da sala de estar com um monte de livros de colorir espalhados ao redor, colorindo algo com um marcador. “Eu realmente espero que não seja permanente”, digo estupidamente. É a primeira coisa que vem a minha cabeça. “Não é”, diz Trevor, levantando-se do sofá. “Eles são laváveis.” Viro para olhar nele, mas não digo mais nada quando nossos olhos se encontram. Percebo que há uma mulher e um homem sentados na sala, mas não os reconheço enquanto espero Trevor explicar o que diabos eles estão fazendo em sua casa.

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“Esqueci de ligar e avisa-los que não iriam precisar cuidar de Koda hoje à noite”, diz ele timidamente. “Desculpe. Sei que não estão interessadas em visitas.” Ele olha Miranda, que está de pé um pouco atrás de mim, e sorri para ela se desculpando. “Mas assim que souberam que estavam aqui, eles não quiseram ir embora.” “Jesus, você está dizendo isso para ele agora?” Miranda murmura. Não me incomodo em responder, apenas continuo a olhar Trevor, meu sangue fervendo. Eu confiei nele para cuidar de Etta enquanto eu estava no quarto ao lado. Eu deixei minha guarda baixa, e é assim que ele me recompensou? “Ela provavelmente está se perguntando quem diabos somos”, diz a mulher a Trevor, como se achasse que ele é um idiota. Hã. Talvez eu goste dela. É cedo para dizer, mas as chances são boas. Trevor emite um som aborrecido, depois acena a mão para o casal na sala. “Esta é Anita e Abraham, e o bebê deles, Arielle.” Minhas sobrancelhas levantam quando olho e finalmente noto o assento de carro com o bebê dormindo no chão. “Somos primos dele”, diz Anita, ficando de pé. “E pode me chamar de Ani.” Dou mais um olhar para Trevor, em seguida, dou um passo para frente. “Eu sou Morgan”, digo, estendendo a mão para apertar a mão de Ani. “Esta é minha irmã, Miranda.”

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“Prazer em conhecê-las”, diz Ani. Ela aperta minha mão, mas só acena com a cabeça para Miranda. Abraham acena com a mão. “Mamãe”, Etta diz, desviando minha atenção. “Bebê!” Ela aponta para o assento de carro, em seguida, leva um dedo aos lábios. “Ela dormindo.” “Eu vejo isso”, digo baixinho, movendo-me em torno dos adultos para que possa me ajoelhar na frente de Etta. “O que está fazendo?” “Eu pintando.” “Apenas no papel, certo?” “Certo.” Ela ergue o livro e orgulhosamente exibe a página rabiscada. “Bom trabalho”, digo, assentindo. “Acho que deveria colar na geladeira.” “Sinto muito que simplesmente invadimos”, Ani diz assim que Etta está entretida com sua tarefa novamente. “Estamos acostumados a incomodar Trev sempre que queremos.” “E ela é intrometida”, Abraham interrompe. “Uma vez que soube que você estava aqui, eu teria que arrastá-la para fora.” “Está tudo bem”, digo lentamente, olhando para Miranda. Ela ainda está de pé no início do corredor, mas não parece desconfortável. Ela se encosta calmamente contra a parede e parece estar gostando do show. “Etta se parece muito com Henry”, diz Ani. “Eu sei”, respondo. Deus, é estranho. Meu cabelo está uma bagunça do meu cochilo, tenho certeza que meus olhos têm pequenas crostas sobre eles, e estou numa casa estranha com

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um monte de gente que não conheço. Não há como causar uma boa impressão. “Jesus”, diz Ani, sacudindo a cabeça. “Eu sei que você sabe.” Ela ri de si mesma, e não posso deixar de admitir que o som alivia um pouco a minha tensão. “Não sou boa em conhecer pessoas. Juro por Deus, é como se minha mente ficasse completamente em branco e não tenho ideia do que dizer.” “Apenas dê a ela um minuto”, brinca Trevor. “Ela vai descobrir rápido.” “Cale-se, Trev”, diz Ani, dando-lhe um olhar divertido. “É só que ouvi que Etta parece com meu primo, mas isso não fez sentido até que eu realmente a veja, sabe?” “Sim”, respondo, olhando Etta. “Ela tem praticamente tudo de Hen.” “Ela tem sua boca, no entanto”, argumenta Trevor. Quando nós o olhamos com surpresa, ele limpa a garganta e olha para Miranda. “Miranda também.” “Oh, sim”, diz Ani. “Eu posso ver isso muito bem. São os lábios.” “E o sorriso”, diz Trevor, não querendo deixar passar. “O mesmo sorriso.” “Sim, sim”, diz Miranda brincando. “Nós entendemos, cara.” Abraham ri então, e tenho certeza que assusta Miranda e Etta tanto quanto eu. Sua risada é contagiante, e completamente em desacordo com a vibração forte e silenciosa que ele emite. “Eu ia começar o jantar”, diz Trevor desconfortavelmente numa tentativa clara de mudar de assunto. “Alguém mais com fome?”

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“Eu fome”, responde Etta, sem se incomodar em levantar o olhar do livro de colorir. “Você está sempre com fome”, brinca Trevor. “Alguém mais?” “Comida de verdade?” Pergunta Abraham. “Não será um cientista louco de novo, ok?” “A geladeira está totalmente abastecida”, responde Trevor sem rodeios. “Estou com fome”, diz Ani, encolhendo os ombros. “Eu também”, minha irmã entra na conversa. “Claro”, murmuro, quando todos os olhos estão focados em mim. Uma hora depois, sei muito mais sobre Trevor do que pensava ser possível. Há algo tão diferente em ver alguém em seu habitat natural. Sabia que ele era engraçado e inteligente, mas não percebi o quão horrível seu senso de humor poderia ser. Esse lado sai quando está perto de seus primos, brincando de um lado para o outro. Ele é mais sarcástico com eles, suas piadas vêm facilmente. Eu sabia que ele era bom com Etta, mas sua afinidade com as crianças é ainda mais aparente quando Arielle acorda e ele é o primeiro a tirá-la do assento. Ele a segura enquanto se move pela cozinha, e apenas relutantemente à solta quando chega a hora de tirar a caçarola de taco do forno. Sua habilidade na cozinha é algo que lembrava em detalhes vívidos, mas ele também é um bom cozinheiro, bem mais do que pensei. Observei calmamente enquanto ele e Ani se moviam juntos, cortando, fritando e geralmente jogando coisas juntos como se fizessem isso há anos – o que claramente fizeram

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– mas Trevor é quem está no comando. Ani o segue, fazendo perguntas e procurando sua aprovação. No final, o jantar que eles fizeram juntos é fenomenal, e até minha irmã come bem. Encontro os olhos de Miranda mais de uma vez, e embora não possa ignorar a estupidez em sua expressão enquanto tenta contribuir um pouco para a conversa, também percebo que ela está intrigada com a dinâmica. Quando Trevor apresentou seus primos, ele fez parecer que não tem nenhuma escolha sobre deixá-los entrar em casa, mas o jantar deixou claro que não é o caso. Não está fora de suas mãos; ele apenas não está disposto a afastá-los. Não consigo decidir como me sinto sobre isso. Por um lado, gosto que ele se importe com os sentimentos deles. Por outro lado, realmente me incomoda que ele coloque os desejos deles antes dos meus. É bobo. Eu sei. Eles são sua família. Mas em algum lugar, no fundo do meu subconsciente, esperava que ele me colocasse em primeiro lugar e o fato de que ele não colocou me atinge mais do que eu esperava. “Você faz piercings?” pensamentos silenciosos.

Ani pergunta,

tirando-me dos

“Sim.” Balanço a cabeça. “Por cerca de quatro anos agora.” “Legal”, ela responde, sorrindo. “Estive pensando em colocar mais um. Sempre fico entediada e deixo fechar os locais perfurados, e um ano depois sinto falta deles e tenho que furar novamente.” “Muitas pessoas fazem isso”, digo. “Ou começam a trabalhar em algum lugar que não têm permissão para tê-los, e depois voltam para perfurar novamente quando mudam de emprego.” “Sou uma dona de casa, agora”, diz ela, encolhendo os ombros. “Então, esse não é realmente um empecilho para mim.”

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“Isso parece legal”, respondo, sem saber qual é a resposta comum. Não posso imaginar ser capaz de ficar em casa com Etta. Será que gostaria disso? Talvez. Nunca estive numa posição onde o dinheiro vem sem uma carga de trabalho duro. “Tem sido uma adaptação”, Ani diz conspirativamente. “Mas sinceramente, eu amo. Foi muito difícil deixá-la o dia todo.” “Sim, conheço o sentimento”, eu concordo. “Em algum momento, posso querer voltar...” “Não, você não vai”, Abraham interrompe com um sorriso, claramente provocante. “Só vai querer adicionar mais alguns.” “Ele provavelmente está certo”, Ani resmunga. “Não posso evitar. Dê-me todos os bebês.” O grupo inteiro ri. “Eu gostaria de ter mais em algum momento”, digo, uma vez que está relativamente quieto novamente. “Mas Etta já dá muito trabalho.” “Eu não trabalho”, Etta diz distraidamente, colocando pedaços de carne moída em sua boca. “Eu Etta.” “Certo”, concordo secamente. “Só vou assistir todo mundo tê-los, aproveitá-los enquanto estou por perto, e ir para minha casa tranquila quando me cansar”, minha irmã entra na conversa, levantando a bebida no ar como se estivesse brindando. “Eu tinha certeza que esse também seria meu futuro”, diz Ani calmamente, observando Abraham de uma maneira que me faz sentir como se estivesse me intrometendo ao testemunhá-lo. “Mas a vida dá algumas voltas loucas.”

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“Amém para isso”, diz Trevor, falando pela primeira vez em um tempo. “Eu não posso ter naturalidade. “Arielle é adotada.”

filhos”,

diz

Ani

com

“Sério?” Minha irmã diz em surpresa simulada, fazendome quase engasgar com a bebida. Olho o bebê feliz no colo de seu pai. Ela tem uma pele muito mais escura do que seus pais, mas nunca teria pensado nisso até que Ani jogou o fato em nossa conversa. “Eu sei, certo?” Ani diz, rindo um pouco. “Ela é muito bonita para vir de nós.” “Você é linda”, diz Abraham, inclinando-se para trás em sua cadeira. “Cale-se.” “Eu sei, mas você é praticamente uma gárgula”, Ani responde, fazendo uma careta para ele. Sorrio atrás do meu copo. Abraham é muitas coisas, mas ele está tão longe de uma daquelas estátuas feias quanto qualquer homem que já vi. O cara poderia ser um modelo. “Ainda bem que sou fantástico na cama.” “E é aí que eu paro essa conversa”, diz Trevor, colocando o guardanapo em cima do prato. “Não quero ouvir sobre nada disso.” “Eu estaria disposta a ouvir”, brinca minha irmã. O sorriso em seu rosto vale a pena cada momento que passei com os visitantes indesejados. Vale a pena a decepção que senti quando descobri que Trevor apresentou minha filha a pessoas que não conheço. Aquele pequeno sorriso é um vislumbre da irmã que conheço, aquela que passou pela

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vida. Minha respiração fica presa na garganta e tento muito não me deixar mostrar nenhuma reação. Meia hora depois, a cozinha está limpa, minha irmã está de volta ao quarto com Etta sonolenta, e Anita, Bram e Arielle saem depois de uma amistosa rodada de abraços. A visita não foi tão ruim quanto esperava, mas ainda estou exausta. Foi um dia tão longo. Estou na varanda da frente sentada numa cadeira no gramado quando Trevor me encontra. “Como está?” Ele pergunta enquanto leva Koda para a varanda e o solta para investigar a área. “Tudo bem”, murmuro, olhando para as árvores. Sua entrada é longa e sinuosa, e mesmo quando tento, não posso ver a estrada principal da casa. Também não consigo ver nenhuma outra casa, o que é surpreendente, pois sei que tanto a casa dos pais como a casa do tio e da tia não fica muito longe. O lugar é totalmente isolado. “Você está chateada?” Ele senta no degrau mais alto e encosta-se ao corrimão, suas longas pernas esticadas na frente dele. “Eu deveria?” “Vamos lá, Morgan”, ele diz calmamente. “Não vamos fazer esse jogo, tudo bem?” “Que jogo?” Meus ombros ficam tensos enquanto continuo a olhar para a floresta. “O jogo em que me exclui e se recusa a falar sobre qualquer coisa? Aquele? Você se lembra?” “Por favor”, zombo, cruzando os braços sobre o peito.

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Realmente não quero ter a conversa que estamos tendo. Não quero falar nada ou mesmo reconhecer que a um problema. Queria sofrer sem ajuda. Quero sentar no silêncio e decidir por mim mesma como me sinto sobre tudo o que aconteceu. Odeio confronto de qualquer tipo. Isso faz minha pele arrepiar e meu coração disparar. “Esqueci de ligar para eles”, diz ele, ficando mais confortável em seu lugar. “Não poderia simplesmente fazê-los sair depois que foram obrigados a me ajudar.” “Isso é exatamente o que poderia ter feito”, digo tão baixinho que não tenho certeza no começo se ele ouviu. “Você está chateada”, ele responde. “Está tudo bem.” “Claramente, não está, ou não estaria agindo de forma arrogante.” “Não estou sendo arrogante”, digo, meu rosto desprovido de emoção quando encontro seu olhar. “Isso vai acontecer toda vez que Ele retruca. “Você está agindo como uma...”

ficar

chateada?”

Ele não termina a frase e imediatamente me inclino para frente. “Uma o quê?” Pergunto, inclinando a cabeça para o lado. “Uma cadela?” “Não.” “Oh, vamos lá, Trevor”, imploro. “Diga o que ia dizer.” “Eu não ia te chamar de cadela”, ele diz suavemente. “Claro que ia.”

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“Não, eu não ia.” “Certo”, digo sarcasticamente. Levanto, pronta para deixálo lá na varanda, mas antes que possa dar um único passo, ele também está de pé. “Eu ia te chamar de criança”, ele diz com um suspiro, parado entre mim e a porta. “Eu ia dizer que está agindo como uma criança.” “Então por que não acabou de falar?” Questiono. “Porque”, ele diz, endireitando sua postura, “eu não uso palavras para machucar as pessoas.” Minha cabeça inclina para trás em surpresa. As palavras são tão simples, mas enquanto ele está aqui, seu olhar nunca deixando o meu, sei que o significado por trás delas não é. Não tenho ideia de como responder. “Sinto muito sobre como tudo isso aconteceu”, ele diz suavemente. “Eu sei que quer estar no controle de como Etta conhece minha família.” “Não é só isso”, respondo. Quero gritar de frustração, mas seu comentário anterior me deixa sem vontade para isso. “Minha irmã”, digo engasgando um pouco. “Nós viemos aqui para que ela pudesse se sentir segura. Como se sente tendo que lidar com estranhos depois dos últimos dias? Como acha que eu me sinto?” “Eu sei.” Ele concorda sombriamente. “Eu sei. Eu sinto muito.” “Eu estou-” Balanço a cabeça, recusando-me a terminar o pensamento como todas as emoções dos últimos dias e minha garganta parece estar se fechando. É por isso que não quero discutir nada. É por isso que prefiro pensar na minha raiva até

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que ela finalmente desapareça. E sei que vai desaparecer; sempre acontece. Mesmo que nunca vá embora completamente, tornou-se administrável. “O que?” Trevor pergunta, vindo para mim. “Você está o que?” “Estou com raiva”, cerro os dentes, incapaz de evitar que as lágrimas enchem meus olhos. “Estou com muita raiva.” Ele passa os braços em volta de mim, mas estou muito ocupada tentando me controlar para retribuir o abraço. Estou tremendo quando sua mão começa a esfregar minhas costas suavemente, para cima e para baixo em longos movimentos. “Eles a morderam”, digo, incapaz de afastar a descrença da minha voz. “Eles a queimaram e eles a morderam e depois a colocaram na cama como se não fosse nada.” Trevor faz um som de dor na garganta, mas não fala. “Como alguém faz isso com outro ser humano? Como você deixa marcas em alguém sem remorso?” “Eu não sei”, diz ele. “O médico disse que ela teve sorte por não haver estupro”, sussurro. “Sorte. Você acredita nisso?” Trevor não responde. Ele apenas continua a me segurar enquanto eu tremo com raiva reprimida. É demais. Tudo isso é muito. Minha irmã e eu passamos por tanta porcaria quando éramos crianças, primeiro quando vivíamos com nosso desastre de mãe e depois com uma série de famílias adotivas, que é hora de termos tudo fácil. Não é? Quer dizer, isso é pedir muito? Por que diabos certas pessoas tem uma vida tão fácil quando o resto de nós tem que lutar por cada pedaço de felicidade que pudermos agarrar? E então, quando a vida está

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pronta para nos dar algo bom, por que é tão difícil para os que não têm apenas aceitá-la? Por que estou nos braços de um homem que me importo, alguém que me perdoou por tratá-lo como porcaria, e não posso nem mesmo abraçá-lo de volta? Não posso me forçar a fazer isso. Eu apenas fico aqui, deixando-o tentar me acalmar, e o tempo todo me repreendo e a minha vida e cada pessoa que me decepcionou. “O que precisa?” Ele pergunta, segurando-me mais apertado. “Diga o que precisa de mim.” Suas palavras só me deixam mais irritada. Não sei o que preciso. Ele não pode ver isso? Ele não pode ver que eu não tenho ideia do que fazer? “Eu não preciso de nada”, digo suavemente depois de algumas palavras de silêncio. “Sim, você precisa.” “Não. Estou bem.” “Não, você não está.” “Eu estou.” “Morgan”, ele diz teimosamente. “Diga o que precisa de mim.” “Eu não preciso de nada de você”, respondo, minha própria teimosia mais do que um jogo para ele. Afasto-me, mas me recuso a encontrar seu olhar. “Eu posso ver em seu rosto, baby”, diz ele. “Você me ligou por um motivo.” “Você é a única pessoa que conheço que mora perto.”

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“Besteira”, ele responde antes mesmo de eu terminar a minha sentença. “O que quer que eu diga?” Praticamente grito, jogando as mãos no ar em frustração. “Diga-me o que precisa!” Ele responde. Seu tom é igualmente frustrado, mas ele nunca levanta a voz. Olho-o silenciosamente. Trevor suspira e usa uma mão para esfregar os olhos como se estivesse cansado. Ele dá um passo para trás, mas antes que qualquer um de nós possa sair da varanda, somos distraídos com o som de um carro vindo pela entrada de cascalho.

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CAPÍTULO 15 Trevor

Senti como se estivéssemos quase lá, como se estivéssemos quase no ponto em que ela poderia forçar-se a ir além do superficial e me dizer algo real. Estou começando a perceber que é mais fácil para Morgan pedir ajuda quando ela não é a pessoa necessitada, mas no minuto em que suas necessidades entram na equação, ela afasta-se. Agora, porém, qualquer tipo de avanço está completamente fora da mesa. Morgan está imóvel ao meu lado quando minha mãe para e sai do carro. “Morgan?” Mamãe diz surpresa, suas sobrancelhas quase alcançando a linha do cabelo quando ela se aproxima da varanda. “O que está fazendo aqui?” Não foi o tom de sua voz que me atingiu, e não é sua linguagem corporal ou o fato de que alguém deve ter dito a ela que eu tinha convidados antes dela chegar. Foram as palavras que usou. Ela não disse, “Eu não sabia que estava aqui”, ou “Quando chegou?” Ela perguntou especificamente por que Morgan está em minha casa, e isso não combina comigo. “O que você está fazendo calmamente, devolvendo a pergunta.

aqui,

mãe?”

Pergunto

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“Oh, eu estava dando uma volta”, ela responde sem jeito, fazendo um movimento estranho com as mãos. “Eu queria conhecer seu novo cachorrinho.” Viro para procurar por Koda, que ignorei completamente durante minha conversa com Morgan, e o encontro desmaiado no tapete de boas-vindas. “Ele está aqui”, digo, levantando-o em meus braços. Desço os degraus antes que minha mãe possa chegar mais perto e entrego a ela o filhote sonolento. “Oh, ele é fofo”, diz ela, puxando-o contra o peito. “Você o conseguiu dos Mallorys?” “Sim, a última ninhada”, respondo. Não entendo por que estamos com essa conversa sem sentido quando ambos sabemos que Koda não é o motivo dela ter vindo, mas deixo isso de lado. Quanto mais a observo, mais sinto seu nervosismo e não quero piorar. Quando a porta de tela range atrás de mim, a cabeça de mamãe se ergue para olhar por cima do meu ombro. “Etta está aqui também?” Ela pergunta a Morgan, impedindo sua fuga. “Sim”, responde Morgan. Sua voz é rouca, mas quaisquer vestígios emocionais da nossa conversa anterior desapareceram. “Ela pode sair por alguns minutos?” Mamãe pergunta esperançosa, dando um pequeno sorriso para Morgan. “Ela está dormindo”, Morgan responde rapidamente. Por mais irritante que minha mãe seja, a decepção em seu rosto ainda é difícil de ver. Antes de pensar, viro para Morgan. “Talvez ela não tenha dormido ainda”, digo.

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Imediatamente sei que estraguei tudo, mas não conserto meu erro. Eu nunca consegui ver algo perturbar minha mãe sem tentar consertar. Então, como um idiota, encontro o olhar de Morgan e espero por uma resposta. “Eu posso verificar”, ela responde. Ela se vira e entra na casa sem outra palavra. “Por que ela está aqui, Trevor?” Minha mãe pergunta assim que Morgan desaparece. “Você não me disse que ela estava vindo para o Oregon.” “Ela não está aqui para uma visita, mãe.” “Bem, ela está visitando você”, aborrecida. “Você poderia pelo menos me avisar.”

ela responde,

“Ela não queria que soubesse”, digo, instantaneamente lamentando minhas palavras quando percebi como saíram. “Só quero dizer que ela está indo para casa em breve, mãe. Ela veio buscar a irmã...” “Por quê? Não é o meio do semestre?” Ela interrompe. Não tenho a chance de sair do buraco que cavei para mim quando Morgan volta sem Etta. “Desculpe”, dormindo.”

ela

diz

desconfortavelmente. “Ela

está

Minha mãe suspira alto o suficiente apenas para eu ouvir, mas assente em compreensão. “Bem, tudo bem então”, diz ela. Odeio que ela esteja chateada. Sei que deve estar matando-a estar tão perto da neta sem poder vê-la e, sinceramente, não entendo por que Morgan não acordou o bebê. Não é como se minha família tivesse muitas chances de ver Etta. Acordá-la uma vez para que ela pudesse conversar um

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pouco não causaria nenhum tipo de dano à sua rotina. Inferno, eu não tenho certeza se Etta tem rotina. “Talvez da próxima vez”, Morgan diz gentilmente. “Claro”, minha mãe responde, seus lábios tremendo um pouco quando sorri de volta. “Vou ligar amanhã e ver se podemos organizar algo.” Ela rigidamente entrega Koda para mim e beija minha bochecha quando me inclino para oferecê-la. Então ela entra em seu carro e vai embora. “Morgan”, chamo, tentando pegá-la enquanto ela volta para dentro da casa. “Eu vou para a cama”, diz ela por cima do ombro, não diminuindo a velocidade por um segundo. “Deixe-me colocar o cachorro em seu lugar e então—” O som quieto do fechamento de porta de um quarto interrompe minhas palavras. * * * Cedo na manhã seguinte acordo com sons de pessoas andando por minha casa. É um cenário que nunca aconteceu antes, e fico por um tempo curtindo o som antes de me levantar. Gosto de ter pessoas em casa. De vez em quando, Shane e Kate vem nos visitar, mas nunca passam a noite na minha casa. É mais fácil para eles ficar com os velhos para que os avós possam ter o máximo de tempo possível com as crianças. “Bom dia, Trevor”, diz Miranda enquanto caminho para a cafeteira. “Obrigada por nos deixar ficar na noite passada.” “Claro”, respondo, dando-lhe um sorriso.

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A irmã de Morgan ainda está pálida, e tem um postura que vi em muitas crianças adotivas quando estavam com meus pais, mas ela parece mais descansada do que no dia anterior. Não posso imaginar a dor que ela deveria estar, tanto física quanto emocional, mas espero que tenha dormido um pouco. “Querem fazer alguma coisa hoje?” Pergunto, tomando um gole de café fraco e tentando não fazer cara de como é nojento. “Tenho todos os canais de filmes, se quiser apenas ficar no sofá, mas também há muitas trilhas na propriedade, se sentir vontade de dar um passeio.” Miranda levanta a mão para impedir minha conversa. “Acho que estamos indo para casa em breve”, diz ela, desculpando-se. “Oh.” Minha boca fecha e olho para o corredor em direção a onde sei que Morgan e Etta estão. “Provavelmente é hora de eu ir ver meu pai”, diz Miranda. “Ele deve estar pensando por que Morgan arrastou o traseiro para o Oregon e se não lhe dissermos algo em breve, ele estará a caminho daqui.” “Você pode ligar para ele”, respondo, derramando meu café na pia. “Eu acho que ele provavelmente prefere ter essa conversa pessoalmente”, ela diz calmamente. “Você não?” Paro com minhas mãos em cima da cafeteira. “Sim.” Eu me viro e concordo. “Você está certa.” “Mas obrigada”, diz Miranda novamente. “Por tudo que fez ontem e por nos deixar ficar em sua casa.” “Você é bem-vinda aqui a qualquer hora”, digo a ela, completamente sério. “Sempre que quiser visitar, caminhar na

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floresta, pescar ou simplesmente fugir por um tempo – você tem um lugar aqui.” “Você é gente boa”, ela responde, inclinando a cabeça para o lado. “Sabe disso?” “Eu tento.” Morgan vem pelo corredor carregando Etta e sua bolsa, e minha conversa com Miranda de repente acaba. “Twevo!” Etta diz alegremente, chutando as pernas para descer. Assim que ela está no chão, ela corre para mim e envolve seus bracinhos em volta da minha perna. “Koda?” “Ele está lá fora”, respondo, passando a mão sobre seu cabelo sedoso. “Você quer ir vê-lo?” “Precisamos ir muito em breve”, diz Morgan, reajustando a bolsa pendurada em seu ombro. Quando nossos olhos se encontram, porém, ela cede. “Mas você pode ir vê-lo por alguns minutos”, ela diz a Etta. “Apenas alguns minutos.” Balanço a cabeça em compreensão e levo Etta pela porta dos fundos para onde a casa temporária de Koda está. À noite, ele dormia na sala de casacos numa enorme cama de cachorro que eu imaginei que ele eventualmente irá entrar, mas durante o dia tem uma área cercada com uma casa e alguns brinquedos. Em algum momento ele terá idade suficiente para andar onde quiser, mas enquanto ele é jovem não vou arriscar que se perca ou morra por um predador na floresta. Etta tagarela sem parar, assim que deixo Koda sair para brincar com ela, no entanto, minha atenção rapidamente se divide entre ela e a janela aberta da cozinha quando ouço as mulheres começarem a falar. Elas não devem saber que a janela está bem ao lado do cercado de Koda. Sou o assunto da conversa, então não sinto um pingo de remorso por espionar.

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“Por que estamos saindo agora?” Miranda pergunta. “Porque papai vai perder a cabeça...” “Ele não tem ideia do que está acontecendo, Mor. Tenho certeza que ele pode esperar mais alguns dias para descobrir.” “Não podemos simplesmente ficar aqui.” “Por que não? Ele nos convidou.” “Apenas deixe isso, Ranna, ok?” “Não. Isso é uma porcaria. Eu gosto daqui e não tenho pressa em contar ao pai por que estou saindo da faculdade.” “Sabe que ele vai entender. Você faculdade em Sacramento.”

pode

terminar

a

“Esse não é o ponto e sabe disso.” “Sinto muito que você não queira ir para casa ainda”, diz Morgan. “Mas não quero mais ficar aqui. Talvez possamos encontrar um hotel no caminho e parar por alguns dias ou algo assim.” “Por que não quer ficar aqui? Deus, chata. Trevor praticamente adora você...”

você

é

tão

“Não, ele não adora”, Morgan interrompe sem rodeios. “E não temos dinheiro para simplesmente ficar num hotel”, Miranda continua como se ela não tivesse falado. “Apenas esqueça isso, por favor.” “Isso é besteira”, Miranda murmura tão baixinho que quase não a ouço. “Você está tratando aquele cara como lixo.” “Não, eu não estou.” “Sim, Morgan”, ela retruca. “Você está.”

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Tudo fica em silêncio então. “Twevo”, Etta chama. “Twevo, Koda xixi.” “Oh, sim”, respondo, caminhando para buscá-la para que ela não siga o filhote de cachorro que faz xixi. “Ele não é muito bom nisso ainda.” Observamos enquanto ele faz xixi em si mesmo, recusando-se a parar em sua exploração do lado da casa tempo suficiente para levantar a perna. “Eu acho que ele precisa de um banho”, digo a Etta. “Koda não gosta de banhos.” “Tenho certeza que ele gosta. Você não gosta de banhos?” “Eu não gosto de banhos”, Etta responde, balançando a cabeça. “Vamos colocá-lo de volta em seu cercado por enquanto”, digo, meus lábios curvando. Nós passamos os próximos minutos chamando e persuadindo Koda até a cerca, e depois disso elogiando-o por ouvir. Então, antes que eu estivesse pronto, Morgan sai pela porta dos fundos para pegar Etta. “Hora de ir, baby”, diz ela. “Eu não vou”, Etta argumenta. “Você não quer ver o vovô?” “Não.” Morgan suspira. “Desculpe, bonequinha. Nós precisamos ir para casa.” “Não”, Etta diz, franzindo o rosto em aborrecimento.

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“Sim”, responde Morgan, vindo puxar uma Etta infeliz do meu braço. “Mas a tia Ranna vem conosco. Talvez podemos comprar alguns lanches, o que acha?” “Não”, Etta diz novamente, embora um pouco menos inflexível desta vez. “Você pode dizer adeus ao tio Trevor?” Morgan pergunta. Eu fico surpreso, mas não demonstro. Ela nunca se referiu a mim como “tio” antes. “Tchau”, Etta diz com rebeldia. “Tchau, Henrietta”, respondo, inclino-me para a frente e dou-lhe um beijo no rosto, certificando-me que a minha barba faz cócegas ao longo do seu queixo. Etta dá uma risadinha, dando a resposta que esperava. “Eu vou levá-la até a frente”, digo a Morgan. Então, todas as coisas passam pela minha cabeça quando seguimos ao redor da casa. Quero perguntar por que ela está com tanta pressa para ir embora. Quero saber se ouvirei sobre ela ou se meu telefone vai ficar em silêncio mais uma vez, se o fato dela ter ligado quando precisou de mim realmente significou alguma coisa. Quero dizer a ela que lamento estar do lado de minha mãe na noite anterior, que sei que estraguei tudo, que a amo, que sinto falta dela e que ela ainda não foi embora, que não consigo mais imaginar minha vida sem ela e Etta. Em vez disso, eu a acompanho até o carro e abro a porta de Etta para que Morgan possa colocá-la em seu assento. Descanso meus dedos contra a janela de Miranda num silencioso adeus, e sorrio quando ela bate com o punho através do vidro. Finalmente, quando Morgan entra em seu carro, eu digo a única coisa que posso. A única coisa que é segura. Três

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palavras que em que espero incluir tudo o que estou sentindo e tudo que sei que ela não está pronta para ouvir. “Dirija com segurança”, ordeno, recuando do carro. Com um aceno de cabeça, ela coloca o carro no sentido inverso e se vira, deixando-me ali na calçada. * * * “Ela ligou?” Bram pergunta no jantar de sexta-feira à noite, uma semana depois. “Não”, respondo sem rodeios. “Não desde que mandou uma mensagem para me avisar que chegaram em segurança.” “Bem, pelo menos ela fez isso.” “Eu acho.” “Cara, precisa resolver essa merda”, diz ele, balançando a cabeça em decepção. “Você acha que não estou tentando?” Respondo. “Sinto que estou pisando em ovos.” “Bem”, ele diz, como se fosse a coisa mais fácil do mundo. “Apenas pise neles.” “O que?” “Se você se sentir cauteloso perto dela, pare de fazer isso.” “Há mais do que isso”, grito, abrindo minha cerveja. Tomo um longo gole e encosto ao parapeito da varanda dos fundos da casa dos meus pais. “Se eu jogar errado, ela desaparece e é minha culpa que não podemos ver Etta.” “Oh, vamos lá, Trev”, responde ele. “Isso é fraco.”

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“Não, é prático.” “Não. É fraco.” Ele balança a cabeça para mim. “Trev, e se ela fosse assim? Você não estaria todo interessado. Você está usando isso como desculpa, cara. Uma bela desculpa.” “Ela tem sido muito clara sobre como se sente.” “Ela tem?” Ele pergunta. “Mesmo? Porque o que vi foi ela te chamando quando estava chateada, e depois se escondendo em sua casa durante a noite. Eu a vi te observando enquanto estávamos saindo. Ela não estava dizendo muito, mas caramba, ela estava observando.” “Ela foi embora”, respondo, encolhendo os ombros numa tentativa de esconder o quanto isso me incomoda. “Ela não quer ficar comigo.” “Ou talvez você não queira ficar com ela”, Bram responde, balançando a cabeça. “Parece-me que vocês dois são muito teimosos para resolver isso.” Abro a boca para argumentar, mas ele levanta a mão num gesto para eu ficar quieto. “Nós podemos jogar este jogo a noite toda, mas não sou uma mulher fodida, e não quero falar sobre seus sentimentos”, diz ele sem rodeios. “O que isso está dizendo? Você prefere estar certo ou ser feliz? Eu acho que essa é a questão. Você quer ficar aqui seguro no fato de que ela foi embora e você é a pessoa ferida, ou quer ir e dar o primeiro passo para consertar isso? Você decide.” Ele caminha de volta para a casa, mas fico do lado de fora por um tempo, pensando sobre o que ele disse. Passei a maior parte da minha vida tentando me certificar de que as pessoas ao meu redor estavam confortáveis. Naquele momento, isto estava tão impregnado na minha personalidade que não tenho certeza

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se posso mudar isso. Quando Morgan foi embora, eu não discuti. Isso era o que ela queria, então a deixei ir. Isso torna as coisas mais fáceis para mim, se for totalmente honesto comigo mesmo. Se Morgan está tomando essa decisão, então não preciso lidar com a culpa que a amar me causa. Não preciso me preocupar com a reação dos meus pais ou como nosso relacionamento será para todos os outros. No entanto, com o passar do tempo, percebi o que é uma desculpa para ‘deixá-la ir’. Há uma diferença entre ser arrogante e mostrar a alguém que se importava com eles. Estou tão preocupado com o primeiro que começo a pensar que negligenciei o segundo. Quando meu pai enfia a cabeça pela porta para me avisar que o jantar está pronto, viro e entro na casa ainda pensando sobre as coisas. “Devemos começar a jantar em sua casa novamente”, minha mãe diz à minha tia enquanto servimos nossa comida. “Sei que está tentando tornar as coisas mais fáceis para mim por um tempo, mas estamos apertados em torno desta mesa.” “Tudo bem para mim”, responde tia Liz, sorrindo. “Acho que Kate vai trazer as crianças em breve e vamos precisar de espaço extra.” “Oh sim?” Minha mãe sorri de volta, mas não alcança seus olhos. “Isso será legal. Shane não disse uma palavra sobre isso.” “Acho que decidiram hoje”, diz tia Liz. “Tenho certeza que ele vai ligar para você hoje à noite.” “Provavelmente.” Ani me dá uma cotovelada no lado. “Se Shane mesmo sabe que isso vai acontecer”, ela murmura para mim baixinho. “A

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última vez que ouvi, ele esteve treinando a maior parte do mês, então duvido que saiba.” “É bom que Katie é tão boa em trazer as crianças para as visitas”, diz minha mãe. “E que ela permite que veja as crianças quando está aqui.” Ela coloca um pedaço de comida em sua boca com um revirar de olhos, e os músculos das minhas costas e pescoço instantaneamente tensionam enquanto espero para ver onde ela vai com seus comentários. “Por que ela não iria?” Pergunta tia Liz. “Exatamente”, minha mãe responde. “Parece que, se estivesse na vizinhança, pelo menos deixaria seus filhos visitarem os avós.” “Isso é ridículo”, minha tia diz, balançando a cabeça em desgosto. “Especialmente quando ela está na propriedade.” “Ela tem um nome”, digo friamente. “É Morgan.” “Trevor”, Ani diz baixinho, tentando me acalmar. “Nós sabemos o nome dela”, mamãe responde. “Bem, então por que não o usa?” Pergunto, minhas palavras um pouco mais afiadas. “O que te deixa tão perturbado?” Pergunta mamãe, franzindo o nariz em confusão. “Você conseguiu ver Henrietta enquanto ela estava aqui.” “Não faça isso”, Ani adverte em voz baixa, batendo o pé contra o meu debaixo da mesa. “Seria um pouco difícil não vê-la quando ela estava em minha casa.” “Sim, o que foi aquilo?” Pergunta tia Liz.

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“Não é da nossa conta, Lizzie”, meu tio Dan diz em voz baixa quando estende a mão para toca a da minha tia na mesa. “O que não é da sua conta?” Minha mãe pergunta, olhando ao redor da mesa. “O que estou perdendo aqui?” Ela olha para meu pai, mas ele não diz uma palavra. “O que?” Ela finalmente me pergunta diretamente. “É sobre o que está acontecendo com vocês dois?” Não respondo. Eu não posso. Eu nem sei se há mais alguma coisa entre Morgan e eu. Não estou prestes a discutir com minha mãe sobre algo que pode ou não acontecer. “Você obviamente percebe que foi uma má ideia”, minha mãe diz, zombando. “Eu pude dizer pelo jeito que ela parou de aparecer na conversa.” Eu realmente tento manter minha boca fechada. Cerro os dentes e fecho as mãos sobre as coxas num esforço de esquecer sua observação. No final, porém, simplesmente não consigo me conter. “Na verdade”, eu digo, respirando fundo. “Se alguém decidiu isso, foi ela. Se dependesse de mim, ela teria meu anel no dedo.” A mesa fica completamente em silêncio por cerca de dois segundos, e então todo o inferno se solta. Bram começa a rir, Ani deixa cair a cabeça entre as mãos como se não pudesse acreditar no que eu disse, minha mãe e minha tia estão conversando sobre o que diabos estou pensando, e tio Dan está tentando calar minha tia. Mas quando olho para meu pai, ele não se incomoda nem um pouco. Seus lábios estão curvados para cima apenas ligeiramente de um lado quando ele me olha, sem um pingo de surpresa.

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Sei que as palavras foram explosivas. Também sei que foram prematuras. Eu teria que convencer a mulher a falar comigo se eu fosse propor casamento. No entanto, não sei de nenhuma outra maneira de tornar a seriedade da minha posição mais clara. Se dependesse de mim, Morgan e eu estaríamos juntos. Nós seríamos uma família. “Essa mulher”, minha mãe começa. “Cuidado agora”, papai avisa, seu queixo levantando. “Mike”, minha mãe diz surpresa. Observo ansiosamente enquanto meu pai engole e coloca o garfo na mesa. “O garoto deixou suas intenções mais do que claras”, diz papai baixinho, seu olhar nunca deixando minha mãe. “E não o criei para deixar qualquer mulher ser desrespeitada, especialmente uma mulher com quem ele se importa. Eu sei que está chateada, Eleanor, mas tenha cuidado com o que diz.” As bochechas da minha mãe ficam avermelhadas e sua boca se aperta de raiva. “Por que diabos acha que isso é apropriado?” Ela pergunta ao meu pai com desgosto. “Por que você acha que não é?” Papai responde. Tudo fica em silêncio depois de suas palavras de aceitação, e sinto como se pudesse respirar fundo pela primeira vez em meses. Meus pais raramente brigam. Às vezes, quando eu era criança, eu os ouvia discutindo calmamente depois que todas as crianças estavam na cama, mas na manhã seguinte tudo já estava resolvido. Eles não têm rancor e normalmente não discordam de nada importante. Nunca eles discutiram na frente dos outros.

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“Chega”, digo, mal levantando a voz. Tanto quanto amo meu pai me defender, não posso mais assistir. Minha mãe e pai se viram para mim surpresos. “Eu agradeço”, digo ao meu pai com um aceno de cabeça. “Mas isso não está em discussão.” Minha mãe começa a balbuciar e apenas balanço a cabeça. “Eu me preocupo com sua opinião”, digo, encontrando os lindos olhos azuis que amei desde o momento em que os vi. “Mas, neste caso, não é sua decisão.” “Ela era a namorada do seu irmão-” “Ela não era nada dele”, interrompo com os dentes cerrados, sem vontade de deixá-la usar esse argumento. Raiva me domina como uma onda de maré. “E ele deixou ela e sua filha desamparadas.” “Você não tem ideia do que aconteceu entre os dois”, ela responde teimosamente. “Eu sei mais do que você”, respondo. “Eu sei o suficiente.” “O suficiente para te fazer pensar que está tudo bem—” “Mãe”, digo, interrompendo-a. “Henry a deixou!” Minhas mãos estão úmidas e a parte de trás do meu pescoço está quente. Meu estômago está se revirando de náusea, mas não consigo parar as palavras fluindo da minha boca. “Se eu deveria mostrar algum tipo de lealdade a Hen por não amar a mãe de sua filha, então acho que sou um irmão de merda. Eu gostaria de dizer que se Hen estivesse aqui, eu lhe diria a mesma coisa, mas vamos ser honestos. Se Hen estivesse aqui, nem saberíamos sobre Etta ou Morgan.”

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“Como se atreve a falar sobre seu irmão desse jeito”, minha mãe responde irritada, lágrimas enchendo seus olhos. “Saia da minha casa.” Minha cabeça inclina para trás com o veneno em suas palavras. “Eleanor”, meu pai repreende. “Ok”, digo, completamente quebrado e ainda praticamente vibrando de raiva. Lentamente empurro minha cadeira para trás e me levanto. “Avise quando eu for bem-vindo novamente.” Meu pai chama meu nome enquanto caminho em direção à porta da frente, mas não paro. Não posso parar. No minuto em que saio, vomito tudo o que comi naquele dia nos arbustos de hortênsia ao lado da varanda da frente. Tremendo, entro no meu veículo de quatro rodas e vou para minha casa. Quando chego lá, tenho duas mensagens de texto no meu celular. Ani: Avise se precisar conversar. Bram: Estava na hora. * * * “Ok”, Ani anuncia, empurrando a porta da frente sem bater na tarde de domingo. “Eu te dei o sábado inteiro para sofrer sem ajuda.” “Obrigado”, resmungo, recostando-me contra o sofá enquanto aperto Koda dormindo mais firmemente contra o meu lado. “Bom para você.” “Esse não é você”, ela retruca, jogando o celular para mim. Eu me esquivo a tempo e bate no braço do sofá ao meu lado. “Eu liguei para você quatro vezes.” “Não senti vontade de falar.”

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“Você terminou.” “O quê?” Ela para entre mim e a mesa de centro e coloca as mãos nos quadris, parecendo um pouco como uma fada irritada prestes a levantar voo. “Você”, ela diz com firmeza, “vai levantar essa bunda, tomar um banho e arrumar a porra de uma mala.” Eu ignoro a ordem enquanto tomo outro gole da minha cerveja. “Você ficou tão preocupado com o que todo mundo pensaria”, diz ela, chutando meu pé descalço com a bota. “Bem, já foi tudo revelado agora. Você não tem mais desculpas. Arrume suas coisas e vá para o sul.” “Você está esquecendo um pequeno detalhe”, argumento. “Morgan não está interessada.” Ela chuta meu outro pé em frustração, fazendo-me gritar. “Cala a boca”, ela responde. “Aquela mulher totalmente perdida por você. Vire homem e vá buscá-la.”

está

“Você passa muito tempo com Bram.” “Você está certo, eu passo”, diz ela presunçosamente. “Porque ele continuou voltando mesmo quando a merda ficou difícil. E agora olhe para nós, somos a imagem da maldita felicidade doméstica.” “Oh, sim”, sorrio. “Vocês são praticamente os Waltons.” “Trevor”, diz ela em aviso. “Se não se levantar e lavar o fedor em você, vou arrastar a mangueira até aqui.”

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“Eu vou”, respondo, ficando de pé. “Você pode colocar o filhote em seu canil para que ele não suje a casa enquanto eu estiver lá?” “Não se preocupe em tentar me colocar para fora”, diz ela, pegando o cachorro. “Tenho uma chave.” “Eu sabia que era uma má ideia”, murmuro baixo enquanto eu me arrasto em direção ao banheiro. Estive sentado em casa, não respondendo a nenhuma ligação ou mensagem, desde que saí da casa dos meus pais na noite de sexta-feira. Minha família tem boas intenções, mas não tive energia ou inclinação para conversar com eles. Tenho certeza de que a fábrica de boatos da família está correndo solta, e não estou realmente interessado em abastecê-la. Se minha mãe ligasse, eu teria atendido. Ela não ligou. Respiro fundo quando entro no chuveiro e ligo a água. Ela está chateada, claramente, mas não sei como consertar isso, e nem tenho certeza se quero. Ainda não. Passei a vida inteira tentando agradá-la, mas não posso mexer com esse assunto e isso está me destruindo. Sinto como se estivesse sendo puxado em direções opostas. Se for para um lado, posso potencialmente conseguir tudo o que quis em toda minha vida adulta. Se escolher escolhesse a outra direção, posso consertar a fenda entre mim e a mulher que foi minha campeã desde os sete anos de idade. A decisão parece impossível. Deixo a água correr por minha cabeça e peito enquanto penso em Morgan. Ela esteve em silêncio desde que voltou a Sacramento. Espero que seja porque ela está muito ocupada ajudando sua irmã a se estabelecer, mas tenho certeza que não é o caso.

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Se a uma coisa que aprendi sobre relacionamentos na minha vida, foi que você arranja tempo para as pessoas com quem se importa. Não importa o que está acontecendo em sua vida – se tem um segundo livre, fará contato. Eu não consegui isso de Morgan. Agora, Bram e Ani estão me empurrando para ir atrás dela, e tenho certeza que será um erro. Em que ponto ir atrás dela me faz um fodido perseguidor? No momento em que saio do banho, ainda não cheguei a uma decisão. “Eu arrumei sua mala”, Ani anuncia quando saio do banheiro com uma toalha em volta dos quadris. “Jesus, cubrase, por favor?” “Você está no meu quarto”, respondo sem rodeios, pegando uma cueca e jeans da primeira gaveta da cômoda. “Saia para que eu possa me vestir.” Ela sai pela porta, mas a deixa um pouco aberta, então ainda posso ouvi-la. “Se sair agora, pode estar lá de manhã”, diz ela. “Eu vou cuidar do filhote.” “Sou um motorista de merda quando estou cansado.” “Então é uma coisa boa que está deitado desde a noite de sexta-feira”, ela responde. “Além disso, a adrenalina vai mantê-lo bem acordado.” “Por que está tão envolvida nisso?” Pergunto, abrindo a porta assim que me visto. “Por que está pressionando tanto?” Ani fica surpresa por um momento antes de encolher os ombros. “Eu quero que seja feliz”, ela diz simplesmente. “É a sua vez.”

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“Pode não ser o final feliz que está esperando”, respondo, jogando o braço em volta de seus ombros. “Final feliz”, ela ri, acotovelando-me no lado. Então ela fica séria. “Se voltar com o coração partido, vou a Liz para cuidar da Arie, e o Bram e eu viremos e ficaremos bêbados com você. Que tal?” “Parece bom”, respondo. Quando chegamos à frente da casa, encontro uma mala cheia no sofá. “Coloquei cada peça de verão que pude encontrar lá”, Ani diz calmamente. “Não tenho certeza se alguma delas combina, mas não vai morrer de insolação.” “Obrigado.” Olho ao redor da casa, analisando tudo o que preciso fazer antes de sair. A cozinha está uma bagunça, a maioria das janelas está aberta e minha sala de estar parece que um tornado de batatas fritas e refrigerante passou por ali. “Eu vou limpar”, diz Ani, empurrando a mala para mim. “Não precisa fazer isso.” “É uma oferta única, então aproveite”, responde. “Vá, antes que perca a coragem.” Em poucos minutos, despedi-me de Koda e estou me afastando de casa. é estranho, mas a cada quilometro mais longe da minha casa e mais perto de Morgan, em vez de me deixar nervoso, fico cada vez mais certo de estar fazendo a coisa certa.

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CAPÍTULO 16 Morgan

“Está brincando comigo, Ranna?” Digo irritada, olhando ao redor da sala onde ela guardou suas coisas. Tudo se foi, suas roupas, suas coisas escolares, tudo. “Eu vou te matar”, murmuro baixinho. Vou para a cozinha e pego meu telefone da mesa, ligando para ela pela quinta vez desde que acordei vinte minutos atrás e percebi que ela se foi. Eu sabia que ela estava se sentindo presa desde que chegou à casa do pai, mas não imaginava que simplesmente sairia sem dizer uma palavra. Ela é adulta, eu sei disso, mas sabe que papai e eu ficaríamos preocupados. “Miranda”, falo através dos dentes quando a ligação vai para o correio de voz novamente. “Onde diabos você está? Se não me ligar de volta, vou ligar para os meninos e dizer-lhes para começarem a te procurar.” Desligo com um aperto cruel do botão FIM e jogo meu telefone de volta na mesa. Se fosse qualquer outra pessoa, teria dito que ligaria para a polícia, mas não posso fazer isso com minha irmã. Dizer a ela que enviarei o grupo de amigos do meu pai atrás dela terá que ser o suficiente. A vida de papai assumiu um tom completamente diferente desde que cheguei com Miranda a reboque. Etta e eu estávamos felizes antes, quase despreocupadas ao nos estabelecer e consegui encontrar um bom trabalho rapidamente. Uma vez que Miranda foi adicionada à equação, porém, as coisas se tornaram

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muito mais difíceis. Estou tão preocupada ultimamente que ela me acusou de sufocá-la. Ela está mal-humorada, ranzinza, e embora entenda completamente, seu humor ainda deixa todos no limite. Papai ficou lívido quando ela explicou o que aconteceu, e praticamente se junta a nós quando não está trabalhando em vez de ficar com seus amigos como normalmente faria. Desde que perdi minha posição na loja porque saí sem aviso, isso significa que estamos todos no mesmo lugar. Constantemente. Começamos a brigar e discutir sobre coisas estúpidas. Etta sentiu a tensão e está mais difícil que o normal, o polegar raramente deixando sua boca. Francamente, não tenho certeza de quanto tempo viveremos juntos. Não imaginei por um segundo que Miranda iria embora, no entanto. Não tenho ideia de como ela foi embora, considerando que não tem carro. Girando ao redor, tento ver se ela escondeu suas coisas em algum lugar da casa, mas não encontro nada quando ouço Etta conversando no seu berço dez minutos depois. “Você está acordada”, digo alegremente para Etta, apesar de estar silenciosamente furiosa. “Você dormiu bem?” “Sim”, Etta responde, colocando a cabeça no meu ombro enquanto a pego do berço. “Bom Deus”, eu brinco. “Você está ficando grande demais para levantar.” “Não, eu não”, ela argumenta, envolvendo as pernas em meus quadris. Essa é outra coisa que comecei a notar. Em vez de Etta insistir que é uma menina grande o tempo todo, ela começou a sugerir o oposto. Às vezes preciso fazer com que meu pai a

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distraia para poder ter alguns minutos para mim no pátio dos fundos. “Você está certa”, digo baixinho, beijando a cabeça dela. “Você ainda é meu bebê.” Não a discussão da minha atrevida criança de dois anos. Troco a fralda e jogo a suja no balde cheio de fraldas enquanto seguro a respiração. Não tenho certeza do porquê, mas estou ficando ainda menos organizada com a casa do que quando trabalhava em tempo integral. Tudo está bagunçado, as fraldas precisam ser lavadas e tenho certeza de que não tomei banho em três dias. “Tia Wanna?” Etta pergunta enquanto a levo para a cozinha. “Eu não tenho certeza de onde tia Ranna está”, respondo, me forçando a parecer alegre. “Talvez ela tenha ido à loja.” Estou pegando um cereal para Etta quando meu telefone toca. Eu atendo antes que possa tocar novamente. “Alô?” “Não enlouqueça”, diz Olly, sem sequer se importar com uma saudação. “Por que eu iria enlouquecer?” Pergunto lentamente, olhando por cima do ombro para Etta. Ela está me observando, sua boca entreaberta e o polegar preso na bochecha. “Recebi uma ligação de manhã de Frank...” Sei o que ele vai dizer antes mesmo de terminar a frase, mas mal consigo acreditar. “Ele disse que não vai vir esta semana porque está fazendo uma viagem pela costa.”

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“Filho da puta”, murmuro, olhando para a pia cheia de pratos sujos. “Miranda está com ele, não está?” “Foi o que disse”, responde Olly. “Eu percebi que não sabia, já que seu pai não mencionou.” “Não”, digo, sorrindo para Etta quando passo por ela para sair da cozinha. Assim que saio o suficiente no corredor, continuo. “Ela saiu sem uma palavra do caralho.” “Bem, pelo menos sabe que ela está com Frank.” “Isso não exatamente me enche de conforto”, respondo. Confio em Frank com minha vida. Ele é praticamente da família, e sei que intencionalmente nunca deixaria qualquer coisa acontecer com Miranda. No entanto, a história deles é um show de merda, e não consigo pensar em nada pior para ela no momento do que ficar aconchegada na parte de trás de sua moto por dias. “Ele vai cuidar dela”, diz Olly. “Oh, sim”, respondo sarcasticamente. “Tenho certeza que vai.” Olly ri. “Acalme-se, mamãe urso”, diz ele. “Tenho certeza que ela vai ficar bem.” Ele não tem ideia do que aconteceu com Miranda no Oregon. Ninguém da nossa extensa família sabe. É como ela quer, então meu pai e eu respeitamos sua decisão. Estou me arrependendo disso agora. “Eu preciso ir”, respondo, não me incomodando em discutir com ele. “Se você falar com Frances, diga a ele para me ligar.”

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“Vou me certificar de que ele saiba que também o chamou de Frances.” “Eu não dou a mínima”, murmuro de volta antes de desligar o telefone. Penso sobre ligar para meu pai enquanto dou a Etta o café da manhã, mas decido contra isto. Quanto mais penso nisso, menos quero estrangular minha irmã e Frank. Ela teve algo ruim acontecendo, mas se eu der um passo para trás e olhar pelo lado de fora, realmente não tenho nada a dizer sobre o que ela faz ou com quem escolhe passar seu tempo. Ela é adulta. Embora saiba que emocionalmente ela está se preparando para uma queda, também sei que fisicamente ela ficará bem com Frank. Preciso ficar bem com isso, mesmo que odeie a situação. Realmente espero que quando ela voltar de qualquer coisa que estejam fazendo, não esteja pior do que quando foi embora. Às vezes minha família é completamente exaustiva. Não posso imaginar ter que lidar com mais pessoas do que apenas meu pai e minha irmã. Como as pessoas com famílias grandes fazem isso? Bebo café morno enquanto Etta termina o café da manhã e limpo a cozinha. Espero que uma casa limpa ajude no golpe quando meu pai chegar em casa e descobrir que sua filha mais nova fugiu do galinheiro. * * * Duas horas depois, estou suada, suja e tenho algo pegajoso no meu cabelo quando a campainha toca. Etta e eu estamos limpando a casa e dançando a música da Disney desde que ela terminou o café da manhã, e ela não parece

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melhor. Tenho certeza que a substância pegajosa em nosso cabelo é resultado de uma salada de frutas que compartilhamos depois de limpar o chão. “Por que alguém nos incomodaria?” Pergunto a Etta, jogando as mãos no ar. “Estamos ocupadas!” “Ocupada!” Ela grita em aborrecimento, baba escorrendo pelo peito nu. Em algum momento eu a despi e ela não está em nada além de uma fralda com estampa de leopardo e um par de chinelos de princesa. Sou tendenciosa, mas ainda tenho certeza de que ela é a criança mais fofa do universo. “Precisamos mandá-los embora”, digo, ainda usando uma voz excessivamente exasperada quando levanto do chão. “Posso ajudar?” Pergunto com um floreio quando abro a porta. Meu queixo cai quando vejo Trevor em pé na varanda da frente, um bicho de pelúcia e algumas flores em suas mãos. “Oh merda.” “Oh, merda!” Etta repete, correndo em direção à porta. “Oh merda! Twevo!” “Você está claramente feliz em me ver”, Trevor brinca, seus lábios se contorcendo em diversão. “Twevo!” Etta grita novamente, correndo para ele. Meu coração acelera enquanto tento pegá-la, mas felizmente Trevor já está lá, soltando o bicho de pelúcia para poder pega-la contra seu peito antes que ela tropece no limiar. “Ei, docinho”, ele diz alegremente enquanto os braços sujos de Etta se enrolam no pescoço dele. “Senti sua falta.” “Deus, me desculpe”, murmuro quando pego a girafa de pelúcia do chão. “Uh, aqui.” Tento entregar-lhe o brinquedo, mas ele não o pega.

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“Música legal”, ele diz, colocando Etta mais firme em seu braço. “Uma das minhas favoritas.” Ele olha para mim por um longo momento, em seguida, engole em seco. “Vai me deixar entrar?” Lembro vividamente da última vez que ele disse aquelas palavras para mim, mas não respondo do jeito que fiz antes. Minha língua fica grudada no céu da boca quando me afasto da porta para que ele possa entrar na casa. Há material de limpeza em todo o lugar, a música ainda está tocando, e posso sentir uma gota de suor rolando por minhas costas debaixo da camiseta. Quero afundar no chão em mortificação. “Mamãe limpando”, Etta diz com orgulho. “Eu ajudo.” “Eu vejo isso”, ele responde, seus olhos brilhando. “Parece que comeu doces também.” “Lanches de frutas”, esclareço, minhas bochechas aquecendo enquanto tento empurrar meu cabelo bagunçado de volta para o rabo de cavalo. “Você precisa de ajuda?” “Não”, respondo rapidamente. “Não, estamos quase terminando.”

tudo

bem. Nós

Etta começa a divagar, provavelmente tentando dizer a Trevor o que fazíamos quando ele apareceu, mas nenhum de nós presta muita atenção. Nós estamos presos, encarando um ao outro. Não sei por que ele está aqui. Não nos falamos desde que saí de sua casa, e ele é a última pessoa que pensei estar à porta. Claramente, sou uma idiota, porque ele está bem na minha frente. Sua camiseta e shorts parecem limpos, mas enrugados, e ele cheira bem como se tivesse acabado de tomar um banho.

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“Eu senti sua falta”, ele diz suavemente enquanto Etta se contorce para descer. “O que está fazendo aqui?” Eu pergunto quando ele coloca Etta em pé. “Eu senti sua falta”, ele repete, seu olhar no meu enquanto ele endireita sua postura. “Mas...” Balanço a cabeça em confusão, mas não consigo desviar o olhar. Fiz um trabalho muito bom de bloquear pensamentos sobre ele desde que cheguei em casa. Entre lidar com Miranda e tentar impedir meu pai de simplesmente perder o controle, realmente não tive um momento para chafurdar. Não deixei minha mente vagar em sua direção porque, honestamente, já estava muito ocupada. Agora que ele está a apenas dois passos de distância, ignorá-lo é impossível e não posso acreditar que eu seja capaz de fazer isso em primeiro lugar. “Eu não ouvi de você”, diz ele suavemente. “Poderia ter ligado”, respondo, levantando as mãos e deixando-as cair de volta para meus lados. “Você teria atendido?” “Sim.” “Mesmo?” “Talvez”, confesso timidamente. Ele assente em compreensão, olhar. “Como está Miranda?”

mas

não

desvia

o

“Melhor.” Olho para ver Etta deitada no chão em cima de uma almofada do sofá. “Ela na verdade foi numa viagem esta manhã com um velho amigo da família.”

#3


“Oh, sim?” “Mm-hmm.” Afasto meu cabelo do rosto novamente, mal segurando uma careta. Tenho certeza que estou fedendo. A camiseta que uso é do meu pai, os shorts de basquete são de Deus sabe onde, e meu esmalte está tão lascado que parece horrível. Ele apareceu no pior momento possível. “Morgan”, diz Trevor, cabelo. “Está tudo bem.”

afastando

minha

mão

do

“Eu preciso de um banho”, respondo com tristeza. “Não estava exatamente esperando companhia.” “Você está bonita.” “Não, estou nojenta.” “Pare”, ele murmura, num tom que nunca ouvi dele antes. “Pare de se mexer.” Ele respira fundo e passa a mão pela barba. “Coloque Etta em seu berço”, ele ordena, assustando-me um pouco. Viro para olhá-la quando começo a discutir, mas minha boca se fecha quando percebo que ela adormeceu no chão. É a primeira vez em uma semana que não precisei ouvi-la reclamar do seu cochilo por meia hora antes de adormecer. Sem uma palavra, passo por ele e pego-a. Leva apenas alguns minutos para acomodá-la em meu quarto e, quando saio e fecho a porta atrás de mim, Trevor está esperando no corredor. “Eu pensei que era provavelmente um erro vir até aqui”, ele diz baixinho, entrando no meu espaço. “Não ouvi de você por um tempo e não tinha certeza do tipo de recepção que teria.”

#3


Meus olhos se arregalam quando ele me prende contra a parede. Não protesto, apesar de estar nojenta e certa de que ele logo notará. Quando muito, meu corpo suaviza com seu avanço, a tensão em meus ombros e pescoço se dissipando. “Analisei diversos cenários, durante o caminho até aqui”, diz ele, sua mão subindo para descansar ao lado do meu pescoço. “Ela vai me dizer para deixá-la em paz? Não atender a porta? Tentar e me decepcionar? Ela sente saudades de mim?” Ele sorri e meu coração começa a acelerar. Não tenho certeza se é de pânico ou euforia. “Eu deveria ter confiado em meus instintos desde o início”, diz ele em tom de conversa. “Estava tão preocupado em interferir, no entanto.” Seus dedos começam a brincar com o cabelo na minha nuca e tremo. “Seus instintos?” Resmungo, congelada enquanto seus dedos deslizam para frente e para trás contra meu pescoço. “Você me quer”, diz ele calmamente, apertando a mão fracamente. “Você me quis desde o começo.” Começo a argumentar que não é tão simples assim, mas ele interrompe minhas palavras com as dele. “Você me quis quando estava olhando para meu peito na piscina”, ele diz suavemente. “Você me quis quando me convidou aqui.” Ele inclina a cabeça para o lado enquanto seu joelho encaixa entre as minhas coxas, deixando-me saber que o aqui que ele descreveu não é a casa. “Você me quis quando chutou minha bunda para fora. Você ainda me quis quando ligou do dormitório da sua irmã.”

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“O que te fez chegar a essa conclusão?” Murmuro, inclinando meu queixo em desafio. As palavras que ele disse são verdade, mas a entrega foi dada de uma maneira totalmente estranha ao Trevor que conheço. “A maneira como olha para mim”, responde ele. É a simplicidade em sua resposta que para qualquer argumento que posso ter. “Eu olho para você da mesma maneira”, ele diz docemente, sua cabeça caindo de modo que sua boca está a milímetros do meu ouvido. “Como se eu estivesse nadando debaixo d'água e finalmente subi para respirar.” Minha cabeça cai contra a parede com um baque quando seus lábios encontram a pele abaixo da minha orelha. “Como se eu estivesse olhando para o presente que pedi o ano todo debaixo da árvore de Natal.” Seus lábios deslizam pela frente da minha garganta e mergulham no entalhe da minha clavícula. “Como se não pudesse acreditar na sorte que tenho por finalmente te encontrar.” “Você estava me procurando?” Pergunto baixinho, as palavras saindo antes que possa impedi-las. Congelo assim que percebi o que disse. “Baby, estive procurando por você a vida inteira”, ele responde, levantando a cabeça até que nossas testas estão pressionadas juntas. “Você pode não estar lá ainda”, ele responde. “Mas nunca tive mais certeza.” Meus olhos lacrimejam, mas seguro as lágrimas por pura força da vontade.

#3


“Eu preciso tomar banho”, respondo. É possivelmente a pior e mais sincera coisa que poderia ter dito. Trevor fica rígido por um momento, seus olhos intensos nos meus, mas antes que possa pedir desculpas, ou fazer qualquer coisa, realmente, todo seu corpo começa a tremer de tanto rir. Com uma mão apoiada contra a parede e a outra ainda enrolada ao redor do meu pescoço, Trevor se inclina contra mim, seu rosto na minha garganta enquanto ri como um lunático. Quando termina, ele levanta o rosto e me beija tão rápido que nem sequer tenho a chance de fazer qualquer movimento. “Discuti isso com minha mãe”, ele diz, seu sorriso desaparecendo. “Oh, não”, murmuro. Talvez seja por isso que ele veio me ver. Eu sei o quão próximo ele e sua mãe são. Ele deve ter ficado muito chateado se dirigiu até Sacramento. “Quer falar sobre isso?” Trevor suspira divertido e mal balança a cabeça de um lado para o outro. “Eu disse a ela que vou colocar um anel em seu dedo”, diz ele sem rodeios. Intelectualmente, entendo as palavras que ele diz. No entanto, logicamente, não consigo entender o significado. “Você o que?” Solto, tentando descobrir se ele está brincando. “Eu deixo claro que você e eu somos algo com o qual eles terão que se acostumar.” “Jesus”, murmuro, empurrando distraidamente seu peito. Ignoro completamente o que ele acabou de dizer quando

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saio de seus braços. “Estou suada e preciso de um banho de um modo que não acreditaria.” Eu o deixo de pé no corredor quando entro no banheiro. Ele pode se cuidar enquanto eu tomo um banho rápido. Não é sua primeira vez em nossa casa. Estou no chuveiro por menos de cinco minutos quando sua voz do outro lado do box me assusta. “Eu não consigo descobrir se faz isso de propósito”, ele diz, “ou se simplesmente não faz ideia.” “Não sei o que você está falando”, respondo, meu coração ainda batendo como se fosse saltar do peito. “Posso tomar banho em paz?” “Provavelmente não”, ele responde, entrando ao meu lado. Quero ficar chateada. Eu realmente quero. Mas oh, meu Deus, toda aquela pele escura está em plena exibição e ele não mostra absolutamente nenhum sinal de autoconsciência. “Estou no chuveiro”, murmuro. “Eu também”, ele responde com diversão. “Eu sei.” Continuo a olhar até que ele começa a rir. “Por quê?” “Porque eu sabia que não seria capaz de se concentrar até que tomasse um banho”, responde ele, pegando meu xampu. “Mas não queria esperar tanto tempo.” Eu o deixo ensaboar meu cabelo sem um pio. Metade de mim está curtindo o que estamos fazendo, mas a outra metade está completamente enlouquecida. Por que ele está aqui? Por que ele está fazendo um movimento agora, quando recuou antes? Qual é seu final de jogo? E por que, em nome de Deus, ele

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disse à mãe dele que quer se casar comigo? Ele estava brincando sobre isso? Ela deve ter se assustado. “Posso ver as rodas girando”, diz ele enquanto inclina minha cabeça para trás para enxaguar o shampoo. “Você quer compartilhar seus pensamentos com a turma?” “Não”, respondo, balbuciando quando o shampoo escorre por meu rosto. “Opa”, ele diz calmamente, limpando o resíduo. “Por que não sente vontade de compartilhar?” “Talvez eu não seja do tipo de compartilhar”, respondo. “Claro que é”, ele argumenta, movendo suavemente minhas mãos para os lados antes de pegar meu sabonete. “Você simplesmente não quer compartilhar nada sobre si mesma.” “O que está fazendo?” Pergunto quando ele se ajoelha no chuveiro. “Lavando você.” “Eu posso me lavar”, respondo, dando um pequeno passo para trás. “Eu sei”, diz ele, inclinando a cabeça para olhar em mim, embora tenha feito a água espirrar em seu rosto. “Mas eu gostaria de fazer isso.” Inclino minha cabeça de lado, perguntando-me o que está faltando em suas respostas enigmáticas, mas dou um passo à frente novamente, dando-lhe permissão. Ele começa com os pés e sobe, não exatamente correndo, mas também não demorando. Ele não perde um único ponto, mas não se demora. No momento em que ele alcança meus quadris, estou quase vibrando de necessidade, mas ele passa por

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quaisquer zonas erógenas enquanto segue por minhas costas e tronco. “Você não gosta de pedir ajuda”, diz Trevor enquanto massageia sabonete na minha mão. “Você não gosta de falar sobre seus sentimentos ou entrar muito fundo.” Abro a boca para responder, mas fecho novamente quando ele balança a cabeça em advertência. “Estou falando agora, você terá sua chance”, diz ele, subindo mais pelo meu braço. “No começo, me deixou muito nervoso. Você foi tão acolhedora quando apareci pela primeira vez. Tão calma. Achei que isso estava garantido.” “Calma?” Pergunto, ignorando seu olhar. “Você sabe o que quero dizer”, ele responde. “Pare de interromper.” Fecho minha boca e levanto uma sobrancelha. Não posso esperar até que seja a minha vez de falar. Por que diabos estou deixando-o mandar de qualquer maneira? Ele está em minha casa e interrompeu meu maldito banho. “Então, quando ficou fria comigo, eu não tinha ideia de como responder.” Ele encolhe os ombros e sorri com tristeza. “Foi uma grande mudança de como você estava no começo que recuei instantaneamente.” Eu quero muito falar, mas não falo. Suas mãos se movem para meu ombro e axilas, e ele não hesita por um segundo, embora eu não tenha depilado em dias. forço-me a não corar. “Não tinha percebido ainda, mas é o que você faz.” Ele para na minha clavícula, em seguida, continua movendo. “Você foge de qualquer coisa pessoal, mesmo depois do sexo.”

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“Isso não é verdade”, argumento, incapaz de ficar calada por mais tempo. “Eu falei com você sobre uma tonelada de merda pessoal.” “Você mandou uma mensagem às vezes”, ele admite, assentindo. “Mas pessoalmente? De jeito nenhum.” “Errado”, respondo. “Cite uma vez.” Suas mãos nunca param de se mover quando ele lava meu outro braço, desta vez começando no ombro. “Nós conversamos sobre coisas pessoais na primeira vez que apareceu!” “Nós conversamos sobre Henry”, ele corrige. “Não falamos sobre você.” “Sim, nós falamos.” “Não”, ele diz seriamente. “Nós não falamos. Você ignorou como Henry havia te machucado, e foi isso.” “Ele não me machucou.” “Não?” “Não.” “Você não se incomodou em nada que ele se afastou de você?” “Não”, eu digo enfaticamente. “Não te machucou que ele se afastou de Etta?” “Acho que estou limpa”, digo sem rodeios, puxando minha mão da dele. Viro e desligo o chuveiro. “Vou pegar uma toalha para você.”

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Saio do chuveiro, mas nem sequer pego as toalhas embaixo da pia antes que ele me gire para encara-lo. “É disso que estou falando”, diz ele. “Você se recusa a falar sobre qualquer coisa pessoal.” “Claro”, respondo, recusando-me a recuar, mesmo que estamos pingando por todo o chão. “Incomoda-me que ele não se importe com Etta. Claro que sim.” “Então, por que fingir que não?” “Porque isso não muda nada”, respondo. “Eu choramingar sobre isso não muda nada!” “Não há problema em ficar brava.” “Não estou brava!” “Então o que está?” Ele pergunta suavemente. “Estou triste”, cerro os dentes. “Ok? Isso me deixa muito triste por ela.” “Não há problema em ficar triste com isso.” “Eu sei”, respondo. “Tudo bem falar sobre isso.” “Por que diabos eu iria querer fazer isso?” “Porque preciso que fale”, ele responde, seus olhos firmes nos meus. “Por quê?” “Porque quero cuidar de você.” Eu zombo. Não posso evitar. Estive cuidando de mim mesma desde que me lembro. Meu pai e minha irmã me apoiaram? Sem dúvida. Pedi-lhes alguma coisa? Nunca.

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“Eu cuido de mim mesma.” “Deixar-me entrar não te deixa fraca”, Trevor continua. “Eu nunca disse que deixa.” Giro para pegar toalhas, em seguida, coloco uma no meu rosto, bloqueando-o. Toda essa conversa está fazendo meu estômago revirar de ansiedade. “Olhe para mim”, ele ordena. “Agora, Morgan.” Largo a toalha para poder encontrar seus olhos. O que vejo ali não é o que esperava. “Estou apaixonado por você.” “Não, você não está.” “Você está tão disposta a ajudar todo mundo. Digo a você que entrei em uma discussão com minha mãe, e você instantaneamente fica suave e pergunta se quero falar sobre isso, mas no minuto em que digo como me sinto sobre você, você enrijece e muda de assunto.” “Essas são duas situações completamente diferentes.” “Eu percebo”, diz ele calmamente, secando-se. “Suas reações são constantes, no entanto.” “Por que estamos sequer falando sobre isso?” Pergunto aborrecida, alcançando a maçaneta da porta. “Porque”, ele sussurra, sua mão voando para agarrar meu pulso, “você não vai me deixar ajudá-la. Você se desvia no minuto em que chego muito perto.” “Eu não preciso de ajuda.” “Jesus Cristo, Morgan”, ele fala, a outra mão batendo alto na bancada. “Talvez eu precise ajudar você.”

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“O que?” Digo, surpresa tornando minha voz mais alta que o normal. “Estou apaixonado por você”, ele diz novamente, sua voz alta no pequeno banheiro. “Tudo bem?” “Ok”, respondo quase inaudível. “Finalmente”, ele diz ao teto. “Estou conseguindo.” “Isso não é engraçado”, respondo. “Não”, ele diz, balançando a cabeça. “Não é.” Ele me deixa sair do banheiro e ando sem dizer uma palavra até meu quarto e fecho a porta atrás de mim. Etta ainda está dormindo enquanto me visto, mas a verifico de qualquer maneira, apenas para ganhar tempo. Não tenho certeza de como deveria responder a qualquer coisa que Trevor diz. Eu o amo? Não tenho certeza. Posso me imaginar com ele. Senti falta dele como uma louca quando não estava comigo, e me perguntava constantemente o que ele fazia. Odeio o pensamento dele com outra pessoa, e imaginá-lo magoado ou chateado fez meu peito doer de tristeza. Eu colocaria sua felicidade antes da minha. Isso é amor? Nunca estive apaixonada, então não posso ter certeza. Não parece o jeito que amo minha família. Eu me importo com ele, no entanto. Sei muito disso. “Não quero brigar com você”, digo docilmente quando o encontro na cozinha minutos depois. “Baby”, ele suspira, virando-se para me olhar. “Nós não estamos brigando.” “Parece uma briga.”

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“Não é.” Ele caminha em minha direção e desliza a mão pela parte de trás do meu cabelo, beijando minha testa. Ele pega minha mão e me leva para o sofá, puxando-me para sentar ao lado dele quando chegamos lá. “Eu não entendo porque faz isso”, ele começa, colocando-me contra seu lado. “Mas, por algum motivo, tem facilidade em ajudar os outros, mas desvia a qualquer momento que alguém quer saber como você está.” “Não me parece bem”, respondo. É mais fácil falar com ele quando não fazemos contato visual. Parece mais seguro de alguma forma. Mais impessoal. “Ok”, ele diz, parando por um momento. “Mas preciso que me deixe entrar.” “Não sei do que está falando.” “Estou começando a entender isso”, diz ele com um suspiro. “Honestamente”, digo, olhando para a foto minha e Miranda do outro lado da sala. “Não tenho ideia do que quer de mim.” “Algumas respostas?” Ele pergunta. Engulo em seco enquanto olho a foto minha e da minha irmã, então finalmente concordo. “Você está feliz por eu estar aqui?” Ele pergunta. Balanço a cabeça novamente. Essa pergunta é fácil. Não importa as circunstâncias ou onde estamos, sempre fico feliz quando ele está por perto. “Estava com saudades de mim?” Balanço a cabeça novamente. Mesmo quando deliberadamente penso em outra coisa, sempre sinto falta

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dele. Não preciso estar pensando nele para sentir sua falta; é apenas uma constante, como respirar. “Você me ama?” Essa pergunta é a mais difícil. Na verdade, neste momento, pode ter sido a pergunta mais difícil que alguém já me fez. Não tenho certeza do sentido prático do amor romântico. “Eu não sei”, digo suavemente. Trevor endurece ao meu lado. “Eu me importo com você”, continuo. “Eu odeio o pensamento de qualquer um de nós estar com qualquer outra pessoa e penso em você constantemente, mas isso só parece ciúme e luxúria para mim.” Trevor suspira de alívio e seu corpo perde um pouco da tensão. “Parece um começo muito bom”, ele diz finalmente. Ele se inclina e assim como na primeira vez que me beijou, o mundo inteiro cai quando seus lábios encontram os meus. Sua boca é mais larga que a minha, e ele geralmente controlava o beijo, mas não consigo parar de puxar o lábio inferior cheio entre os dentes para poder correr minha língua ao longo da borda interna macia. Ele tem gosto de hortelã, e a borda externa de seus lábios está ligeiramente rachada, então elas raspam contra os meus quando ele se afasta e depois volta para mais. Onde estávamos frenéticos na primeira vez que nos beijamos, desta vez aproveitamos o tempo para explorar, devagar e vagarosamente mapeando as depressões e cavidades um do outro. Sua língua percorre o céu da minha boca e tremo. Meus dentes mordem seus lábios novamente e ele geme. Estou inclinada para trás, saboreando a maneira como seu peso começa a me pressionar no sofá, quando ouvimos a

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porta da frente abrir. Nós dois nos sentamos rapidamente quando meu pai entra na casa, e a mão de Trevor no meu ombro é a única coisa que me impede de pular do sofá como uma adolescente culpada. “Trevor”, meu pai diz surpreso, parando brevemente. “Ei, Stan”, responde Trevor calmamente, deixando o braço sobre o meu ombro. “Você está aqui para uma visita?” Meu pai pergunta, fechando a porta da frente quando supera a surpresa. “Sim”, responde Trevor. “Demorou alguns dias e decidi vir ver todo mundo.” Contorço-me quando meu pai tira as botas, mas por algum motivo congelo quando ele inclina a cabeça para nos olhar. Seus olhos não perdem nada enquanto eles observam a maneira que Trevor e eu sentamos no sofá, mas ele não comenta sobre isso. “Sentiu falta da minha cara bonita, não é?” Ele brinca, levantando-se novamente. “Você não iria acreditar”, Trevor brinca de volta, seu corpo relaxando ainda mais. “Vai ficar um pouco? Preciso tomar banho, mas não vou dizer adeus se estiver aqui quando eu sair.” “Eu estarei aqui”, responde Trevor. Meu pai concorda e segue para o corredor, mas para quando Trevor chama seu nome. “Há um pouco de água no chão que esqueci de limpar”, diz ele. “Desculpe, mas isso.”

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“Não quero saber por que estava no meu chuveiro”, meu pai diz com um aceno de sua mão, sem se incomodar em olhar para nós. “Vou sair daqui a pouco.” “Isso foi necessário?” Pergunto assim que meu pai desaparece. “Sério?” “Eu não queria que ele caísse e quebrasse um quadril”, ele responde. “Por que não limpou a água?” “Porque estava muito ocupado tentando descobrir se ia me dar um gelo de novo”, diz ele, parecendo quase envergonhado. “Eu esqueci completamente.” Eu sorrio.

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CAPÍTULO 17 Trevor

Analisei todas as opções pelo menos mil vezes enquanto dirigia para o sul para ver Morgan e Etta, mas quando cheguei em Sacramento, tinha certeza de estar fazendo a coisa certa. Quando Bram me acusou de dar desculpas por eu não ter ido atrás de Morgan, eu neguei, mas uma vez que dei uma boa olhada no espelho, soube a verdade. Fui muito covarde para ir atrás do que estou morrendo de vontade de ter. Fiquei muito preocupado com o que as pessoas pensariam e como minha mãe reagiria, e com medo de que Morgan fosse rir na minha cara. Meus medos eram ridículos. Eu sabia disso desde o minuto em que ela abriu a porta, suada e suja, e olhou para mim como um pedaço de bolo de chocolate que ela queria dar uma grande mordida. Eu sabia naquele momento que não havia uma maldita coisa na terra que me fizesse desistir daquele olhar, nem minha mãe ou de qualquer outra pessoa. Não me importei com o que pensavam. Não tenho ideia de como fui ignorante por tanto tempo, mas em uma hora em que estive com Morgan, percebi muitas coisas. Ela não é indiferente. Ela não tenta me afastar. Sinceramente não acredito que ela faz isso conscientemente. A mulher que estou apaixonado só não tem ideia de como deixar alguém amá-la. Ela não tem bons amigos, e até onde sei, nunca teve um namorado estável. Morgan está atrofiada, por

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falta de uma palavra melhor. Presa num lugar onde ela é incapaz de deixar alguém de fora de sua família se aproximar. É difícil amar alguém assim. Não o sentimento – eu sei que o sentimento não irá embora. É a ação de amar alguém como Morgan que será difícil. Ela não aceita isso graciosamente. Ela acha que não merece. Morgan se distanciou ativamente dos gestos afetuosos e da intimidade; é como se ela não confiasse nos motivos de alguém quando tentam ser gentis. “Eu não ia te dar um gelo”, diz ela, revirando os olhos quando deita no sofá. Ela coloca as pernas sobre meu colo e fica confortável, e sinto falta do braço dela contra o meu lado. “Estava apenas pensando.” “Isso geralmente não combina comigo”, brinco, apertando o pé dela. “Eu não acho que posso dar o que quer”, diz ela, olhando para meu rosto, mas não fazendo contato visual. “Nunca serei a garota carente que lhe pede para consertar todos os seus problemas.” “Bom”, respondo, surpreendendo-a o suficiente para que seu olhar finalmente encontre o meu. “Quero uma mulher e não alguém que não possa ficar de pé sozinha.” “Mas-” “Desde que ela me diga quais são os problemas, então eu posso ouvir. Talvez dar alguns conselhos se for necessário.” “Isso não é verdade”, argumenta ela. “Você acaba de fazer toda essa grande cena sobre como eu nunca peço ajuda.” Estou tão frustrado que quero sacudi-la, mas não deixo nada disso aparecer na minha voz quando respondo. “Eu quero que você me inclua”, digo. “Apenas me deixe entrar.”

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Nossa conversa é interrompida quando o pai dela sai do banheiro. O homem tomou o banho mais curto na história da água corrente, mas obviamente está limpo e já prendeu o cabelo de volta num rabo de cavalo. Fico um pouco impressionado, apesar de ter ficado mais feliz com mais alguns minutos sozinho. “Ouvi dizer que sua irmã fugiu com Frank”, diz ele para Morgan quando entra na pequena cozinha. “Sabe sobre isso?” Morgan congela e então sai do sofá para segui-lo. “Não com antecedência”, ela responde assim que chega à cozinha. Eu sigo devagar, sem saber se estou me intrometendo ou não. “Olly me ligou esta manhã para avisar.” “Sim, ele é o único que me deu as notícias também”, diz Stan. Ele olha para mim e levanta a xicara de café na mão. “Café, Trevor?” “Não, obrigado”, respondo. Olho entre ele e Morgan, imaginando o que estou perdendo. Mais cedo, Morgan disse despreocupadamente que Miranda estava numa viagem com um amigo da família, mas no minuto em que o pai dela mencionou isso, ela ficou rígida como uma tábua. “Ela estava aqui quando fui para a loja”, diz Stan, sentando-se à mesa com um suspiro. “Ela deve ter saído logo depois.” “Foi uma coisa de merda para fazer”, responde Morgan, sentando-se em frente a ele com uma caneca de café. “Precisava sentir o vento em seu rosto”, diz Stan contemplativamente. Ele dá a Morgan um sorriso. “Estive lá uma vez ou duas.” “Ela poderia pelo menos ter dito alguma coisa.” Morgan cruza os braços sobre o peito, o rosto enrugado em

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aborrecimento. “E o que diabos ela fez com todas as suas coisas?” “Inferno, eu não sei. Talvez tenha levado com Frank.” Stan suspira. “Você teria a deixado sair?” Sento à mesa para não estar pairando sobre eles, mas mantenho minha boca fechada. Não faço parte dessa conversa em particular, e realmente não quero ultrapassar. Além disso, o fato de que estou calado é provavelmente por que eles se sentem tão livres para falar sobre isso na minha frente. “Não é como se fosse atacar e a trancar aqui”, Morgan resmunga, tomando um gole de café. “Eu apenas teria apontado que a ideia é horrível.” Etta começa a chorar no outro cômodo e Morgan suspira, largando a xícara enquanto levanta. “Eu já volto”, ela diz baixinho, saindo da cozinha. Não demora muito para que o foco de Stan esteja em mim, e forço-me a não me mexer com sua atenção próxima. “Não acho que ela percebe a força quando coloca sua mente em algo”, diz Stan, seus lábios inclinando-se nos cantos. “Ela pode ter ficado surpresa quando Miranda fugiu, mas já vi isso acontecer.” “Isso já aconteceu antes?” Pergunto, olhando para o corredor silencioso. “Não saindo as escondidas”, responde Stan. “Mas Miranda tem necessidade de mudar assim que tem oportunidade. Nunca a restringi do jeito que Morgan teria feito.” Balanço a cabeça em compreensão. Henry e Shane eram do mesmo jeito. Eles apenas faziam isso de forma diferente,

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optando por se juntar aos militares em vez de andar na traseira de uma moto. “Não tive a chance de agradecer pelo que fez no Oregon”, diz ele, dando-me um aceno de cabeça. “Interveio e ajudou minhas garotas.” “Não precisa me agradecer”, respondo. “Estou fazendo de qualquer maneira”, ele responde. “Não tenho certeza de como tudo aconteceu, mas Ranna estava certa de agradecer por deixá-las acampar em sua casa.” “Elas são bem-vindas a qualquer momento”, digo com um encolher de ombros. “Você também.” “Ah, bem, aprecio isso”, diz ele com uma risada. “Não consigo pensar em uma razão para eu estar naquela pequena cidade que chama de lar.” “Espero que haja algumas razões”, digo, olhando por cima do ombro novamente. “É assim?” Stan pergunta conscientemente. “Eu tive um pressentimento.” “Não tenho certeza se posso convencê-la”, confesso, encontrando seus olhos. “Eu tinha um pressentimento sobre isso também.” Ele toma um longo gole de seu café, em seguida, coloca-o sobre a mesa, entrelaçando os dedos quando se apoia nos cotovelos como se estivesse prestes a me contar um segredo. “Minhas filhas não tiveram momentos fáceis”, ele diz baixinho. “Viver com a mãe delas e depois ir para o sistema de adoção.” “Tenho a impressão de que foi muito ruim”, respondo. Odeio que elas tiveram más experiências, mas sei que não é inédito. Passei por casas tão ruins antes de terminar com

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Ellie e Mike, e imagino que foi muito pior para duas meninas bonitas. “Elas não falam muito sobre isso”, diz Stan, olhando para a mesa. “Mas as duas ainda estão lidando com os efeitos posteriores, eu acho. Miranda é uma fugitiva, desaparece quando está chateada. Morgan é uma mediadora. Minha mais velha cuida de todos, mas não te deixaria saber se está em chamas.” “Eu notei”, digo ironicamente. “Eu vou te rindo um pouco. coisa, ajuda sem chave. Ela nunca ela vai aceitar.”

contar o segredo para lidar com ela”, diz ele, “Você observa. Observe e quando ver alguma perguntar.” Ele encolhe os ombros. “Essa é a vai pedir por isso, certo. Mas se entrar e fizer,

“É isso?” Pergunto, olhando para ele em confusão. Não foi exatamente a grande revelação que esperava. “É isso”, ele confirma. “Se quer mudá-la, não conseguir. Neste ponto, está impregnado em sua natureza.”

vai

Olho para ele perplexo. Como você mora com uma pessoa que se recusa a deixá-lo entrar? Como ele faz isso com a própria filha? Não tenho ideia do que dizer. “Ela te ama”, diz ele. “Conheço minha filha melhor do que ninguém, e isso está claro como o dia.” “Ela não tem tanta certeza”, respondo com uma zombaria. “É como se não estivesse ouvindo uma palavra do que digo.” Ele levanta um punho e bate contra o lado de sua cabeça. “Ela não vai pedir nada, garoto.” Ele olha para mim com expectativa, em seguida, zomba quando continuo a observá-lo em completa confusão.

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“Dizer a alguém que o ama? Não é nada exceto pedir para te amar de volta. Caso contrário, as palavras não seriam ditas, cara. Você mostraria, mas você não teria que dizer isso.” Inclino-me para trás na cadeira quando ele se levanta da mesa e coloca a xícara vazia na pia. Sem uma palavra, ele sai pela porta dos fundos e ouço o som fraco da porta da garagem abrindo assim que ele sai. Ele deixou cair suas palavras de sabedoria e partiu, como algum tipo de bruxo de um maldito romance de fantasia. Fico sentado na cadeira da cozinha por um tempo, repassando o conselho dele e tentando entender a perspectiva dele sobre o amor. Na minha família, o amor sempre foi algo dado livremente. As palavras são jogadas como confetes. Quando se despede, diz à pessoa que você a ama. Quando está feliz, triste, ou sentado calmamente, dizer que você ama alguém é comum. São palavras que nunca vem com amarra. Quando posso ouvir Stan acionando algum tipo de ferramenta elétrica na garagem e Morgan ainda não saiu do quarto, sigo pelo corredor para ver como ela está. A porta do quarto está aberta só um pouquinho, e dentro do quarto que mal fica à sombra por cortinas, Morgan e Etta dormem profundamente na cama. O quarto está um pouco bagunçado, e franzo meu nariz com o cheiro do balde de lixo no canto. Sem fazer um som, movo-me em direção ao fedor e percebo assim que me aproximo que o balde está cheio de fraldas sujas esperando para serem lavadas. Com as palavras de Stan na cabeça, levanto o balde, segurando-o tão longe do meu rosto quanto posso, e o levo para o corredor. Eu lavei roupa pela metade da vida. Lavar fraldas não pode ser muito difícil, certo? Stan ri enquanto carrego as fraldas

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na direção da lavadora e secadora contra a parede dos fundos da garagem. “É melhor ter cuidado”, ele aconselha, gesticulando com a lixadeira em sua mão. “Ela tem rotinas complicadas que usa para lava-las.” “Não brinca?” Pergunto, colocando o balde no chão então posso dar um passo para longe. “Sem brincadeira”, ele confirma. “Pode querer pesquisar.” Tenho certeza de que Stan nunca usou a Internet, mas sigo seu conselho. Há cerca de cinquenta links diferentes me dizendo cinquenta maneiras diferentes de lavar as fraldas. Molho, sem molho, use metade da quantidade de detergente, use a quantidade recomendada de detergente. Alguns dos sites até aconselham usar alguma coisa especial feita para fraldas de pano, mas os ignoro, assumindo que estão tentando vender sua própria marca de sabão em pó. “Ela as coloca de molho?” Pergunto a Stan finalmente, gritando sobre o barulho da lixadeira. “Não”, ele grita de volta. “Bem, merda”, murmuro, abrindo outro site com uma rotina que não envolve molho. Demoro pelo menos meia hora para encontrar o que parece ser uma recomendação respeitável de uma empresa de fraldas para fraldas de pano. Tirar as fraldas do balde é como aquele jogo de Halloween quando é criança, quando eles os vendam e, em seguida, colocam a mão em uma tigela de macarrão ou ursinhos de goma molhados. Não tenho ideia do que vou encontrar toda vez que coloco a mão no balde, mas continuo fazendo isso até não ter mais nada para pegar.

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“Homem corajoso”, diz Stan, chegando ao meu lado para espiar a máquina de lavar roupa. “Não sei por que ela não pode comprar fraldas comuns como todo mundo.” “Eu também não”, respondo, segurando minha mão contaminada de lado, com cuidado para não tocar em nada. “O que está fazendo?” Morgan pergunta desconfiada atrás de nós, fazendo Stan e eu pular. “Lavando roupa”, respondo, desajeitadamente segurando minha mão o mais longe dela que posso quando me viro. ‘Teve um bom descanso?” “Por que está...” Ela deve ter notado o cheiro das fraldas porque o nariz dela franze e seus olhos se arregalam. “Por favor, me diga que não fez nada com as fraldas de Etta.” Balanço a cabeça rapidamente, arrastando o balde atrás de mim com o meu pé. “Eu apenas as coloquei na máquina.” “Oh, graças a Deus”, ela diz em alívio. Ela verifica dentro da lavadora, então se inclina ao meu redor. “Oh, Trev”, ela diz suavemente, começando a rir. “O que?” Eu pergunto, girando ao redor, minha mão acenando descontroladamente no ar. “Há algo em mim?” “Não”, ela responde, pegando o balde. Dou um grande passo para trás quando ela puxa o forro do balde de plástico e joga em cima das fraldas sujas. “Tudo o que tem a fazer é puxar o forro para fora e jogar as fraldas na máquina e depois jogar o forro com elas”, diz ela, com os olhos arregalados enquanto tenta não rir. Ela continua olhando para minha mão enquanto eu a seguro esticada ao meu

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lado. “Você-” Ela ri, em seguida, limpa a garganta. “Estou supondo que é a mão que usou?” “Você poderia ter me dito”, grito para Stan, que está em sua bancada de trabalho rindo. “Obrigada”, diz Morgan, os olhos brilhando quando estende a mão e liga a máquina de lavar roupa. “Lavar as fraldas era a próxima na minha lista de tarefas.” “De nada. murmuro.

Uh,

realmente

preciso

lavar

as

mãos”,

“Vamos.” Ela agarra meu pulso e me leva de volta para a casa Assim que chegamos à pia, ela despeja sabão na minha mão e abre a torneira, certificando-se de que a água está na temperatura certa antes de sair do caminho. “Não precisa fazer isso”, diz ela, ficando perto do meu lado enquanto esfrego as mãos. “Eu sei.” Olho para ela enquanto continuo a esfregar. “Mas precisava ser feito.” “Desculpe, caí no sono. Você deveria ter me acordado.” “Você obviamente precisava”, respondo, girando um pouco para beijar o topo de sua cabeça. Eu te amo, penso. “Sim, tem sido uma espécie de show de merda por aqui ultimamente”, ela confessa, inclinando-se contra o balcão. “Ainda não encontrei um novo emprego e estamos tropeçando um no outro. Quando chego à cama à noite, não consigo dormir porque minha mente está cheia de coisas.” “Não pode parar de pensar sobre a minha coisa, hein?” Provoco, pegando uma toalha.

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“Sim”, ela responde, inexpressiva. “Isso é exatamente o que quis dizer.” Sorrio e me viro para ela, afastando o cabelo de seu rosto gentilmente. “Tudo vai dar certo, linda”, digo suavemente. “Sabe disso, certo?” “Sim.” Ela suspira. “Não posso acreditar que dirigiu até aqui.” “Eu te disse”, falo. “Senti sua falta.” “Ainda assim.” Ela olha por mim e torce os lábios um pouco. “Não tenho certeza do que espera.” “Sim, você sabe”, repreendo. “Vivemos em estados diferentes”, ela aponta, afastando-se de mim. “Semântica”, respondo imediatamente. “Venha para casa comigo amanhã. Problema resolvido.” Ela começa a rir, mas o som é interrompido quando ela percebe que não estou brincando. “Não posso simplesmente ir para o Oregon com você”, diz ela, olhando para mim como se eu tivesse duas cabeças. “Por que não?” Dou um passo para frente e ela dá um passo para trás. “Você não está trabalhando agora.” “Obrigada pela lembrança.” Quanto mais penso sobre a ideia, mais sentido faz. Ela não está certa sobre mim ainda. Algo a impede. Tenho a sensação de que se estivéssemos no mesmo lugar por um tempo, as coisas poderiam ser diferentes. Relacionamentos de longa distância podem funcionar, mas precisam de uma base sólida primeiro. Além disso, realmente quero que ela fique comigo e

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preciso voltar ao trabalho antes que a empresa comece a implodir. “Etta ainda não está na escola”, continuo. “E seu pai provavelmente estará feliz em ter a casa para si novamente.” “Eu não recusaria a oferta”, diz Stan, passando por nós para ir até a pia. “Não se importe comigo, só preciso lavar a graxa das mãos.” “Jesus, papai”, Morgan fala. “Com pressa para se livrar de nós?” “De jeito nenhum”, responde ele, de costas para nós enquanto se lava. “Mas você não está fazendo nada aqui exceto sentar sobre sua bunda. Pode muito bem ir para uma visita.” “Talvez eu não queira”, diz ela, jogando as mãos no ar. “Ou talvez queira”, ele responde. A boca de Morgan fecha quando ela olha para suas costas, em seguida, vira os olhos acusadores para mim. Não deixo seu olhar me incomodar, mas arquivo o fato de que ela não gosta de se sentir encurralada na memória. Mantendo minha expressão passiva, retorno seu olhar. “Vou pensar sobre isso”, diz ela finalmente. “Bom.” “Isso não é um sim”, ela murmura. “Não é um não também”, aponto. Com mau humor, ela sai da cozinha. “Droga, filho”, Stan diz assim que estamos sozinhos. “Eu preciso ajudá-lo com tudo?”

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“Qual é sua participação nisso, meu velho?” Respondo, cruzando os braços sobre o peito. “Só quero minha garota feliz”, diz ele, cruzando os próprios braços. “Acho que ela será feliz com você.” “Olha quem está acordada”, diz Morgan segundos depois. “Twevo!” Etta grita, correndo em minha direção. “Ei”, respondo, puxando-a em meus braços quando ela arremessa seu corpinho em minha direção. “Teve um bom cochilo?” “Não”, ela diz calmamente. Ela estende a mão e acaricia minha barba com as duas mãos enquanto continua. “Eu não gosto de cochilos.” “Às vezes o nosso corpo só precisa de um descanso”, respondo, observando seu rostinho expressivo enquanto ela separa minha barba e alisa-a sob as pontas dos dedos. “Eu não preciso descanso. Preciso de cachorros-quentes e fritas”, ela diz seriamente.

bananas

e

“Essa é uma mistura estranha.” “Eu gosto de empanados também.” “Empanados de frango?” “Sim.” “Eu também gosto desses”, digo, assentindo um pouco quando seus olhos se erguem para encontrar os meus. “Gosto de mergulhá-los no molho.” “Eu não gosto de molho”, ela diz se desculpando, sacudindo a cabeça de um lado para o outro como se achasse

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que sou um pouco louco, mas não quer ferir sentimentos. “Eu apenas gosto de empanados.”

meus

“Justo”, murmuro, inclinando a cabeça um pouco quando ela puxa um lado da minha barba. “Você gosta da minha barba?” Ela responde com palavras sem sentido, e tenho a sensação de que ela usou o número de palavras que ela está disposta a me dar. Quando olho por cima do seu doce rosto, meus olhos imediatamente capturam os de Morgan. “Apenas uma visita curta”, diz ela, com os olhos suaves. “E vou no meu carro.” “Por que nós vamos em dois carros?” “Porque eu quero o meu”, diz ela. Abro a boca para responder, mas fico em silêncio enquanto ela caminha para frente. Ela beija Etta nas costas quando chega até nós, então desliza a mão ao meu lado enquanto se move em torno de nós. “Eu provavelmente deveria preparar as malas.” Não posso evitar o sorriso que cruza meus lábios quando viro para segui-la pelo corredor, ignorando o riso de diversão de Stan e os dedinhos puxando minha barba. Observo a bunda de Morgan enquanto ela caminha na minha frente, e mal posso conter a excitação. Vou tê-la toda para mim. * * * A viagem para o norte foi uma droga. Segui atrás de Morgan a maior parte do caminho e a mulher dirige como uma geriátrica. Não entendo como ela aprendeu a dirigir na Califórnia, mas se recusou a dirigir mais de cinco quilômetros acima do limite de velocidade. Entre o ritmo vagaroso dela e o número de vezes que tivemos que parar para deixar Etta sair do carro, demoramos umas boas três horas a mais do que deveria.

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No momento em que entramos na minha garagem essa noite, todos estamos irritados, cansados e mais do que prontos para esticar um pouco as pernas. Etta corre em círculos na entrada da garagem até que ouve o filhote praticamente uivar e sai pela casa para encontrá-lo, a mãe seguindo atrás num ritmo muito mais lento. Koda está ansioso porque disse a Ani que estaríamos em casa naquela noite e ela não veio levá-lo para dentro para dormir. Passo a mão pelo meu rosto e aperto o botão da porta da garagem enquanto os sigo. Tenho a sensação de que nenhum de nós vai descansar por um tempo, embora já passe da meia-noite. “Cachorrinho!” Etta grita até que destranco o portão dele. “Jesus”, Morgan murmura quando Koda vem trotando para o quintal e Etta cai em suas mãos e joelhos para fazer igual a ele. “Eu não deveria ter deixado ela dormir pelas últimas duas horas.” “Discutível”, brinco. “Ouvi-la choramingar em um espaço confinado, ou sentar na varanda de trás e deixa-la cansar com um cachorrinho. Eu escolheria o cachorrinho.” “Você provavelmente está certo”, ela ri, sorrindo enquanto me olha. Desde que ela concordou em vir ficar por um tempo, estamos cuidadosos perto um do outro. Sentei na cama dela e observei-a arrumar a mala, dando conselhos e geralmente me incomodando, mas mal a toquei de novo antes de ir para o hotel na noite anterior. Esta manhã mal consegui dizer olá antes de pegarmos a estrada, e não tive um minuto sozinho com ela desde então. Ela senta nos degraus da varanda dos fundos enquanto Etta persegue Koda pela grama, e sorrio para a imagem que

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formou. A luz da varanda dos fundos está brilhando em seu cabelo loiro, mas seu rosto está na sombra, fazendo-a parecer uma espécie de fantasma. “Você parece exausta”, digo, esticando meus braços acima da cabeça. “Eu vou abrir a casa.” Assim que ela concorda, corro de volta para a frente, começo a carregar todas as nossas malas na varanda da frente. Só tenho uma mala, mas Etta e Morgan tem três e são grandes. Espero que isso signifique que Morgan está planejando ficar por algum tempo, mas não perguntei quando vi em seu carro mais cedo. Parte de mim quis apenas mostrar isso e dizer a ela que a quero indefinidamente, mas a outra parte, a parte mais inteligente, sabia que, se a pressionasse, ela recuaria. Estou escolhendo minhas batalhas. “Eles não desaceleraram ainda?” Pergunto, colocando minha cabeça pela porta dos fundos alguns minutos depois. “Você me assustou!” Morgan diz, rindo sem fôlego. “Bom Deus, está escuro aqui no meio do nada.” “Você tem a luz da varanda”, aponto, provocando-a um pouco. “Uma única lâmpada não é exatamente o mesmo que as luzes da rua a cada dez metros”, argumenta ela, indo para o jardim. Ela pega Koda e agarra a mão de Etta, ajudando-a a subir as escadas. “Maldito, é muito quieto aqui fora.” “Oh, estamos de volta ao maldito?” “Estou tentando, tudo bem?” Ela diz, balançando a cabeça um pouco quando me entrega o filhote. “Às vezes escapa. É influência do meu pai.” “Terei uma conversa com Stan.”

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“Oh.” Ela ri, levando Etta para a casa. “Por favor fale. Deixe-me assistir.” Assim que fecho a porta, viro-me para ver o rosto de Etta franzido com a careta mais fofa que já vi na vida. “Eu não estou cansada”, diz ela socialmente. Mordo o interior da minha bochecha para não sorrir. “Eu acordada e eu feliz.” Ela sorri enorme, mostrando a boca cheia de dentes de leite. “É isso mesmo?” Morgan pergunta, inclinando a cabeça para o lado em diversão. “Isso mesmo”, responde Etta, franzindo o nariz. “Mamãe está cansada.” Etta encolhe os ombros e olha para mim. “Tio Trev está cansado também”, digo a ela com um aceno de cabeça. “Koda não cansado.” Tusso para cobrir a risada que não consigo conter. O filhote já está completamente mole e ronca nos meus braços. “F-I-L-M-E?” Pergunto a Morgan tentando disfarçar a palavra. Ela assente e me segue para a sala de estar, onde fico feliz em ver que Ani realmente limpou. Se não me engano, ela até poliu a mesa de centro. “Trevor”, diz Morgan, parando perto do sofá enquanto olha as malas bem do lado de dentro da porta. “Você não precisava trazê-las.”

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“Demorou dois segundos”, respondo com um encolher de ombros. Eu não queria fazer um grande negócio com isso, mas estou tratando as palavras de Stan como evangelho. Surpreendentemente, é muito bom intervir e ajudar quando a outra pessoa não espera. Em algum momento, Morgan vai perceber o que estou fazendo, e tenho certeza de que terá muito a dizer sobre isso. Até este momento, vou continuar fazendo coisas para ela sempre que tiver uma oportunidade. Sento no sofá com Koda, enquanto Morgan troca Etta por uma fralda nova e pijama. Poucos minutos depois, estamos alinhados no sofá com um filme de princesa na TV, e Etta está se aproximando mais e mais do meu lado. Não tenho certeza se ela estava tentando se aproximar de mim ou do cachorro no meu colo. Recostando-me um pouco, levanto o braço acima dela e coloco-o no encosto do sofá para poder passar os dedos pelo pescoço de Morgan. Quando a mulher que amo relaxa mais e mais contra a minha mão, aumento a pressão em seu pescoço, massageando até que praticamente estou segurando a cabeça dela na minha mão. Etta dorme menos de meia hora do filme, mas Morgan e eu não nos movemos dos nossos lugares no sofá. Nós apenas ficamos aqui, olhando fixamente a tela da TV, enquanto o filhote e o bebê dormem pacificamente entre nós. “Eu não posso acreditar que me convenceu a vir aqui”, ela diz depois de um tempo, sua voz baixa. “Tem coisas que deveria estar fazendo em Sacramento.” “Você já está se arrependendo?” Pergunto, virando a cabeça para o lado para olhá-la. “Na verdade, não”, ela responde, seus lábios inclinando-se nos cantos. “Estou muito feliz por estarmos aqui.”

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“Eu também”, digo, dando um leve aperto no pescoço dela. “Acha que vai ficar por algum tempo?” “Pelo menos tempo suficiente para sua mãe ver Etta”, ela diz, meio brincando. O lembrete me faz conter uma careta. Minha mãe ainda não fez contato, e Morgan não tem ideia do quão ruim é de verdade. Eu mencionei a discussão para ela quando apareci pela primeira vez em sua casa, mas não discutimos isso desde então. Estou temendo a reação de Morgan, uma vez que ela souber que minha mãe não está falando comigo por causa do nosso relacionamento. Ela não precisa de um motivo extra para me afastar; ela está fazendo isso muito bem sozinha. “Se ficar mais tempo do que isso, vou fazer o café da manhã”, prometo, passando meus dedos pelo cabelo dela. “Café da manhã também?” “E almoço”, concordo. “Até mesmo o jantar.” “Isso é difícil de dispensar.” “Então não dispense.” Seu rosto está iluminado de azul e verde da luz da TV e não posso deixar de passar o polegar sobre a curva de sua bochecha. Ela é tão bonita, mesmo quando está revirando os olhos para mim. “Eu provavelmente deveria levá-la na cama”, ela sussurra, mudando de assunto como sempre faz. Não me incomoda como no passado. Não tenho certeza se é o cenário, ou a maneira como os olhos dela permanecem no meu rosto, mas o nó na minha barriga que geralmente aparecia quando ela se afastava de mim está ausente. “Eu vou levá-la”, respondo, deixando o momento passar.

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Nessa noite, nem me importo de ir para a cama sozinho. A casa parece viva pela primeira vez desde que me mudei. Enquanto me troco e me arrasto entre os lençóis, posso ouvir Morgan cantando para Etta do outro lado do corredor. “Etta, meu amor, você está com sono e é hora de descansar. Amanhã você pode brincar o dia todo. Koda está dormindo e tio Trevor está dormindo, então dormir provavelmente seria melhor.” Sorrio para a escuridão.

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CAPÍTULO 18 Morgan

“Já era hora de me ligar”, falo ao telefone enquanto observo Etta mergulhar em uma poça no quintal de Trevor. “Depois de sair como uma idiota.” “Sinto muito”, Miranda responde, suspirando exasperação. “Mas não quis entrar nisso com você.”

em

“Você poderia ter pelo menos deixado um bilhete.” “Bem, sim”, ela resmunga. “Mas não pensei sobre isso.” “Muito ocupada terrenos?” Pergunto.

escapando

com

todos

seus

bens

“Eu só peguei uma mochila”, ela responde secamente. “O resto está guardado na garagem do papai.” “Eu olhei!” “Coloquei junto com as coisas de Natal para que não fosse bisbilhotar por pistas.” “Eu vi tudo o que possui”, eu respondo. “E não teria bisbilhotado.” “Você com toda certeza teria”, ela argumenta, rindo um pouco. “Eu só precisava sair daquela casa, entende?”

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“Sim, eu entendo”, respondo. Pensei muito na longa viagem para o norte, e não posso culpar minha irmã por querer fugir. Mas o jeito que ela se foi ainda me incomoda. “Você tinha que ir com Frances, certo?” “Você é a única pessoa que ele deixa escapar com essa merda”, ela murmura de volta. “Sabe disso, certo?” “Sim, sim”, digo, revirando os olhos. “Ele me ama, blá, blá.” “Ele não é exatamente o monstro que fala.” “Não acho que ele é um monstro”, retruco. Etta olha para mim e sorrio com os dentes cerrados para tranquilizá-la. “Só não acho que ele é bom o suficiente para você.” “Sim, bem, só vai ter que lidar com isso”, ela responde. “Diga-me que está brincando.” O silêncio do outro lado da linha me dá a minha resposta. “Espero que saiba o que está fazendo.” “Eu posso lidar com isso”, diz ela finalmente. “Além disso, você não tem autoridade para falar.” “O que isso significa?” “Onde está agora?” Ela pergunta, rindo. “Deixe-me adivinhar. Algum lugar nos campos do Oregon?” “Você ligou para papai primeiro?” Pergunto indignada. “Eu sabia que teria uma recepção melhor”, ela responde. “Ah, aposto. Ele deixa você escapar com qualquer coisa.” “E ele é tão diferente com você?” Encolho os ombros, mesmo que ela não possa me ver.

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“Então, você está no Trevor”, diz ela, cantarolando. “Como vai isso?” “Chegamos aqui ontem à noite”, respondo, dobrando os joelhos para cima para que poder puxar meu casaco enorme sobre as pernas. “Até agora, tem sido bom.” “E onde dormiu?” “No quarto de hóspedes, intrometida.” “Por que diabos faria isso?” “Porque sou uma convidada?” “Não seja idiota.” “Porque”, respondo. “Ele não fez um movimento.” “Sério?” “Então, eu acho que ele está esperando.” “Pelo quê, casamento? Vocês já cometeram o ato.” “Eu não sei.” Suspiro e encosto minha cabeça contra a cadeira em que estou sentada. “Ele fez café e panquecas esta manhã, e depois foi trabalhar por algumas horas. Ele me deu um beijo de despedida, mas foi bem platônico.” “Não posso imaginar aqueles lábios sendo platônicos sobre qualquer coisa.” “Não fique imaginando os lábios dele”, ordeno. “Calma, tigresa”, ela responde. “Sabe que o meu gosto é inclinado para os motoqueiros de cabelos compridos.” “Não me lembre.” “Então, o quê?” Ela pergunta. “Vocês são apenas amigos?”

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“Não.” Isso, pelo menos, eu tenho certeza. “Ele disse à família dele que quer se casar comigo.” “Disse o quê?” Ela praticamente grita. “Sem brincadeiras.” “Ele está indo rápido demais, não está?” “Não acho que ele está falando totalmente sério.” “Trevor parece um cara que diz coisas que não quer dizer?” “Não.” “Bem.” “Sim.” “O que vai fazer?” “Não tenho ideia”, confesso. A ideia de casar com alguém me aterroriza. Inferno, o pensamento de apenas morar com alguém me aterroriza. O casamento é enorme, épico, alterando a vida. “Ele te ama”, diz Miranda suavemente. “Isso é grande.” “Eu sei.” Pego Etta no quintal, ficando lamacenta como o inferno e tão feliz quanto já a vi. Esta poderia ser a nossa vida – o homem, a casa, o cachorro, o quintal interminável para brincar – poderia ser nossa realidade se eu apenas estender a mão e a pegar. “Você o ama?” Miranda pergunta. “Como eu sei?” “Você vai saber”, ela responde instantaneamente. * * *

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Naquela tarde, Etta e eu fomos para a cidade com Trevor comprar mantimentos e algumas roupas para Etta usar no exterior. Percebi um pouco tarde que suas leggings e tênis não foram feitos para a vida no campo. No momento em que ela entrou para tomar um banho quente, ambos estavam manchados além da lavagem pelo barro misturado com a sujeira ao redor da casa. De acordo com Trevor, ela precisava de algumas botas de chuva e jeans se será uma menina do campo, e desde que só tem um par de sandálias depois da bagunça que fez antes, graciosamente aceitei a ideia. É assim que acabamos no departamento de calçados da loja local, experimentando sapatos numa criança de dois anos que não quer participar do processo. “Etta, quais você gosta?” “Eu gosto de biscoitos”, ela responde. “Eu sei”, respondo, sentando-a no banco pela décima quinta vez. “Mas você já tem um biscoito e agora é hora de botas. Quais botas você gosta?” Ela não se incomoda em responder enquanto coloco seus pés em algumas botas de princesa rosa. “Eu gosto dessa”, ela diz, apontando para um par diferente assim que coloco as botas cor de rosa nos pés. “Aqui está”, diz Trevor, entregando-me as botas de crocodilo verdes que ela está apontando. Troco as botas e ajudo Etta a descer do banco, mesmo que ela tenha provado várias vezes que pode fazer isso sozinha. Depois que ela anda de um lado para o outro algumas vezes, ela aponta para as botas cor de rosa novamente. “Eu gosto dessas.”

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“Eu pensei que gostou da verde?” Pergunto, perdendo a paciência. Não sei por que pedi a opinião dela. Ela tem dois anos, pelo amor de Deus. Ela não se importaria se eu a vestisse com um macacão todo dia. “Eu gosto dessa”, ela repete, apontando para as botas de princesa. “Ok.” Retiro as botas verdes e começo a colocar as sandálias de volta quando o inferno se solta. “Não, eu gosto dessas”, ela grita, apontando para as botas de princesa novamente. “Eu gosto dessas!” “Eu sei”, respondo, tentando calá-la. “Não essas.” Ela chuta os pés, tentando tirar as sandálias. “Henrietta”, repreendo, tentando em vão fazê-la parar de chutar como uma lunática. “Pare com isso.” “Eu gosto dessas!” “Jesus”, murmuro, levantando. Meu rosto está queimando de vergonha quando encontro os olhos de Trevor. “Pegue as botas”, ele diz calmamente. Então, sem alarde, ele pega Etta e começou a carregá-la para fora do departamento de sapatos. Pego as botas na prateleira e as jogo no carrinho enquanto o sigo. No momento em que os encontro, Etta está completamente em silêncio. “Vocês terminaram?” Trevor pergunta, caminhando em direção às filas dos caixas. “Sim.” Eu me inclino em torno dele, mas Etta está virada para longe de mim e não consigo ver sua expressão.

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“Acho que a assustei”, diz Trevor, lendo com precisão a minha confusão. “Ela parou assim que comecei a andar.” “Eu sinto muito”, murmuro. Ele não me deixou pagar e foi tão amável com a coisa toda que quando chegamos à caminhonete, fiquei tão envergonhada que poderia ter chorado. Depois de rapidamente colocar Etta em seu assento, ele vira para mim, mas não diz o que quer que esteja em sua mente. Em vez disso, ele fecha a porta de Etta e segura meu rosto nas mãos. “Ela tem dois anos”, ele diz suavemente, dando-me um sorriso doce. “Não se estresse.” “Você ainda comprou para ela as botas idiotas”, respondo. “Ela tem dois anos”, ele repete. “E tenho a sensação de que ela vai dormir antes de sairmos do estacionamento.” “É tão embaraçoso quando ela faz isso”, confesso, descansando minhas mãos em seus lados. “Todo mundo estava olhando.” “Ninguém estava prestando atenção.” “Tipo, Deus, que mãe horrível”, continuo como se ele não tivesse falado. “Por que ela não pode controlar sua filha?” Trevor começa a rir e se inclina para me beijar com firmeza nos lábios. “Qualquer um que pense isso nunca teve uma criança de dois anos”, ele diz, beijando-me novamente. “Agora, entre na caminhonete e vou carregar nossas sacolas.” “Eu posso ajudar”, argumento. “Caminhonete, Morgan”, diz ele, ignorando-me quando começa a colocar as sacolas na caixa de armazenamento na

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carroceria da caminhonete. “Depressa, está prestes a começar a chover.” Ele se mexe enquanto tento passar por ele, batendo-me deliberadamente com sua bunda enquanto continua a descarregar o carrinho. “Vá.” * * * Nos dias que se seguem, caímos num padrão familiar. Trevor nos prepara o café da manhã antes de sair para o trabalho, como prometeu, mas sou eu quem faz o almoço e o jantar. Não me sinto bem em deixá-lo nos esperar, especialmente quando se recusou a me deixar pagar por qualquer um dos mantimentos e, honestamente, gosto de fazer as coisas para ele. Cai com surpreendentemente facilidade no papel doméstico, e não posso dizer que não gosto disso, apesar de parecer muito estranho. Etta e eu normalmente passamos o dia brincando com o filhote e dando passeios na chuva pela propriedade. Nunca nos afastamos tanto que perdemos a visão da casa, mas ainda encontramos novas áreas para explorar toda vez que saíamos. A propriedade de Trevor é linda, e Jesus cheira bem, especialmente depois que chove. Tudo parece limpo e fresco no meio do nada. Infelizmente, antes que Trevor saia para o trabalho naquela manhã, ele deixou cair uma pequena bomba no meio da nossa idílica pausa da realidade. Não vimos mais ninguém desde que chegamos, e tive a sensação de que Trevor pediu a eles que ficassem longe por um tempo. Estou muito agradecida pelo alívio enquanto nos instalávamos, mas parece que a visita está chegando ao fim e as coisas estão prestes a ficar um pouco mais complicadas.

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A família de Trevor sempre janta nas noites de sextafeira. É algum tipo de tradição que vem acontecendo há anos. Ele foi muito legal sobre isso, e deixou claro que não precisamos ir, o que apreciei. No entanto, não consigo pensar em uma razão para recusar além de puro egoísmo. Então, em vez de levar Etta num passeio pela natureza naquela tarde, estou ocupada nos limpando e tornando apresentáveis. Sequei e enrolei meu cabelo pela primeira vez em semanas, coloquei Etta numa roupa que realmente combina, enchi a bolsa de fraldas com suprimentos suficientes para cuidar de qualquer emergência, e me certifiquei de que estávamos prontas quando Trevor chegou do trabalho naquela noite. “Droga”, ele diz, sorrindo quando nos vê sentadas no sofá. “Como tive tanta sorte?” “Eu sei”, respondo, levantando-se e girando ao redor. “Eu realmente tomei banho hoje.” “Você tomou?” Ele cheira. “Sim, você tomou.”

brinca,

chegando

perto. Ele

me

Começo a rir e empurro seu peito. “Eu não cheiro mal.” “Bom”, ele responde, arrastando a palavra como se ele não concordasse. Etta escolhe esse momento para se levantar e fazer um pequeno giro também. “Eu usando calcinha de plumas”, ela diz com orgulho. Trevor olha para mim para esclarecimento. “Pluma”, murmuro, suspirando quando Etta faz uma pequena dança. “Não tenho ideia por que ela é tão orgulhosa de suas fraldas, mas tenho a sensação de que em algum momento vai se tornar um problema.”

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“Contanto que possamos tira-la disso antes que ela comece a pré-escola”, Trevor responde com falsa seriedade. “Acho que estamos a salvo.” “Deus te ouça”, digo, levantando minhas mãos em súplica. Depois de uma rápida troca de roupa de trabalho, Trevor nos leva para a caminhonete. As noites estão ficando cada vez mais frias, e tenho a sensação de que ficará muito frio logo. Nossos dias de exploração acabarão se não conseguir algumas roupas de inverno. “Vamos jantar na casa da minha tia e tio”, diz Trevor enquanto se afasta da calçada em frente a garagem. “Eles moram na mesma rua.” “Eu me lembro”, murmuro. Estou nervosa por ver todo mundo de novo e não estou realmente ansiosa para jantar, mas parece que Trevor está mais tenso do que eu. Ele não está externamente nervoso ou qualquer coisa, mas há algo sobre o jeito da sua postura que me deixa no limite. Não consigo descrever a vibração que estou recebendo dele, então não me preocupo em dizer nada sobre isso na curta distância, mas continuo a observá-lo. Em poucos minutos, estamos passando por um monte de veículos até a porta da frente da casa de sua tia e tio. Sei que eles têm uma família grande, mas andar por todos esses carros realmente leva ao ponto, sem trocadilhos. “Ei”, Ani cumprimenta no minuto que Trevor me conduz pela porta da frente. “É bom te ver novamente.” “Você também”, digo, seguindo a liderança de Trevor quando ele tira as botas. “Como está Arielle? Ela não está dormindo ainda?”

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“Infelizmente, não”, diz Ani com tristeza. “Mas estamos conseguindo mais duas horas do que antes, então vou agradecer por isso.” “Caramba”, murmuro. Só então, três menininhos de idades variadas vêm correndo pelo corredor gritando por Trevor. Assim que chegam até ele, começam a envolver seus pequenos corpos em volta do torso e, com um olhar de puro horror, Etta praticamente mergulha para fora de seus braços num esforço para me alcançar. Felizmente, eu a pego pouco antes dela cair de seus braços. “Rapazes”, diz ele com firmeza, apoiando-se na parede. Os meninos instantaneamente se aquietam e olham para ele com expectativa. “Morgan, este é Keller, Gavin e Gunner. Eles são os meninos de Shane e Kate.” “Ei pessoal”, digo, tentando e não conseguindo que Etta libere seu aperto de morte no meu pescoço. “Esta é Etta.” Eles dizem olá para mim e Etta, mas perdem o interesse muito rapidamente, enquanto continuam a subir em Trevor. Observo calmamente enquanto ele ouve cada uma das suas histórias com total concentração e responde com perguntas que mostram que estava ouvindo. Lentamente, saímos da entrada e entramos na sala de estar, onde Ani e Abraham estão sentados no sofá em frente a outra mulher. Assim que a mulher se vira para dizer algo a Trevor, eu a reconheço. “Ei Trev-” Seus olhos se arregalam quando ela ve Etta e eu. “Caramba, você está aqui!”

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Ela pula do sofá alegremente e caminha para um abraço. Também não há nada de desconfortável ou estranho nisso. Tenho apenas um braço livre, mas uso-o para apertá-la de volta. “É bom te ver de novo”, Kate diz como se fôssemos velhas amigas e não fizesse mais de dez anos. “Você está ótima.” “Você também”, respondo. “Ha!” Ela ri. “Eu não acho que eu lavei meu cabelo em uma semana.” “Eu só fiz hoje porque viriamos para cá”, confesso, fazendo-a rir um pouco mais. “Bem, não sinta a necessidade de fazer isso da próxima vez”, diz ela, levando-me ao pequeno agrupamento de assentos. “O jantar da noite de sexta-feira não é nada chique.” “Uma vez os caras voltaram da caça logo antes do jantar e todos vieram para a mesa cheirando como totais idiotas”, Ani acrescenta com uma risadinha. “Liz nem sequer disse uma palavra, ela mudou todos os seus pratos para a varanda dos fundos.” “Oh, Deus”, diz Kate com um gemido. “Eu me lembro totalmente disso.” “Nós enchemos o congelador naquele ano”, acrescenta Abraham. “Completamente irrelevante”, tapinha conciliatório no joelho dele.

Ani

responde

com

um

“Ei, Katie”, diz Trevor quando finalmente se livra dos garotinhos.

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Ela se levanta e dá nele um grande abraço, murmurando algo que não posso ouvir em seu ouvido. Ele assente, mas quando se afasta não consigo ler nada em sua expressão. “Vocês voaram?” Ele pergunta, sentando-se ao meu lado. “Claro”, ela responde. “É mais caro, mas me ajuda a manter minha sanidade.” Kate olha para mim e sorri com tristeza. “Eu tenho cinco filhos. As viagens pela estrada são as piores.” Não falo muito quando a conversa flui ao meu redor. Há um relacionamento fácil entre todos que é evidente na forma como eles provocam e brigam. Eu gosto daquilo. Isso me lembra de como era quando Miranda e eu saímos com os meninos de Danny e Lorraine. “Ouvi dizer que tenho uma sobrinha-neta aqui”, a tia de Trevor fala quando entra na sala. “Morgan, não tenho certeza se lembra de mim. Eu sou Liz.” Ela estende a mão e aperta minha mão calorosamente. “Claro que me lembro”, respondo com um sorriso. “Esta é Etta.” “Oi, Etta”, diz Liz, inclinando-se um pouco para poder ver o rosto de Etta. “É meio que esmagador aqui, não é? Você vai se acostumar com isso, e quando estiver pronta, há brinquedos na outra sala.” Etta não responde, mas sorri um pouco ao redor do polegar em sua boca. “Às vezes leva um minuto para ela se aquecer”, digo, desculpando-me. “Ah, não a culpo”, diz Liz, sorrindo enquanto se endireita novamente. “Somos um bando barulhento.”

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Ela sai quase tão rapidamente quanto veio, assegurando a todos que o jantar está quase pronto e não precisa de ajuda. Quando ela sai da sala, uma garotinha entra e sobe no joelho de Trevor. O corpo inteiro de Etta enrijece enquanto ela observa, depois relaxa quando fica fascinada com quem assumo ser a filha mais velha de Kate. “Oi, eu sou Sage”, diz ela, apresentando-se a mim assim que se senta. “Eu sou Morgan e esta é Etta”, respondo, saltando Etta um pouco no meu colo. “Ela está decidindo bancar a tímida no momento.” “Eu não te culpo”, diz Sage conspiratoriamente para Etta. “Isso mantém os garotos irritantes longe.” “Garotos irritantes”, Etta concorda, inclinando-se um pouco para Sage. “No entanto, temos alguns brinquedos na outra sala”, diz Sage, encolhendo os ombros. “Se quiser brincar.” “Eu brinco”, Etta responde, sentando-se completamente ereta. “Está tudo bem?” Sage me pergunta. “É apenas do outro lado da parede”, diz Trevor, inclinando o queixo em direção à sala de brinquedos. “Está tudo bem”, respondo, deixando Etta sair do meu colo. Ela segue Sage para fora da sala sem um único olhar para trás. “As crianças são estranhas”, risada. “Como é tão fácil fazer amigos?”

Kate

diz

com

uma

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“Eu não tenho ideia”, digo, balançando a cabeça. A conversa começa de novo e, em pouco tempo, eu participo. As famílias Harris e Evans são fáceis de se estar por perto, assim como lembrava de quando era criança. É um alívio saber que fiquei nervosa sem motivo. Estou me sentindo muito bem com toda a situação meia hora depois, quando uso o banheiro e lavo as mãos. Etta está se divertindo, a família de Trevor é super acolhedora, e não me sinto fora do lugar desde os primeiros minutos dentro da casa. Então, meio que me sinto atingida por um jipe quando saio do banheiro e ouço a conversa acontecendo entre Trevor e seus pais. Eles devem ter chegado logo depois que vim para o banheiro. “Você sabe que é sempre bem-vindo”, diz Mike. “Todo mundo ficou um pouco nervoso...” “Eu não estava nervoso”, responde Trevor sem rodeios. “E mamãe foi muito clara.” “Eu estava apenas frustrada”, diz Ellie. “Não sei como você pode falar sobre seu irmão assim.” “Como o quê? Como se ele fosse humano? Como se ele fosse um idiota que deixou a filha e não olhou para trás?” “Trevor”, Mike diz em aviso. “Eu o amava tanto quanto você, mas não vou fingir que ele era um santo.” “Ninguém está pedindo isso, filho.” “Tudo isso sobre aquela mulher?” Ellie pergunta, fazendo minha garganta apertar. “O que deu em você?”

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“Vamos apenas fingir que nenhum de nós estava chateado com Henry quando descobrimos o que ele fez?” Trevor pergunta, cansado. “É assim que está desculpando isso?” Ellie pergunta, sua voz suavizando. “Porque está bravo com ele?” “Jesus Cristo, mãe”, Trevor diz em desgosto. Eles ainda não me notaram no final do corredor. “Estou apaixonada por Morgan. Dizer que tem algo a ver com Henry é como dizer que os Giants vão ganhar o Super Bowl porque Bram decidiu usar uma camiseta laranja ontem.” “Eu acho que-” “Não”, Trevor a interrompe. Ellie está de costas para mim, então não posso ver sua expressão, mas nunca vou esquecer a expressão no rosto de Trevor quando ele encontra o dela diretamente. “Isso termina agora.” Ele olha para seu pai, que está surpreendentemente em silêncio. “Eu estou apaixonado por Morgan. Ela é engraçada, gentil e teimosa como o inferno, e em algum momento quero ter uma família com ela. Você pode ficar chateada sobre isso se quiser, mas vou dizer agora” – ele faz uma pausa para respirar – “você não vai ganhar isso. Tudo o que está fazendo é assegurar o fato que não vou deixar você se aproximar dela ou de Etta. Henry fez o suficiente – esta família não vai mais falar ou fazer qualquer besteira com ela.” Devo ter feito algum barulho, porque assim que Trevor termina de falar seus olhos se levantam para encontrar os meus e ele levanta a mão em minha direção. “Está pronta para ir, baby?” Pergunta ele. “Acho que vamos voltar para o jantar outra hora.” Ele vem em minha direção e envolve os longos dedos ao redor dos meus, em seguida, passa por seus pais, certificando-se de que ele seja uma barreira sólida entre nós. Se ele pedisse,

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teria dito que ele não precisa fazer isso. Eu não tenho medo deles. Em algum momento entre ele dizendo-lhes que me ama e se recusando a ouvir uma palavra que disseram, senti ter crescido essa barreira estranha que fazia parecer que nada poderia me tocar. Pego a bolsa de Etta calmamente e calço meus sapatos enquanto Trevor pega a bebê, e em menos de dois minutos saímos pela porta da frente e caminhamos em direção a caminhonete. Entramos sem dizer uma palavra e, em vez de nos dirigirmos para casa, Trevor vai para a cidade. Não é até que ele nos pede hambúrgueres e batatas fritas de uma pequena lanchonete que finalmente encontro minha voz. “Eu te amo”, digo, assim que ele dá uma grande mordida em seu hambúrguer. “Sei que é provavelmente uma péssima hora para dizer isso, depois de todas as coisas que aconteceram com seus pais, mas...” Ele larga o hambúrguer e envolve a mão na parte de trás do meu pescoço, e quando me beija, ele tem gosto do molho que colocaram em seu hambúrguer e cebola. Não importa. Seus lábios são suaves e ásperos quando ele os pressiona contra os meus e sua mão está firme na parte de trás do meu pescoço, proporcionando uma âncora que não percebi precisar até aquele momento. “A qualquer hora é uma boa hora para me dizer isso”, ele diz contra meus lábios. Nós nos separamos quando Etta começa a bater as costas do assento, depois comemos nossos jantares rapidamente. O caminho de volta para casa parece ter levado duas horas, e fazer Etta dormir uma vez que chegamos leva mais trinta minutos. Eventualmente, no entanto, acabo no meio do quarto

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de Trevor, praticamente tremendo quando ele tira minha camisa sobre a cabeça. “Nós realmente deveríamos conversar sobre as coisas”, diz Trevor, suas mãos tremendo quando as desliza para baixo dos meus braços, em seguida, para meus lados. “Isso seria a coisa mais sensata a fazer.” Ele está olhando meu torso, e não posso dizer se ele está falando comigo ou com ele mesmo. “Mas se eu não estiver dentro de você em breve, vou enlouquecer.” “Bem, não quero que enlouqueça”, provoco suavemente, avançando para puxar a bainha de sua camiseta. “Veja, você está brincando”, diz ele, tirando a camiseta sobre a cabeça. “Enquanto estou aqui, com medo de desmaiar.” Solto uma risada para sua expressão sincera. “Não estou brincando”, diz ele, abrindo a frente da minha calça jeans. “Tem sido muito tempo.” “Então, o que está esperando?” Eu pergunto quando empurro a calça sobre meus quadris. “Estou tentando aproveitar o momento”, ele responde, abaixando o jeans e cueca de uma só vez. “Podemos aproveitar depois?” Pergunto esperançosa. Com um grunhido, ele se inclina para frente e me joga por cima do ombro, fazendo-me rir histericamente quando anda pisa na direção da cama e me joga sobre ela. Antes que ele possa colocar um joelho no colchão, estou tirando a calcinha e arremessando-a para longe. Estendo a mão para soltar meu sutiã, mas quando consigo retirá-lo, sua boca já está em mim através da renda, fazendo-me gemer.

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“Vou traçar sua tatuagem com a língua”, ele murmura, seus lábios traçando um caminho pela minha barriga. “Eventualmente” Seus lábios pressionam contra mim e minhas pernas abrem descaradamente enquanto ofego. Os lábios que pareciam tão bons contra os meus parecem infinitamente melhores quando estão manipulando a pele entre minhas coxas. Estou rapidamente alcançando meu limite, meus dedos afundando no edredom debaixo de mim e meus olhos fecham com força quando sua boca desliza para longe. “Algum dia nós não precisaremos disso”, ele diz quando meus olhos se abrem. Ele está colocando um preservativo em sua ereção enquanto sua boca traça padrões na parte interna da minha coxa. “Mas por enquanto, vamos ter cuidado.” “Obrigada”, sussurro. Ele se arrasta por meu corpo e pressiona os lábios suavemente nos meus. “E algum dia você não vai me agradecer por cuidar de você”, ele diz sério, suas palavras tão gentis que fazem meu nariz arder com lágrimas não derramadas. “Você só vai esperar.” Então, lenta e reverentemente, ele desliza para dentro. Não trocamos de posição nem corremos para a linha de chegada. A primeira vez que ele esteve dentro de mim foi frenética, mas desta vez é lenta e constante, quase no ritmo da chuva que podemos ouvir cair no telhado. Quando gozo, isso me cobre como um cobertor quente, transformando meus ossos em geleia. E quando ele termina logo depois de mim, assisto através dos olhos semicerrados quando seu rosto relaxa com prazer. Juntos, nós rolamos para o lado e me aconchego perto enquanto ele puxa os cobertores para cima e sobre nós.

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“Jesus”, ele murmura, suspirando quando me puxa ainda mais perto. “Na verdade, fica melhor.” “Não achei que fosse possível”, respondo, maravilhada, olhando para o teto. “Inferno, nem eu.” Ele começa a rir e o som é tão contagiante que também rio. “Eu te amo”, diz ele, pressionando os lábios contra a minha testa. “Eu também te amo”, respondo, um pouco nervosa, embora já tivesse dito isso a ele antes. “Sinto muito sobre esta noite”, ele murmura, passando a mão levemente para cima e para baixo nas minhas costas. “Apenas presumi que eles iriam cancelar o jantar esta semana desde que minha mãe ainda está chateada comigo. Não teria te levado lá se soubesse que eles causariam problemas.” “Não foi sua culpa.” “Ainda assim.” Ele faz uma pausa. “Eu não queria que tivesse que lidar com isso.” “Eles são sua família, Trev”, digo gentilmente. “Está fadado a acontecer em algum momento.” “Não se eu puder evitar.” Eu me inclino no cotovelo e olho em seus olhos, facilmente lendo a preocupação lá. Ele brigou com sua mãe, a pessoa que confessou mais de uma vez ser a pessoa mais próxima dele no mundo, e está preocupado com o que sinto. Isso confunde minha mente.

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“Sinto muito que você e sua mãe estejam brigando”, digo, colocando minha mão em sua mandíbula. “Eu quis dizer o que eu disse a ela.” “Eu sei.” Eu me deito e passo meu braço ao redor de sua cintura enquanto ele suspira. “Como está tão certa de repente?” Ele pergunta, sua voz quebrando o silêncio ao nosso redor. “Porque”, digo simplesmente, fechando os olhos enquanto descanso minha bochecha contra seu peito e ouço seu coração bater. “Você não usa palavras para ferir as pessoas.” * * * Na manhã seguinte, tudo parece diferente. Assim que ouço Etta acordar em seu berço portátil, levanto da cama e me visto em silêncio, deixando Trevor dormir. Ele se virou e rolou e não acho que ele tenha dormido muito. Odeio estar causando um problema entre ele e sua mãe, mas não estou prestes a me tornar um mártir por sua causa. Sei melhor do que pensar que se desaparecer as coisas voltarão ao normal entre eles. Muito foi dito, e ela ultrapassou o limite para que tudo seja consertado tão facilmente. “Por favor, diga-me que não fez o café”, diz Trevor sonolento quando entra na cozinha. “Claro que não”, respondo, dando a Etta seu prato de ovos mexidos. “Nem eu gosto do meu café.” “Eu posso te mostrar como fazer”, diz ele, sorrindo enquanto se arrasta para a cafeteira.

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“Mas então eu teria que fazer”, aponto, colocando o resto dos ovos em dois pratos. “Por que iria querer isso?” “Bom ponto”, responde ele. Ele anda em minha direção e me beija gentilmente. “Bom Dia.” “Bom dia”, sussurro de volta. Ele pega os pratos de mim e leva-os para a mesa, beijando o topo da cabeça de Etta quando passa por ela. “Oi Twevo”, Etta diz, completamente alheia à mudança na dinâmica. Tomamos o café da manhã num silêncio sociável e levamos o cachorro para sua manhã constitucional, mas não vamos à cidade para um filme no meio da manhã como planejávamos porque tivemos uma companhia inesperada. “Merda”, Trevor murmura enquanto observamos seus pais se aproximarem da entrada da garagem. Não repito seu sentimento, mas o sinto. A capa de invencibilidade que usei na noite anterior se dissipou à luz do dia, e estou sentindo-me muito exposta, mesmo com Trevor de pé ao meu lado. Saber que alguém não gosta de você é um sentimento nojento, e saber que não há nada que possa fazer para mudar sua mente o torna ainda pior. “Etta”, digo, chamando-a para mim quando ela começa a se aventurar em direção à garagem. “Traga Koda até a grama para que ele não machuque suas patas no cascalho.” Minha desculpa para ela se afastar de seus avós é frágil, mas felizmente parece fazer sentido, e ela chama Koda impaciente enquanto se move para o lado da casa.

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“Se disserem alguma merda, leve Etta para a casa”, Trevor diz calmamente enquanto seus pais saem do SUV. “Não acho que posso manter a calma.” “Sim, você pode”, respondo, descansando uma mão em suas costas num rápido toque de tranquilidade. No momento em que Mike e Ellie chegam até nós, meus braços estão cruzados sobre o peito e Trevor fica tão tenso que tenho medo que ele quebre. “Sinto muito”, diz sua mãe, sem se incomodar com uma saudação. “Não quero brigar com você.” Trevor suaviza um pouco – posso ver pela posição de seus ombros sob a camisa que usa – mas não diz uma palavra, apenas assente. “Estou tendo dificuldade com tudo isso”, diz Ellie, mordendo o interior de sua bochecha enquanto se mexe. “O que ela quer dizer é que sabe que você é adulto e toma suas próprias decisões. E nós o apoiamos em tudo que faz”, Mike acrescenta, sua voz firme. “Não quero perder outro dos meus meninos”, diz Ellie, sua voz quase um sussurro. “Isso nunca vai acontecer”, responde Trevor. Todos ficam em silêncio, sem saber o que dizer. Ellie se desculpou e Trevor se abrandou, mas ele não faz qualquer tentativa de continuar a conversa. Ele também não convida seus pais para entrarem. “Eu te amo”, diz Ellie finalmente, dando um passo a frente para dar um longo abraço Trevor.

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“Eu também te amo, mãe”, diz ele, envolvendo os braços nos ombros dela. Quando ele não diz mais nada, ela dá-lhe um sorriso fraco e volta para o carro, deixando seu pai parado na entrada da garagem conosco. “Sinto muito pela noite passada”, Mike diz para mim. “Está tudo bem”, respondo. “Bem, não”, diz ele, inclinando a cabeça. “Não está.” Ele olha para Trevor. “Mas somos parentes e a família funciona nos tempos difíceis.” “Posso precisar de um minuto”, diz Trevor honestamente. “Compreensível.” Mike olha para Etta e observa-a se abaixar para dizer alguma coisa para Koda. “Mas nós certamente gostaríamos de vê-la de vez em quando.” “Vou ligar para mamãe no final desta semana”, Trevor admite. “Isso é o melhor que posso fazer por agora.” “Tudo bem.” Com um aceno de despedida, Mike se vira e volta para o carro. Eu os observo ir embora com uma sensação ruim que só se intensifica quando o braço de Trevor envolve meu ombro. “Você deveria esquecer”, digo, surpreendendo até a mim mesma. “O que?” “Você deveria esquecer”, repito. “Apenas... esquecer.” “Não”, ele responde. “Não é assim que funciona.” “Talvez devesse ser”, digo, encolhendo os ombros enquanto ele me olha. “Olha, não acho que seremos melhores amigas”,

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Trevor zomba, “mas ela é sua mãe. Ela é avó de Etta. A vida é muito curta para guardar ressentimentos.” Imaginei que me arrependeria das palavras no momento em que as dissesse, mas não. Estou no final vencedor deste cenário. Meu lugar na vida de Trevor não está em debate, e saber disso me deixa loucamente calma em toda a situação. “Vou resolver isso”, diz Trevor. Ele me beija e entra na casa. Não sigo imediatamente, pensando que talvez ele precise de um pouco de tempo para si mesmo, mas meia hora depois, estou congelando aqui fora e levo Etta e Koda para a sala. Paro abruptamente quando encontro Trevor sentado no meio do chão com caixas e uma bolsa verde gigante ao redor dele. Eu reconheço a bolsa - não especificamente, mas geralmente. “O que está fazendo?” Eu pergunto, pegando o filhote antes que ele possa trotar pelo chão com as patas enlameadas. “Eu estou-” Trevor fica em silêncio enquanto olha para as coisas que espalhou. “Você está certa. A vida é muito curta para guardar ressentimentos.” Seus olhos encontram os meus e nos encaramos por um longo momento. “Vamos lá, Henrietta”, falo baixinho. “É hora do filme no quarto do tio Trev.” Depois de colocar o cachorrinho em seu canil, aninho-me com Etta na cama de Trevor até ela adormecer no meio do filme. Felizmente, ela está cansada e não precisa muito da minha atenção, porque minha mente ainda está na sala de estar com aquela bolsa que tem o nome de Henry nela. Colocando Etta em meus braços, eu a levo para o berço portátil e a coloco dentro.

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Então volto para a sala de estar. “O garoto tinha um monte de pornografia”, Trevor diz, rindo um pouco, embora sua voz estivesse embargada pelas lágrimas. “Ele poderia ter problemas.” “Oh sim?” Respondo, andando cautelosamente em torno de várias coisa quando me aventuro mais para dentro da sala. “Encontrou mais alguma coisa?” “Meias sujas”, diz ele, apontando para um par de meias marrom no canto. “Algumas cartas que ele recebeu dos meus pais, tampas de garrafas, roupas, esse tipo de coisa.” “Achou o que estava procurando?” Eu pergunto, deixandoo me puxar para o seu colo quando chego perto o suficiente. Ele fica em silêncio por um longo momento enquanto descansa a testa na curva do meu pescoço. “Eu esperava por uma nota ou algo assim”, ele finalmente diz. “Não há uma.” “Eu sinto muito”, respondo, estendendo a mão para alisar a mão na parte de trás de sua cabeça. “Está tudo bem”, diz ele, suspirando pesadamente no meu pescoço. “Eu sabia que não haveria uma. A única vez que Henry pensou no futuro foi o dia em que colocou os papéis do seguro em seu nome. Vou apenas classificar essa merda e depois entregá-las aos meus pais sem a pornografia.” “Não quer guardar nada?” Pergunto, olhando os pequenos emblemas e alfinetes que deveriam estar em um uniforme. Há toneladas das pequenas coisas porque Henry apenas as perdia e comprava novas. Estranhamente, quando as coisas dele foram arrumadas, todas foram encontradas novamente. É estranho ver a vida de Henry resumida numa pequena pilha de bugigangas. Penso no tempo que passei com ele, as

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noites de risos e bebidas, as manhãs, quando me seguiu para o chuveiro, embora estivesse atrasada, seu sorriso e o jeito que ele jogava a cabeça para trás quando ria. Meus olhos lacrimejam. Nunca amei Henry, mas ele foi um grande amigo e me deu Etta. Sempre serei grata por isso. “Não, podemos guardar algumas coisas para Etta”, diz Trevor. “Mas peguei o que queria quando o testamento de Hen foi lido e te encontrei.” “É estranho como as coisas acontecem, não é?” Pergunto baixinho, recostando-me no peito de Trevor enquanto examino os pequenos pedaços da vida de Henry espalhados pelo chão. “Sim, é.” Ele beija o lado do meu pescoço, em seguida, sussurra no meu ouvido. “Você vai ficar comigo?” Engulo em seco e aceno uma vez, imediatamente me sentindo aliviada em vez do pânico que esperava. “Bom. Você ainda me ama?” “Eu te amo”, confirmo, girando para olhar os olhos de Trevor. “Mas preciso de um banho de um modo que não acreditaria.” Seus olhos enrugam nos cantos quando ele percebe que estou tentando fazer uma piada. “Tarde demais”, diz ele. “Você não pode mais se esconder.” Estranhamente, eu não quero. * * * Passamos o dia brincando com Etta e o filhote que ela começou a chamar de dela. Não consigo lembrar da última vez que me senti tão bem instalada num só lugar. Nossos apartamentos e casas sempre pareceram um ponto de parada,

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nunca em algum lugar que ficaríamos por muito tempo. Até a casa do meu pai era temporária até eu conseguir me reestabelecer novamente. A casa de Trevor é diferente. Parece um lugar onde poderíamos passar nossas vidas, um lugar que Etta pode pintar seu quarto de qualquer cor que quisesse e um dia convidar seus amigos para passar a noite. Estou feliz. Genuinamente contente. É por isso que, depois que o jantar termina e Trevor se aconchega com Etta no sofá, coloco minha jaqueta e pego as chaves do carro. “Onde pensa que vai?” Trevor pergunta, provocativamente alcançando o encosto do sofá para me agarrar. “Estamos com pouco papel higiênico”, digo com uma careta, fazendo-o rir. “Eu posso ir”, diz ele, movendo-se como se fosse sair do sofá. “Não, está tudo bem.” Eu coloco minha mão em seu ombro e me inclino para beijá-lo. “É meio excitante ir sozinha por uma vez.” “Eu vou”, Etta diz, aparecendo de onde ela está deitada. “Não, nós vamos deixar mamãe ir enquanto assistimos a um filme”, responde Trevor, puxando-a para o seu colo. “Não, também vou.” “Acho que temos sorvete”, Trevor imediatamente interrompendo seus protestos.

sussurra,

“Eu volto em breve”, murmuro, saindo antes que Etta comece a lamentar novamente.

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Meu estômago revira enquanto saio da casa. Não me sinto bem em mentir para Trevor, mas sei que se eu disser a ele para onde estou indo ele tentaria me impedir ou vir junto. Adoro que ele se sinta tão protetor conosco, mas isso é algo que preciso fazer sozinha. Nunca fui à casa dos pais de Trevor antes, mas sei que posso encontrá-la pelo processo de eliminação. Há apenas três estradas no trecho de estrada que cobre a propriedade, e já passei por duas delas. É meio difícil encontrar o caminho no escuro, especialmente porque todas as entradas são tão longas e sinuosas, mas eventualmente sei que encontrei o lugar certo quando vejo o carro de Ellie estacionado em frente a linda casa de dois andares. Estou um pouco instável, então escondo minhas mãos nos bolsos assim que bato na porta da frente. Está tão quieto no meio do nada que posso ouvir uma TV ligada dentro da casa e a batida de passos quando se aproximam de onde estou. Quando Mike abre a porta, suas sobrancelhas se erguem de surpresa. “Ei, Morgan”, diz ele, dando um passo para trás para me deixar entrar. “O que te traz aqui?” “Oi, Mike.” Tento sorrir para ele, mas o nervoso faz isso parecer uma careta. “Ellie está por aqui?” “Claro.” Mike hesita, e procura atrás de mim. “Trev veio com você?” “Não, sou só eu”, digo baixinho. Ele fecha a porta atrás de mim sem dizer uma palavra, depois estende a mão para esfregar o lado de sua mandíbula. Depois de um momento, ele assente. “Ela está nos fundos na sala de artesanato”, diz ele, balançando a cabeça em direção ao corredor. “Vou te mostrar.”

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Ellie está sentada a uma longa mesa coberta de pedaços de papel e fotos. Ela está tão absorta no que estava trabalhando que não olha para cima imediatamente quando chegamos à porta. No momento em que para o que está fazendo e levanta os olhos, Mike se afasta – ou corre para se esconder – e sou a única parada ali. “Sim?” Ellie pergunta, sua voz indiferente. Tenho todas as respostas preparadas para quando ela perguntasse por que estou aqui lá ou me chamasse de alguma coisa, ou me chutasse para fora de sua casa, mas não tenho nada planejado para esse tipo de recepção. “Hum.” Cerro meus punhos dentro dos bolsos do meu casaco. “Eu estou no meio de algo-” “Por que você me odeia?” Eu pergunto, suas palavras desdenhosas provocando uma pequena atitude minha. “Você nem me conhece.” “E de quem é a culpa?” Pergunta ela, jogando o papel na mão sobre a mesa. “Você está brincando, certo?” Eu gaguejo. “Eu tentei te conhecer. Eu convidei você para minha casa.” “Então virou meu filho contra mim.” “Eu não fiz isso”, respondo. “Obrigada”, diz ela condescendentemente. “Se é isso que acha que aconteceu, desculpe-me.” Meu tom não é nada agradável, mesmo que eu queira dar a volta e sair da casa. “Isso é tudo?”

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“Acho que começamos com o pé errado aqui”, eu tento dizer, mas paro quando ela suspira. “Eu já disse que estou arrependida e esclareci tudo”, ela responde. Preciso de todo controle para não gritar com ela. Nunca fiz nada para a mulher e ela parece ter um grande problema comigo. Simplesmente não entendo. Eu penso em sair, mas apenas por um segundo. “Ouça”, digo, encostada no batente da porta como se planejasse estar lá por um tempo. “Estou aqui por um motivo.” “Eu não tenho mais filhos disponíveis”, ela murmura. Foi um golpe baixo, mas deixo-a responder. “Eu amo Trevor”, digo, minha voz calma, mas forte. “E ele adora você.” Ela acena a mão no ar como se não se importasse com o que estou dizendo, mas não responde. “Não entendo porque está tão chateada conosco, mas espero que possamos passar por isso. Não por minha causa – eu posso lidar com qualquer coisa que queira falar ou fazer – mas por Trevor e Etta.” “Não se atreva-” ela praticamente rosna, ficando de pé. “Mãe”, Trevor repreende, me assustando. Eu olho por cima do meu ombro para encontrá-lo vindo pelo corredor, sua expressão sombria. “Trev”, digo, colocando a mão em seu peito quando ele chega até mim. “Como sabia que eu estava aqui?” “É difícil ir às compras quando deixou sua bolsa em casa”, diz ele, ainda olhando para sua mãe. “Ainda bem que o assento

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de Etta ainda está na minha caminhonete, ou eu teria que andar, e então ficaria muito chateado.” “Vá para casa”, murmuro. “Nem uma maldita chance.” “Estou feliz por você, sabe”, diz Ellie a seu filho, seus lábios tremendo de emoção. “Esta é uma maneira muito boa de mostrar isso”, responde Trevor. “Você não sabe como tem sido.” Ela leva a mão à boca e balança a cabeça uma vez. “Ele era meu bebê.” “Eu sei disso”, Trevor diz suavemente. “E de repente ele se foi”, ela diz. “Mas então descobrimos que ele tinha um bebê. Meu bebê teve um bebê.” Ela funga e meus olhos começam a lacrimejar. Não importa o quão horrível ela seja, ou se não gosta de mim, ou se eu não gosto dela. Naquele momento, sou uma mãe, e não consigo nem imaginar a dor em que ela deve estar. “Mas esse bebê estava tão longe”, diz ela, sua voz quase inaudível. “E com uma mãe que não parecia tão interessada em nós.” Eu quero discutir, mas não falo nada. Esta é a sua história para contar. “Eu estava tão preocupada com Etta, tão preocupada que ela estivesse bem, que posso ter visto algumas coisas que não estavam lá”, diz ela, encontrando meus olhos. “Eu sinto muito por isso.” Eu concordo.

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“Mas pensei que iriamos resolver isso”, diz ela, levantando as mãos em um gesto eu não entendo. “Nós estávamos em contato depois disso, e tudo parecia bem.” “Tudo estava bem”, respondo calmamente. “Então, por que não me disse que estava na cidade? Por que não nos deixou ver Etta? Por que todo o segredo e ficar se escondendo com meu filho?” Seus olhos seguem para Trevor. “Você sabia que o que estava fazendo era errado. É por isso que escondeu.” “Não”, Trevor diz, interrompendo-a. “Eu sabia que não gostaria disso. Essa é a única razão pela qual não falei com você sobre isso. Todo mundo sabia, mãe. Todos.” “Bem”, diz ela, com o rosto pálido de choque. “É bom saber disso.” “Eu te amo”, diz Trevor. “E nunca quis que ficasse magoada ou triste. Juro por Deus, mãe, não tenho ideia de por que tem um problema com Morgan.” “Eu não tenho”, sua mãe grita em frustração. “Eu nunca tive.” “Então que porra é essa?” Trev responde, fazendo-me olhar para ele em choque. Nunca o ouvi falar com ninguém desse jeito. “Eu estava com ciúmes”, Ellie finalmente diz, olhando para longe de nós. “Isso é tudo. Ciúmes e medo.” “De que?” Trevor pergunta em confusão. “Oh”, Ellie soluça em lágrimas. “Tudo, eu acho.” Ela ri sem graça. “Eu estava com ciúmes por ela ter passado algum tempo com Henry, provavelmente mais tempo do que eu nos últimos anos, e que ela tinha um pequeno pedaço dele em Etta.”

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Suas palavras me atingem como uma tonelada de tijolos, e se tivesse pensado que ela permitiria, eu teria a abraçado. Deus, estava tão preocupada com o que ela sentia por mim desde o começo que ignorei a dor que ela está desde que Henry morreu. Acho que ela ainda está lidando com a perda, mas nunca pensei em como sua dor seria na vida real. “E depois que a conheceu, você começou a agir diferente”, Ellie diz, um sorriso triste puxando seus lábios enquanto ela limpa as lágrimas em suas bochechas. “Você parou de aparecer tantas vezes, parou de nos contar sobre sua vida. Tudo o que pude ver foi que estava fugindo, e sabia que era por causa desse relacionamento que começaram.” “Mãe”, Trevor diz suavemente. “Você sabe que eu nunca iria longe.” “Saber e acreditar são duas coisas diferentes”, ela responde. Ela olha para mim, vergonha enchendo seus olhos. “Nunca foi sobre você, Morgan. Eu te acho ótima. Mas... você parece estar no meio disso tudo.” “Eu nunca tive a chance de te dizer o quanto sinto muito sobre Henry”, digo. Agora que vi sua dor em primeira mão, preciso reconhecer isso antes que possa dizer qualquer outra coisa. “Eu não posso imaginar o que faria se perdesse Etta.” Diante dos meus olhos, Ellie parece murchar. Suas mãos cobrem seu rosto e seus ombros curvam para frente e um soluço devastador invade a sala. “Eu sinto muito por quão horrível fui”, diz ela em suas mãos. Trevor passa por mim e envolve os braços em torno de sua mãe, sua bochecha descansando no topo de sua cabeça enquanto ele a balança para frente e para trás. Eu os observo

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por apenas um momento antes de me virar e caminhar de volta pelo corredor. “Conseguiu resolver tudo?” Mike pergunta quando o encontro no chão da sala brincando com Etta. Ele diz as palavras com calma, como se já soubesse a resposta. “Eu acho sim”, digo com um pequeno suspiro. Sento na beira do sofá e sorrio quando Etta alcança ao lado de Mike e rouba parte de sua pilha de Lego. “Isso é bom”, diz ele, pegando o Lego que Etta roubou e coloca de volta em sua pilha. Nós não conversamos mais enquanto esperamos Trevor e sua mãe aparecerem. Até Etta está quieta enquanto brinca. Quando finalmente ouço passos vindo pelo corredor, viro a cabeça bem a tempo de ver Trevor passando as palmas das mãos nos olhos. Quando me pega olhando, ele sorri. “Tudo bem?” Pergunto quando levanto para envolver os braços em sua cintura. Ele assente e se inclina para murmurar no meu ouvido. “Minha mãe nos pediu para ficarmos para jantar e não tive coragem de dizer a ela que já comemos. Tudo bem?” “Eu estou sentindo um pouco de fome”, sussurro de volta. “Eu te amo”, diz ele, sua voz um pouco mais alta quando beija o lado da minha cabeça. Fico no círculo de seus braços, ainda não pronta para me desconectar. “Eu também te amo.” “Eu também te amo”, Etta anuncia, nem mesmo afastando o olhar dos seus blocos.

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