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GIGANTE SOVIÉTICA:
A planta de coque de Avdiivka foi construída em 1963, no auge da Guerra Fria, e tem capacidade de produzir 12 mil toneladas ao dia
A produção no front Alvo do bombardeio das Forças Armadas da Ucrânia e dos rebeldes separatistas, a maior coqueria da Europa resiste graças à tenacidade e à coragem dos empregados que passaram a viver na fábrica com as famílias para salvar os altos-fornos
crescente indústria siderúrgica soviética do leste ucraniano do iní-
espessa coluna de fumaça branca que sai compassada das chaminés, a cada cinco ou sete minutos, é o sinal de que, a despeito de todas as probabilidades, a coqueria de Avdiivka continua viva e operando. Maior unidade de produção de coque da Europa, com uma capacidade de 12 mil toneladas por dia, Avdiivka está no epicentro da guerra-civil que devasta o Leste da Ucrânia há um ano e já deixou mais de seis mil mortos, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). Apesar de não ser disputada por nenhum dos dois lados, a planta, uma típica obra faraônica soviética do auge da Guerra Fria, acabou caindo exatamente na linha que divide os territórios ocupados pelas Forças Armadas Ucranianas e os do exército rebelde apoiado pela Rússia, que luta pela independência de duas províncias do Leste do País. Desde que a guerra começou para valer nessa região da Ucrânia, em julho do ano passado, Avdiivka já recebeu 165 disparos diretos de artilharia. Foram tiros de morteiros de médio e grosso calibre, mísseis grad ou mesmo granadas lançadas por dispositivos descartáveis, muito comuns por aqui. Por sorte, e por conta das estruturas construídas para suportar ataques nucleares, apenas cinco operários perderam a vida na fábrica, que emprega três mil trabalha-
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e sabemos que se não ficarmos, será o fim desta fábrica.” Construída para abastecer a
Por Yan Boechat (texto e fotos), de Avdiivka, Ucrânia
A
não pode parar
Dinheiro 20/05/2015
dores, desde que as batalhas começaram. “Nós ainda não entendemos ao certo como continuamos aqui, foram tantos tiros, tantas bombas que caíram a poucos centímetros de tubulações de gás que poderiam colocar tudo pelos ares, tantos incêndios, tanta destruição”, diz Musa Magomedov, um azeri, como são conhecidos os naturais do Azerbaijão, de 45 anos, que dirige a planta de Avdviivka nesses tempos turbulentos. “Nós somos como tubarões, não podemos parar nunca. Um altoforno só pode ser desligado uma vez
cio da década de 1960, Avdiivka se transformou ao longo dos anos na maior produtora europeia de coque.
Produzido por meio do aquecimento do carvão mineral, o coque é combustível fundamental na fabricação do ferro gusa, elemento básico na indústria siderúrgica. Assim como o próprio ferro gusa, o coque é obtido a partir de um processo de aquecimento em uma câmara hermética, conhecida como alto-forno e que, por características próprias, não pode ter sua temperatura reduzida abaixo dos 800° centígrados. Se ficar em
níveis inferiores, a estrutura entra em colapso. “Cada bateria de altoforno tem um investimento de mais de US$ 150 milhões”, diz Magomedov. “Se abandonarmos a fábrica, como já quase o fizemos algumas vezes, estará tudo acabado, não haverá mais emprego para ninguém.” Ele, como a maior parte dos três mil homens e mulheres que trabalham atualmente na unidade, vivia, até poucos meses atrás, em uma pequena cidade que deu nome à fábrica. Avdiivka nasceu como muitas das pequenas cidades dessa região na fronteira com a Rússia, que só passou a ser habitada na segunda metade do século 19 com a descoberta de vastos reservatórios de
carvão mineral. Antes disso, lar apenas de algumas poucas tribos cossacas, o Donbas, como toda essa vasta área de planície é conhecida, passou por um intenso período de colonização após a Revolução de 1917. Soviéticos – em sua maioria russos – de toda a URSS foram levados para lá para trabalhar nas minas, nas siderúrgicas e nas plantas de produção intermediária, como a de coque. Ao longo dos últimos 50 anos, praticamente todos que trabalhavam em Avdiivka, moravam na cidade, que chegou a abrigar 35 mil habitantes, antes do conflito. Distante pouco mais de 10 quilômetros do Aeroporto de Donetsk, um dos objetivos estratégicos mais cobiçados dessa guerra, a pequena cidade transformou-se apenas em um monte de escombros. Hoje já não há praticamente nenhum civil vivendo ali. Os prédios que não foram destruídos na ofensiva rebelde do último inverno se transformaram em refúgio para os milhares de soldados das Forças Armadas Ucranianas que tentam manter a pequena cidade sob o controle do governo. Para não deixar que a fábrica parasse de funcionar, Magovedov teve de tomar uma decisão drástica: abriu as portas – e os porões – da imensa unidade para que os funcionários e seus familiares se mudassem para lá. Ele mesmo teve de abandonar seu apar-
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casa no escritório:
O azéri Musa Magomedov, presidente da fábrica, mudou-se para seu escritório depois que o edifício em que vivia foi bombardeado
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