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NĂŁna Damino
Mestres da Vida...
...Doadores da Sabedoria Inspirado em histĂłrias narradas por idosos
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Direitos autorais, venda e distribuição cedidos pelo autor à Planeta Azul Editora www.planetazuleditora.com.br | e-mail: planetazul2014@yahoo.com.br Copyright © 2015 by Nãna Damino Todos os direitos desta edição reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo eletrônico ou mecânico, fotocopiada ou gravada sem autorização expressa do autor. ISBN: 978-85-8255-209-4 Projeto gráfico: Aped - Apoio e Produção Editora Ltda. Editoração eletrônica: Thiago Ribeiro Revisão: Aped - Apoio e Produção Editora Ltda. Capa Criação: Gian Felipe Duarte Reinoso Capa Adaptação: Zélia de Oliveira
CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros – RJ M55 Mestres da vida... Doadores de sabedoria / organização Nãna Damino. - 1. ed. - Rio de Janeiro: APED, 2015. 224 p. : il. ; 21 cm. ISBN 9788582552094 1. Idosos - Condições sociais - Ficção brasileira. 2. Oratória. I. Damino, Nãna. 15-19866 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3 06/02/2015 06/02/2015 Aped - Apoio & Produção Editora Ltda. Rua Sylvio da Rocha Pollis, 201 – bl. 04 – 1106 Barra da Tijuca - Rio de Janeiro – RJ – 22793-395 Tel.: (21) 3183-0849/ 9 9996-9067 www.apededitora.com.br aped@wnetrj.com.br
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Dedicatória Este livro é dedicado às pessoas do bem... À Alessandra Monteiro Duarte, minha terapeuta, que me apresentou ao GAIA. À Sônia Vicentini, que abriu acolhedoramente as portas do GAIA para meu projeto voluntário. Aos idosos, por me introduzirem afetuosamente em um universo admirável, repleto de princípios e amor, guiando minhas reflexões além das histórias. Ao meu filho e meu marido, por vibrarem com minhas descobertas e incentivarem meus planos mesmo quando parecia que não seria possível terminar. A Deus, por me dar a doença como forma de valorizar a saúde! Amo vocês!
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Agradecimentos • Jonas Ricardo Ribeiro (Fotógrafo) • Equipe dos bastidores e demais voluntários do GAIA • Familiares do grupo de Idosos do GAIA • Carlos Prudente (Fotógrafo e Cinegrafista www.selvaemfoco.com.br) • Zélia de Oliveira ( Editora Aped) • Fabrizio Damino Bechelli (Assessor) • Ana Carolina Conrado (Digitadora)
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Sumário
Apresentação.........................................................11 Conta mais......................................................... 161 Compartilhando curiosidades em dinâmica de grupo com idosos .................................................. 161 Contribuições extras ........................................... 185
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Apresentação O número de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos cresce espantosamente no Brasil; e o fenômeno envelhecer é impressionante, pois a esperança de vida é cada vez maior. Ser idoso não é sinônimo de inservível, incapaz, descartável ou em desuso, mas o resultado do acúmulo de experiências que, se soubermos aproveitar, certamente que aprenderemos grandes ensinamentos e teremos ótimas oportunidades com aqueles que considero os Mestres da Vida, doadores da sabedoria. Desde criança sempre tive afeição pelos idosos e percebi que ao longo de minha existência, a afinidade e empatia com esses seres humanos maravilhosos cresciam de forma natural e extremamente satisfatória. Então, como um radar natural de idosos, comecei a notar o quanto tinha a aprender com eles se estivesse disponível para ouvir e dar atenção, pois sentia que não precisavam de coisas materiais nem de ouvir histórias como as crianças, eles apenas desejavam atenção, respeito e valorização. 11 • Mestres da Vida... Doares de Sabedoria
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Como escritora de histórias infantis, comecei a olhar para esse universo e perceber o quanto nosso mundo precisa resgatar valores que ficaram no passado e nada melhor do que resgata-los em boas prosas com os idosos, fonte inesgotável de inspiração para inumeráveis contos infantis. Vivendo um momento pessoal conturbado, assim como presenciando a doença em idosos muito queridos, notei o quanto o fato de um idoso não ser ouvido nem valorizado me incomodava. Tomava para mim o sofrimento que era deles, indignava-me com a atenção e carinho não dispensados pelos familiares e ficava perplexa com a forma como a sociedade destratava alguns desses seres magníficos, como alguém que estivesse na fila de espera para a morte. Resolvi conversar comigo e com Deus; e numa caminhada em um lugar paradisíaco, fui abençoada com a inspiração em elaborar um projeto onde pudesse coletar histórias de pessoas idosas, que tivessem experiência de vida, saudosismo, ensinamentos e todo conteúdo que nunca tiveram a oportunidade de contar. Foi assim que conheci o Grupo de Assistência ao Idoso, a Infância e a Adolescência - GAIA, instituição que acolhe, cuida, valoriza e trata os idosos como eles realmente merecem e precisam ser tratados: com dignidade e respeito. Minha convivência com um grupo de mais de cento e cinquenta idosos, de várias classes sociais e faixas etárias começou a tomar conta de minha perspicácia e reflexão, tornando-se um combustível na busca do conhecimento. A valorização de suas histórias com o simples gesto de ouvir, acolher, valorizar e amá-los como realmente são foi o maior presente que recebi em toda minha vida, pois ganhei vida, sorriso, 12 • Nãna Damino
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vontade de viver mais e melhor, amor, carinho e uma bagagem intelectual jamais imaginada. A cada história coletada, a sede na busca de maiores detalhes tomou conta de meus pensamentos, num ímpeto de abraçar tudo o que aparecesse, pois era um universo que nunca tinha visitado, oportunidade ímpar e fonte de inspiração para contos infantis. Estava certa de que suas histórias seriam como sementes a germinar para que as futuras gerações transformem o mundo de amanhã em algo mais justo e melhor, internalizando os valores e atitudes doados pelos idosos, alterando a vivência do ser humano em nosso planeta. Assimilei entre lágrimas, risadas, empolgação e muita lição de vida que o tempo urge com necessidade de desmistificar os falsos parâmetros sobre a velhice no Brasil. O quadro brasileiro é vexatório e o idoso precisa de um estatuto para conseguir viver com o mínimo de decência, mas podemos e devemos sim, implementar não só aquilo que está escrito, nos relacionando em família ou em sociedade de forma positiva com os idosos, conhecendo melhor seus aspectos culturais, biológicos, legais, sociais, econômicos e étnicos para repensar as atitudes e, definitivamente, fazer com que a população brasileira mude sua postura junto a eles, valorizando e respeitando-os, reconhecendo suas potencialidades, criatividade e vigor de forma a favorecer sua inclusão social, promovendo sua existência de forma extremamente positiva. Idoso é muito mais do que bagagem, experiência, é sabedoria, precisam ser tratados com tolerância, prudência, paciência e atenção. O bem estar do idoso não é só o conforto e cuidados com a saúde, mas é poder sentir-se valorizado quando têm a oportunidade 13 • Mestres da Vida... Doares de Sabedoria
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de compartilhar experiências de vida e conhecimento adquirido ao longo dos anos. Ouvir é uma forma de retribuir carinho àqueles que tanto devemos, pois realizaram o mundo e a humanidade. Um dia, todas as crianças, jovens e adultos serão idosos e se nos colocarmos desde já nesse papel, tratando-os como gostaríamos de ser tratados em nossa velhice, a transformação certamente já estará implementada, passando a ser um exercício que será incutido naturalmente. Espero que esta obra, através das várias histórias coletadas e recontadas, auxilie o leitor a refletir, repensar, criar empatia e decididamente cumprir com sua obrigação junto a qualquer idoso com o qual se relacione, em qualquer ambiente e circunstância. Anseio que o conteúdo coletado nesta obra seja precursor de novos comportamentos, atitudes, sentimentos e que através da valorização pelo registro da memória dos idosos, haja transmissão de conhecimentos e habilidades aos mais jovens, garantindo não só a identidade cultural, mas também sua continuidade, ressignificando o mundo de amanhã, pelos ensinamentos dos Mestres da Vida.
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Superação ou milagre? Difícil explicar o porquê, mas assim como os gatos, ao longo dos anos de minha vida, percebi que tinha mais vida do que poderia imaginar. Lenda, pode ser, só a dos gatos, mas minha história, acredito que esteja calcada na fé e na esperança. Nascida em Dores do Turvo, interior de Minas Gerais, cheguei ao mundo fraca e com um tumor no peito, do tamanho da palma da mão de minha mãe. Não havia médicos naquela época, nem tratamentos, só chás, emplastro e muita oração. Minha situação era morrer ou não morrer; então chegou um curandeiro e disse: — Levem essa menina para a cidade de Rio Doce. Procurem a dona Zinha que ela vai “rasgar” o tumor com o grampo de uma pituca (prendedor de coque em “V”, usado para torcer o coque). Minha mãe, cansada de sofrer, decidiu arriscar, mas antes de partir, meu avô pegou uma formiga cabeçuda e colocou no tumor do meu peito. A 15 • Mestres da Vida... Doares de Sabedoria
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formiga me picou e o tumor sangrou. Então, minha mãe resolveu descansar um pouco antes de me levar a Rio Doce e, enquanto dormia, o tumor vazou inteiro, deixando tudo em volta sujo. Sem saber o que fazer, mamãe seguiu a opinião popular e desistiu de me levar à outra cidade. — Lave a menina com água e creolina. Só assim conseguirá limpar o que vazou do tumor! Sem pestanejar, mamãe rapidamente banhoume com água e creolina, e eu, recém-nascida, mais do que rápido desmaiei. Minha avó, desesperada, pegou café coado e colocou uma gota em minha boca para me reanimar, mas o café estava muito quente e queimou meus lábios. Vendo que eu sobrevivi, levaram-me ao farmacêutico, que receitou três vidros de Emulsão Scott (medicamento para desnutrição). Se eu tomei? Não sei, mas o tumor estava curado! Com seis meses de vida, peguei coqueluche e fui mais uma das raras sobreviventes da terrível doença que assolava naquela época. Aos 18 anos, outro tumor resolveu se instalar em meu seio, o que afastou muita gente, por acreditarem que era câncer. Sozinha e com muita dor, me ensinaram a colocar emplastro e uma toalha de fralda por cima, para que o tumor não ficasse exposto. Pode imaginar? Num dia de muito frio, sentei-me no chão perto do fogo à lenha, que aquecia a casa onde morava. Queria me esquentar e acabei cochilando no chão. Quando acordei, o tumor tinha estourado sozinho na toalha de fralda, vasando por todo lado. Minha mãe, assustada, levou-me para fazer curativos na farmácia e como eu já era mocinha, morria de vergonha de mostrar meu seio ao farmacêutico. 16 • Nãna Damino
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Inacreditavelmente sobrevivi mais uma vez; porém, o “estoque de vidas” parecia ser grande e com 20 anos o tumor voltou; agora, no outro seio. Esta foi a primeira vez em que fui a um médico que resolveu fazer uma transfusão de sangue, além de me aplicar um remédio no braço, que era misturado ao meu próprio sangue. Apesar da esquisitice, curou! Como uma verdadeira sobrevivente, consegui me casar aos 23 anos. A festa na fazenda foi maravilhosa e acredito que comemoramos mais do que um casamento: celebramos a vida! Durante meu maravilhoso casamento, que já dura 62 anos, tive meus sete filhos, sendo que seis deles nasceram em casa, pelas mãos de uma parteira; e o último foi gerado atravessado na barriga, o que me levou a ter pressão muito alta e ter que ser levada, pela primeira vez, em minha vida, a um Hospital! “Nossa, preciso tomar fôlego para continuar esta história!” Parto difícil, não havia chances para mim nem para meu filho, que teve que ser puxado a fórceps. Minha pressão subiu demais e a única alternativa foi receber uma injeção, direto no coração. Como se não bastasse e como se fosse mais uma tentativa de testar minha vontade de permanecer neste mundo, o parto ligeiro necessitou que virassem a cabeça de meu filho enquanto ainda estava dentro do meu útero. Esse movimento me rasgou por dentro e a falta de recursos fez com que os médicos me mandassem para casa, onde tive muita dor e febre. Novamente voltei ao hospital e meu filho teve que ser cuidado pela madrinha. A cirurgia no abdômen foi muito arriscada; quando terminou, os médicos não sabiam se eu estava viva, então, fizeram 17 • Mestres da Vida... Doares de Sabedoria
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um teste riscando meu braço com uma caneta e viram que eu estava lá, firme e forte. O leitor acha que agora tudo terminou? Claro que não, só “gastei” cinco vidas até agora! Aos 65 anos precisei operar o esôfago e trocar sua válvula, mas como sou eu quem conta esta história, claro que superei mais uma. Ainda na mesma época, precisei operar a vesícula. Aos 78 precisei fazer uma cirurgia no coração. Os médicos contaram que durante cinco horas, ficaram com meu coração nas mãos para limpar os coágulos. Apesar de ficar 58 dias internada, nem mesmo dez cirurgias tiraram minha vontade de viver, minha alegria, meu sorriso e minha fé! Superação ou milagre? Prefiro crer que eu, assim como Nossa Senhora das Dores, padroeira que deu nome à cidade em que nasci, também tenha vivido minhas dores, como ela viveu nos momentos da paixão de Cristo. Acredito que a confiança e a paciência são como uma força que não se prescreve, mas se adquire quando possuímos uma fé ativa e proveitosa, capaz de produzir esperança.
Sra. Annita Martins Cabral — 85 anos
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É proibido beijar! Vou contar uma história, difícil de acreditar. Nem mesmo eu sei como pude me enganar. Era moça e desimpedida e só sabia respeitar. Meus pais me ensinaram que era proibido beijar! — Beijar só depois do casamento! — Falava papai para me intimidar. — Menina, vê se te cuida e nunca há de beijar, senão vai engravidar!— Ensinava mamãe para me amedrontar. — Olha bem o que vai fazer e não adianta fazer às escondidas. Se um dia você beijar, sua boca vai te entregar! — Alertava vovó, deixando claro que toda boca de moça fica diferente após o primeiro beijo. Aos 18 anos, minha irmã fui visitar, e na frente de sua casa, os garotos estava a admirar. Eu contemplava, eles também. Apenas uma olhadinha, não fazia mal a ninguém! Tomava cuidado, para não ficar mal falada. 19 • Mestres da Vida... Doares de Sabedoria
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Moça que beijou antes de casamento, nenhum marido arranjava. Estava eu bem na porta e vi um moço bonito passar. Saindo do tiro de guerra, ele caminhou a me fitar. Veio em minha direção e meu coração começou a disparar. Arrancou-me um beijo roubado, que eu correspondi sem pensar. Assim que ele foi embora, fui para dentro desesperada. Olhar meus lábios no espelho, esperando a transformação indesejada. Fiquei horas ali observando, cada pedacinho da boca. Esperando a mudança que vovó dizia e que certamente não seria pouca. Depois de tanto tempo, nada aconteceu. Mas lembrando do que mamãe dizia, meu corpo estremeceu. Posso ter sido privilegiada e minha boca não ter sido alterada. Mas a barriga há de crescer e eu ficarei mal falada. Porque não pensei nisso tudo, na hora do beijo correspondido? Agora era tarde demais e meu mundo já estava perdido. Depois de dias em pranto, deduzi que tudo era mentira. Quanta lembrança saudosa, da melhor época que já existira!
Sra. Antônia dos Santos Oliveira — 67 anos 20 • Nãna Damino
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