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Fanuel Ferreira
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Copyright © 2017 by Fanuel Ferreira Todos os direitos desta edição reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer processo eletrônico ou mecânico, fotocopiada ou gravada sem autorização expressa do autor.
Planeta Azul Editora.
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Editoração eletrônica e Revisão: Planeta Azul Editora Capa: Zélia G. Oliveira Costa Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária Juliana Farias Motta CRB7/5880 F383r Ferreira, Fanuel Rubi / Fanuel Ferreira. -- Rio de Janeiro : Planeta Azul Editora, 2017. 228 p. ; 14 x 21cm . ISBN: 978-85-69870-79-1 1. Romance brasileiro. I. Título.
CDD B869.3
Índice para catálogo sistemático: 1. Romance brasileiro
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O passado nĂŁo reconhece o seu lugar: estĂĄ sempre presente... Mario Quintana
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Dedicatória
Esse livro é dedicado a todas as pessoas que estiveram ao meu lado, direto ou indiretamente, ao longo dos últimos anos. Somente a experiência empírica é capaz de nos mostrar as crueldades e o sofrimento que uma vida conturbada pode proporcionar. Espero que eu tenha conseguido, de alguma forma, construir um enredo que faça sentido para os leitores, e os transporte para essa realidade tão presente no mundo, mas pouco notada por aqueles que vivem no conforto familiar.
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Agradecimentos
Para você, que acredita na capacidade de revitalização perante os problemas menos inesperados que surgem/ressurgem na nossa vida.
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Sumário
PARTE UM................................................................................................13 Veleiras..................................................................................20 Nico.........................................................................................28 Saulo.......................................................................................39 Clóvis......................................................................................51 PARTE DOIS.............................................................................................63 P.A.J..........................................................................................63 Alice........................................................................................95 Lucas.................................................................................... 128 Silvio.................................................................................... 143 Amélia................................................................................. 163 PARTE FINAL........................................................................................ 175 Maria da Conceição......................................................... 175 Gilberto............................................................................... 185 Morte................................................................................... 199 Vida...................................................................................... 219 RUBI| 11
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PARTE UM
Rubi deitou no sofá e deixou que todos os membros do seu corpo relaxassem. A quantidade exagerada do vinho tinto Merlot já começara a fazer efeito, porém, ela ainda se sentia fisgada pelo reflexo vermelho no fundo da taça. Deu mais um gole pequeno e enquanto punha a taça de volta à mesinha de centro da sala, viu o maço de cigarros que Samantha esquecera na mesa. No impulso, estendeu o braço e alcançou um para acender. Enquanto o cigarro começava a queimar, e Rubi lutava para acertar a maneira correta de tragar, um fragmento de memórias cruzou suas lembranças embriagadas: “Viu o pai chegar em casa e escancarar a porta com um chute, o cenho franzido e irritadiço denunciava a embriaguez e o consumo de drogas, e ainda, aquelas terríveis e comumente feições de um fracassado covarde... Viu a mãe amedrontada e nervosa enquanto o pai a segurava com força pelos braços para empurrá-la ao chão, com violência, e sem qualquer sinal de piedade... Viu ele abrir o zíper da calça e mijar na frente dos filhos que haviam se encolhido no canto da sala, unidos por um abraço coletivo na intenção de formarem um escudo e se protegerem... E... Viu o pai cuspindo no corpo da mãe, ao chão, RUBI| 13
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e depois caminhar até os filhos e escolher Rubi para agarrá-la pelo cabelo e arrastá-la até o quintal...” Como era possível ele ser tão cruel? – Rubi? – A docilidade na voz de Samantha trouxe Rubi de volta à realidade. Realidade que por sinal era tão distinta da qual tivera na infância e adolescência. – Por que os seus olhos estão cheios de lágrimas? Ela secou os olhos com a ponta do dedo, devagar e delicada para não borrar o lápis preto, e sorriu abertamente para a amiga resgatando o que havia de melhor em sua personalidade – a sinceridade. Então, respirou profundamente e tentou dar outro trago no cigarro enquanto estendia a taça para que a amiga pudesse lhe servir mais vinho. – Eu... – O início da frase foi interrompido e o silêncio serviu como poltrona para que ambas assistissem ao líquido vermelho preenchendo o interior do cristal. – Não era nada – completou Rubi. Uma leve brisa fria dominava a sala do apartamento de Samantha. Era início de inverno e as nuvens grandes ocultavam o que seria um belo céu estrelado. O relógio preto e rico em detalhes dourados, pregado à parede, estava quase anunciado oito horas da noite, e as longas cortinas da porta de vidro não paravam de balançar por conta das fortes correntes de vento. Diferente da cidade cheia de avenidas largas e com muitas praças e parques coloridos, o apartamento onde Samantha morava, há apenas um ano, era pequeno e estreito, porém, os móveis planejados (um jogo de sofá, mesinha de centro e televisão grande na parede) tornavam o ambiente prático e aconchegante. Era localizado em um prédio de vinte andares em uma das regiões mais altas do município, e era exatamente ali que o vento atacava com mais ferocidade e força. Do décimo quinto andar, onde as mulheres estavam se embriagando, era visível toda a luminosidade da cidade através da porta de vidro entre a sala e a varanda. 14 | FANUEL FERREIRA
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Repetidas vezes, Rubi esticava o pescoço para espiar o pequeno bebê Saulo, seu filho, preocupada e atenta com o horário em que ele despertaria e começaria a chorar. Há poucos minutos, antes de Samantha se levantar e ir ao banheiro, as duas amigas conversavam animadamente sobre o futuro e as coisas boas que poderiam fazer, agora que Rubi estava divorciada. No entanto, foi notável a mudança de humor de Rubi quando Samantha voltou e a viu à beira das lágrimas. – Estava pensando nele? – Samantha já se sentara novamente e agora bebericava seu vinho acompanhado de um cigarro. – Nele? Quem? – Rubi enrubesceu e por um ligeiro devaneio pensou que a amiga estivesse lendo seus pensamentos. Ficou assustada. Samantha hesitou antes de responder. – No Pedro, é claro. Imagino o quanto seja difícil superar uma traição. – A cabeça de Samantha balançava negativamente. – Ele foi muito canalha. Mas Rubi não se ateve ao comentário conclusivo e murmurou displicente: – Ah, o Pedro. Não... – E quando pensou em contar a amiga que não era o ex-marido que a perturbava naquele momento, optou por mentir e evitar uma conversa que não mais valia pena alguma em resgatar. – Quero dizer, sim. Estava sim pensando no Pedro. Samantha suspirou com ódio e desaprovação e tragou, de uma só vez, uma boa parte do cigarro. – Aquele imbecil... – Disse rosnando. – Não se preocupe, Sam. Estou bem. Só estou... Nostálgica. Não chorei por ele, chorei por me lembrar das coisas e como elas eram diferentes – completou pensativa. – Tudo mudou tão rapidamente que é difícil acreditar que sou a mesma pessoa e vivendo a mesma vida. De repente, pareceu-me tão triste ver que os anos passam tão rapidamente, e tão rapidamente iremos envelhecer. RUBI| 15
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– Aonde já se viu o cara te pedir em casamento para depois ter a coragem de te trair. É um ser vergonha mesmo! – As palavras saíram tão bruscas da boca de Samantha que Rubi se levantou e foi depressa até o carrinho de Saulo para ter a certeza de que o bebê não havia acordado. – Não me importo com o Pedro, pois nunca o amei pra valer – confessou voltando-se para o sofá e apagando o cigarro no cinzeiro sob a mesinha. – É claro que eu gostava bastante de tê-lo por perto, afinal, é inegável sua virilidade e... – Deu um sorrisinho para a amiga antes de completar – era um homem maravilhoso na cama. Disso sim, posso garantir que sentirei muita saudade. – Ah, sua grande safada! – É verdade – concluiu. E depois prosseguiu como se estivesse narrando a grande verdade por trás do casamento efêmero. – Sempre foi tão claro para mim que o Pedro também não me amava. Todo mundo sabe o quanto ele é galanteador e cheio de ganâncias. Aposto que só me pediu em casamento para parecer, aos olhos dos familiares e conhecidos, que era um homem bom e excelente pai de família. Fez apenas o que imaginou que seria bom para sua imagem. Samantha arregalou os olhos, incrédula. – Nossa! Agora você me pegou de surpresa. Você passou todo esse tempo com ele e sempre me pareceu tão apaixonada. Jamais esperava ouvir isso de você. – Claro que estive apaixonada. Mas a verdade é que nós, mulheres, sempre sabemos o que os homens realmente esperam da gente. Porém, preferimos ignorar a verdade e acabamos fadadas a ilusões amorosas, que somos incumbidas a acreditar ao longo da vida. – Isso! Ambas caíram na gargalhada incansável que a embriagues proporcionou naquele momento. – Mas ele traiu você – insistiu Samantha, acalmando as risadas e retomando a seriedade no rosto. – Isso foi muito cruel e não consigo entender como pode estar tão tranqui16 | FANUEL FERREIRA
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la em relação a tudo isso. – E depositou com força o cigarro aceso no cinzeiro e o pressionou para apagá-lo. – Juro que se fosse comigo, teria matado ele e as amantes de uma única vez. Eram quantas mesmo? – Seis – respondeu Rubi de prontidão. – Pois então eu cometeria uma chacina. O triste episódio com o ex-marido ocorreu três semanas atrás, quando Rubi, já há vários meses desconfiada de estar sendo traída, seguiu-o até um motel onde o flagrou em uma suruba com seis prostitutas de luxo. No instante em que os olhos dela se detiveram na cena sórdida, uma única certeza veio se instalar na cabeça de Rubi: aquele ato jamais seria digno de perdão, e o marido teria muita sorte se conseguisse permissão da Justiça para ver o filho Saulo, uma vez por mês. O divórcio foi rápido e silencioso e o marido nem ousou questionar sobre os direitos paternos que a lei lhe reservou. Rubi trancou-se em sua casa com o filho, e era incapaz de responder à amiga Samantha que lhe telefonava três ou quatro vezes por dia tentando um contato. Ignorava o toque do telefone e não prestava a atenção nas mensagens de voz. Mas, acima de tudo, Rubi estava feliz. Cuidava do filho em tempo integral e não havia mais nada com o que se preocupar além da troca de fraldas, da alimentação e do banho do bebê. Mesmo sabendo que aquele isolamento parecia uma forte demonstração de depressão em prol aos últimos acontecimentos em sua vida, sabia que cedo ou tarde teria a chance de encontrar sua amiga Samantha e esclarecer que já imaginava estar sendo traída pelo marido há muito tempo, e aquilo não lhe causou surpresa e devastação, mas que, no entanto, viu naquele momento insólito, uma brecha exclusiva para ficar só com o filho e aproveitá-lo o máximo que pudesse. Agora, sentada ali no sofá do apartamento de Samantha, Rubi não achou necessário contar que esses dias todos que passara somente com seu filho em casa, foram os mais preciosos da sua vida. Por fim, estendeu a mão e tocou nos longos dedos negros e macios de Samantha que seguravam delicadamente a taça de cristal. RUBI| 17
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– Se eu o amasse pra valer, teria feito algo para me vingar. Talvez tivesse gritado, esperneado e, quem sabe, até matado – os olhos brilhantes e sinceros de Rubi encontraram a cumplicidade e amor nos de Samantha. – Mas não valeria a pena fazer nada disso, pois acredito que a minha vida vale muito mais do que o Pedro e as seis prostitutas juntos. – Gostei. Que orgulho vê-la falando dessa forma. Hoje você me parece tão madura e sensata – Samantha analisou com os olhos cada centímetro do corpo bonito e atraente que Rubi conquistara aos vinte e sete anos de idade. Naquela noite Rubi usava um belo vestido azul-escuro que contornava a sua cintura fina e terminava poucos centímetros antes de chegar ao joelho, revelando seu quadril redondo e avantajado e um par de seios pequenos e ainda rijos. O colar de dois fios pretos entrelaçados e o cabelo escuro, preso no coque em cima da cabeça, contrastavam com a pele branca. A boca, com o lábio superior sobressaltando e formando um leve beiço, estava meramente colorida de vermelho e parecia ansiosa quando abria e fechava para falar. Seria loucura tentar aquilo agora? Aquilo que Rubi vinha imaginando há alguns anos e, mais cedo ou mais tarde, poderia acontecer. Mas e se fosse tudo ilusão e coisas que ela mesma fantasiou em suas imaginações férteis? Fosse o que fosse, aquele momento parecia o mais propício possível para Rubi finalmente arriscar algo que mudaria sua vida para sempre. Eram tantos anos convivendo com Samantha, e o desejo sempre aumentando e as expectativas crescendo; e nunca a certeza se aquilo tudo que viviam em conjunto as levarias para uma eterna amizade ou um companheirismo de amantes. Bom, Pedro não estava mais ali e, inacreditavelmente, aquilo era a melhor sensação que Rubi poderia sentir no momento. Era livre e tinha um filho magnífico dormindo ali perto, e a mulher que ela mais admirava no mundo, sentada em sua frente, encarando-a. O que ela tinha a perder? A felicidade já estava gritando ao seu lado. 18 | FANUEL FERREIRA
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– O Pedro não significou nada para mim, Sam. Teria sentido uma perda maior se fosse por você. – Rubi se aproximou um pouco mais da expressão ansiosa da amiga e completou: – Por que é você que eu amo... De verdade. E naquele momento a taça de Samantha foi conduzida tremulamente para a mesinha. Rubi também se livrou da taça e, agora, com as duas mãos livres, segurou o rosto de Samantha e viu que o peito dela arfava sob o decote da blusa regata que usava. A pele reluzia e parecia mais bonita do que nunca. Os olhos escuros pareciam esperançosos e lacrimejantes. No instante em que uma forte corrente de ar gelado invadiu escandalosamente a sala, Samantha assentiu com a cabeça e Rubi se aproximou lentamente e, por fim, ambas de olhos fechados, os lábios foram selados em um beijo apaixonante.
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