Revista Vitória - Julho 2019

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Ano XIII | Nº 167 | Julho de 2019

REVISTA DA ARQUIDIOCESE DE VITÓRIA – ES

Dízimo

A campanha deste ano nos mostra que assim como a abelha em uma colmeia, cada um de nós tem uma função na construção do Reino de Deus. pág. 05



EDITORIAL

UNIÃO “Associação ou combinação de vários elementos semelhantes ou diferentes, com o intuito de formar um conjunto” (www.significados.com.br). Esta edição da Revista Vitória traz muito sobre união e, evidentemente, todos os textos pressupõem a existência de diferentes e diversos. Essa é a condição que nos permite buscar a união nos diversos níveis de nossos cotidianos que por mais semelhantes sempre são diferentes. Estamos avançando muito e alcançando resultados sobre a aceitação das diversidades, talvez seja hora de insistir na união. A união sempre oferece frutos bons, boas relações, iniciativas e soluções e, claro, supõe diferenças e diferentes, semelhantes e opostos, contraditórios e consistentes. Nas páginas seguintes elementos para buscar a união. Boa leitura!

Maria da Luz Fernandes Editora

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Publicação da Arquidiocese de Vitória / ES • ISSN 2317-4102

Julho de 2019

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ENTREVISTA

Sínodo da Amazônia.

A Revista Vitória entrevistou Dom Neri José Tondello, bispo e membro do Conselho Pré-Sinodal.

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ATUALIDADE

Qual a função política de uma manifestação?

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VIVER BEM

A ideal conservação, higienização e preparo de alimentos evitam perdas.

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REPORTAGEM Nosso mel é o Reino de Deus

LIÇÕES DE FRANCISCO Descarte de comida, descarte de pessoas

10 IDEIAS

Modos de viver na contemporaneidade: vitimismo e empoderamento.

“Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas”

ASPAS 27

17 24 32 37 39 41 44 46

Catequese Palavra do Arcebispo Caminhos da Bíblia Espiritualidade Flashes do Cotidiano Mundo Litúrgico Fazer Bem Aconteceu

19 35

CINEMAS ALTERNATIVOS Sugestões

REEXISTIR / RESISTIR

Economia política

38

RECUPERAÇÃO DE DETENTOS

42

CAMINHADA PELA VIDA

Pauta Livre

Arquivo e Memória

Arcebispo Metropolitano: Dom Dario Campos • Arcebispo Emérito: Dom Luiz Mancilha Vilela • Editora: Maria da Luz Fernandes / 3098–ES • Repórter: Andressa Mian / 0987–ES • Conselho Editorial: Alessandro Gomes, Edebrande Cavalieri, Vander Silva, Milena Cabral • Colaboradores: Pe. Andherson Franklin, Arlindo Vilaschi, Dauri Batisti, Giovanna Valfré, Fr. José Moacyr Cadenassi • Revisão de Texto: Yolanda Therezinha Bruzamolin • Publicidade e Propaganda: vlorenzetto@redercres.com.br – (27) 3198-0850 • Fale com a Revista Vitória: mitra.noticias@aves.org.br • Diagramação e Capa: Paulo Arrivabene • Impressão: Gráfica e Editora GSA – (27) 3232-1266


REPORTAGEM

U

m trabalho feito com dedicação, responsabilidade, persistência, esforço e doação. O fruto deste trabalho é benefício de todos e garante a manutenção e a sobrevivência de uma grande população. Estamos falando do trabalho das abelhas em uma colmeia, mas podemos compará-lo ao trabalho que envolve o dízimo na Igreja Particular de Vitória e os frutos que dele resultam.

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A Campanha do dízimo deste ano traz essa relação e a comparação não poderia ser mais perfeita, pois em uma colmeia cada uma das abelhas executa um importante papel para a sobrevivência desta sociedade, e todas são beneficiadas com esse trabalho.

São aproximadamente 60 mil abelhas em uma única colmeia que esteja em produção de mel, todas elas empenhadas nas atividades que precisam ser realizadas para garantir a manutenção do abelheiro.

“A abelha sozinha não faz muita coisa, ela fica basicamente isolada. Poucas abelhas também não trazem resultados para a colmeia. Mas a partir do momento que elas estão em um grande volume, passam a produzir mais mel e em me06

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lhor qualidade, devido a grande capacidade de união desses insetos. Juntas elas se tornam um fenômeno digno de aplausos”, garantiu o apicultor e coordenador do dízimo da Paróquia São José, em Fundão, André Antônio Lopes.

Para o apicultor, os fiéis podem se espelhar na ação das abelhas, pois mesmo sendo um inseto tão pequeno, é capaz de uma imensa força coletiva.

“Elas nos servem de exemplo. No dízimo, assim como em uma colmeia, o trabalho está diretamente relacionado a união. Se todos nós nos unirmos para trabalharmos juntos, assim como as abelhas, as coisas acontecem e possibilitam grandes resultados nas paróquias, comunidades e em toda nossa Arquidiocese. É muito importante que

as pessoas compreendam a importância do dízimo e como ele é usado. É também de extrema importância que elas percebam que o esforço de cada um de nós, assim como o esforço de cada abelha na colmeia, faz milagres, transforma vidas, faz a Igreja caminhar, ir mais longe, ao encontro do mais necessitado, colaborando também para que a Palavra de Deus chegue a mais e mais pessoas”, ressaltou André. Convidada pelo apicultor, a equipe da Revista Vitória foi até um apiário para conhecer de perto o trabalho das abelhas e a produção do mel. A vestimenta apropriada (macacão de nylon e chapéu de apicultor) e o uso do fumegador, cuja fumaça serve para afastar um pouco as abelhas, nos ajudaram a chegar bem próximo das colmeias.


“As abelhas nos servem de exemplo. No dízimo, assim como em uma colmeia, o trabalho está diretamente relacionado à união. Se todos nós nos unirmos para trabalharmos juntos, assim como as abelhas, as coisas acontecem e possibilitam grandes resultados” André Antônio Lopes Apicultor e coordenador do dízimo da Paróquia São José, em Fundão

Paramentados de forma adequada, seguimos a pé para dentro da mata, e em um local sombreado avistamos cinco caixas de madeira (colmeias).

Após jogar bastante fumaça na direção da primeira caixa, André retirou a tampa e foi possível vislumbrar a perfeição do trabalho que elas executam. Os quadros, dispostos lado a lado, estavam repletos de mel, armazenado em pequenos alvéolos e cobertos com uma fina camada de cera, para que o mel não derrame.

“Aqui na Grande Vitória, a produção de mel depende da florada do café Conilon, que acontece em meados de julho e agosto, e da florada do Eucalipto e de uma planta chamada Camará, que acontece nos meses de janeiro, fevereiro e março. Nes-

ses dois períodos do ano, início e meio, é quando a produção de mel aumenta e é possível fazer a colheita”, explicou André. Após a colheita, que acontece quando os quadros de mel são retirados das colmeias, eles são levados para a sala de manejo, onde o mel será retirado e envasado com o auxilio de um maquinário em aço inox especial. Esse processo começa com a raspagem da fina camada de cera que cobre os alvéolos. Para a raspagem é utilizado um garfo especial e, em seguida, os quadros são colocados em uma centrífuga.

O movimento de rotação da máquina faz com que o mel fique depositado no fundo do equipamento e depois passe por um período de repouso, a decantação. julho 2019

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REPORTAGEM “Depois da decantação, o mel pode ser envasado e vendido, e para nós que também somos agricultores, ele significa uma renda que nos salva em épocas de baixa produção na lavoura”, comentou.

O trabalho de André com as abelhas começou há 13 anos, quando depois de tomar algumas carreiras de um enxame localizado em sua plantação de café, ele se interessou por um curso de apicultura básica.

“Apaixonei-me por elas e pelo trabalho que elas realizam e passei a ser chamado para retirar enxame em diversas propriedades das redondezas. Depois de retirá-las, dentro de algumas normas de segurança e com os aparatos necessários, levo o enxame para outro lugar. Lá inicio um processo de melhoramento dessas abelhas, colocando cera e fornecendo uma alimentação específica (açúcar VHP), apropriada para desenvolver e acelerar o processo de crescimento do enxame. Desta forma consigo fazer com que esse enxame cresça para que quando chegar a época da florada, ele tenha o tamanho ideal para simplesmente estocar o mel, possibilitando que a gente colha o excedente da produção”, contou.

O apicultor explicou que dentro da colmeia, as abelhas desempenham várias tarefas como a manutenção da temperatura, cuidado com os ovos, nutrição da rainha e das abelhas,

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estocagem do mel, limpeza, vigilância e defesa da colmeia. Dentro de suas atividades também está a responsabilidade pela postura da abelha rainha. “Em torno dos 20 dias de vida da abelha, ela fará o papel de vigilância, a defesa da colmeia. Nesse período ela faz de tudo pela colmeia, até dar a própria vida. Após esse período, ela parte para o campo e vai coletar néctar, pólen e resina para a produção da própolis. São muitas funções e cada abelha, de acordo com sua etapa de vida, executa uma dessas funções. Todas trabalhando juntas para manterem o sucesso da colmeia”, explicou. André afirma que a união da força de trabalho na Arquidiocese de Vitória também é garantia de sucesso nos resultados que o dízimo pode proporcionar para todos.

A chefe do Departamento de Comunicação da Arquidiocese de Vitória, Maria da Luz Fernandes, explica que a Arquidiocese tem como forma de manutenção, a colaboração dos fiéis através do dízimo, e por isso, a cada ano se faz uma campanha de sensibilização e motivação durante o mês de julho. A campanha é preparada com as sugestões dos coordenadores das equipes de dízimo das paróquias que indicam qual deve ser o foco naquele ano. Depois o Departamento de Comunicação elabora a pro-

posta junto com a empresa que presta serviço de criação (Impressa) e a apresenta na Assembleia do dízimo.

“Para este ano a sugestão era de falar de comprometimento, responsabilidade e surgiu a ideia de comparar o trabalho do dízimo com o trabalho das abelhas, acentuando o papel de cada um (função) que fica muito claro na colmeia, o empenho de todas as abelhas e também o resultado que é a fabricação do mel. O Reino de Deus que a gente anuncia é um Reino de paz, amor, fraternidade, alegria. Anunciar o Reino de Deus é anunciar o bem, e o dízimo é fundamental para que a Igreja possa anunciar, celebrar e viver a fraternidade e a comunhão”, contou.


REPORTAGEM comunicação universal”, afirma a produtora e assessora educacional Jeanine Pacheco, responsável pela criação do vídeo e do roteiro teatral da Campanha do Dízimo.

Ela conta como foi interessante visitar todos os setores da Igreja de Vitória e conhecer também as comunidades carentes, o Seminário Nossa Senhora da Penha, o Propedêutico e todos os lugares em que o dízimo é aplicado.

Na campanha deste ano, foi trabalhado um diálogo entre o Alegrito (mascote do dízimo) e uma abelha. A conversa entre os dois rendeu um roteiro teatral e um filme animado nos quais Alegrito mostra como a participação de cada cristão é importante para a fabricação do “mel” na Igreja. Ele conta que para os cristãos, o mel é o Reino de Deus, um lugar de alegria, solidariedade que se constrói através do compromisso verdadeiro de cada um. “A arte é capaz de sensibilizar as pessoas, pois desperta a emoção e com emoção tudo fica mais prazeroso. Além disso, a arte apresentada através da música, da dança, do teatro, do cinema e de outras diversas formas, tem uma capacidade de

“Quem assistir ao vídeo e a peça teatral terá total dimensão de como esse dinheiro é usado, e isso é muito importante para que o dízimo continue rendendo tantos frutos e promovendo o Reino de Deus na Arquidiocese”, afirmou. A partir do lançamento da Campanha, em cada domingo, as equipes têm motivações e

materiais diferentes para falar com criatividade sobre a importância do dízimo, envolvendo todas as equipes de serviço, pastorais e movimento. Motivação foi o que não faltou para o músico e coordenador do Conselho Administrativo Paroquial na Paróquia São Pedro Apóstolo, Gustavo de Oliveira Gervásio. Pelo segundo ano consecutivo ele fez a música para a Campanha.

“A inspiração vem do Espírito Santo de Deus e da consciência que eu tenho sobre a importância do dízimo. Este ano, durante o encontro de formação, eu fiquei tão entusiasmado com a proposta da Campanha que fiz a letra da música lá mesmo. Fico muito feliz em colaborar na construção do Reino de Deus”, afirmou.

Andressa Mian Jornalista

CANÇÃO DO DÍZIMO 2019 Meu compromisso, nossa alegria Autor: Gustavo de Oliveira Paróquia São Pedro Apóstolo

Meu compromisso, Nossa alegria Ser dizimista é Dom que contagia!

Com amor e sabedoria Força e discernimento Exercitando o meu coração Na fraterna comunhão a todo tempo

Sejamos cristãos solidários, Que com fé ao céu almejam! Devolvendo o pouco que temos E contribuindo com o crescer da Igreja!

Missão dada é missão cumprida Busque o reino, não deixe pra depois O dizimo é lição para a vida Um mais um sempre será mais que doisjulho 2019 09


IDEIAS

MODOS DE VIVER NA CONTEMPORANEIDADE: VITIMISMO E EMPODERAMENTO

M 10

odos tristes de existir vão se estabelecendo e se fortalecendo na medida em que o mundo vai se tornando cada vez mais complexo, desafiante, inquietante. E esses modos de vida se constroem basicamente pelas nossas incapacidades de fazer bom uso de tudo o que nos acontece. Não nos treinamos para essa possibilidade: tirar forças do que nos acontece, fazer bom uso até do mal que se dá. Ao contrário, tristemente, temos sido cotidianamente treinados para repassar as responsabilidades para os outros, especialmente culpando-os pelo que nos acontece de ruim. Muito facilmente então nos apresentamos como prejudicados, ofendidos, humilhados, desrespeitados, abusados.

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IDEIAS

Esse “outro” que erguemos como inimigo e como o grande (único?) responsável por todo o mal que nos afeta é feito de materiais amontoados em nossos próprios depósitos. E que materiais são estes? São nossos fracassos, nossas frustrações, o que queríamos e não conseguimos, o que teríamos por “direito” e não temos, o que idealizamos ser e não somos, as importâncias que acalentamos em sonhos por anos e não se manifestaram, a imagem de nós mesmos que sempre foi maior que nosso próprio tamanho.

Todo esse material poderoso com o qual compomos o grande responsável pelas nossas dificuldades é, portanto, imaginário. E o imaginário se dá especialmente quando não aprendemos a ver e a lidar com a realidade. Ou quando nos pegamos destreinados para pensar em meio à teia confusa das realidades. Invés de pensar – que dá trabalho – preferimos imaginar – o que é bem fácil. Na imaginação preenchemos todas as lacunas e sanamos todas as dúvidas, criamos um bloco tranquilizador de “verdades” a que recorremos para toda e qualquer situação. Ultimamente até juízes tem sucumbido a essa tendência. Paradigmaticamente como exemplo deste movimento que atravessa a todos é a construção de uma figu-

ra que concentra em si toda a “corrupção” e que “tem que ficar” perpetuamente na prisão.

Na imaginação preenchemos todas as lacunas e sanamos todas as dúvidas, criamos um bloco tranquilizador de “verdades” a que recorremos para toda e qualquer situação.

Toda essa construção fantasmagórica do outro a partir das pilhas de nossos materiais refugados se alimentam e crescem a partir de nossos desejos. Estes estão aprisionados, separados do que realmente podem: tornar a vida mais potente, mais bela, geradora de contentamentos. Ao contrário, a vida assim impotente se torna uma usina de amarguras e que nos impede de ver como saída senão aquela que implica na destruição do inimigo, o outro. Mas a imaginação pode tomar outro caminho, que não o de fazer do outro o inimigo. Sim, a imaginação pode fazer do outro um salvador. Caminho, no entanto, do mesmo modo prejudicial à vida. Passamos a “amar” o outro, a não viver sem ele, a nos apropriar de-

le em nome do dito amor. Aqui não é o amor que importa, mas o “poder’ que aquele “amor” acaba trazendo. Nesse caso o outro não é procurado criativamente como aliança, como composição para articulação de forças. Ao outro não se oferece em composição as próprias potencialidades, mas por ele se é salvo, como um náufrago agarrado às qualidades infladas que nele se enxerga.

Resumidamente se pavimentam duas saídas: de um lado o vitimismo, e de outro o empoderamento. O vitimismo é de mais fácil entendimento. O empoderamento nem tanto. Mas o tal empoderamento pode também ser um modo enviesado de se tentar favorecer a vida. O empoderamento também pode estar fundado em modos tristes de viver, mesmo quando, por ele, se alcança um “lugar” ao sol. A imposição de modos pré-fabricados de viver na atualidade é tão forte que os ditos empoderamentos nada mais podem ser do que espertos jeitos de manter as vidas em estados passivos, articulando cumplicidades entre vitimismo e empoderamento. É bom prestar atenção. Mas isso é motivo pra outras conversas.

Dauri Batisti Padre, Psicólogo e Mestre em Psicologia Institucional

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ATUALIDADE

QUAL A FUNÇÃO POLÍTICA DE UMA MANIFESTAÇÃO?

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as décadas de 70 e 80 foram constituídos modos singulares de organização e participação social, em que a vida cotidiana passou a ocupar lugar de destaque nas movimentações sociais. Ali foram inauguradas formas diversas de participação que desafiavam modelos de organização e atuação instituídos. Modos que desafiaram as matrizes reguladoras do que se entendia como luta política e interferência da população na gestão das políticas públicas. Neste sentido, tais embates não só intervieram nas funções e deveres do Estado, como também ampliaram e reinventaram a temática dos direitos humanos e dos direitos sociais. Os processos de resistência formulados não apenas se situavam no plano da oposição a uma realidade constituída, mas também formulavam proposições de modos diversos de viver, de participar, de decidir os rumos da vida, de organização do trabalho, das formas de produção do conhecimento, da constituição de novas redes de sociabilidade. No século XXI outras maneiras de efetuar lutas políticas emergiram, problematizando as formas de expressão e organização já institucionalizadas.


ATUALIDADE

Então, falar de participação social é falar da potência de criação que constitui o humano, que pode ser constrangida e silenciada, mas jamais estancada. Mas, para perceber a força desses processos de participação é necessária uma atenção especial para não desprezar e silenciar modos inusitados, surpreendentes, que afirmam e reinventam direitos e, nessa afirmação, possibilitam novas aprendizagens. Nos processos de participação há uma riqueza de aprendizagens e de produção de saberes que se forjam e que, muitas vezes, ficam ao largo dos espaços institucionalizados de formação. Compartilham-se experiências e reinventam-se modos de existência, produzem-se contágios e ressonâncias, formulando questões ainda não vislumbradas. Direta ou indiretamente, tais experiências de participação interferem nas políticas públicas, seja quando essa participação se dá nos espa-

ços institucionais formalizados por dispositivos legais, seja quando se processa fora desses espaços. Os efeitos dos processos de participação não podem ser buscados e avaliados apenas no que suas ações resultam concretamente, nos êxitos imediatos que obtêm, mas também nas problematizações que tecem, nas ressonâncias que provocam, nos exercícios de autonomia que expressam, nos saberes que se compartilha e se amplia. Nesse exercício cotidiano, mais que reivindicar direitos sociais, são produzidos modos singulares de viver que interrogam práticas tuteladoras e buscam acentuar o protagonismo dos sujeitos, afirmando a vida que se quer e como se quer viver.

A função política das manifestações - sejam aquelas organizadas por movimentos sociais, sejam aquelas que emergem de modo inesperado e autônomo - é exatamente nos mostrar que a política é constituída de procedimentos ativos de invenção. Sua função reside

na potência de formular problemas, e não somente de solucionar os problemas já dados, e com os quais vivemos cotidianamente. Implica portanto, pensar a vida em seus movimentos de produção de normas e não apenas de assujeitamento às normas existentes. As manifestações possibilitam problematizar as relações de poder/ saber que constrangem a participação dos cidadãos nos rumos do país, das suas instituições, silenciando-a por meio de discursos competentes que outorgam e autorizam quem, o que, como e onde se fala, que ditam como se deve viver e participar. Entendemos que as manifestações são dispositivos importantes de exercício de alteridade. Isto é, nos possibilitam conviver com modos diversos de vida e, assim, interrogar nossos valores morais, abalar nossas certezas e verdades já sacralizadas. Expressam e dão visibilidade aos intoleráveis que não podemos mais suportar, chacoalham os limites de uma cidadania consentida que ainda vigora entre nós. Mostram a conexão entre lutas di-


A função política das manifestações é exatamente nos mostrar que a política é constituída de procedimentos ativos de invenção. Sua função reside na potência de formular problemas, e não somente de solucionar os já dados. Implica pensar a vida em seus movimentos de produção de normas e não apenas de assujeitamento às normas existentes.

versas, fazem coexistir modos de vida singulares que muitas vezes não se tocam, não se roçam, e viabilizam que sejam tecidas novas sociabilidades.

Nesses eventos nos deparamos tanto com a capacidade do vivo, humano e não humano, de fiar belos arranjos, solidários e generosos, mas também lidamos com os fascismos que permeiam nossa existência. Por isso, a função política das manifestações não se vincula exclusivamente à afirmação de vidas dignas e diversas. Também pode fomentar o constrangimento da vida, incentivar o controle e reduzir o viver às possibilidades já dadas. Esta função política também pode ser acionada para aplainar a vida, para demandar mais regras, mais leis, mais punição, mais violência e menos direitos sociais. Uma função política que alimenta o ódio à diferença. Neste proces-

so nos tornamos guardiões da ordem, da moral, das regras, não suportando incertezas e mudanças que arranhem as permanências de nosso cotidiano. Achamos que podemos ser destruídos pelo outro, e este é visto como uma ameaça à nossa ordem supostamente obtida com tanto esforço. As manifestações podem funcionar como uma ferramenta de fomento a uma atroz intolerância a todo e qualquer movimento que expresse, de forma contundente, que a vida é incerta e varia sempre. Afirmando uma outra via ética e política, ressaltamos que as manifestações podem provocar fissuras nas formas hegemônicas de existência, abrindo um novo campo de possíveis. Por isso, achamos importante concluir afirmando que a função política das manifestações é nos fazer indagar, sobretudo,

acerca do que estamos fazendo de nós mesmos. Como as políticas do ódio são fabricadas, nutridas e geridas? Quais modos de vida admitimos como possíveis de serem vividos?

Por fim, a função política da expressão coletiva dos sujeitos, nas mais variadas formas, dentre elas as manifestações, é nos lembrar que a liberdade é a capacidade de inventarmos nossa própria vida, de mudar o que se coloca como estável e imutável, de abrir espaço para as esquisitices da vida que jamais poderão ser totalizadas. A função política das manifestações é fazer variar os modos de viver, exigindo que inauguremos novos direitos sociais e políticos que acolham estas variações, e nos sinalizar que a política implica necessariamente a convivência com a diferença, com a alteridade.

Ana Heckert

Profª do Departamento de Psicologia da UFES e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Institucional. Doutora em Educação

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CATEQUESE

O BISPO, POVO E A IGREJA CATÓLICA

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stá bem atual o debate sobre papel e a importância que a figura do bispo possui. Ultimamente temos visto críticas e até mesmo escândalos públicos que envolveram os bispos e que ganharam repercussões mundiais. Daí seria possível levantar uma questão: Será que está em xeque uma das notas mais importantes que caracterizam a Igreja que é a sua apostolicidade?

Os padres da Igreja ensinam sobre a importância dos epíscopos. “Onde está o Bispo, aí está a comunidade, assim como onde está Cristo Jesus, aí está a Igreja Católica” (Carta aos esmirniotas, 8), escrito na carta de Santo Inácio de Antioquia ao jovem bispo de Esmirna, São Policarpo. Para os primeiros, cristãos era impossível pensar a comunidade cristã estando ausente a figura dos apóstolos, ou seja, pela sucessão, os bispos. Para elas, os bispos garantiam a unidade e a fidelidade à doutrina, pois eles haviam recebido do próprio Jesus a autoridade e a missão de ir a todo o mundo e fazer discípulos dEle.

Um Igreja sem os bispos seria uma Igreja sem sua cabeça e por isso fortemente exposta a erros e infidelidades doutrinais. A unidade e a comunhão são valores importantes em nossa catolicidade, que não dispensam a nossa diversidade, mas pelo contrário, a vincula. Nesse sentido, o bispo é o sinal visível por excelência da unidade entre o povo de Deus circunscrito em um território, a diocese.

Aos nossos bispos é conferida a missão de governar, ensinar e santificar o povo a ele confiado, devendo garantir que a fidelidade ao Se-

nhor, a pregação do Evangelho, a celebração dos sacramentos e a promoção e defesa da vida sejam garantidos. A nossa tarefa como fiéis é contribuir para a unidade com os nossos bispos e deixarmos ser conduzidos por eles, reconhecendo seu mandato divino para cuidar e apascentar suas ovelhas.

O próprio bispo de Antioquia recomenda aos fiéis que “Nada exista entre vós que possa dividir-vos, vossa união com o bispo e os presbíteros seja uma imagem antecipada e um sinal da vida eterna” (Carta aos magnésios, 6).

As dificuldades e limitações pessoais dos epíscopos não destroem a apostolicidade tão importante para a Igreja Católica. Ainda Santo Inácio nos orienta que “quem respeita o bispo, é respeitado por Deus; quem faz algo às ocultas do bispo serve ao diabo” (Carta aos esmirniotas,9). Sejamos cada vez mais intercessores e cooperadores dos nossos bispos para que juntos, cada um com a sua função na grande orquestra que é a Igreja, garanta a continuidade do anúncio da Boa Nova de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Ruan Coutinho da Cruz Seminarista do Seminário Arquidiocesano Nossa Senhora da Penha

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SUGESTÕES

CINE METRÓPOLIS E CINE JARDINS:

LUGARES ALTERNATIVOS PARA A ARTE CINEMATOGRÁFICA

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cidade presenciou o desaparecimento dos cinemas espalhados pelas ruas e a nova localização deles nos shoppings. Ao mesmo tempo, sabemos que 40% dos brasileiros não frequentam cinema e que em 90% dos municípios brasileiros não há nenhuma sala para exibição de filmes. Dois lugares se destacam no contexto de uma alternativa ao cinema comercial: o Cinema Universitário Metrópolis, da Ufes, e o Cine Jardins, localizado em um shopping do bairro Jardim da Penha. Estes espaços guardam muito a perspectiva cineclubista, quando os cinemas se caracterizavam como espaços para debate e fomento da cultura cinematográfica.

Além destes espaços, outros dois rompem o viés comercial da cultura e se impõem como alternativas saudáveis para as pessoas: o Centro Cultural Sesc Glória no Centro de Vitória e o Cine Teatro Ribalta localizado em Jardim Camburi. Fala-

Cine Metrópolis

remos deles em outro número desta Revista.

Assim, erguem-se ambientes que permitem a mostra de obras marcantes e com relevância estética e de conteúdo, propiciando experiências de exibição de filmes e debates sobre o cinema ao redor do mundo.

Já estão consolidados na memória capixaba o Festival Varilux de Cinema Francês, a Mostra de produção independente, que apresenta o protagonismo da produção brasileira, a Mostra Capixaba do Cine Jardins e as mostras de cinema Tcheco, Sueco, Alemão, Centenário de Bergman e contemporâneo no Cine Metrópolis.

Cine Jardins

Estes espaços oferecem comodidades que os demais cinemas oferecem, como a famosa pipoca, no entanto, os preços são bem mais em conta e alguns filmes são exigidos gratuitamente no cine da Ufes. Vale a pena valorizar conferindo a programação diária de exibição de filmes marcantes na cultura cinematográfica. O cinema, considerado a sétima arte, se constitui num espaço artístico formativo da cultura e da pessoa.

Edebrande Cavalieri Doutor em Ciência da Religião

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ENTREVISTA

RELATÓRIO DAS RESPOSTAS AO QUESTIONÁRIO DO SÍNODO DA AMAZÔNIA

N

o próximo mês de outubro (2019) acontece o Sínodo para a Pan-Amazônia e alguns assuntos já estão na mídia. Para esclarecer sobre o que é, quais discussões e o que se pretende com o Sínodo, a Revista Vitória entrevistou Dom Neri José Tondello, bispo de Juína no Mato Grosso e membro do Conselho Pré-Sinodal.

Quando falamos de Sínodo para a Amazônia as pessoas entendem que vamos falar de meio ambiente, natureza, etc. O que a Igreja pretende refletir com o Sínodo para a Amazônia?

O Sínodo da Amazônia é um convite do Papa Francisco para pensarmos a “casa comum”. O Sínodo, contudo, é fruto de uma caminhada de longos anos de pastoral e de evangelização na Amazônia. Agora chegou a hora de assumir como diz o Papa, o “banco da prova”. A Igreja na Amazônia não pode estar aí como alguém de malas prontas para sair ou para voltar. A Amazônia conta com a necessidade de que a Igreja permaneça nela para além da visita. 20

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O Sínodo especial para a Amazônia precisa tratar de maneira urgente a “Casa Comum”, isto é, a casa de todos. Ficou claro neste tempo de preparação que a “Casa Comum” está em risco. Somos sujeitos de perder o controle da ordem desta casa. Perdemos a dimensão do “oiko nomos” da obra prima da criação.

A biodiversidade, a convivência, as florestas, as matas, a fauna e a flora, os rios e as águas, elementos constitutivos em amplo debate, principalmente pensando nos povos indígenas, nossos ancestrais e mestres do cuidado. Pensar a relação dos quilombolas, dos ribeirinhos, assentados e todos os demais povos que “buscam alguma coisa de melhor”.

A preparação para o Sínodo começou em 2017. O que o senhor considera que este tempo preparatório já trouxe de resultados? Desde o dia de sua convocação, 15 de outubro de 2017 até nossos dias, o Sínodo trouxe muitos resultados. Muitas rodas de conversa. Muita escuta. Muitos clamores se fizeram ecoar. Muitos apelos. Destaco o Mapeamento porque se trata de uma forma técnica a serviço da pastoral. O mapeamento colabora com a identificação da região, isto é, nos mostra quem somos, onde estamos e onde precisamos estar. O mapeamento nos ajuda sentir o forte e o fraco, as dores e as esperanças. A morte e a vida. Os desafios e as resistências. Neste tempo de escuta, sobretudo, refletimos qual o lugar e missão da Igreja na Amazônia. O que mais preocupa a Igreja neste momento com relação à Amazônia?

A Amazônia através do documento lineamenta, primeiro passo que foi dado através do trabalho do Conselho Pre-sino-


ENTREVISTA

O Sínodo, ao mesmo tempo em que sabe das benesses da Amazônia para o mundo, ele desafia o mundo no sentido de como pode assegurar e garantir a vida do futuro no planeta, a partir do cuidado com a Amazônia. A Amazônia não pode ser vista como uma despensa que nunca acaba.

dal, na direção da elaboração e aprovação do Documento Instrumenum laboris nos mostrou que o desmatamento irregular prossegue, o agronegócio sem escrúpulo no uso de agrotóxicos, os projetos de construção de barragens causando impactos ambientais e povos indígenas e ribeirinhos aparecem como as maiores vítimas. Os mais atingidos. A presença do garimpo e mineradoras, outra forma agressiva ao meio ambiente. Somados a estes problemas, ainda somam-se o tráfico de drogas e de pessoas. A violência no campo. A disputa pelas terras. Os conflitos e as mortes. Ainda sentimos a forte carência da Igreja como presença. Carecemos de pessoas preparadas ministros ordenados ou não, de preferência com rosto amazônico. Quais desafios ou assuntos, na opinião do senhor, gerarão mais debate durante o Sínodo?

Os assuntos que vão ganhar destaque no Sínodo são aqueles que afetam a vida do nosso povo, sobretudo os mais vulneráveis, os indígenas que nunca estiveram em risco de extinção como agora. A Ecologia Integral, isto é, tudo está interligado como se fôssemos um, e uma vez que um fio desta rede for atingido toda rede da casa comum está comprometida com graves

consequências. A biodiversidade não pode ser quebrada. Os problemas como o direito à terra e sua demarcação. A justiça. A saúde. A educação. A segurança. A pastoral e a evangelização. O Governo Federal já se manifestou preocupado com o Sínodo. Existe algum motivo para essa preocupação?

Não vejo necessidade, o Governo Federal se preocupar com a realização do Sínodo da Amazônia. A missão da Igreja perdura desde sua fundação no tempo de Jesus. “Ide por tudo mundo e anunciai o Evangelho a toda criatura”, é mandato do Senhor Jesus, e, a Igreja o faz a mais de dois mil anos, no cumprimento deste dever de casa. O Sínodo, por sua vez, é fruto desta caminhada de Igreja presente na Amazônia. Mártires tombaram defendendo a casa comum na Amazônia. Mártires que deram sua vida por causa dos povos indígenas. Irmão Vicente Canhas, Padre Ezequiel Ramim. Padre Balduino apanhou, sofreu e foi preso por defender a verdade a respeito dos índios. Irmã Doroty, e outros. Antes de imaginar o atual governo e sua eleição, o Sínodo já estava no coração do Santo Padre. Desde 2007, quando aconteceu a V Conferência Episcopal latino-americana em Aparecida, o então Cardeal Bergolio, julho 2019

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redator do texto tinha consigo a preocupação com a Amazônia. Em vários momentos o documento se refere a este assunto. Mais tarde, eleito Papa, Francisco, escreve Evangelli Gaudium, e, na sequencia lança a Carta Encíclica Laudato Sì. Nesta Encíclica, o Papa deixa claro sua intenção de avançar no compromisso de cuidar da Amazônia. Portanto, o Sínodo é da Igreja e para a Igreja. Faz parte da essência da missão da Igreja, e não vejo necessidade, o Governo se preocupar com a realização deste evento. Quer o Sínodo ser um serviço à Igreja e à humanidade. O Sínodo para a Amazônia pode trazer contribuições para a Igreja no resto do Brasil e até no mundo? Quais? Ao se tratar de caminhos novos para a Igreja, o intuito do Sínodo é pensar, discernir e decidir por contribuições para a Igreja local/regional tão carente e gritante, e que poderá servir também para a Igreja, além fronteiras, i/é, a universalidade da Igreja. A sinodalidade da 22

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Amazônia ajuda a pensar a sinodalidade das conferências episcopais. O Sínodo ajuda pensar a ministerialidade da Igreja. A região panamazônica respira o desejo que o mundo seja amazonizado, a partir das relações de sobriedade com a vida que nossos ancestrais nos ensinam a partir da Amazônia. Amazonizar o mundo, significa responder às inquietações do mundo e que tocam a vida da Igreja na Amazônia. O Sínodo, ao mesmo tempo em que sabe das benesses da Amazônia para o mundo, ele desafia o mundo no sentido de como pode assegurar e garantir a vida do futuro no planeta, a partir do cuidado com a Amazônia. A Amazônia não pode ser vista como uma despensa que nunca acaba. Durante a realização do Sínodo, as populações locais, principalmente as mais tradicionais serão ouvidas?

Mais de 80 mil pessoas participaram do processo de escuta. 260 eventos relacionados com a assembleia especial. 70 assembleias territoriais, 25 fóruns temáticos, mais de 170 encontros, seminários e reuniões. Ainda contamos com a presença de representantes durante a realização do Sínodo, nos dias 06 ao dia 27 de outubro próximo (2019) quando todos os

bispos da Amazônia estarão reunidos em Roma com o Papa Francisco. Vale lembrar, que o Sínodo acontece de maneira gradativa. A cada dia o Espírito Santo suscita coisas novas. O que o contato direto nesses preparativos trouxe para sua vida pessoal?

O Espírito do Sínodo nos conduz para um caminho de conversão ecológica, conversão missionária, conversão pastoral, conversão eclesial e conversão antropológica. O Sínodo trouxe para mais perto estes povos em clima de vivência da espiritualidade do encontro. O Sínodo entre outras iniciativas, trouxe para a Diocese de Juína, a escola de formação, escola de preparação para a diaconia permanente. Escola mista entre indígenas e não indígenas com 35 alunos. O Sínodo nos chamou para a inculturação e encarnação do Evangelho. O contato trouxe alegria, simplicidade. Beleza. A natureza reza, canta, dança. Respira espiritualidade. Os temas polêmicos como casamento de padres e ordenação de mulheres serão abordados?

Os chamados temas polêmicos, para mim não são polêmicos. Quando sonhamos uma Igreja toda ministerial. Uma igreja


ENTREVISTA

para o serviço. Uma Igreja samaritana, entendo que os batizados, todos somos chamados para amar e servir. Independente de ser ordenado ou não. Agora, pensar o celibato para a Igreja como dom e um valor inestimável é uma bênção, concordo, mas também pensar o celibato como única forma de exercício sacerdotal, me parece limitar a criatividade do Espírito Santo de Deus. Muitos homens podem ter vocação para o sacerdócio sem ter vocação para o celibato.

O Sínodo é o Kairós de Deus dado à Igreja para pensar e rezar estes temas que apaixonam pelo Reino de Jesus. O Sínodo é espaço aberto para o debate e favorece o diálogo. Outro aspecto é o reconhecimento da presença da mulher na Igreja. Na Diocese de Juína, de 700 catequistas, cerca de 670 são mulheres. Assim é com a animação das comunidades. Nos grupos de reflexão e grupos de família são as mulheres em sua maioria que os animam. Não vejo nada de estranho, muito menos polêmico pensar em algum ministério oficial para as mulheres.

Por que um Sínodo específico para uma região quando o mundo está cada vez mais globalizado? O Sínodo da Amazônia não é um acontecimento que anda

sozinho. Ele abre uma perspectiva para outras realidades. Ao falarmos da REPAM, por exemplo, (REDE ECLESIAL PANAMAZÔNICA) estamos abrindo espaço para que outras realidades regionais participem dos mesmos ideais, problemas, dificuldades e perspectivas.

Por exemplo, a rede do Congo, a rede meso-americano, os bosques tropicais. O Sínodo da Amazônia, Sínodo regional assume a linha de frente com coração profético as grandes inquietações do mundo. Principalmente pensar a casa comum e nosso comportamento no interior desta casa. É uma chamativa para a conversão ecológica. Diz-se que estamos consumindo 20 % a mais do que o planeta pode dar. O que acontece com a família, com a empresa quando gasta mais do que ganha? É falência na certa.

Portanto, não podemos falir a casa comum. Não podemos falir a água. Não podemos falir a biodiversidade. Não podemos falir o ambiente comum. Não podemos terceirizar nossa missão e nosso compromisso. Não podemos falir o futuro da humanidade. Não podemos negar nossa fé e falir com a obra prima da criação de Deus. Antes, nossa missão é sermos os guardiões por excelência desta obra.

A Amazônia precisa enfrentar por primeiro as grandes questões que afetam a humanidade inteira e precisa dar respostas. A Amazônia tem implicâncias para o mundo inteiro. Tudo está interligado. O Sínodo da Amazônia apesar de ser regional assume os desafios de um sistema devorador centrado na ganância do produzir o máximo, consumir tudo, e lucrar o tudo o que dá. Este paradigma do produzir, consumir e lucrar leva à falência, a moral, a ética, a vida, as relações e a responsabilidade. Pensar outro mundo possível a partir das contradições do presente e assumir um estilo de vida mais sóbrio está no coração do Sínodo como meta que garante as gerações futuras. É chegada a hora. Não temos por onde correr. Maria da Luz Fernandes Jornalista

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PALAVRA DO ARCEBISPO

A PARTILHA NASCE DA PROFUNDIDADE DA ALMA

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recho da homilia de Dom Dario Campos, Arcebispo Metropolitano na Festa de Corpus Christi em 20 de junho de 2019 na Catedral de Vitória.

A Solenidade de Corpus Christi é uma Festa que ocorre sempre na quinta feira depois da Celebração da Santíssima Trindade, ou sessenta dias depois da Páscoa, aproximando o mistério do Deus Trino ao Mistério Pascal de Cristo, que deu a vida por nós. Segundo dados históricos, essa festa foi instituída na Igreja pelo Papa Urbano IV, no século XIII, mais precisamente em 1264. Antes de ser oficializada no calendário da Igreja Católica, ela já era celebrada no meio popular, de modo devocional. Dizem que uma religiosa belga, Juliana de Corellon, em 1193, teve uma visão da Virgem Maria pedindo pa24

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ra que ela realizasse uma grande festa em honra do Corpo de Cristo na Eucaristia. Assim, a Festa passou a ser realizada no convento, depois entre as pessoas, como aconteceu com muitas festas populares, de cunho devocional. A sua oficialização, porém deu-se anos mais tarde, quase um século depois. Desse modo a Celebração de Corpus Christi nasce da devoção popular e, por se tratar de algo essencial da nossa doutrina e da nossa fé, foi adotada e oficializada pela Igreja. Com o passar dos anos, foi adquirindo outras características, de acordo com cada região onde é celebrada. No Brasil, ela se destaca pelos tapetes que são confeccionados nas ruas ou nas igrejas por onde irá passar a procissão com o

Santíssimo Sacramento no ostensório, cujo gesto possui um significado muito interessante.

A celebração do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, também conhecida como celebração de Corpus Christi, é uma celebração que nos remete à partilha, à solidariedade, ao compromisso com a vida, doando a própria vida para que outros também a tenham, como Jesus fez e do qual fazemos memória na Eucaristia. Não podemos fazer dessa celebração apenas um ato devocional, da piedade popular, como era hà séculos atrás, mas devemos resgatar aquilo que ela tem de essencial: a memória pascal, a doação da vida para que todos tenham vida, enfim a partilha. Quando falamos de parti-


lha, não nos referimos apenas à partilha de bens materiais ou de alimentos, mas de dons e da própria vida. Uma partilha, para ser verdadeiramente transformadora, precisa ser integral, vir da profundidade da alma, como um gesto de conversão, e não apenas, para desencargo de consciência, como muitos fazem. Assim sendo, a Liturgia da Palavra desse dia traz o tema da partilha em todas as suas instâncias, do alimento à vida, passando pelos dons e talentos que cada um tem. Ou seja, doação total.

São Paulo ensina que o pão e o vinho da última ceia de Jesus com seus discípulos configuram o próprio Corpo e Sangue de Jesus dado ao mundo, para que todos pudessem dele se alimentar e ter vida em plenitude. Esse pão partilhado é a própria vida doada. Desse modo, quando Jesus ensina a partilhar, ele ensina a dar a vida pelos irmãos. É esse o sentido teológico da multiplicação dos pães que temos no Evangelho de São Lucas 9, 11b-17. Porém, só dará a vida, ou seja, só vai partilhar daquilo que tem de essencial, aquele que tiver compaixão no seu coração. Por essa razão, o Evangelho começa mostrando que Jesus e seus discípulos estão diante de uma

multidão de necessitados e essa multidão não tem o que comer. Eles têm fome de pão e da Palavra, e dispensá-los para comprarem comida é o mesmo que dispensá-los da Palavra para saciarem sua fome em outro lugar, com outras coisas. Além disso, esse pão não pode ser comprado, ele precisa ser doado, partilhado, pois somente assim gerará vida. Pão que é comprado não é pão partilhado. E pão que não é partilhado não sacia a fome, ou seja, não acaba com a miséria. Muitas vezes somos tentados a dispensar as pessoas para procurarem em outros lugares, pois não queremos ser incomodados. A primeira tentação dos discípulos, diante da constatação de que já era tarde e a multidão não tinha o que comer, foi dispensá-los para irem comprar pão. Mas Jesus, movido pela compaixão, não permite isso e chama a atenção deles: “Vocês têm que dar-lhes de comer”. Isto é, eram eles que tinham que solucionar o problema e não passá-lo adiante para que outros resolvessem, ou simplesmente se livrar deles, dispensando-os.

Como discípulos e missionários de Jesus Cristo, pessoas que comungam do seu Corpo e Sangue, nós não podemos nos acomodar e negligenciar os clamores e necessidades do povo.

Precisamos fazer algo urgentemente. Foi o que Jesus propôs aos discípulos. Os discípulos disseram que tinham apenas cinco pães e dois peixes. E Jesus diz que esse pouco precisa ser partilhado. Enquanto cada um estiver agarrado ao pouco que tem e não partilhar, muitos não terão nada. A soma dos cinco pães e dois peixes são sete. Sete é o número da perfeição. A partilha é sinal da perfeição. Somente partilhando teremos um mundo perfeito, sem misérias e miseráveis. Quando os discípulos obedecem, o milagre acontece. Todos comem, ficam satisfeitos e ainda sobra. Ou seja, se ainda há fome no mundo, é sinal de que ainda não há partilha, não há vida. Foi o que Jesus partilhou, doando sua vida por nós. Assim ao celebrar o Corpos e sangue de Cristo, fazemos memória dessa doação suprema, para que nunca tenhamos resistência em partilhar, mesmo que tenhamos pouco, PIS como diz uma expressão popular, “o pouco com Deus é muito”. E é exatamente o que nos mostra o Texto de São Lucas. O pouco que os discípulos tinham tornou-se muito, tornou-se o suficiente para saciar a multidão e ainda sobrar.

Dom Dario Campos, ofm Arcebispo Metropolitano de Vitória

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ASPAS

“Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas” (Chico Buarque de Holanda)

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ulheres de Atenas, música de autoria de Chico Buarque e Augusto Boal, de 1976, usa de ironia para tratar do patriarcado (sociedade em que todo poder pertence aos homens), machismo e autoritarismo, já que na época da composição o Brasil estava em plena ditadura militar. Ao remeter a letra a Atenas, Chico Buarque critica a sociedade machista e patriarcal, que vê as mulheres como objetos, submissas aos desejos dos homens, tal qual as mulheres da Grécia Antiga. A luta das mulheres para sair dessa condição de submissão custou vidas e dores e não acabou. A primeira Conferência Mundial da Mulher, aconteceu no México, em 1975, mas vale citar dois marcos nessa caminhada das mulheres por mais políticas públicas em prol da equidade: a Conferência de Beijing, na China, em 1995, foi muito expressiva, por ter mobilizado muitas mulheres em todo o mundo (só do Brasil saíram 300 representantes), para debater temas muito relevantes como conceitos referentes às questões de gênero, vistas à autonomia e equidade da mulher no planeta e que no país resultaram numa plataforma

de políticas públicas para as mulheres. Convenções e tratados internacionais ratificados pelo Brasil reforçaram as demandas feministas por políticas públicas no Brasil. A criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, com status de ministério, no primeiro governo Lula foi resultado dessa luta. Com muito orgulho fui ministra desta pasta, a convite da presidenta Dilma Rousseff, em 2011.

Outro ponto importante nessa trajetória das mulheres foi a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, nominada Convenção de Belém do Pará (1994-2014), ratificada pelo Brasil em 1996. Foi a primeira a tratar do tema e serviu inclusive de norte para a elaboração da Lei Maria da Penha, aprovada em 2006, e da qual fui relatora na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Nos últimos anos, sobretudo após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, não por acaso a primeira mulher a chegar à Presidência da República no país e todo o processo misógino e machista descarado no dia da votação do Impeachment, assistimos um grande re-

trocesso nas áreas sociais, um desmonte nas políticas para mulheres e, consequentemente, um grande avanço da violência de gênero.

Quando olhamos para o Brasil atual parece que não saímos da Grécia antiga. No Espírito Santo, pesquisa feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no ano passado concluiu que, em três anos triplicaram processos de violência doméstica no Tribunal de Justiça do estado. As ações em curso em 2016, que eram 9.508 casos, passaram para assombrosos 28.699 processos de violência doméstica, em 2018. Neste mesmo período, o número de medidas protetivas saltou de 6.686 para 10.828. Mais assustador ainda é o quantitativo de feminicídios, que cresceram 28% somente este ano.

A composição de Chico diz muito sobre o patriarcado e o machismo da Grécia antiga, e à década de 1970, mas infelizmente fala muito sobre o momento atual do Brasil. Mas, a história ensina que a luta é o único caminho para refrear as iniquidades. Resistência é o nosso nome!

Iriny Lopes

Deputada estadual pelo PT

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VIVER BEM

A IDEAL CONSERVAÇÃO, HIGIENIZAÇÃO E PREPARO DE ALIMENTOS

EVITAM PERDAS

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descoberta do fogo há 500 mil anos foi uma das maiores conquistas da humanidade, representando mudanças no modo de preparo dos alimentos e prolongando sua vida útil. No decorrer da nossa história e da nossa evolução, ainda no período antes de Cristo (a.C.), o homem já utilizava a defumação, a salga, a fermentação, a acidificação com vinagre e a dessecação de alimentos ao sol para conservá-los.

Sabemos que grande parte dos alimentos se deteriora com muita facilidade e alguns cuidados são importantes para se evitar esse processo. Essa perda depende de aspectos que vão desde o preparo, a higiene durante a manipulação e a maneira como o alimento é armazenado.

Algumas dicas importantes: higienize corretamente as mãos antes do preparo do alimento. Lave as mãos e antebraços com sabão neutro até a altura dos cotovelos e depois seque-os com pano limpo. Se possível aplique álcool 70% nas mãos. Durante o preparo do alimento certifique que atinja 70°C por no mínimo dois minutos. Alimentos e refeições prontas podem permanecer em temperatura ambiente por apenas 28

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VIVER BEM

Podemos aproveitar 100% dos alimentos consumidos no nosso cotidiano. Por desconhecimento jogamos fora muitas cascas que são riquíssimas em nutrientes. Reaproveite a água de cozimento dos vegetais, muitas vitaminas e minerais foram perdidos nessa água. Utilize no preparo de feijão, caldos, molhos, arroz ou sopas.

três horas, e se forem refrigerados em temperatura menor do que 5ºC, podem permanecer por até cinco dias.

Todos os vegetais e frutas devem ser higienizados com cloro antes do consumo. Pode-se utilizar a água sanitária na medida de uma colher de sopa para um litro de água por dez minutos ou outros produtos específicos para essa finalidade. Muitas pessoas utilizam o vinagre para higienizar, mas essa prática não garante a completa eliminação de microrganismos. A melhor maneira de cozinhar os vegetais para manter o máximo de vitaminas é no vapor. Se não for possível dessa

Vegetais e frutas devem ser higienizados com cloro. O vinagre não garante a completa higienização. Lave mãos e antebraços com sabão neutro até a altura dos cotovelos e seque-os com pano limpo. Alimentos prontos podem permanecer em temperatura ambiente por até 3 horas. E se forem refrigerados, por até 5 dias.

maneira, cozinhe-os inteiros, colocando-os em água fervente no menor tempo possível. Reaproveite a água de cozimento dos vegetais, porque muitas vitaminas e minerais foram perdidos nessa água. Utilize no preparo de feijão, caldos, molhos, arroz ou sopas.

O momento de descascar é muito importante, se for necessário retire as cascas de legumes bem finas. Entretanto, vegetais como abóbora, abobrinha, berinjela, pepino, jiló e batata podem ser consumidos com casca.

Podemos aproveitar 100% dos alimentos consumidos no nosso cotidiano, mas por desco-

nhecimento jogamos fora muitas cascas que são riquíssimas em nutrientes. Por exemplo, as cascas de cenoura, de chuchu, de beterraba e os talos podem ser utilizados em molho de vegetais ou de carnes. As folhas da cenoura apresentam mais vitamina A do que a própria raiz e podem ser aproveitadas como tempero verde em sopas e omeletes. Folhas de batata-doce podem ser refogadas e consumidas como a couve, pois são ricas em ferro, magnésio e vitamina A. Talos de brócolis e couve-flor podem ser utilizados em sucos, batidos com alguma fruta. Ficam uma delicia!

As cascas de abacaxi, de manga e a parte branca da melancia também podem ser reaproveitadas para sucos. No caso da melancia, a parte branca é rica em citrulina e tem o potencial de provocar vasodilatação das artérias, auxiliando da redução da pressão arterial. As sementes de abóbora podem ser torradas no forno e servidas como aperitivo. Isto prova que usando a criatividade podemos nos beneficiar integralmente dos alimentos e economizar bastante. A saúde e o bolso agradecem!

Mariana Herzog Nutricionista e Sócia proprietária da Dietética Refeições

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LIÇÕES DE FRANCISCO

DESCARTE DE COMIDA, DESCARTE DE PESSOAS

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m um discurso aos membros voluntários da Federação Europeia dos Bancos de Alimentos, o Papa Francisco afirmou que “descartar a comida é descartar as pessoas” e na ocasião, agradeceu a esta organização por “dar de comer a quem tem fome”.

Em todas as épocas esta era uma preocupação central na vida das comunidades, o que fez com que Jesus nos convocasse para esta obra de misericórdia – dando comida a quem tem fome - em vista do Reino dos Céus. Mas ainda estamos bem distante de comprovar que não há nenhuma pessoa com fome em nosso bairro, em nossa cidade e em nosso mundo.

Muitos entendem que isso seria assistencialismo, mas o Papa nos ensina que se trata de um gesto concreto e silencioso de solidariedade e caridade com os mais necessitados. Para ele, o combate à fome passa em primeiro lugar pelo combate ao desperdício. É necessário coletar para distribuir, e não para desperdiçar. Nisso está o futuro e o progresso dos últimos da nossa sociedade. A humanidade necessita buscar caminhos saudáveis, solidários e modelos de vida baseados na equidade social, na dignidade da pessoa. “O desperdício não pode ser a última palavra deixada em herança pelos poucos ricos, enquanto a maior parte da humanidade se cala”, completa Francisco. Vejamos alguns dados concretos desta situação. No Brasil, são desperdiçadas 41 toneladas de alimentos por dia, o que daria para alimentar 13% da população. Por outro lado, infelizmente temos 3% da população em situação

de vulnerabilidade alimentar. A Lei 11.346 de 2006 que criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional garante que se trata da “realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer outras necessidades essenciais”. Em 2014, o Brasil tinha saído do “mapa da fome”, mas recentemente retorna com mais de 6 milhões de pessoas com fome. Desta forma, o caminho que implica a todas as pessoas, e mais diretamente aquelas envolvidas na cadeia produtiva e comercial, está bem claro nas palavras de Francisco: é preciso evitar o descarte de alimentos. A nós brasileiros significa romper com a cultura do desperdício que vem desde os tempos coloniais. O cuidado com a produção, a colheita, o armazenamento, o transporte, a distribuição, o comércio e o consumo nas casas, todos estes atores/ setores, estão convocados a ultrapassar a prática do descarte, do desperdício de alimentos. Um alimento jogado ao lixo é um cidadão faminto morrendo do nosso lado.

Edebrande Cavalieri Doutor em Ciências da Religião


CAMINHOS DA BÍBLIA

“Basta-te a minha Graça” (2Cor 12,9)

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CAMINHOS DA BÍBLIA

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apóstolo Paulo, antes de seu chamado, como todo judeu, dependia da Torá e a sua vida era baseada no cumprimento da Lei, algo que abandonou depois de seu radical encontro com o Senhor. Uma experiência que fez com que a sua posição em relação à Lei perdesse o sentido, em vista da cruz de Cristo, que passou a ser para ele o seu único motivo de glória. Por meio de sua adesão à Cruz de Cristo, o apóstolo passa a ser sustentado pela graça divina, sobretudo, diante de sua própria fraqueza, vendo na mesma graça, a manifestação da força de Cristo.

Durante toda a sua vida, Paulo foi alvo de grandes manifestações do poder de Deus, apesar disso, ele sempre se recusou a colocar nestas a sua confiança. Muito pelo contrário, pois o apóstolo sempre afirmou que na sua fraqueza humana é que ele provava a excelência do poder de Deus, fazendo da cruz de Cristo o grande sinal da força e graça divinas em sua vida. Na cruz, o apóstolo depositou toda a sua esperança e toda a sua vida, abandonando tudo o que anteriormente tinha sido para ele motivo de glória. Desse modo, Paulo viveu e fez de sua união com Cristo crucificado um caminho de vida e uma profissão de fé, a fim de que fosse sempre sustentado pela graça de Deus. Sendo assim, a confiança de Paulo no poder de Deus que nele agiu, fez dele, para toda a Igreja, um grande si-

nal e um exemplo a ser seguido, como um modelo de vivência de Fé e do ardor missionário. Em toda a sua vida e ministério, o apóstolo Paulo sofreu enormemente com as perseguições e dificuldades, de fato, por vezes viu-se colocado em situações que poderiam atentar contra sua própria vida. Todavia, apesar de tantas dificuldades e empecilhos, ele jamais duvidou do seu chamado e também nunca se sentiu desamparado. A sua força era o amor de Cristo e o vigor do seu ministério vinha da sua íntima união com o Senhor. Algo que ele sempre confirmou ao dizer: “Basta-te a minha graça” (2Cor 12,9). De fato, na fragilidade de seu corpo, ele reconheceu a ação da graça de Deus e o seu poder, de maneira especial, diante das muitas dificuldades e perseguições que sofreu.

Imagem: St. Paul in Prison, 1627, de Rembrandt Harmenszoon van Rijn.

A experiência de íntima e profunda união com o Senhor fez com que o apóstolo reconhecesse que a sua vida não pertencia mais a ele, mas, deveria ser colocada inteiramente a serviço do Evangelho, para o bem dos irmãos. Algo que foi sendo fortalecido ao longo dos anos, por meio da vivência concreta do amor de Cristo que sempre foi o centro da vida do apóstolo. Tal experiência de Paulo deve iluminar a vida e o caminho de seguimento dos discípulos hoje, a fim de que se sintam firmados e acompanhados pelo Amor do Senhor. De modo que assim como Paulo foi sustentado pelo amor e pela graça divina, todos, do mesmo modo, sintam-se acompanhados e fortalecidos em seu serviço pastoral.

Que sejam inspirados pelo testemunho do apóstolo que encontrou na cruz de Cristo, a chave de uma vivência direcionada ao amor fraterno. De modo que possam também vivenciar este amor em seu dia a dia, comunicando aos irmãos e irmãs, a exemplo de Paulo, o que recebem gratuitamente do Senhor. Apoiados na graça divina que sempre sustenta os que desejam dedicar-se à construção do Reino, como trabalhadores fecundos que semeiam a Paz, a Justiça e a Solidariedade.

Pe Andherson Franklin Lustoza de Souza Professor de Sagrada Escritura no IFTAV e Doutor em Sagrada Escritura



ECONOMIA POLÍTICA

REEXISTIR / RESISTIR

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esmontes de conquistas sociais, econômicas e políticas conseguidas na Constituição de 1988 provocam resistências. Resistência ao cinismo dos que apontam investimentos sociais como culpados por um desequilíbrio fiscal com raiz na forma como a dívida pública há muito é administrada. Resistência à manipulação de dados e informações voltadas para a desconstitucionalização da seguridade social que certamente há de atingir pessoas que mais precisam da solidariedade coletiva.

Resistência ao desmonte da soberania do Brasil, seja pela entrega de riquezas naturais e empresariais, seja pela transferência de tecnologia aqui desenvolvida de forma genuína em diversas áreas – com destaque para a exploração de gás e petróleo no pré-sal; agricultura; aeronáutica; energias alternativas, dentre outras. Resistência às tentativas de acabar com o ensino, a pesquisa e a extensão inclusivos em universidades e institutos federais. Resistência à “privataria” que objetiva desarticular o sistema de financiamento e crédito estabelecido no BNDES, no

Banco do Brasil e na Caixa Econômica Federal. Resistência ao desmonte de conselhos constituídos para fomentar e apoiar a participação social no desenho e controle de políticas públicas.

Paralelamente a importantes atos de resistência, registrem-se atitudes voltadas para uma nova forma e um novo conteúdo de existência de vida social, econômica e política. Reexistem pessoas que se articulam no desenho e operacionalização de projetos e atividades voltadas para o bem viver.

Bem viver que pode estar na maneira de produzir alimentos agroecológicos e comercializá-los diretamente à população. Experimento do Movimento de Pequenos Agricultores (MPA) que resistem à utilização de agrotóxicos e a serem elos fracos em cadeias produtivas co-

mandadas por grandes redes. Mais do resistir, reexistem tecendo novas formas de interagir entre si e com quem na cidade merece produtos saudáveis.

Bem viver que pode estar na maneira de ofertar crédito e financiamento que atente para especificidades de quem vive de pequenos negócios e de trabalhos descontínuos. Crédito e financiamento que reexistem em moeda local e que prioriza a circulação financeira no próprio bairro onde atua, como é o caso do Banco do Bem, nos bairros de São Benedito, Jaburu, Itararé, Floresta, Engenharia, Bonfim, Penha e Consolação, em Vitória.

Reexistência que se dá em tantos outros bairros onde a atuação dos governos é periférica em setores como saúde, educação, cultura, assistência social, saneamento, dentre outros; e geralmente se dá de forma violenta na ação policial. Nova forma de existência de jovens, negros, mulheres, LGBTs que resistem, reexistem e portam futuro.

Arlindo Villaschi Professor de Economia arlindo@villaschi.pro.br

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ESPIRITUALIDADE

JOÃO BATISTA, O ÚLTIMO PROFETA DO ANTIGO TESTAMENTO

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acarias e Isabel, os pais agraciados do grande profeta João Batista, contribuíram para o encerramento daquilo que era “Figura e Profecia” da Realidade ou a Realização das Promessas feitas a Abraão. Para o casal idoso não havia mais esperança de gerar um filho. Certo dia Zacarias estava no Templo prestes a prestar o serviço sacerdotal, pois era sacerdote. “Apareceu-lhe, então, um Anjo do Senhor, em pé, à direita do altar do perfume. Vendo-o Zacarias ficou perturbado e o temor assaltou-o. Mas o Anjo disse-lhe: “Não temas Zacarias, porque foi ouvida a tua oração: Isabel, tua mulher, vai dar-te um filho, e tu o chamarás de João. Ele será para ti motivo de gozo e alegria, e muitos se alegrarão com o seu nascimento; porque será grande diante do Senhor e não beberá vinho nem licor, e desde o ventre de sua mãe será cheio do Espírito Santo [...]. Zacarias perguntou ao Anjo: “Como terei certeza disso? Pois sou velho e minha mulher é de idade avançada”. O Anjo respondeu-lhe: Eu sou Gabriel, que assisto diante de Deus, e fui enviado para te falar e te trazer es-

ta feliz nova. Eis que ficarás mudo e não poderás falar até o dia em que estas coisas acontecerem, visto que não deste crédito às minhas palavras, que se hão de cumprir a seu tempo” (Mt 1,11-20). Amigo discípulo do Senhor, esta é a nossa Escola: Crer na Palavra de Deus! Jamais poderemos esquecer-nos esta Verdade! É o que nos basta: Crer na Palavra de Deus! Grave isto em seu coração de discípulo! Isabel acreditou. “Algum tempo depois Isabel, sua mulher concebeu; e por cinco meses se ocultava dizendo: “Eis a graça que o Senhor me fez, quando lançou os olhos sobre mim para tirar o meu opróbrio dentre os homens”(Mt 1,24-25). Nasce o filho gerado pelo casal idoso, cuja alegria superava toda a tristeza e vergonha do casal perante a sociedade de seu tempo.

Da fé na Palavra de Deus surge uma profunda gratidão! Fé e Gratidão! Ponto de partida para o discípulo e discípula, ambos missionários! Acredito, também, que a mãe discípula tem muito a aprender de Isabel. Imaginemos a alegria desta mãe! Imagine como bate o coração deste homem que duvidou? Imagine a gratidão deste casal! O discípulo, a discípula não podem perder a esperança! Quem crê não perde a esperança.

E, ZACARIAS? Do coração deste homem brota um hino de gratidão: “Bendito seja o Senhor Deus de Israel, porque visitou e resgatou o seu povo... E tu menino, serás chamado profeta do Altíssimo, porque precederás o Senhor e lhe prepararás o caminho (Lc 1,68...,76-79).

A fé e a gratidão levam o discípulo e a discípula à coragem da proclamação do Amor Misericordioso do Pai! “o menino foi crescendo e fortificava-se em espírito e viveu nos desertos até o dia em que se apresentou diante de Israel”(Lc 1,80).

Dom Luiz Mancilha Vilela, sscc Arcebispo emérito

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PAUTA LIVRE

A ARTE E A RECUPERAÇÃO DOS DETENTOS

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Lei de Execução Penal (LEP) em seu artigo 10º cita que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. A garantia dos direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal de 1988 assegura ao reeducando saúde, educação, respeito, trabalho, remição e assistência, como princípios da dignidade humana.

Cumprindo o que nosso ordenamento jurídico determina, diversas ações de ressocialização são desenvolvidas nas unidades prisionais do Espírito Santo. Ações que se sobrepõem ao caráter punitivo e que oferecem ao preso nova possibilidade de ser e estar em sociedade. Dentro desse contexto, a arte está inserida de uma maneira muito especial. Vemos que as mesmas mãos que um dia já praticaram crimes, se abrem para uma nova realida-

de, que estimula o indivíduo a reavaliar suas ações, aguçar a prática de bons costumes e, sobretudo, elevar sua autoestima. São com projetos como o “Mãos que Falam” que muitos detentos aprenderam a expressar seus sentimentos com tinta e pincel. As telas, consideradas obras de arte, viraram exposição nas galerias dos presídios e já foram destaque em diversas mostras realizadas em espaços públicos. A pintura artística de detentos também transforma os corredores de hospitais públicos de Vitória, tornando-os mais humanizados. Um exemplo disso são os painéis no Hospital Estadual Infantil Nossa Senhora da Glória, com a pintura em homenagem a médica Milena Gottardi e temas infantis. No Hospital Dório Silva, ilustrações da Igreja dos Reis Magos, Terceira Ponte, Mestre Álvaro e Encontro das Águas deixaram os corredores da unidade com mais vida. E no Hospital da Polícia Militar (HPM), as telas retratam o trabalho dos servidores da segurança. Assim como a tinta e o pincel, a música também transforma vidas. No Centro de Detenção Provisória (CDP) de Cachoeiro de Itapemirim, pre-

sos aprendem a tocar violão com o projeto Nova Canção. Com as aulas, eles conhecem partituras, notas musicais e ritmos, demonstram mudança de comportamento e passam a ter uma nova visão da vida.

A arte nos presídios está inserida em diversos projetos. Seja na pintura, na produção de brinquedos terapêuticos, em móveis produzidos na Marcenaria Jequitibá, que funciona no Complexo do Xuri, ou na costura de tapetes, crochês e até na descoberta da literatura brasileira, discutida no projeto Remição pela Leitura.

Com isso, concluímos que a arte é, sem dúvida, uma forma de ajudar na reinserção social. Praticar atividades artísticas colabora para a melhora do comportamento do preso, é terapêutico e influencia o convívio mais harmônico entre apenados e servidores que atuam dentro do sistema prisional. E o mais fantástico disso tudo: transforma a maneira de pensar e traz esperança de um novo recomeço, fora da criminalidade.

Roberta Ferraz

Defensora Pública e Subsecretária de Ressocialização da Secretaria de Estado da Justiça


FLASHES DO COTIDIANO

ENQUANTO ESPERO Esta eu ouvi na sala de espera de um médico.

- Não agüento mais esta demora, parece que eles marcam todo mundo no mesmo horário e a gente fica aqui esperando com cara de bobo, diz uma senhora sentada no outro lado da sala.

Eu concordo em pensamento, mas não digo nada.

- Toda vez é a mesma coisa, este povo acha que a gente não tem mais nada para fazer, responde outra senhora sentada ao meu lado.

Ambas olham para mim, mas não faço contato visual, finjo que meu pensamento está distante. Realmente gostaria que estivesse, mas estou sentado ouvindo as reclamações, justas, das duas senhoras. Deixe-me explicar. Acho horrível, como qualquer pessoa normal, ficar em fila de banco enorme, ou sala de espera de médico atrasado, mas acho pior quando começam a reclamar. Sei que é direito, mas acaba me cansando mais e isto não vai fazer a fila andar mais rápido. Ou vai? Não sei. Reclamando me sinto aquela pessoa que aperta o botão do elevador mais de uma vez. Ele não chega mais rápido por causa disto. Acho mais produtivo reclamar no PROCON, ou no plano de saúde que realmente podem e devem tomar uma atitude nestes casos. O tempo é algo muito valioso que a gente tem, mas se não soubermos gerenciá-lo bem ele vai embora rapidinho. Ás vezes é complicado quando dependemos de outra pessoa para que o nosso tempo renda e não encontramos esta cooperação. Abre a porta, outra pessoa em busca de atendimento.

- Desculpa, sou da consulta das 15 horas e estou um pouco atrasado, disse o recém chegado. - Ih... relaxa, diz a atendente. Ele ainda está atendendo a consulta das 13h30.

Foi curioso ver a cara dele com esta afirmação. Era uma mistura de alívio com indignação: alívio por não ter perdido a consulta já que o médico estava mais atrasado do que ele; indignação pelo mesmo atraso. Deixe estar, daqui a meia hora no máximo a expressão vai ser só de indignação.

- Acho que vou fazer o que minha sobrinha falou, vou me consultar com o “doutor Google”, diz uma das senhoras, - Ele é bom? Pergunta a outra.

- É o serviço de busca da internet, amiga. Lá a gente sabe qualquer coisa é só digitar os sintomas. - Como assim? Sem exames nem nada? Ouvi isto com desconforto. Muita gente está ficando paranóica com isto. Você digita algum sintoma nestes sites de pesquisa e recebe resultados apocalípticos que irão lhe perturbar até você conseguir ir ao médico para se acalmar. Eu não costumo nem abrir resultado de exames sem meu médico. Afinal não saberei interpretar mesmo. Para evitar dúvidas e paranóia, então prefiro consultar a minha avó que por via de regra me faria uma sopa e me aconselharia descansar. Se resolvia? Nem sempre, mas me fazia um bem enorme. Opa, uma das senhoras já entrou. Agorinha será a minha vez, ou não.

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MUNDO LITÚRGICO

ORAÇÃO PESSOAL INSPIRADA NA LITURGIA

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o dia 16 de julho, a Igreja celebra em grau de festa o título da Bem-Aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo (Nossa Senhora do Carmo) e, por essa liturgia, recorda a cada fiel, como também às comunidades, a essencialidade da vida centrada no amor de Deus, através do mistério de Cristo, o Filho de Maria. O itinerário da vida cristã requer cultivo, maturação e desdobramento na experiência da oração pessoal, como contínua contemplação do mistério celebrado, liturgicamente, em âmbito eclesial.

A Palavra de Deus é o anúncio de vida nas ações litúrgicas e o referencial para o diálogo afetuoso e confiante do cristão com o Senhor, ou seja, ela é a guia de oração e contemplação, para a permanente atitude de comunhão. O salmista afirma: “Feliz o homem que

não vai ao conselho dos ímpios, não para no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos zombadores. Pelo contrário: seu prazer está na lei do Senhor, e medita sua lei, dia e noite. Ele é como a árvore plantada junto d’água corrente: dá fruto no tempo devido e suas folhas nunca murcham; tudo o que ele faz é bem sucedido.” (Sl 1,1-3).

O mistério celebrado na liturgia é, por excelência, a espiritualidade cristã. Retomar meditativamente a Palavra e os elementos rituais vividos, e transpô-los para a dimensão pessoal da oração, é aprofundar e ampliar os efeitos do mistério celebrado, no compromisso de vivê-los e comunicá-los na diversidade da vida, em testemunho. O método da leitura orante da Palavra de Deus (Lectio Divina), com seus clássicos passos (1- Leitura; 2Meditação; 3-Oração; 4-Con-

templação), também pode ser aplicado para recordar e aprofundar as ações rituais.

A Constituição Sacrosanctum Concilium (sobre a Sagrada Liturgia, do Concílio Vaticano II) afirma e orienta: “Contudo, a vida espiritual não se limita unicamente à participação da sagrada Liturgia. O cristão, chamado para a oração comunitária, deve também entrar no seu quarto para rezar a sós ao Pai; e, até segundo ensina o Apóstolo, deve rezar sem cessar.” (SC 12). E, ainda, esclarece que os atos de piedade sejam inspirados na liturgia (cf. SC 13). A vida contemplativa, de oração, é o ruminar, o aprofundar e o expandir da graça em cada cristão. Em suma, é a vivência contínua, qual respirar, da parceria da Aliança, sempre ressignificada e renovada pela ação litúrgica.

Fr. José Moacyr Cadenassi

Franciscano capuchinho, letrista, cantor, consultor de liturgia, apresentador de rádio e agente de ecumenismo e diálogo inter-religioso


ARQUIVO E MEMÓRIA

CAMINHADA PELA VIDA

O povo caminhando pela rua em direção ao Tribunal de Justiça.

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a década de 1990 os índices de violência eram alarmantes no Espírito Santo, que ocupava o lugar de segundo Estado mais violento do país. Grupos de extermínios atuavam impunemente e, segundo entidades de Defesa dos Direitos Humanos, o crime organizado era o responsável pela altíssima incidência de homicídios de mando. O quadro da Segurança Pública no Estado era assustador e mais grave ainda era a conivência existentes entre o Poder Público e o crime organizado. Em outubro de 1999 o assassinato da estudante Isabela Cassani, de apenas 15 anos, chocou toda a população capixaba. Diante do agravamento desse quadro, Dom Silvestre Luiz Scandian, na época, Arcebispo de Vitória, juntamente com Dr. Agesandro da Costa Pereira, então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Espírito Santo, convocou algumas pessoas de bem e organizações interessadas em promover a paz para juntar forças e defender nosso Estado da violência e dos desmandos.

Embaixo da Terceira Ponte o povo parou para ouvir texto bíblico.


Pastor Joaquim Beato e o ex-governador Max Mauro presentes na Caminhada pela Paz e pela Vida.

Assim nasceu o Fórum Reage, Espírito Santo; um grupo que planejou ações e eventos para mostrar a indignação e revolta do povo contra aquela situação. Um dos primeiros atos do grupo foi convocar toda a sociedade capixaba a ir as ruas e exigir Justiça e Paz. Assim, respondendo ao chamado do Arcebispo e das Instituições de Direitos Humanos, no dia 21 de novembro de 1999, um domingo chuvoso e frio, aconteceu a GRANDE CAMINHADA PELA VIDA E PELA PAZ.

Os manifestantes se concentraram na Praça dos Namorados, em Vitória, onde num momento celebrativo, ouviram as falas de Dom Geraldo Lyrio Rocha, na época Bispo de Colatina, representando a Província Eclesiástica do Espírito Santo, e do Dr. Agesandro da Costa Pereira, representando a OAB.

Momento em que o povo chega ao Tribunal de Justiça do ES.

Cantando músicas com temas alusivos à paz e à vida, o povo seguiu caminhando em direção ao Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, com uma parada embaixo da Terceira Ponte para a leitura e reflexão da Palavra de Deus. Foram lembrados os nomes de várias lideranças assassinadas nos anos anteriores por defenderem a vida e os direitos da pessoa humana, como por exemplo, Padre Gabriel Maire, Verino Sossai, Francisco Domingos Ramos, entre outros. O nome da jovem Isabela Cassani também foi lembrado e seus familiares e amigos participaram de toda a caminhada. Ao final, o cantor Silvio Brito fez um show em defesa da vida e os manifestantes deixaram cruzes e panos pretos na porta do Tribunal de Justiça, como sinal da indignação do povo capixaba.

Dom Geraldo Lyrio Rocha, na época como Bispo de Colatina, no palanque montado para o evento.

Dom Silvestre Luiz Scandian e Dr. Agesandro da Costa Pereira, líderes do Fórum Reage, Espírito Santo, olham a multidão concentrada na Praça dos Namorados, em Vitória.

Giovanna Valfré Coordenação do Cedoc

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FAZER BEM

JOVENS BUSCAM MUDAR A REALIDADE DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES ATRAVÉS DO ESPORTE Eles só tinham duas bolas e quatro cones quando começaram com o projeto, mas a vontade de fazer o bem a crianças e adolescentes da Grande São Pedro não media tamanho. Hoje, o Projeto Social Nova Palestina, atende cerca de 100 meninos e meninas da região. Tendo como base o futsal, o projeto é desenvolvido voluntariamente por quatro professores de educação física e cinco colaboradores, sendo todos moradores da comunidade. Ao perceberem que as crianças ficavam sem o que fazer na praça do bairro, Filipi Silva e mais dois amigos sentiram a necessidade de criar algo para entretelas. “Vivemos

em uma região com alto índice de periculosidade. A nossa ideia é trazer as crianças para um caminho diferente. Começamos com o projeto em um sábado e a partir daí passamos a acompanhá-las mais de perto. O futsal é a nossa ferramenta e através desse esporte, aconselhamos, temos contato também com os pais, oferecemos atividades educativas que buscam desenvolver o trabalho em equipe, falamos

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da importância da disciplina e do respeito ao adversário dentro e fora de campo”, contou Filipe.

É na quadra da EMEF Neusa Nunes Gonçalves, em Nova Palestina, que os treinos são realizados. Os atletas têm entre 7 e 17 anos e são divididos por categorias.

Lyncom Vieira de 13 anos tem o nome muito parecido com o de um atacante capixaba que hoje joga pelo Flamengo, mas o atleta do Nova Palestina atua como goleiro. Ele enxerga o projeto como uma oportunidade e os professores e colaboradores como amigos.

“O projeto nos dá muitas oportunidades, os professores nos levam para participar de peneiras e é muito legal. A relação que eles têm comigo é de amizade e respeito”, disse o menino.

Em dezembro do ano passado, os atletas foram contemplados com materiais esportivos e uniformes de treino, pelo projeto do Governo “Campeões do Futuro”, mas esse benefício foi conquistado por mérito próprio da equipe de Nova Palestina. Fora isso, todas as despesas são divididas entre os professores e colaboradores.

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FAZER BEM

ONG SORRISALHAÇOS-ES ESPALHA ALEGRIA PELA GRANDE VITÓRIA

HORTA PARAÍSO: ESPAÇO DE CONSCIENTIZAÇÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Para o grupo de voluntários da ONG “Sorrisalhaços-Es”, sorrir é o melhor remédio. Através da linguagem do palhaço, eles levam alegria a hospitais, orfanatos, asilos e escolas da Grande Vitória.

Além das visitas, eles dão palestras nas escolas, fazem ações no trânsito, a fim de arrecadar dinheiro para ajudar instituições, e promovem mensalmente a campanha “Palhaço Sangue Bom”, que é uma iniciativa de conscientização para a doação de sangue.

O Sorrisalhaços-Es iniciou com 15 pessoas e hoje cerca de 90 voluntários integram o grupo. Antes de começar as atuações, eles passam por uma oficina, que dura em torno de dois a três meses. O Presidente da ONG, Aucleir Amorim, conta que eles acabam ganhando mais do que oferecem “Sorrisalhaços pa-

ra mim se tornou uma filosofia de vida e com isso aprendo que a minha dor nunca vai ser maior do que a do outro e que devemos ter empatia. Nós aprendemos muito, fazemos papel de ouvintes e recebemos mais do que damos”, afirma.

Fornecer informações necessárias para o cultivo de plantações, aproximar-se da produção de alimentos saudáveis e sem veneno, trabalhar a agroecologia e a educação ambiental, são alguns dos objetivos da Horta Paraíso. A partir da luta de moradores, a horta ganhou o seu lugar, dentro do Parque Municipal Pianista Manolo Cabral, que fica em Vitória, entre os bairros Barro Vermelho e Praia do Canto. A manutenção da horta é dos guardiões, um grupo de 10

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pessoas que se revezam nesta tarefa. Todos os finais de semana, acontecem os mutirões, quando todos se reúnem para colher as hortaliças e ervas medicinais. Os moradores dos bairros adjacentes são bem-vindos e para participarem basta o comprometimento nos cuidados da horta. O trabalho desenvolvido vem transformando lugares e pessoas no meio urbano, só na Capital do Espirito Santo, já existem seis hortas desse tipo e elas são modelos de inspiração para outras regiões.

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ACONTECEU

ENVIO DA PROCISSÃO LUMINOSA DE SANTO ANTÔNIO Velas de lanternas e a imagem de Santo Antônio iluminaram a praça da Catedral de Vitória no início da noite do dia 09 de junho quando aconteceu o envio da Procissão Luminosa do santo, que juntamente a Nossa Senhora da Vitória, é padroeiro da capital do nosso estado.

O envio foi conduzido pelo Arcebispo de Vitória, Dom Dario Campos, acompanhado do

Pe. Roberto Camillato, pároco da Basília-Santuário de Santo Antônio. Dom Dario lembrou momentos importantes desse Santo tão querido e celebrado Brasil afora. Santo Antônio foi celebrado e festejado no dia 13 de junho, data em que a Igreja celebra sua memória litúrgica, por diversas paróquias e comunidades da Arquidiocese de Vitória.

NICHO PARA GUARDAR OS SANTOS ÓLEOS A Catedral de Vitória ganhou um nicho onde a partir de agora estarão guardados, em vasos sagrados, os Santos Óleos; Óleos do Crisma, dos Catecúmenos e dos Enfermos. O espaço, que faz parte do projeto de manutenção da Catedral está localizado no batistério, local on46

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de se dá início a iniciação cristã. Durante a inauguração, Pe. Renato Criste conduziu o momento de oração e reflexão. Ele ressaltou que no início da era cristã, os santos padres diziam ser a fonte batismal, o útero da Igreja, onde são gerados os novos filhos da Igreja.

INAUGURAÇÃO DO ESPAÇO CELEBRATIVO E DE CONVIVÊNCIA Foi inaugurado no dia 10 de junho na Arquidiocese de Vitória o Espaço Celebrativo e de Convivência, junto à Casa do Propedêutico, em Manguinhos. O espaço foi preparado com o propósito de reunir os padres para momentos de descanso e lazer ou até de silêncio e oração. Na ocasião, padres e seminaristas aproveitaram para celebrar junto a Dom Dario seu aniversário (a data oficial é dia 09 de junho) e cantaram parabéns para nosso Arcebispo Metropolitano.




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